Apresentação | de Cleomar Rocha

O recorte desta edição da Z Cultural coloca em questão a tecnologia, englobando a relação arte, ciência e tecnologia, tecnologias visuais e sonoras e mídias interativas. O conjunto de artigos problematiza estas questões, em visadas históricas e críticas, estabelecendo um panorama breve e denso de aspectos motrizes das discussões que se alastram, tanto na caracterização e importância das mídias quanto de seu envolvimento com a ciência e interatividade com seu usuário.

Convidamos para este número alguns pesquisadores do Reino Unido, Portugal, Colômbia e Brasil, para juntos comporem um quadro denso de referências e possíveis desdobramentos da tecnologia na cultura, vislumbrando desde relatos mais pontuais, como o faz Roy Ascott ao mesclar conceitos com sua trajetória, passando pela revisão da relação arte, ciência e tecnologia, defendida por Martha Blassnigg, pela revisão do cinema, realizado por Michael Punt, chegando ao processo de interação, discutido por Márcio Rocha e o envolvimento do corpoespaço e os dispositivos móveis, com Luisa Paraguai. Alcançamos, neste percurso, as imagens interativas com João Tiago Silva e a música tecnológica, com Diana Cardoso, que se vale da experiência de pesquisa neste campo. Raul Niño Bernal nos convida a pensar a cidade como rede interativa da cultura, problematizando o conceito de rede social. Finalmente retornaremos a noção de poiésis, ciceroneados por Vanderlei Veget, que a pretexto de discutir interfaces, nos aponta para a construção poética, esta noção aristotélica que sonda corações e mentes, tornando-os terra fértil para plantações imaginárias, teóricas, reflexivas, cujas raízes alcançam o berço de nossa capacidade de ser. Em suma, falamos todos sobre cultura.

Agradeço a profa. Heloisa Buarque de Hollanda, por compartilhar o espaço do PACC para nossas discussões, a Júlio César dos Santos, que traduziu os textos dos originais em inglês (Roy Ascott, Martha Blassnigg e Michael Punt), aos amigos Alice Martins e Jairo Bamberg, pelo apoio de sempre e a equipe de produção da revista Z cultural. Especial agradecimento aos autores que atenderam o nosso convite e nos alegram com suas reflexões.

Cleomar Rocha
FAV UFG, Media Lab UFG | PACC – UFRJ

Além das Mídias Interativas: das cibernéticas às tecnoéticas | de Roy Ascott – tradução Cleomar Rocha e Júlio César dos Santos

Por toda a minha carreira, as mídias cibernéticas tem sido o elemento integrativo no meu processo criativo. Em 1959, os escritos de Ross Ashbyi, Norberto Wiennerii, e Heinz von Foersteriii inspirou meu pensamento sobre redes dentro de redes – tanto semânticas quanto orgânicas – que poderiam dar forma a uma arte conectiva, transformativa e generativa. Eu percebi, de pronto, que isto poderia prover uma disciplina para a arte interativa, lincando mente-a-mente, lugar-a-lugar, dentro de uma complexidade de sistemas variados. Eu demonstro minhas ideias no texto “Behaviourist Art and the Cybernetic Vision” (Arte Comportamental e a Visão Cibernética) publicado em 1966/7iv.

As mídias cibernéticas me permitiram identificar arte como um sistema combinando o artista, o trabalho artístico e o espectador num processo de interação experimental e semântico. Como estudante eu fui profundamente mobilizado pelo trabalho de Paul Cézanne, Jackson Pollock e Marcel Duchamp, que apresentam três estéticas aparentemente opostas e que levaram muitos anos para se resolverem no meu próprio trabalho. Em Cézanne, eu pude entender a pintura como um organismo que se desenvolve da mobilidade caótica, inquieta, para o ponto de vista do artista que interage com o fluxo do comportamento natural, e somente o espectador pode resolver a incompletude do seu trabalho. Em Pollock, o plano de operações foi deslocado da parede (um elemento divisor) para o chão, unificando os traços do comportamento (gestual) do artista. No caso de Duchamp, há o desafio para que o espectador negocie subjetivamente e resolva a contingência do sentido que se encontra em todo e qualquer trabalho. A sua abordagem também se dirige à própria identidade, a qual ele vê como maleável. Esta tríade estética é fundante para (minha) prática artística digital, onde comportamento, interação, negociação, desenvolvimento e identidade são seus termos definidores.

Minha “change-painting1” e “hinged relief constructions2” dos anos 1960 foram um resposta exploratória para resolver (ou, como eu teorizaria mais tarde, ‘sincretizar’) estas incompatibilidades, com cada painel transparente transportando um elemento gestual ou semiótico que poderia ser re-arranjado em novas relações através da manipalação do espectador. Este processo de permitir o espectador manipular as partes, reordená-las em configurações infinitamente variáveis, levou-me para o “tabletop3” como arena de interação com possibilidades muito importantes para o desenvolvimento do trabalho. Usando, ao acaso, “instrumentos” domésticos de controle (funis/fluxos, modeladores de bolinhos/formas, moldes/formas, tapetes anti-derrapantes/redes, cabides de roupas/conectores), o espectador era convidado a sentar-se à mesa interagindo num jogo com um parceiro, com o fim em aberto. Estes trabalhos eram, de fato, para serem coisas em si mesmas como metáforas num nível amplo de significação. O “tabletop” como interface tem sido um importante tema e suporte no meu trabalho, em suas ambas formas análogas e como um modo de exibição do meu trabalho digital projetado num suporte horizontal.

Eu pude explorar mais o poder das mídas cibernéticas como uma ferramenta cognitiva e criativa quando fui convidado a ministrar um curso totalmente experimental em Londres (e eventualmente em Ipswich). Eu o chamei de “Groundcourse”v. Seu efeito foi sentido internacionalmente, tendo ganhado muita atenção a partir da notoriedade de algum dos mais extremos desafios propostos para estudantes, mas também pela notabilidade de cada bem conhecido graduado como Brian Eno e Pete Townsend. A qualidade destes graduados pode demonstrar a excelência de um curso, e pode revelar sua natureza transformativa e integrativa. Isto pode também ser pensado como a maior aventura dos últimos tempos no mais alto nível de investigação artística, o “Planetary Collegium”vi, uma rede de pesquisa internacional, agora baseada na Universidade de Plymouth com pontos em Zurique e Milão, e que foi primeiro estabelecida por mim na Universidade de Wales em 1994, e da qual incluem, como ex-alunos, Bill Seaman, Victoria Vesna, Char Davies e o artista brasileiro Guto Nóbrega, juntamente com muitos outros artistas e teóricos notáveis.

Quando eu me mudei, em 1970, de Londres para Toronto, como presidente da “Ontário College of Art”, eu pude levar as implicações artísticas, intelectuais e filosóficas deste processo educacional para um outro nível. Aqui, as divisões de práticas do velho século em departamentos de artes refinadas, desenho gráfico, moda e produtos de estilo foram abandonadas em prol de um currículo estruturado em três principais zonas de ação: Informação, Conceito e Estrutura, cada qual elaborada com base em Análise, Teoria, Especulação e Aplicação Social, a partir das quais áreas específicas de assuntos poderiam ser geradas. A maioria dos estudantes gostaram disto; alguns professores temeram, especialmente aqueles cujos domínios eram representados por territóriosvii.

Em 1974 mudei-me para o “San Francisco Art Institute”, como vice-presidente e decano do Colégio. Na Califórnia, eu encontrei pesquisas em conferências por computador no “Stanford Research Institute”. Eu vi , claramente, as implicações futuras para a prática artística desta mídia. Eu escrevi mais tarde: ”redes de computadores podem fornecer campos de interação entre inteligências humanas e artificiais, envolvendo simbiose e integração de modos de pensar, imaginar e criar, os quais, do ponto de vista da arte, podem conduzir a uma imensa diversidade de transformações culturais; e também na ciência e filosofia, definições enriquecidas da condição humana. Redes de computadores, em resumo, respondem ao nosso profundo desejo psicológico por transcendência – por considerar o imaterial, o espiritual – a vontade de estar fora do corpo, fora da mente, de extrapolar as limitações do tempo e espaço: um tipo de teologia bio-tecnológica”viii. Eu requeri, com sucesso, uma subvenção ao “National Endowment for the Arts”, o que me permitiu distribuir terminais portáteis “Texas Instrument” para artistas no Reino Unido, Estados Unidos e Europa no primeiro evento telemático internacional que eu chamei “Terminal Art”.

Paralelamente, eu continuei pintando, buscando negociar com o não-linear, esculturas em camadas mas, em 1980, eu decidi dedicar-me inteiramente às comunicações computacionais e cunhei o termo “telematic art” para definir a minha prática. Assim como antes, eu tive um flash despertador do valor da teoria cibernética para minha prática (com) arte interativa, muito claramente eu vi na telemática a possibilidade para uma nova mídia conectiva para minha arte. Com o “National Endowment for the Arts” financiando o projeto, terminais portáteis foram enviados para artistas nos Estados Unidos e o Reino Unido. No momento em que este projeto teve início, eu mudei minha base da “Bay Area” para o Reino Unido. Lá, minha proximidade com a França me possibilitou testemunhar os primeiros passos na “telematização da sociedade”, resultante de um relatório do MinC e Nora ao Presidente da França: o programa telemáticoix. Neste momento eu comecei a desenvolver uma série de pesquisas especulativas com vistas a prováveis apropriações para a arte de desenvolvimentos tecnológicos que já haviam sido realizados ou que poderiam vir a ser desenvolvidos iminentemente. O que se pode vislumbrar está, muitas vezes, fora de alcance, tecnologicamente falando, e só pode ser antecipado pela (através da) linguagem – um processo que necessita a formulação de novas metáforas e neologismos. Penso que seja necessário a criação de termos como: “tecnoética”, “cibercepção” e “mídia-úmida”, por exemplox.

Meu primeiro grande trabalho telemático foi “La Plissure du Texte4”. O projeto surgiu em resposta a um convite de Frank Popper para participar de Electra: Eletricidade e Eletrônica na Arte do Século XXxi, no “Musèe Art Moderne de la Ville de Paris”, no outono de 1983. Popper havia escrito anteriormente sobre o meu trabalho e eu estava confiante de que seu convite oferecia uma oportunidade perfeita para criar um evento telemático de grande escala que poderia incorporar idéias e atitudes que eu havia formado ao longo dos últimos vinte anos ou mais. “La Plissure du Texte (LPDT): um Conto de Fadas Planetário, buscou pôr em marcha um processo pelo qual uma narrativa com final-aberto pode ser construída a partir de uma “mente” autoral cujos nós (da rede) interagiam assincronicamente cobrindo grandes distâncias – de fato, em escala planetária. Retrospectivamente, eu vejo como uma complexidade de ideias é capaz de criar um contexto para um trabalho cuja aparente simplicidade mascara um processo generativo que pode bifurcar em muitos outros modos de expressão e criação. Isto tem sido provado ser o caso do “LPTD2”xii que foi criado especificamente para minha exposição retrospectiva na Coréia, como parte do “Incheon Digital Arts Festival” em outubro de 2010.

Eram os sistemas psíquicos que eu vinha estudando deste o início dos anos 1960 – telepatia através dos oceanos, a comunicação com os desencarnados em mundos distantes – que me levou, uma década depois, a formular ideias da “mente compartilhada” e o conceito de autoria compartilhada. Foram narrativas tecidas por volta do período neolítico, “tecnologia espiritual” clássica e medieval da minha região-natal – Aveburry, Silbury Hill, Stonehenge e Glastonbury – que me preparou, desde muito jovem, para meus estudos subsequentes de esoterismo e o sentido do numinoso5 que, mais tarde, fui encontrar no ciberespaço. Em abril de 1970, publiquei “The Psibernetic Arch”xiii, que procurava fazer uma ponte entre as aparentemente opostas esferas da cibernética dura e os sistemas psíquicos moles.

Muitos projetos telemáticos vieram depois dos LPDT. Em 1984, eu liderei a criação do “Laboratorio Ubiqua”xiv da Bienal de Veneza, para o qual eu era um comissário internacional. Este se categorizou por todo tipo de mídia interativa computadorizada disponível no momento. Um projeto semelhante, em menor escala, introduziu o meu conceito de “Telenoia”xv – um projeto de 24 horas patrocinado pelo “V2 Centre for Unstable Media” na Holanda. Isto era uma chamada para um oitavo dia da semana, a ser conhecido como Telenoia, que defini como a celebração da conectividade, ao contrário da paranóia da cultura industrial ocidental. Em 1989, eu criei “Aspects of Gaia: vias digitais em toda a terraxvi, instaladas em dois canais em Brucknerhaus, Lins para o “Ars Electronica Festival”. “Aspects of Gaia” combinou a experiência telemática de estar fora-do-corpo no ciberespaço com a realidade concreta do espaço físico, colocando juntos uma rede de participantes distribuída globalmente, colaborando na criação e transformação de textos e imagens relacionadas a Gaia, a Terra, vista a partir de uma multiplicidade de perspectivas espirituais, científicas, culturais e mitológicas. No nível superior da Brucknerhaus, uma grande tela horizontal permitiu que espectadores olhassem para baixo e interagissem com imagens e textos compartilhados remotamente, de todo o mundo. No nível inferior, em um túnel em todo o comprimento do edifício, espectadores podiam se deslocar num carrinho eletrônico que passava por telas LED que mostrava mensagens flashes sobre Gaia. O espectador torna-se fisicamente engajado na experiência que transmitia ideias sobre a emergente qualidade da consciência telemática que se refere à Terra como um organismo vivo.

Neste ponto, reconhecendo em mim mesmo, e na experiência de artistas parceiros, a necessidade de compreender mais profundamente a nova arte-mídia que está emergindo, eu montei um programa de pesquisa de doutorado na Universidade Walles. Este foi o Centro de Pesquisa Avançada em Arte Interativa (CAAiiA), que mais tarde se mudou para a Universidade de Plymouth, com pontos filiados em Zurique e Milãoxvii. Existem hoje cerca de 60 candidatos em pesquisa ativa de doutoramento, e 25 títulos de doutorados concedidos.

No final dos anos 1990 visitei o Brasil na primeira das muitas visitas que se estenderam de Caxias do Sul no Sul para Fortaleza no Norte, tanto quanto, por algum tempo, pela região do rio Xingu com o povo Kuikuru. Durante estas visitas me tornei cada vez mais consciente da natureza sincrética das práticas espirituais do País, que inclui a Umbanda, o Candomblé, o Santo Daime e a União do Vegetal. Em muitos casos, os princípios do xamanismo aparecem dentro das culturas contemporâneas, como eu acredito que seja na Coréia hoje, onde tive o privilégio de assistir a uma série de cerimônias rituais. No Brasil fui apresentado à bebida sagrada “Ayahuasca”, que induz a estados alterados de consciência. Eu vi nisso uma tecnologia farmacêutica muito específica que altera a cognição e a percepção de maneira similar à cibercepção mediada por computador (embora muito mais profunda). Neste ponto eu introduzi a idéia das Três Realidades Virtuais – VR: Realidade Validade, Virtual e Vegetalxviii. Uma proposta em que o mundo “seco” da virtualidade computacional e o mundo “molhado” dos sistemas biológicos estão convergindo para produzir um novo substrato para o trabalho criativo – mídia-úmida – consistindo em bits, átomos, neurônios e genes. Há também uma certa convergência destas três realidades virtuais

  • Realidade Virtual (tecnologia digital interativa), que é telemática e imersiva;
  • Realidade Validada (tecnologia mecânica reativa), que é prosaica e newtoniana;
  • Realidade Vegetal (tecnologia de plantas psicoativas), que é enteogênica e espiritual.

Neste interespaço reside o grande desafio para a ciência e a arte: compreender a natureza da consciência. A estética tecnoética se faz necessária, em consórcio com a mídia-úmida, a qual pode possibilitar-nos como artistas abordar questões fundamentais do nosso tempo:

  • o que é ser humano na cultura pós biológica?
  • o que é a ontologia da mente e do corpo compartilhado no ciberespaço?
  • como lidar com a responsabilidade de redefinir a natureza e até mesmo a própria vida?
  • quais aspectos do imaterial podem contribuir com a re-materialização da arte?

Estou convencido de que a química cerebral, como acontece com a consciência de forma mais ampla, estará no topo da agenda durante a maior parte deste século. Por esta razão, eu acredito que o cânone da tecnoética dará forma a uma arte séria num futuro previsível, uma arte que investe em interação e conectividade.

Os mais antigos e legitimados códigos de pesquisa, definidos em qualquer área das humanidades ou tradição científica, são inadequados para a pesquisa realizada por artistas. Uma nova pesquisa especulativa é demandada, em apoio da qual eu persuadi a “Intellect Ltda” a publicar a revista “Technoetic Arts”xix. Eu tenho definido tecnoética como um campo convergente de práticas que procuram explorar a consciência (estados) e conectividade por meios digitais, telemáticos, químicos e espirituais, e o uso criativo da mídia-úmida. A pesquisa especulativa do artista do século XXI segue uma trajetória quíntupla, que envolve:

  • conectividade das mentes, máquinas e culturas;
  • imersão no espaço híbrido da realidade variável;
  • interação como trans-modalidades de mídias e sistemas;
  • transformação da imagem, forma e consciência;
  • a emergência de novas representações, estruturas, valores e significados individuais, culturais, espirituais e sociais.

Imersão telemática na NET que leva a múltiplos “si-mesmos”, que nos leva além da representação da absorção em consciência global e dos estados de representação sincrética.

Na prática da arte, o sincretismo pode tornar-se um imperativo metodológico. Sincretismo, na tentativa de conciliar crenças díspares ou contrárias, reúne entidades diferentes – material e imaterial – e seus costumes e códigos filosóficos, religiosos e culturais. O pensamento sincrético é associativo e não-linear. Como artistas envolvidos na conectividade e interatividade global, a nossa prática está envolvida por uma arte sincrética, refletindo e construindo uma cultura sincrética numa realidade sincrética. Sincretismo pode servir-nos para compreender as visões de mundo como multicamadas, tanto materiais como metafísicas, que estão emergindo de nosso engajamento com tecnologias computacionais infiltrantes e sistemas pós biológicos. A aplicação do pensamento sincrético tem efeitos distintos e positivos. Ela acelera o desenvolvimento tecnoético, desestabiliza ideias ortodoxas, desafia representações, hibridiza identidades, suaviza a interação social e re-ordena o tempo e o espaço.

Olhando para o futuro, podemos ver que nosso planeta está cada vez mais telemático, gerando densa e inclusiva conectividade global; nossa mente está se tornando mais plenamente tecnoética, abrindo caminhos para a consciência expandida, nosso sistema sensorial é extendido por próteses que ampliam a faculdade da cibercepção, e por uma renovação do interesse em cultivar aqueles sentidos de segunda ordem (psíquica) que a iluminação fundamentalista estrita baniu do repertório da sensibilidade humana; a identidade individual está se tornando múltipla com a criação de avatares e personagens alternativos; nosso corpo é transformável tanto em termos do físico quanto do virtual; nossa realidade se mostra numa maior variabilidade; tornando domínios múltiplos indissociáveis. Agora que nosso substrato na construção da nossa realidade está no nível do “nano”, estamos ampliando a interface das condições materiais e imateriais de ser.

Em consequência, a arte se torna progressivamente mais sincrética, com o risco de perder inteiramente seu significado social e espiritual. A mente está, em muitos aspectos, superando o corpo, e o sentido de si mesmo é tornar-se múltiplo. Como foi o caso de Duchamp, a primeira influência no meu trabalho – a identidade é maleável, o si-mesmo é emergente. Estamos em um constante estado de tornar-se: não todo mas múltiplo, não um mas muitos. O fato é que já não somos um organismo único. Progressivamente nos tornaremos mais permeáveis e transparentes – na mente, assim com no corpo – e não apenas para os outros, mas também para nós mesmos e para nossa própria auto-realização. Como consequência do desenvolvimento tecnoético estamos reconstruindo o “si-mesmo”. Estamos cada qual envolvido na construção e sincretização dos muitos “eus”xx. Quanto mais fundo entramos em nós-mesmos, mais eus descobriremos.

Como consequência do desenvolvimento das mídias interativas ao longo dos últimos 50 anos, as artes, a indústria, o meio ambiente e a educação estão todos passando por mudanças e transformações significativas; o alcance da conectividade global, a engenharia radical em matéria de corpo e mente, e o previsível poder dos sistemas computacionais são as causas mais evidentes destas mudanças de desenvolvimento. Esta época de transformações irá gerar formas totalmente novas de comportamento e comunicação, novos sistemas e estruturas. Os efeitos vão ser sentidos rapidamente na arquitetura, entretenimento, aprendizagem, características da produção industrial, mercado consumidor e nas fronteiras nacionais e geofísicas. Vamos gerar uma abordagem mais colaborativa e transdisciplinar visando solucionar nossos problemas e projetar novas iniciativas. Arte, Ciência e Tecnologia devem repensar suas interações. O Sincretismo, encontrado unidade na diferença, pode tornar-se um imperativo metodológico. Enquanto uma parte do mundo da arte continua implacavelmente materialista e competitiva, outras práticas, nomeadamente nas artes interativas e em muitos aspectos e aplicações das redes sociais, estão voltados para a conectividade pessoal e a criação de significado.

 

1 Pinturas sobre placas móveis, dispostas em camadas que parecem se mover, ou seja, mudar de lugar com o movimento do espectador, alteram a noção de profundidade e principalmente re-ordena a própria pintura. Posteriormente este trabalho é desenvolvido utilizando-se de mídias digitais. http://www.youtube.com/watch?v=stXIHsL1xm8 é um exemplo deste tipo de trabalho.

2 Do mesmo modo, elementos e placas dobráveis que constroem relevos que podem ser alterados, ou que se alteram de acordo com o movimento do espectador diante do objeto artístico. Ou seja, da mesma forma que a change-painting propõe um final-aberto, que nunca é acabado, mas sempre re-ordenada.

3 Pensado no sentido de um tabuleiro, de uma mesa para futebol de botão, onde se pode alterar a posição dos objetos, as dimensões, as formas, manipulando uma mesa-tela horizontal na qual o espectador pode interagir, tocando e manipulando elementos, re-organizando sua poética, ou seja, estética e ética.

4 Literalmente, as pregas (dobras) do texto.

5 Numinoso (do latim “numen”, divindade) é algo que é sagrado ou divino. Esse termo foi utilizado academicamene por Rudolf Otto, um dos pais da Fenomenologia Religiosa. É usado numa conotação psicológica na Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung, como aquilo que está ao dogma do supremo ordenador do cosmos, uma especie de iluminação.

i ASHBY, Ross. Design for a Brain. London: Chapman & Hall, 1952.

ii WIENER, Norbert. Cybernetcs or Control and Communication in the Animal and the Machine. New York: Wiley, 1948. The Human Use of Human Beings. Boston: Houghton Miffin, 1950.

iii FOERSTER, H. Von. Cybernetcs of Cybernetics, Urbana Illinois: University of Illinois, 1974.

iv ASCOTT, Roy. “Behaviourist Art and the Cybernetic Vision”. In: Cybernetica, Journal of the International Association for Cybernetics (Namur), 9, 1966, pp. 247-264. ASSCOTT, Roy. “Behaviourist Art and the Cybernetic Vision”. In: Cybernetica, Journal of the International Association for Cybernetics (Namur), 10, 1967. Pp.25-56.

v ASCOTT, Roy. “The Construction of Change”. In: Cambridge Opinion (Cambridge, England), 1964. Pp. 37-42.

vii WOLFE, Morris. OCA 1967-72: five turbulent years. Toronto: Brub Street Books, 2001.

viii ASCOTT, Roy. Seeing Double: Art and the Technology or Transcendence. In: ASCOTT, Roy (ed.). Reframing consciousness. Exeter: Intellect Books, 1999.

ix MINC, Alain; NORA, Simon. L’Informatisation de la société. Paris: Seuil, 1978.

x ASCOTT, Roy. Telematic Embrace: visionary theories of art, technology, and consciousness. Bekerley: University of California Press, 2003.

xi POPPER, Frank. Electra: Electricity and electronics in the art of the XXth Century. Paris: Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris, 1984.

xiii ASCOTT, Roy. “The Psibernetic Arch”. In: Studio International. London. April, 1970, pp. 181-182.

xiv ASCOTT, Roy. “Arte, Tecnologia e Computer”. In: PIROVANO, Carlo (ed.). Arte e Scienza, Biologia, Technologia e Informática. La Biennale di Venezia: Electra Editrice, 1986.

xv ASCOOT, Roy. “Telenoia”. In: ADRIAN, Robert (ed.), On Line – Kunst in Netz. Graz: Steirischen Kultuiniative, 1993.

xx ASCOTT, Roy. The Ambiguity of Self. In: ASCOTT, Roy; BAST, G. et all, New Realities: Being Syncretic. Wein, New York: Springer, pp. 22-25.

 

Roy Ascott, julho/2011.
Universidade de Plymouth, Reino Unido: Professor de Artes Tecnoéticas e Presidente do “Planetary Collegium”. Telematic Embrace. University of California Press, 2003.

A convergência da Arte e Ciência: Pistas do Passado | de Martha Blassnigg – tradução Cleomar Rocha e Júlio César dos Santos

Este artigo faz uma breve excursão pela história européia da ciência e da tecnologia numa perspectiva antropológica, destacando os valores humanos nas diretrizes subjacentes, imaginação, e atividades relacionadas à mente, como a maioria fundamentalmente constitutiva de toda a colaboração inter-disciplinar e seu impacto sobre a avaliação atual do valor associado às trocas cada vez maiores entre as Artes e as Ciências.

A Conferência Científica Internacional “Rumo a uma terceira cultura. A coexistência da arte, ciência e tecnologia”, organizada pelo Centro Laznia de Arte Contemporânea e o Museu de História em Gdansk, 23 a 25 maio de 2011, começou a discutir como “Atingir a arte por tecnologias científicas desenvolvidas agora no contexto da visão de uma terceira cultura, postulada por John Brockman “. Em vista das críticas e equívocos da problemática “duas culturas” da C.P. Snow, a postulação de uma “terceira cultura” foi criticamente abordada pela agenda das discussões da conferência, em particular em torno de idéias sobre a ciência para a arte e arte para a ciência, o papel, o significado da abordagem colaborativa, revista e criticamente a partir de diferentes perspectivas. A dimensão da interação humana em seus aportes subjacentes, a imaginação e a atividades mentais relacionadas, foi um entre muitos outros assuntos discutidos, o que será destacado aqui como o mais significativo parceiro constitucional, em especial entre as artes e ciências. Este artigo, portanto, concentra-se nas intersecções históricas entre a arte e a ciência e o que isso pode nos dizer, se não sobre a mudança de paradigmas, pelo menos, sobre a mudança em relação aos valores humanos envolvidos na colaboração.

A partir de uma excursão na história da ciência e tecnologia dos últimos dois séculos, fica evidente que o final do século 18 via a Arte e a Ciência ainda intimamente relacionados, como é explicitado, por exemplo, pelo químico e inventor Sir Humphrey Davy (1778-1829), na sua comparação entre o filósofo natural e o estado mental do artista:

A contemplação das leis do universo está conectada a uma exaltação imediata a e tranqüila da mente e puro prazer mental. A percepção da verdade é quase tão simples quanto um sentimento, como a percepção da beleza … o amor da natureza é a mesma paixão, como o amor do magnífico, do sublime e do belo. (WRIGHT, 1980: 199)

Quando o filósofo e historiador da ciência William Whewell cunhou o termo cientista, em 1833, na Inglaterra, o termo foi publicado pela primeira vez, anonimamente, em 1834, na resenha de “On the Connexion of the Physical Sciences” de Mary Somerville, com um comentário satírico sobre a crescente tendência “de separação e desmembramento “das ciências, que excluía filosofia, a menos no que referia aos termos “natural” ou “experimental”1. Ele propôs o termo novamente, de modo mais sério e em seu próprio nome em 1840, em “The Philosophy of the Inductive Science”, dando um nome genérico compreendendo vários campos científicos, semelhante à maneira como ele concebeu o termo artista para se referir às áreas da música, pintura, poesia etc. O que é particularmente interessante sobre a intervenção de Whewell para o contexto atual é que ele concebeu que todo conhecimento tem um ideal, ou dimensão subjetiva; bem como uma dimensão objetiva. O que ele viu como uma antítese fundamental do conhecimento, revelou em todo ato de conhecimento há dois elementos opostos: idéias e percepções. Por contrariar os Idealistas Alemães, bem como os sensacionalistas por sua propensão exclusivista, ele alegou estar procurando uma “via intermediária” entre racionalismo puro e um empirismo extremo.

Whewell (1858, I, 91) denominou ideias fundamentais como sendo: “… não uma conseqüência da experiência, mas um resultado da constituição particular e atividade da mente, que é independente de toda a experiência em sua origem, embora constantemente combinadas com experiência no seu exercício “. Ele reconheceu que a mente não é um mero receptor passivo de dados sensoriais, mas um participante ativo na produção de conhecimento.

É notável que a filosofia da mente reflete na história da ciência no modo como vários processos de produção de conhecimento foram compreendidos e modificados nas metodologias e significados implicados. Embora tenha sido freqüentemente alertado que a condição humana tem de ser reconhecida na sua implicitude em qualquer ato de observação ou de análise (se não na coleção científica de dados em si, e ainda, na leitura e interpretação da informação recolhida), as implicações do papel ativo da mente humana, no entanto, tem sido freqüentemente subestimado. A longa tradição na separação dualista entre a racionalidade como um processo de ordem superior e os sentidos físicos e a mente do corpo como os processos menores relacionados ao instinto deixou seus traços e ainda prevalece. Consequentemente, o dualismo cartesiano serviu predominantemente de modelo para racionalizar a separação crescente entre as Artes e Ciências durante o século 19 com uma presunçosa oposição binária entre o racional e o irracional, o inteligível e o sensível, ou o dionisíaco e o apolíneo, que Friedrich Nietzche (1872) reinterpretou como as unidades da natureza artística, como oposição estética fundamental.

Ao olhar para a interseção entre Arte e Ciência em estudos de casos particularizados, no entanto, muitos dos limites freqüentemente discutidos parecem se dissolver no reconhecimento das tensões produtivas dentro de contradições, paradoxos e incoerências nas práticas cotidianas. A partir dos muitos exemplos que podem ser extraídos da história da ciência, um caso paradigmático pode ser encontrado no fisiologista francês Etienne-Jules Marey (1830-1904), cuja obra se coloca entre as tensões que transformaram a ciência do século XIX dentro do paradigma positivista do século XX. Enquanto um estudo de caso mais completo é desenvolvido em outros lugares (BLASSNIGG, 2009) deve-se notar aqui que os estudos sobre movimento de Marey estava entre a sua capacidade visionária e orientação motivadora que entendeu o movimento como força subjacente para além da atividade executada de corpos em movimento ou substâncias, e o método científico de análise que reduziu essa força de apreender momentos para estudar posições individuais e casos de intensidades.2 A sobreposição de fotografias em série em sua “composite chronophotographs” situaram as tensões entre a calibração instrumental e a expansão da percepção subjetiva por uma ligação rigorosa com uma imaginação visionária e uma consciência explícita das suas implicações perceptuais e epistemológicas. Através de sua combinação única de métodos gráficos e fotográficos, de tecnologias de análise e de síntese, Marey teve sucesso abordando intrinsecamente a ambos: o capturado (análise) e o percebido (em suas tensões entre o experienciado e o sintetizado), em contraste com o paradigma positivista, cada vez mais privado desta totalidade e dinamismo visionário3 enquanto método científico. Esses recursos são evidentes no trabalho inovador de Marey, em que a imaginação desempenhou um papel fundamental tanto quanto a estética, ambos aplicados como ferramentas intrínsecas para complementar o rigor científico e a precisão.

A discrepância entre a análise e a descrição (ou representação visual) do movimento e o dinamismo atual das forças subjacentes de corpos animados que se cristalizam como duas dimensões chaves no trabalho de Marey, que na época também foi discutido pelo filósofo Bergson Hneri (1859-1941), que foi quem identificou a confusão entre a medição do tempo quantificável e do tempo como experiência qualitativa, uma vez que permanece fundamental reconhecer as potencialidades intrínsecas da mente humana que se mantém envolvida. Ele procurou desenvolver uma abordagem pragmático filosófica para abordar a questão da mudança de paradigma anteriormente mencionado nas ciências; inicialmente escrito como uma crítica à posição extremada do idealismo de Kant dentro do idealismo alemão de uma filosofia transcendental, ele tentou se mover através da dicotomia matéria (corpo) e espírito (mente), evitando estabelecer um reino transcendental e sem ter que considerar a consciência como um epifenômeno do cérebro. Assim procedento, os esforços de Bergson resultaram na distinção de duas tendências da mente – intelecto e intuição (antigo instinto), em uma oposição esquemática, que de forma construtiva e colaborativa foram complementando-se mutuamente ao longo do processo evolutivo, como ele demonstra em particular o caso dos processos criativos da mente (BERGSON 1999, 1998). Ao invés de representar uma crítica polêmica ao método científico, ele refletiu sobre o entreleçamento implícito e de contingências entre esses dois pólos dinâmicos e as suas necessidades evolutivas como tendência integradora: “Há coisas que a inteligência sozinha é capaz de buscar, mas que, sozinha, nunca as vai encontrar. O instinto, por si só, poderia encontrar; mas nunca irá procurá-las ” (BERGSON, 1998, 151).

A partir da perspectiva de uma filosofia (ou antropologia) da ment,e Marey e Bergson reconhecem intuição e imaginação como constituintes intrínsecos de sua prática do conhecimento, e viram a arte como uma disciplina importante para manter o movimento em uma posição dinâmica e instável – o próprio princípio da vida como é experimentado e aspirado. Há paradigmáticos exemplos anteriores de tentativas similares para descobrir um acesso mais direto e holístico para os fenômenos observados, em particular nas suas comunicações interrelacionais e representações com e no espectador, como nas obras de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832 ) e Joseph Mallord William Turner (1775-1851), que tanto tentaram mediar e comunicar a experiência de fenômenos de luz e escuridão em seu caráter unificado e alterações transitórias.4 Goethe, mais explicitamente, tinha manifestado a interação entre a intuição e o intelecto de uma forma semelhante a Bergson, pois ele compreendeu a percepção intuitiva (Anschauung) e a faculdade do pensamento (DENK-KRAFT) como duas forças complementares na conformação de qualquer ato criativo que objetiva alcançar uma maior atenção e análise mais completa (NAYDLER, 1996, 120). Não obstante que a resolução de Turner para estas tensões inerentes, como expresso em particular na sua pintura do Dilúvio, tem sido interpretada como uma imagem de desespero, a resolução de Goethe foi vivamente contestada e as intenções inerentes de Marey têm sido negligenciadas ou deliberadamente prejudicadas , suas obras tem sido orientadas por sensibilidades e preocupações interconectadas, embora em enquadramentos muito diferentes e através de metodologias divergentes. As tensões intrínsecas no tratamento do movimento dinâmico no seu trabalho e pensamento indicam a aparente incompatibilidade e paradoxo que Bergson e, semelhante aWhewell e Goethe, situou como tendências complementares da mente humana: o intelecto e a intuição.

A busca de Bergson, no entanto, não só reconhece alguns destes paradoxos irreconciliáveis, mas escava um caminho através do reconhecimento da agência imanente durante o processo perceptivo co-criativo como evento ontológico que interliga apreensão estética e intuição com rigor intelectual. O esforço em direção ao holismo, sem negligenciar a agência criativa e promulgada autodeterminação do participante (seja ele humano ou não humano), oferece-se como uma solução potencial para a dicotomia comumente assumida entre mente e matéria através de uma compreensão pragmática da intuição, que suplementa e, finalmente, contém o intelecto. A fim de manter em vista a constante renegociação dos valores humanos em qualquer prática do conhecimento (no pleno reconhecimento de agência e criatividade como forças motrizes), uma das principais preocupações pode ser identificada nos canais que facilitam a co-construção de conclusões específicas levantados deles mesmos. Estes “conjuntos” com as práticas e experiências do cotidiano através de participação(1) pro-ativa, co-criativa e consciente pode constituir uma verdadeira “ciência compartilhada”, em especial quando se trata de troca de conhecimento através da colaboração. Neste sentido, o binário arte-ciência genérico, talvez entre os muitos binários interdisciplinares, serve como um modelo para aludir ao potencial transformador da dinâmica da troca, como eles aspiram e que Sundar Sarukkai (2009) chamou de uma “ética da curiosidade” em ciência. Ao invés de contar os resultados em termos de diferença (1 + 1 = 2) ou de equalização em terra comum como uma espécie de amálgama (1 + 1 = 1), a equação mais valiosa da arte-ciência pode estar no recorte da dinâmica fusão: 1 + 1 = 3; não como uma terceira “cultura”, no entanto, mas como algo novo e diferente que pode acontecer em um meta-nível como princípio autotranscendente de qualquer colisão materializada. O restabelecimento do sublime como uma qualidade na efetiva atividade da mente humana, ao invés de um “dado” de natureza transcendental em termos de um “absoluto”, fornece uma reconciliação potencial da condição humana de viver entre binários, em um dualismo que não precisa ser necessariamente superado, mas que alimenta a fusão evidente que produz os deleites da mente promulgada por meio de uma responsabilidade de a conceber como um todo. Um dom ativo do amor que só pode ser apreciado na atividade concreta de estar com, no próprio ato co-criativo entre dois elementos, nas seções transversais de qualquer prática com o objetivo de produzir novos conhecimentos ou algo assim, com ou sem o auxílio da tecnologia, o movimento efetivamente criativo da mente que “mentaliza”. Como tal, a polaridade da arte-ciencia pode ser vista em uma gama muito maior de oposições binárias, onde questões semelhantes e dificuldades de comunicação podem ocorrer: nas colaborações interdisciplinares relacionadas a diálogos inter-culturais, a assuntos relacionados a gênero, a trocas inter-nacionais, a relações inter-geracionais etc.

A capacidade de apreciar e facilitar a transcendência disciplinar aparece como o fulcro de que podem inflamar no encontro ciência-arte, mas somente se os métodos envolvidos e as abordagens forem mantidos inteiros numa relação dialógica (ao invés de uma dialética ou uma convergência) que desafiem a unificação e abraçem a diferença na mutualidade (co-sendo). Deixar de lado modelos paradoxais como premissas, para dislumbrar novas visões podem provocar uma fusão onde as relações envolvidas estão sendo transformadas e discernimentos sendo transferidos através de uma troca de conhecimentos que não elimina, mas acomoda diferenças. Um encontro idealizado e produtivo que se orienta potencialmente em direção a uma auto-transcendência responsável, privilegiando o todo . Mentalidade aberta, tolerância, generosidade intelectual, curiosidade ética, modéstia – qualidades essenciais para qualquer encontro na fronteira entre as disciplinas, culturas, nações, ideologias, etc – indicam um papel-modelo que a ciência da arte da colaboração poderia representar no século XXI, para um reconsideração dos valores das Humanidades, que não se restringem aos seres humanos, mas estende seu parentesco a todas as formas de vida. Isto estava no cerne da visão de Henri Bergson de uma nova ciência que abraçava a metafísica por meio da filosofia, especialmente como expressa em sua abordagem para a compreensão da consciência além dos limites humanos em “L’Evolução Créatrice “(1907. Evolution, Creative, 1998) pelo que , pode-se sugerir retrospectivamente, ele talvez deveria ter ganhado o prêmio Nobel da Paz, além do que ele recebeu em 1929, de Literatura. Intuição, entendida como prática responsável auto-consciente e dom ativo do amor , mais que uma visão espontânea, pode servir como abordagem potencial em direção a uma atitude “humanitária” através da escolha auto-transcendente e agência individual para descobrir os domínios que são deliberadamente ou acidentalmente perdidos na tradução. Numa última análise, o principal desafio a ser identificado pode não ser a busca de uma linguagem comum, mas sim o desenvolvimento de competências e habilidades em relação ao entendimento da mente humana de modo a acomodar diferença e contingência em sintonia com os valores selecionados e advogados para orientar buscas futuras.

 

Referências

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1Citação retirada da Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2006. Disponível em http://plato.stanford.edu/entries/whewell. Acessado em 30/05/2011.

2A Monografia de Marey: Movement (1895; Le Movement, 1894) é particularmente esclarecedora para compreender as intenções subjacentes em seus estudos do movimento.

3O método científico é reducionista a certos valores e dimensões humanas como uma condição necessária da sua eficaz especialização e quantificação e isto não é considerado um problema – somente é problema se esta redução estiver ultrapassando a perspectiva do todo e, consequentemente, a especialização se mostra como a totalidade, o que não só ocorre nas Ciências mas também nas Artes e Humanidades.

4 A contextualização do trabalho de Marey e Bergson com as ideias de Goethe e Turner, da percepção da luz, é mais plenamente elaborada no artigo: The Delightful (1) Mind and a Case for Aesthetic Intuition: Marey and Bergson in the Company of Goehte’s and Turner’s Conceptions of Light. In: Light, Image, Imagination: The Spectrum Beyond Reality and Illusion. Blassing, M. (ed.) Amsterdan: Amsterdan University Press.

 

Martha Blassnigg
Universidade de Plymouth

Combinando Tecnologias: primeiro cinema, cultura popular e o imaginário tecnológico, de Michel Punt – tradução Cleomar Rocha e Júlio César dos Santos

A história tecnológica do cinema sempre levantou questões polêmicas: não simplesmente quem inventou qual parte do dispositivo a quando, mas talvez, mais profundamente, o que foi realmente inventado e como aquele conjunto de invenções se tornou a portadora de uma mistura heterogênea de coisas que hoje reconhecemos como filmes. E, o que é ainda mais desconcertante, como eles todos se juntam para se tornar o que nós conhecemos como cinema.

Para começar por algum lugar – ao invés de em toda parte – poderíamos iniciar na Europa e mais precisamente em Roundhay e Leeds Bridge onde, em 1888, Louis Le Prince fez fotografias sequenciais com uma câmera recém desenvolvida com a finalidade de projetá-las de forma a dar a ilusão de movimento. Nós poderíamos também começar em Clovelly Cottage, St Albans, no Reino Unido, onde em março de 1895 Brit Acres também produziu o que poderia ser chamado um filme de sua casa e, em seguida, em junho, com vários filmes de sucessão de quadrinhos. Nós poderíamos igualmente iniciar em Newark, New Jersey, com os experimentos de W.K.L. Dickson com filme sonoro em 1894 (possivelmente antes); ou Lyons com August e Louis Lumière e sua filmagem de suas portas de fábrica, também em março de 1895; ou na Alemanha com Otto Anschutz ou os Irmaos Skladanowsky ou, antes, no Reino Unido com Robert Paul e William Firese-Greene. Faz-se necessário começar por algum lugar, invés de por todos os lugares porque se as últimas décadas de pesquisa do primeiro cinema nos ensinaram alguma coisa é que ninguém é dono da invenção e, mais particularmente, o que hoje conhecemos como cinema era uma construção colaborativa; uma dinâmica combinação de de forças tracionando em várias direções.

Apesar disso, muita energia intelectual tem sido dedicada a correlacionar as histórias pessoais destes e de muitos outros inventores, artistas, empresários e construtores de aparelhos de modo a fornecer uma linha de tempo – uma cronologia – que, de uma vez por todas, diga-nos quem inventou o cinema. Parece pouco provável que esta história um tanto nacionalista nunca será conclusiva, mas imagine que algumas evidências convincentes viessem à luz que poderiam – sem medo de contração – estabelecer de uma vez por todas quem inventou o cinema e quando, o que isso nos diria? Certamente quase nada de útil, exceto, talvez, que um país poderia finalmente imprimir um retrato em um selo postal e reivindicar definitivamente ter sido o berço do maior engenho da cultura audiovisual na história do planeta. Isto, com certeza, não nos diz muito sobre filme como um meio de descrever o mundo como nós o percebemos correntemente, e nada sobre as instituições de produção, distribuição e recepção que se uniram para formar o que o mundo começou a conhecer por volta de 1906 como o cinema. Tentativas para dar conta do cinema quase sempre incorporavam uma outra história em um “segundo nível acadêmico”; por exemplo histórias do entretenimento, as formas da mídia, formas do filme, a economia, o nacionalismo, rodovias, imigração, relações industriais, demografia, urbanização, parques de diversão, mulheres, homens, esporte de espectador e assim por diante. Todas essas abordagens também englobam histórias materialistas da tecnologia e usam um ou mais destes suplementos junto a uma cronologia de patentes para fornecer um zigoto convincente do cinema que aparece num determinado lugar e tempo.

Desafiado pela evidente arbitrariedade deste tipo de abordagem tem-se tentado desenhar histórias especulativas e contrafactuais num novo historicismo, com uma falsa modéstia, para apresentar uma rede de determinantes que nos conduz a uma história provisória, subjetiva e assumidamente parcial da origem dos filmes. Estas redes de atores, com sua franca admissão de incompletude, permitem que o cinema emerja de uma trajetória histórica e insinuações numa gestualidade que lembra o truque hábil das mãos realizado por um mágico. Para avançar neste tipo de história da tecnologia em geral, e do cinema em particular, que era consistente com o modelo correlativo no meu próprio trabalho, há algum tempo eu introduzi o conceito de Imaginário Tecnológico. Este foi um conceito que desenvolvi para discutir os modos pelos quais a tecnologia foi pensado tanto como hardware quanto como uma aspiração cultural. A importância desta coexistência do material e do imaginado era que abraçava tanto as atuais condições da tecnologia quanto seu futuro desenvolvimento. Embora não haja nisto uma espécie de tautologia, é aquela que, na minha opinião, pode ser aceita porque nos permite pensar a tecnologia da mesmo forma como pensamos a mídia, sem confundir os dois (caso frequente no estudo de novas mídias em particular). A busca por progresso tecnológico no modelo que eu desenvolvi não é autônoma e externa, é também a consequência (e, portanto, pode representar) das aspirações e desejos das dimensões relativas que nós chamamos cultura. Além disso, este modelo também incorpora uma dimensão recursiva, com outra mídia, no ato de representar aquelas aspirações e desejos que se transmutam em modos que nós não estamos completamente seguros sobre se eles podem, mas podemos estar razoavelmente certos, contribuir para a construção de novas aspirações e desejos.

O conceito de Imaginário Tecnológico foi usado para revisitar a história do cinema e abordar questões como: porque o “Kinetoscope” (kinetoscópio) e o “Cinematagraphe” (cinematógrafo) foram inventados quando eles o foram? E como a tecnologia para produzir, projetar e sintetizar imagens fotográficas em formas tais que a cognitivamente impenetrável percepção do movimento artifical tornou-se o cinema? E, talvez acima de tudo, qual foi a agência de quem se utilizou de tudo isso? Estas não são perguntas originais ou mesmo notáveis, e elas foram respondidas direta ou indiretamente em grande parte do material publicado aludido acima. No entanto, ninguém poderia fazer mais do que fornecer uma cronologia na qual a tecnologia é investida em vários degraus de determinação de modo a explicar o momento da invenção e, no mais, a formação do cinema foi atribuída a forças sociais, econômicas e políticas como determinantes de suas formas. O Imaginário Tecnológico, no entanto, insistia numa abordagem mais sofisticada e informada para a questão da tecnologia e mudanças que combinavam com a discussão da própria idéia de tecnologia como mídia.

O primeiro impacto desta forma de pensamento é o de forçar questões sobre a distinção entre o entendimento individual de um tecnologia e um “consenso” mais amplo sobre o que uma invenção pode geralmente significar. No caso do cinema parece óbvio agora, com o benefício da retrospectiva, que os tecnologistas, difusores e inovadores considerados chave não compartilham uma mesma visão do que a tecnologia veio, muito rapidamente, significar para a maioria daquelas pessoas que se utilizaram dela. Esta visão foi tomada num conceito correlacional tal como “inteligibilidade mútua” que poderia dar conta do cinema como uma realidade contingente – uma força que se produz a partir de um compromisso dinâmico entre a tríade: produtores, distribuidores e exibidores.

O segundo impacto de considerar a tecnologia como uma mídia é insistir que um quarto termo é adicionado à tríade familiar – a audiência. Conforme nos tornamos mais familiarizados com as tão propaladas “histórias baseada nos atores”, particularmente na história da tecnologia, a inclusão da audiência torna-se mais que uma tática politicamente atrativa. No exemplo do início do cinema fica claro que exibidores (muitas vezes lanternistas usando imagem em movimento rotativas (como slides) e audiências estavam do mesmo modo tecnologicamente implicadas. Além disso, como exibidores eram, no mínimo, editores dos filmes (colocando-os mais curtos para compor um programa de exibição) e mais frequentemente produtores, o produto final filme era uma colaboração entre o que o produtor pensava que seria sucesso tendo por base uma experiência de interação direta com a audiência. Um dos grandes pioneiros do cinema britânico, Cecil Hepworth, nos lembra que os produtores tinham interação direta com o público desde quando filmes eram mostrados em feiras e eles poderiam ser, pessoalmente, os responsáveis por coletar os ingressos vendidos. Da mesma forma, R.W.Paul pedalou ele mesmo por Londres para apresentar seus shows em teatros, não só para garantir a qualidade da projeção mas, também, para ser capaz de avaliar quais filmes impressionaram ou não a audiência. A inteligibilidade mútua dos dispositivos inventados pelos Irmãos Lumière, Edison, Dixson, Paul et. al. dependia desse contato íntimo do qual Antoine Lumière, que apresentou o Cinematógrafo em Paris, em 1985, não pareceu reconhecer quando aconselhou Georges Miliéu a não comprar máquinas, pois sua atração não duraria mais que três meses. Miliéu, no entanto, era um mágico, e sabia que os artistas tinham que trabalhar com o público para criar uma interpretação mútua de um efeito tecnológico (ainda que assimétrica). Ele viu, na projeção de imagens que pareciam mover-se, uma oportunidade a mais de apresentar algo surpreendente, mas suficiente curto e maravilhoso, de modo que os levasse a especular sobre a causa de tal maravilhamento.

O terceiro impacto de considerar a tecnologia como mídia é situar sua história, teoria e estética conjuntamente ao canône de pensamento estabelecido sobre a representação. O que poderia ser chamado de “realismo ingênuo” há muito foi visto com ceticismo no pensamento crítico nas Artes e Humanidades (infelizmente, porém, não nas ciências duras). A certeza de uma ligação direta e imutável entre o modo como mundo é (seja lá o que poderíamos escolher como significado) e o modo como nossos sentidos são capazes de o perceber foi desafiado por Kant. Em seu lugar várias filosofias correlacionadas foram propostas num esforço de oferecer suporte a um espectro de premissas de uma realidade contingente que remontam o construtivismo radical, passando vários modelos de relativismo. Neste caminho, seria muito equivocado (ou corajoso) fazer uma efetiva reivindicação de uma ligação absoluta entre a representação e o representado, e isto tem sido uma das pedras angulares da teoria moderna da mídia. Em suma, assim como o realismo ingênuo é suspeito (depois de Kant) na discussão de como é o mundo, é do mesmo modo insustentável na discussão da representação. No entanto, grande parte da literatura em estudos de cinema, incluindo a história da tecnologia dos filmes, adere ao realismo ingênuo para falar das primeiras audiências. O mito que o público confundia a imagem de um trem chegando à estação com um trem real, apesar de evidências contraditórias, e que era visto por seus próprios olhos, tem sofrido questionamentos. “L’Arrival d’un train à la Ciotat” não foi mostrado nas primeiras exibições feitas em Paris, em 1895, mas a afirmação de que o público se esquivou dela, feita por aqueles que a conheceriam melhor, e sua resistência como cânone, no entanto, são essenciais se o imperativo cultural do “realismo” for usado para responder a questões como: porque o cinematógrafo foi inventado e quando o foi? Por que o público inesperadamente se juntou para vê-lo? E como ele se tornou cinema?

Se a tecnologia da imagem em movimento foi impulsionada pelo imperativo cultural de investir na imagem fotográfica com o movimento em busca de um realismo ainda maior, então, algumas questões importantes precisam ser respondidas. Além das objeções descritas acima de que uma pequena imagem distorcida de um trem não poderia ser confundida com a experiência familiar de um trem real, nós precisamos ter certeza que, enquanto inventores, críticas e estudiosos eram críticos ao realismo ingênuo, o público em geral – ou mais precisamente um público atento e curioso, que pagaria um franco para ver uma nova invenção – estavam sob a influência de uma simplificação, que não se sustentava, de sua própria experiência. A resistência deste mito tem despertado muitas casualidades históricas e nós, agora, precisamos recuperar os seus pontos cegos. Precisamos rever a evidência do gosto popular por literatura, artes, ciências e tecnologia da mesma forma como a popularidade de jornais instrucionais baratos, palestras, exposições etc., e a afirmação que em Paris, pelo menos, filósofos como Bergson eram vistos como heróis. Além disso, seria preciso rever como uma mente aberta a uma enorme resistência, de um materialismo evidentemente arrogante e uma crença generalizada e quase totalmente inclusiva do imaterialismo transcendente, ainda apóia o espiritualismo em seus vários tons.

O entusiasmo para o que poderíamos chamar de fenômenos sobrenaturais foi não somente evidenciada pela participação popular em eventos Espiritualistas e de entretenimento público, mas também na comunidade científica, segundo Richard Luckhurst, que viu pouca distinção entre telepatia e frequências no espectro eletromagnético que estavam além do visível, incluindo aqueles que não faziam muito questionamentos, tais como a ultra-violeta, infra-vermelhos e bandas de rádio. William Crookes, figura chave na identificação de elementos e o desenvolvimento de tubos (lâmpadas) fluorescentes e raios anódicos, era também um pesquisador ativo em pesquisa psíquica. Esta cultura intelectual, na qual se assumia uma continuidade entre o material e o imaterial, pode lançar alguma luz sobre os usos de tecnologias fotográficas e, em particular, fotografias espirituais e post-mortem, que podem agora ser vistas como ilustrativas mais do que como fraudulentas ou mórbidas. Além do que, da mesma maneira, muitos documentários contemporâneos (feitos para a televisão principalmente) use filmagens aparentemente autênticas para ilustrar, por exemplo, eventos tais como as tentativas de assassinato contra a Rainha Victória que teve lugar antes de 1895. Este uso do anacronismo e da analogia parece ser razoavelmente aceitável e, como tal, é continuada na representação de batalhas “Boer War” usando modelos e re-decretos, erotismo e pornografia, pictorialismo fotográfico, publicidade e jornalismo documental.

A fotografia era, e apesar de toda retórica ainda é, primeiro e principalmente legal ao sistema particular da produção de imagens e apenas em segundo lugar liga a um evento que pode ou não ter se desenrolado antes da câmera. A transição relativamente ininterrupta da fotografia ótico-química para ótico-digital, e o óbvio rebaixamento de segundo para uma segunda ordem que está implícita nesta ausência de significado, tem, ao que parece, finalmente nos permitido fotografias espirituais (de espíritos), como expressão de uma dimensão imaginária que parecia ser bastante difundida na Europa e nos EUA. Além disso, retirando da tecnologia fotográfica (como distinta do discurso da fotografia) o ônus de satisfazer um imperativo cultural dúbio para um realismo, nos permite considerá-la independentemente das discussões de representação e oferece uma oportunidade de vê-la como uma tecnologia cujo sentido é correlativo. Crary e Batchen argumentaram convincentemente que localizar a pré-história da fotografia na câmara escura é perder a significância das mudanças radicais na compreensão dos aparatos perceptivos após o que foi difundido por Kant e Goethe, e negligenciar a natureza histórica da percepção – um conceito que já está bem estabelecido na neurociência e estudos sobre a consciência.

Como é bem conhecido, a história da fotografia como uma tecnologia de produção da imagem tem um precedente importante de antes de 1834, e muitos relatos minaram sua pré história como um processo de “escrita de luz”. A atração do “mágico” não pode ser descartada, mas a consolidação da fotografia como meio popular de representação e, ao final, de sua inteligibilidade mútua, também pode ser rastreada em suas conexões com outra fascinação do século XIX – seriografia – na medida em que a interpretação dominante desta tecnologia privelgia seu potencial para repetibilidade no “Calotype”. Enquanto tecnologia fotográfica (e outros meios heliográficos) poderia produzir uma imagem que era co-extensiva com as convenções de representação desenvolvidas por pintores europeus e, como tal, encontrei um mercado na reprodução de certos gêneros artísticos (retratos e paisagem, principalmente); foi na reprodução infinita de imagens idênticas que se encontrou sua inteligibilidade mútua. Aqui, muito independentemente da discussão da representação e do imperativo do realismo (ingênuo), podemos encontrar a extensão de um sistema foto-ótico da fotografia em tecnologias da imagem em movimento. O “Kinetoscope”, “Flip-books”, “Filoscope”, “Mutoscope”, o “Kionora” e outros chamados invenções pré cinema (algumas não baseadas em fotografia e patenteadas a partir de 1895) dialogicamente envolvem, através da agência de vários técnicos e empresários, com tecnologias seriográficas a partir de um efeito perceptivo de tecnologias que fazem cópias. Ficou claro que quando eram incrementadas pequenas diferenças entre as imagens havia um efeito particular na percepção humana que produz uma sensação de inteligibilidade mútua de realidade, que às vezes é propositadamente confundida com a crença numa realidade ingênua.

Enquanto a base ótico-química do cinema não é para ser desprezada, do mesmo modo o impacto da serigrafia é um fator que também deve ser internamente contabilizado. Se é na produção em massa de lanternas mágicas que mostravam séries de slides idênticos ou o trabalho de W.K.L. Dickson para Edison no fonógrafo cilíndrico “Kinetoscope” (no qual se usou micro-fotografias) ou o de Louis Le Prince, de William Friese-Greene, Birt Acres ou o de Roberto Paul, contribuições para a tecnologia do cinema, pode-se sugerir que cada um deles contou com a capacidade tecnológica de imprimir imagens idênticas, com registro preciso. Esses inventores também enfrentaram de longe uma solução tecnológica mais difícil de projetar a imagem (como uma forma de re-impressão fugitiva), de tal forma que também se criou a ilusão de movimento através destes aparatos perceptivos no observador. Retrospectivamente, isso não foi difícil, mas na época foi desafiador, pois, como sabemos agora, o truque desse efeito é conseguido por amostragem, tomando o que foi antes fotografado pela câmera a 16 fotogramas por segundo, copiando-os para 300 fotogramas por segundo e projetando-os a 25 fotogramas por segundo (interrompidos por um período preto do mesmo comprimento). A tecnologia da imagem em movimento alcança seu efeito através da diferença significativa entre a maneira como a imagem é produzida, a maneira como é apresentada e a maneira como ela é apreendida. Este efeito em particular tem sido descrito como cognitivamente impenetrável na medida em que a familiaridade com os meios não atrapalhe a ilusão e, neste sentido, está tão próximo da cromolitografia quanto da fotografia.

Destacar o “Cinematógrafo” das anteriores e bem estabelecidas histórias da fotografia e insistir numa conexão primária (como uma tecnologia) com a serigrafia não tem em si mérito especial, salvo se procedemos da história tecnológica para além, para a história da mídia, nós evitamos os erros do determinismo tecnológico. Esta não é simplesmente uma consequência do benefício da retrospectiva – afinal, a litografia não foi ultrapassada por outras mídias e agora está no cerne da produção de chips de silício e fornece suporte para um outro grande engenho da cultura. Mas, pela inseparável dupla tecnologia e mídia – um meio de transformar a percepção através de um processo ativo de representação – nós somos capazes de contar a ambos como fatores naquilo que eu tenho chamado de imaginário tecnológico e, mais importante, levando em consideração a sedução do cinema sem pensar o público como caipiras ingênuos (primitivos) que estejam sob a influência de uma versão pré kantiana da realidade.

 

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Biografia

Michael Punt é Professor de Arte e Tecnologia na “University of Plymouth”. É também editor-chefe da “Leonardo Reviews” que publica mais de 200 artigos (ensaios) por ano em arte, ciência e tecnologia. Entre 1969 e 1994 ele tinha realizado mais de cem exposições (exibições) de seu trabalho incluindo performances individuais, tem feito 15 filmes. Ele recebeu seu Doutorado na “University of Amsterdan (Early Cinema and Technological Imaginary, 2000), disponível em http://dare.uva.nl/document/100064) e produziu dois livros em co-autoria.

Ele publicou mais de 80 artigos sobre cinema e história da tecnologia digital em periódicos chave. Entre 1996 e 2000 ele foi um colaborador regular da “Skrien”, a revista holandesa sobre memória do cinema e crítica televisiva. Durante esse período, ele escreveu uma coluna mensal sobre cinema, arte e internet. Nos últimos cinco anos, ele apresentou “papers” e palestras em mais de uma dzia de países e, atualmente, está trabalhando num projeto de dois volumes sobre tecnologia e imaginação durante o “longo século XX”.

Ele está atualmente conduzindo um grande projeto de pesquisa conjunta com a “VU”, Amsterdan; a “University of Applied Arts”, Viena; o “Netherlands Filmmuseum” e “The Netherlands Institue for Sound and Vision”. Este projeto: “Technology, Excange and Flow: Artistic Practices and Commercial Application”, financiado através do HERA, concentra-se em filme experimental e publicidade na Europa e será concluído com uma grande exposição (exibição) em Viena.

Michel Punt
Pesquisa em Transtecnologia
Universidade de Plymouth, Reino Unido

Cognitive Embodied e Enaction são reais perspectivas para o Design de Interação? | de Marcio Rocha

Resumo

Alguns movimentos distintos são apresentados nesse artigo. Primeiro, conceitua Embodiment e Enaction 1 dentro do campo teórico das ciências cognitivas. Em seguida, argumenta utilizando esses conceitos, para uma reflexão sobre esse campo teórico e sugere que a partir dessas duas teorias externalistas da filosofia da mente, novos conhecimentos podem emergir de forma a contribuir para o Design de Interação ampliando nosso desenvolvimento teórico sobre o assunto. Teorias externalistas sugerem que a mente e os processos cognitivos que as constituem se ampliam para além da fronteira do corpo do indivíduo. Se nossa compreensão do mundo se dá através da interação de nossos corpos com o ambiente como parte do processo cognitivo, como o campo Design de Interação pode explorar Embodied e Enaction para tornar nossas interações com a tecnologia mais natural?

Palavras-chave
Embodiement – Enaction –Interaction Design.

O campo interdisciplinar das ciências cognitivas têm tradicionalmente se debruçado sobre questões que tentam explicar como nossa cognição é modelada e como nossa compreensão do mundo é construída. Há no entanto, outras noções de computação que figuraram nas histórias tanto das ciências da computação, quanto das ciências cognitivas. A visão externalista explorada atualmente entre os cientistas das ciências cognitivas se refere a teoria do Embodiement e Enaction trabalhada do ponto de vista fenomenológico de Husserl e Merleau-Ponty, e atualizadas por filósofos e cientistas como Clark (1997) Varela et al. (1991), Thompson (2007), Thompson e Varela (2001), Sheets-Johnstone (1990, 1999), Michael Wheeler (2005), entre outros.

Embodiement fundamentalmente é a premissa de que nossos corpos influenciam a forma como pensamos e que os processos cognitivos estão intrínsicamente conectados aos nossos corpos.

According to the embodied perspective, cognition is situated in the interaction of body and world, dynamic bodily process such a motor activity can be part of reasoning process, and offline cognition is body-based too. Finally embodiment assumes that cognition evolved for action, and because of this, perception and action are not separate systems, but are inextricably linked to each other and to cognition. This last idea is a near relative to the core idea of enaction. (Edwin Hutchins, 428, 2010).

Complementarmente, Enaction é a idéia de que nossa experiência do mundo é criado no nosso organismo modelado por nossas ações.

Enaction is the idea that organism create their own experience through their actions. Organism are not passive receivers of input from the environment, but are actors in the environment such that what they experience is shaped by how they act.

Embodiment and enaction are names for two approaches that strive for a new understanding of the nature of human cognition by taking seriously the fact that humans are biological creatures. Neither approach is yet well defined, but both provide some useful analytic tools for understanding real-world cognition (Edwin Hutchins, 428, 2010).

Ambas perspectivas são provocativas na mesma medida em que, ainda que promissoras, não estão totalmente elucidadas. Porém, essas duas premissas indicam que nossos corpos biológicos, não são receptores passivos de entrada do ambiente, mas são atores ativos no ambiente onde suas experiências são moldadas através de seus atos e que o aprender e a nossa compreensão do mundo, ou seja o processo de cognição está não somente conectado com o fazer, como conectado com o mundo real experienciado.

De fato é curioso notar, evidenciada através das observações do nosso quotidiano, o quanto estamos facilmente inclinados a concordar com essas duas premissas. Há uma velha história conhecida no Brasil, que quando você mostra um novo objeto a alguém, seu interlocutor logo deseja tocar e sentir o objeto. Quase que instantaneamente e as vezes preventivamente, o proprietário do novo objeto diz de forma bem humorada e protetora ao seu interlocutor: – Veja com os olhos, não com as mãos! É que para nós, não basta somente olhar, é preciso pegar e sentir o objeto. Essa história cotidiana, apesar de reducionista, ilustra bem um condição enraizada da natureza humana e sugere o quanto nossas interações com os objetos não somente são mediadas pelo nosso corpo biológico, mas também o quanto nossas interações e a nossa percepção dependem de nossa mente encarnada, que percebe o nosso aparelho sensório-motor, gerando a percepção. De fato, a percepção de incompletude é enfatizada quando não tocamos o objeto e nos limitamos somente a olhar para ele. Isso de certa maneira indica que nossos organismos não são somente receptores passivos. Nossos organismos reagem avidamente pela busca da experiência que inclui nosso aparelho sensório-motor que tem predileção por atuar com o ambiente e talvez essa seja a maneira como o nossos corpos biológicos encontraram para se conectar mais naturalmente ao mundo ao seu redor e adaptar-se a ele, ser transformado e moldado por ele e essa perspectiva cognitiva incorporada parece compactuar em grande parte para o nosso processo de raciocínio e aprendizado.

Um outro exemplo que ilustra bem isso é quando estamos interagindo com um aplicativo no computador. Em um certo ponto da interação, (assumindo que se esta navegando em um aplicativo que permita essa relativa imersão) é possível até mesmo esquecer-se que se está manipulando um mouse ou teclado, já que absorvidos pelo conteúdo ou pela tarefa que realizamos, nem sequer notamos a presença do mouse ou teclado, assumindo como extensão do nosso corpo e da nossa mente a pequena seta do mouse que se move diligentemente no monitor. De fato quando nos sentamos em nossos computadores, toda ou grande parte da nossa atenção é captada, incluindo a completude do nossos corpos, mentes e ambientes, já que são inseparáveis e indivisíveis e de alguma forma complementares, sendo difícil precisar ao certo, onde termina um e onde começa o outro. Também em harmonia com nossa condição cognitiva incorporada, Andy Clark (2003), argumenta sobre a facilidade que os humanos possuem em se integrar (seus corpos e mentes) com o mundo artificial e o sistema de objetos que o homem construiu para si próprio:

The accomplished writer, armed with pen and paper, usually pays no heed to the pen and paper tools while attempting to create an essay or a poem. They have become transparent equipment, tools whose use and functioning have become so deeply dovetailed to the biological system that there is a very real sense in which—while they are up and running—the problem-solving system just is the composite of the biological system and these non-biological tools. The artist’s sketch pad and the blind person’s cane can come to function as transparent equipment, as may certain well-used and well-integrated items of higher technology, a teenager’s cell phone perhaps. Sports equipment and musical instruments often fall into the same broad category (2003, p.38).

O clássico exemplo do homem cego com uma bengala que o auxilia no processo de cognição e o integra ao ambiente, se tornou freqüente na literatura desde que Head (1920) mencionou-o pela primeira vez. Como Merleau-Ponty também descreve:

The blind man’s stick has ceased to be an object for him, and is no longer perceived for itself; its point has become an area of sensitivity, extending the scope and active radius of touch, and providing a parallel to sight’ (1962, p. 143).

Clark também destaca o processo pelo qual nos tornamos aptos a nos integrar com essas ferramentas, argumentando que não nascemos com as habilidades necessárias, mas que nossos organismos biológicos são moldados para interagir com essas ferramentas, que apresentam diferentes níveis de dificuldade de apreensão de forma a integrar-se com nossos organismos.

Often, such integration and ease of use require training and practice. We are not born in command of the skills required. Nonetheless, some technologies may demand only skills that already suit our biological profiles, while others may demand skills that require extended training programs designed to bend the biological organism into shape (2003, p. 38).

Isso abre um escopo para a compreensão de que a interação não é somente sobre o que está sendo feito, mas também como esta relação é estabelecida. Mais do que isso, coloca definitivamente juntos corpo, mente e ambiente em uma tentativa harmoniosa de compreendê-los conectados, tornando Embodiement e Enaction perspectivas extremamente interessantes para pensar como a cognição humana opera com o mundo natural e que tipo de conhecimento pode emergir para a compreensão do homem interagindo com as novas tecnologias digitais. Embodiment cognition, ou cognição personificada, indica que a nossa mente não está restrita e enclausurada somente em nossos cerébros, e nosso processo mental está distribuído por todo o nosso organismo e a nossa ampla condição de ser vivo no mundo.

 

Seres humanos e computadores

As ciências cognitivas como estudo da mente e da inteligência, por sua condição interdisciplinar propiciou subsidiar vários campos de investigação, entre elas a Interação humano computador. Apesar dos esforços, o campo da Interação Humano Computador tem tradicionalmente se encarregado de tornar as nossas interações com tecnologia mais amigáveis e naturais, suavizando a relação com métodos e técnicas de aproximação muitas vezes com grande ênfase na tecnologia e pouco foco humanista até então. Muito do que se sabe sobre Interação humano computador são baseadas na noção arcaica das ciências cognitivas que acreditava que as pessoas se comportavam como processadores de informação e que o processo de pensar era muito semelhante ao processo de computar. Grande parte desse pensamento surgiu com as ideias de Alan Turing e e sua máquina de Turing (e, posteriormente, o teste de Turing2) e também com as idéias de Claude Shannon, em 1937, a partir de seu trabalho de mestrado, A Symbolic Analysis of Relay and Switching Circuits, que posteriormente contribuiu para a origem do Teoria da Informação.

Gradativamente, pontuais avanços nos permitiram compreender que pessoas e computadores não eram semelhantes e que o processo de pensar seria bem mais complexo do que somente processar informações. Um argumento conhecido como Chinese Room3 (John Searle, 1980) refutava a ideia de que o processo mental era semelhante a computar. Mesmo se um computador simular um comportamento ou um diálogo inteligente, isso não significa necessariamente “pensar”. O ser humano, por sua vez, mais do que manipular símbolos, pensa sobre os símbolos que estão sendo manipulados, operando-os sintática e semanticamente. Trata-se de um processo dinâmico, mais complexo do que computar. O experimento pressupõe de que a sintaxe não garante a existência da semântica e por consequência a produção de significados/sentidos.

Bem mais tarde, ainda dentro desse mesmo espírito fundamentado nessa época, foram desenvolvidos alguns métodos para equalizar as interações do usuário com o computador, na tentativa de reduzir a fricção entre ambos (CARD, MORAN, and NEWELL, 1983). Essas ações poderiam ser físicas, cognitivas ou perceptivas e a utilização desses três ações elementares serviram para o desenvolvimento de técnicas que forneciam informações valiosas para o estudo das interfaces, mas ainda assim apresentavam alguns inconvenientes pois não consideravam o quão seres humanos podem ser afetados por fatores como fadiga, seu grau individual de deficiência, limitações físicas, seus hábitos, personalidades, grau de experiência como usuários e o ambiente social no qual estão inseridos, entre outros.

Seu foco na usabilidade também desconsiderava a funcionalidade do sistema, baseado em um sistema de regras contraditórias de difícil adaptação. A inclusão do uso de personas e técnicas que consideravam a individualidade dos usuários tornaram o foco mais específico e humanista, mas ainda longe de uma resolução definitiva. O campo então passou a integrar diferentes disciplinas e, apesar de propor métodos cada vez mais inclusivos, a tendência do IHC tem sido essencialmente simplificar. O caminho da simplificação sugere ser um caminho lúcido, com muitas preposições advindas da Teoria da Informação. Não se trata somente de reduzir erros, mas de transmitir informações de forma mais eficaz, mas em contraste, a palavra simplificar sugere que apesar dos avanços na compreensão dos métodos, contraditoriamente, o homem ainda continua sendo visto como um processador de informações, que precisa ter suas ações modeladas, os passos ou cliques do mouse calculados, não pode ter sua memória sobrecarregada e precisa ser prevenido constantemente sobre seus próprios ações e erros. Muitas dessas técnicas foram aplicadas com o uso de restrições e da manipulação direta proporcionada pelas Interfaces Gráficas do Usuário (GUI).

O advento das Interfaces gráficas ajudou a popularizar o computador pessoal impulsionando em grande parte a integração entre o homem e o computador, ampliando o acesso antes restrito a cientistas, programadores e técnicos mais especializados, gerando a partir daí, um campo completo de pesquisadores interessados em interfaces computacionais. De fato muito se tem falado sobre interfaces, mas muito pouco ainda se tem feito para penetrar o seu lado humano. A democratização proporcionada pelos computadores pessoais e o advento das interfaces computacionais tornou o computador mais popular, mas nossa interação com a tecnologia não se tornou tão menos complicada e obscura. A mesma interface que supostamente traduziria e tornaria o computador inteligível para a maioria de nós, muitas vezes ao invés de aproximar, divide homem e máquina. Ao separamos superfície de sua estrutura, grande parte do significado se perde entre o mundo físico e o mundo “virtual” e ocasionalmente a interface não reflete as possibilidades do software.

Por que apesar dos avanços sobre o nosso conhecimento sobre nós mesmos são insuficientes para tornar nossa relação com a tecnologia mais natural? As ciências cognitivas têm percorrido esse caminho. Ora demonstrando-se insuficiente para o enfrentamento do problema da interação em amplo aspecto. O ser humano, provido de emoções, consciência, corpo biológico, livre arbítrio e sujeito a condições do ambiente tem se demonstrado muitas vezes incapaz de compreender parte desse novo repertório digital, que tem apresentado um comportamento cada vez mais complexo com o passar dos anos. Supostamente, a forma como refletimos e produzimos o conhecimento sobre nós mesmos, não acompanha a rapidez e a dinâmica envolvida nessa relação. A própria tecnologia se encarrega de nos tornar mais rápidos e de ampliar nossas capacidades, e talvez por consequência torna o processo de reflexão sobre nós mesmos, um tanto quanto mais lento, dada a natureza da própria auto-reflexão e a nova ecologia de produtos em franca expansão tecnológica. Podemos inclusive considerar que nossa capacidade de processar informações com o auxílio das tecnologias progrediu. Na utilização de automação, câmeras de monitoramento, vigilância e controle os computadores demonstram mais eficácia que os seres humanos, assim como em muitas outras tarefas. O jogo de xadrez por exemplo, se tornou um clássico para os cientistas testarem a potencialidade de seus computadores. Para um computador é muito simples “jogar” xadrez e é considerada uma tarefa um tanto quanto difícil jogar em alto nivel para um ser humano. Mas o computador o fará utilizando cálculo bruto e massiva capacidade de processamento operando simulações matemáticas dos prováveis movimentos, mas ainda assim estará distante de “jogar” xadrez em um sentido mais humano do uso do termo. O computador irá prever e calcular os movimentos das peças no tabuleiro, mas ainda está longe de compreender toda a dinâmica que envolve um jogo de xadrez em um sentido ampliado, assim como prever as ações humanas de seu oponente. Um software de computador irá meramente manipular símbolos, operar funções matemáticas, calcular probabilidades, enquanto a mente humana construirá significados a partir do jogo. A competência computacional se encerra na matriz matemática imposta pelo tabuleiro e nas possibilidades das peças do jogo, assim como os limites de movimentação das peças disponíveis. Essa competência está mais relacionada a capacidade de cálculo e processamento do computador, no entanto seres humanos fazem coisas consideradas bem mais complexas, como aprender, compreender poesia, interpretar um texto e apreciar as artes por exemplo.

Isso tudo tem demonstrado que prever as ações humanas muitas vezes tem se revelado uma atividade complexa, e a história recente nos faz crer que há domínios de problemas que os humanos podem pensar e alcançar o conhecimento, mas que não são formalmente computáveis. A conclusão é que conhecer as raízes biológicas por trás das ações humanas parece ser um caminho para compreender a interação das pessoas com as tecnologias digitais e muitos pesquisadores tem trabalhado com temas que consideram essa maior aproximação, como Paul Dourish (2001) e Malcolm McCullough (2004), enfatizando também como os conceitos são socialmente construídos e como a cognição é contextualmente distribuída (HUTCHINS, 1995). Apesar de não constituirem campos essencialmente novos, as pesquisas nessa área indicam uma mudança para o reconhecimento de uma pluralidade de novas perspectivas.

 

Conectando interação, embodiment e enaction

Os movimentos acimas descritos procuraram de forma ainda exploratória integrar Embodiment, Enaction e Design de Interação tendo em vista a compreensão desses fenômenos de forma inter-relacionada com os desafios que o Design de Interação. A mudança dessa visão sugere que o problema está intrinsicamente ligado a mutabilidade das ciências cognitivas e da interação humano computador como campo de conhecimento. De fato o Design de Interação surgiu como uma abordagem alternativa a interação humano computador. O design de interação considera uma aproximação mais plural, não se limitando apenas a nossa relação com os computadores, mas sim a uma gama muito maior de objetos, produtos e artefatos e a complexidade advinda dessa nova ecologia tecnológica, com uma abordagem multidisciplinar e holística. Tendências recentes em design de interação incluem emoção em design, usabilidade e prazer no uso produtos interativos (NORMAN 2004), tecnologia como experiência (McCARTHY e WRIGHT 2004), tecnologias persuasivas (FOGG, 2000), computação afetiva (PICARD, 1997), design afetivo (ABOULAFIA e BANNON 2004), agentes autônomos (TOMLINSON, 2005), design performativo (KUUTTI, IACUCCI e IACUCCI 2002), computação sensível ao contexto (DOURISH 2001b), entre outros.

Já é possível vislumbrar, por exemplo, uma certa aproximação dessa dimensão interativa em alguns produtos. É possivel perceber uma certa movimentação na indústria voltada para o desenvolvimento de produtos que consideram o uso do corpo, utilizando recursos na pesquisa e no desenvolvimento de seu sensores de profundidade, com algoritmos de rastreamento-esquelético, que funciona através da atribuição de cada pixel em uma imagem para uma parte particular do corpo, criando uma imagem difusa do corpo humano onde a profundidade de cada ponto é reconhecido, graças a um sensor infravermelho. O sistema basicamente é alimentado com uma vasta catalogação de dados de captação de movimento que incluem dançar, chutar e correr, além de outros movimentos. Através desses frames captados, partes do corpo são identificadas e o sistema calcula a localização provável das articulações para construir e mapear um esqueleto humano. O algoritmo é executado para o reconhecer o corpo humano, e rastrear os movimentos com a rapidez suficiente para que sejam incorporados ao sistema. Trata-se de uma combinação altamente inovadora de câmeras, microfones e um software que transforma o seu corpo no controle do sistema, ativado por voz, captação de vídeo e reconhecimento facial, com grande potencialidade de aplicação. Longe de ser uma solução definitiva, a qualidade desse produto em específico leva em conta que a mente e o corpo parecem ser equipados com diferentes caminhos pelos quais nós conceituamos a realidade, valorizando a experiência para o aprendizado, a cognição e a descoberta intuitiva, considerando nossa complexa conformação biológica. O que está por trás desse tipo de produto é que a interação considera de forma contundente o corpo do indivíduo como parte do processo de interação e cognição, estimula a autonomia do usuário e cria a experiência sem ignorar o contexto do qual o indivíduo está inserido.

Maturana e Varela fundamentalmente descrevem que o termo enactivismo sugere que a cognição depende de um conjunto dinâmico de relações e associações dependentes do contexto.

Thus we confront the problem of understanding how our experience – the praxis of our living – is coupled to a surrounding world which appears filled with regularities that are at every instant the result of our biological and social histories.

Indeed, the whole mechanism of generating ourselves as describers and observers tells us that our world, as the world which we bring forth in our coexistence with others, will always have precisely that mixture of regularity and mutability, that combination of solidity and shifting sand, so typical of human experience when we look at it up close. (Varella, 1992, pg. 241)

Embodiment em uma tradução livre, significa que o processo cognitivo está incorporado, embutido em nosso corpos. Enaction sugere uma espécie de ação futura. Uma espécie de potencialidade de ação e ambos os conceitos estão relacionados. Ainda segundo vários pesquisadores (VARELA, THOMPSON, and ROSCH 1991; THOMPSON, 2005) nós podemos identificar cinco ideias conectadas que constituem a noção de Enaction. São elas: autonomia, produção dos sentidos, emergência, incorporamento ou encarnado e experiência (autonomy, sense-making, emergence, embodiment and experience), mas que por hora não cabem tanto aqui. O que se mostra interessante nessa perspectiva é considerar o que pode emergir dessa concepção na construção do diálogo com as novas tecnologias. Antes de tudo é preciso primeiro reconhecer o computador dentro de uma perspectiva mais ampliada. O computador não é mais um aparelho limitado somente às nossas mesas de trabalho. Com o avanço da tecnologia, da engenharia da computação e do crescimento do poder de processamento desses aparelhos, aliado a miniaturização, o avanço dos semicondutores e processadores, qualquer objeto pode ser um computador em potencial, desde que carregue consigo potencial para manipular e executar instruções. Muito da ecologia de novos artefatos digitais sofreu radicais mudanças nos últimos anos. Com o advento das redes sem fios e a implementação de tecnologias móveis e telas sensíveis ao toque, uma nova gama de produtos foram criados, desde laptops, netbooks, notebooks, tablets, celulares, etc. A diversidade, a onipresença e o tamanho das telas variam desde pequenas dimensões, para telas com a extensão de uma parede ou várias telas de alta definição, redefinindo profundamente a forma de exergarmos a computação e o design desse produtos. Além dessas mudanças, um novo cenário ubíquo e pervasivo promete ser potencializar ainda mais, incluindo gestos, toques, movimentos, vozes, sons podem se tornar formas mais naturais de interação. Mas para isso é preciso construir toda uma nova base crítica para reformular as ciências cognitivas dentro dessa nova perspectiva, baseada no Embodiement e no Enaction. Esse movimentos já estão ocorrendo gradativamente com pesquisadores interessados em avançar, mas que precisa se solidificar para que os designers possam projetar à luz desses novos conhecimentos.

 

Conclusão

Diariamente novos produtos são lançados contendo novos códigos, tornando senão todos, parte de nós pouco competentes para lidar com a tecnologia digital e suas diversas formas de interagir. Esses novos produtos, fruto do avanço da tecnologia, tem apresentado um comportamento cada dia mais complexo. O tradicional funcionalismo que dominou o início das teorias que buscavam compreender a relação entre o homem e o computador ainda não se dissipou por completo. Parte do esforço aqui concentrado procura contrapor essa posição prospectando novas possibilidades a partir de uma visão mais contemporânea da compreensão da cognição humana e como isso pode reduzir substancialmente a fricção entre homem e tecnologia. A intenção aqui não é propor o abandono das técnicas e métodos que tem sido úteis aos designers para a criação do diálogo entre homem e a tecnologia digital, nem sugerir que seres humanos compartilham semelhanças biológicas e portanto o design de interação deve considerar uma suposta pasteurização de soluções, mas sim tentar estender a consciência do nível de orquestração e do esforço que é necessário fazer para o design de interação avançar, compreendendo melhor a natureza humana. Até certo ponto, é contraditório que tenhamos dificuldade em nos relacionar com a tecnologia que de alguma forma foi criada pelos homens, para os homens. O que nós ainda não entendemos de fato, a tecnologia ou a nós mesmos?

Infelizmente, estas questões ainda não podem ser respondidas satisfatoriamente. De fato, não há resposta simples para um problema tão complexo. O movimento aqui descrito, ainda que exploratório, procura, de certa maneira, despertar o interesse de pesquisadores em design de interação em atualizar-se sobre os novos movimentos operados pelas ciências cognitivas. A tendência “enativa” vigorosamente defendido por Varela ainda está longe de ter se tornado um paradigma de pleno consenso teórico. No entanto, ele tem o mérito de salientar alguns pontos fracos das ciências cognitivas, em particular a sua tendência a negligenciar fenômenos dinâmicos, autonomia, ação e contexto. As pesquisas e a investigação futura irão mostrar se é possível acomodar alguns desses aspectos da cognição em uma teoria mais abrangente das quais os designers e interessados possam se beneficiar de alguma forma. Sobretudo, essa teoria sugere que nossa interação não é isoladamente representacional, mas encontra-se em movimento para um novo conjunto de relações dinâmicas que devem ser consideradas e isso por sí só representa uma completa mudança paradigmática da compreensão sobre como nós interagimos com o mundo natural, artificial e tecnológico que nos cercam.

 

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Notes

1 – Embodiment e Enaction são apresentados aqui originamente em ingles, conforme literatura consultada e encontram-se traduzidas, interpretativamente dentro do conteúdo do proprio texto.

2 – O teste consistia em submeter um operador, fechado em uma sala, a descobrir se quem respondia suas perguntas, introduzidas através do teclado era um outro homem ou uma máquina. A intenção era de descobrir se podiamos atribuir à máquina a noção de inteligência.

3 – Chinese Room – ou experimento do Quarto Chines, é considerada uma resposta a teoria proposta por Alan Turing, que basicamente desmistificava a noção de inteligencia por sugerir que manipular simbolos não implica necessariamente em compreende-los.

 

Marcio Alves da Rocha
PhD Researcher Student in Art and Media of Transtechnology Research Group
University of Plymouth – United Kingdom

Federal University of Goiás
School of Visual Arts – Bachelor of Visual Arts / Graphic Design
Funded by CAPES 0854107

Estudante e pesquisador no PhD em Arte e Mídia pelo grupo de pesquisa Transtechnology
da Universidade de Plymouth – Reino Unido

Universidade Federal de Goiás
Faculdade de Artes Visuais – Bacharelado em Artes Visuais/Design Grafico
Bolsista da CAPES 0854107

 

 

Dispositivos móveis: Dimensões e espacialidades do corpoespaço | de Luisa Paraguai

Resumo

O texto aborda o contexto de dispositivos móveis, vestíveis ou não, enquanto artefatos multisensoriais que atualizam, de forma complexa, nossas construções perceptivas e ações. Ao assumir a fisicalidade corpórea dos usuários e a materialidade de objetos e do espaço como dados de entrada em sistemas computacionais, questiona-se a possibilidade de reconfiguração do corpo na sua própria apresentação e percepção a partir das interações mediadas neste contexto. Essa condição híbrida e processual apontam modos específicos de apreensão e de comunicação, que interessam discutir neste trabalho. Após as abordagens teóricas sobre interfaces enactives, alguns trabalhos artísticos serão apresentados, diante das específicas propostas de construção e experimentação de estados sensórios. Estas propostas artísticas potencializam o corpo e o espaço nas suas condições matéricas e dimensionais, na medida em que a percepção dos mesmos articula elementos interdependentes para a construção sensível da realidade como uma experiência estética e fenomenológica.

Palavras-chave
Design, Arte e tecnologia, Espacialidades, Dispositivo móvel, Computador vestivel.

 

Introdução

Os dispositivos móveis, vestíveis ou não, vêm promovendo uma mediação humano/máquina peculiar aos usuários, marcadamente em suas atividades diárias, de forma que a gestualidade e/ou contato físico dos mesmos com as interfaces transformam-se literalmente em informação para os sistemas computacionais. Assim, o que parece diferenciá-los de outros dispositivos, não apenas como sistemas de representação, é a forma determinante com que o corpo em movimento do usuário são atuantes e constituem-se enquanto dados de entrada e de saída. Os usuários apresentam-se reconfigurados na sua gestualidade e terminam por construir uma compreensão corpórea e espacial peculiares, dinâmicas, que se estendem e contraem, diante da movimentação dos mesmos. Os limites territoriais da relação corpoespaço reorganizam-se dinamicamente a partir de uma negociação do sensível, em constantes remediações entre o local e o remoto, o pessoal e o coletivo, o físico e o digital, e apresentam-se como tema para reflexão neste texto.

Os dispositivos tecnológicos são abordados como artefatos multisensoriais na medida em que suas específicas interconexões promovem interferências na percepção dos usuários tanto pela visualidade (forma) como nas articulações dimensionais do espaço (comunicação); reforça-se o entendimento de um corpo agente e determinante na relação humano/máquina. O processo do fazer, entre o pensamento e a ação, contém o corpo como elemento articulador e organizador e essa condição processual, bem como a dinâmica baseada na circularidade entre a ação do usuário sobre aquilo que ele constituiu como objeto e, reflexivamente, a ação desse objeto sobre o mesmo, parecem apontar um modo específico de operar e estabelecer relações entre usuário e interface.

O cotidiano de todo indivíduo está repleto de objetos, cujas funções, texturas e formas, determinam maneiras específicas de pegar, carregar, acionar, jogar, e constroem assim práticas que passam a ser recuperadas em outras situações de ressignificação. As relações entre operação e função, assim recuperadas, apontam para o estudo da interfaces enactive, a ser desenvolvido a seguir. Como afirma MOLES (apud SANTOS, 1999, p.77) “os objetos são duplamente mediadores, porque colocam-se entre o homem e a sociedade e entre o homem e sua situação material”. A construção de conhecimento apresenta-se assim, dependente da condição de existência no mundo, e portanto, intrinsecamente relacionada com o entendimento de corpo, com a linguagem e com a história política e social de cada indivíduo.

I. Enaction: corpoespaço em constante construção

No contexto das interfaces tecnológicas recentes, cada vez mais a ação e percepção dos usuários imbricam-se em formas complexas que traçam dependências e interferências dependentes do meio onde acontecem. Isto vale dizer que das relações estabelecidas por um fluxo dinâmico de informações e trocas emergem espacialidades presentes, articuladas entre o físico e o virtual, ambas reais. O corpo, ao articular infinitas apropriações estéticas e vivenciais com os seus desdobramentos e experimentações expande os limites territoriais físicos e manifesta um acontecimento subjetivo. Para contextualizar estas articulações e apontar a relação multimodal e situada no corpo apresenta-se a interface enactive, objetivo central deste texto.

O termo “enaction” foi introduzido pela primeira vez por Jerome Bruner, na Psicologia Cognitiva, (PASQUINELLI, 2007, p.93), quando afirmou que o conhecimento “enactive” é construído a partir de competências que requisitam habilidades motoras durante o processo do fazer, como por exemplo dançar, tocar um instrumento musical, manipular objetos, andar de bicicleta. Diferentemente do conhecimento elaborado de forma icônica ou metafórica, este paradigma da cognição está centrado em dinâmicas sensório-motoras, atividades corpóreas, e coloca as mediações entre o indivíduo e seu ambiente como fundamentais e determinantes para a produção de significados; este conhecimento apresenta-se assim constituído por padrões de experiência incorporada, que necessariamente precisam ser cultural e socialmente compartilhados. A ação é considerada como pré-requisito para percepção; assim, os inputs sensórios, como o reconhecimento do entorno, apenas passam a significar na medida em que ações são realizadas. Como afirma STEWART (2007, p.90) “sem ação não existe mundo e nem percepção”.

Para validar esta afirmação recuperam-se os trabalhos de vários artistas, Lygia Clark, Hélio Oiticica e Robert Morris, que em diferentes momentos da história e com distintas tecnologias procuraram validar a construção da relação corpoespaço no campo do poético. Lygia Clark com a experiência sensória do corpo no trabalho “Nostalgia do corpo – corpo coletivo” (figura 1) apresenta os corpos totalmente envolvidos na fronteira do vestir e de certa forma aprisionados pelo limite físico do corpo; a condição apresentada reconstrói a relação corpo/espaço ao estimular uma ação e percepção diferenciadas diante do acontecimento – corpos atravessados que se opõem e compõem de forma inusitadas. Hoje, com as tecnologias móveis reelabora-se a percepção do corpo, que se apresenta constantemente detectado e monitorado na sua ação e deslocamento espacial. As chamadas via celular e as trocas de arquivo via bluetooth rastreiam o usuário no ambiente físico e requisitam sua atenção, momentaneamente alterada para uma condição multi-tarefa.

Figura 1: "Nostalgia do corpo-corpo coletivo", Lygia Clark, 1965-88. Fonte: http://www.sbi.org.br/sbinarede/SBInarede63/ LygiaClarkNostalgiadoCorpoaCorpo1986.jpg

Hélio Oiticica com seus “parangolés” (figura 2) propõe uma aproximação estética com o cotidiano onde o corpo apresenta-se como um receptáculo de informações que se expande no comportamento e na aparência que transita no espaço. Nesta vivência do corpo-e-o-vestir, o espaço concreto articula com o espaço sensório e revela sentidos. A ação/movimento proporcionada pelo parangolé é extraída da visceralidade do corpo, da sua realidade concreta, da compreensão da arte/vida que ultrapassa o território de ocupação. A expansão sem limites do mundo íntimo do corpo está no cotidiano da conectividade.

 

Figura 2: Nildo da Mangueira com Parangolé, Hélio Oiticica, 1964. Fonte: http://www.digestivocultural.com/upload/ jardeldiascavalcanti/parangole1.jpg.

O artista Robert Morris em seu trabalho “untitled” (figura 3) impõe ao visitante uma relação de encontro e definição do espaço, ora determinado pela construção de diferentes ângulos e pontos de vista, ora determinado pela inclusão visual da sua própria existência. A obra em si espelha o infinito pela regra simples de reflexão da física, mas com a presença dos visitantes, corpos em movimento, vê-se o espaço emergir.

Figura 3: “Untitled”, Robert Morris, Tate Modern, 1965-71. Fonte: http://www.tate.org.uk/collection/T/T01/T01532_9.jpg.

Como afirma NOË (2000, p.132) “uma experiência perceptiva como um modo de exploração ativa do mundo”. Antes de qualquer movimentação das pessoas em torno, este trabalho só existe na sua própria reflexão, mas que gradativamente ganha compreensão e estabelece relações com outros espaços na medida em que os deslocamentos dos espectadores revelam e desnudam outras dimensões. A leitura não se dá por inteiro, em momento algum, mas a sua existência no tempo permite a reconstituição do todo enquanto fruímos partes.

Refletir sobre os padrões de percepção e ação – modos de aproximação e distanciamento, significa pensar sobre uma forma de corpo comprometida com a situação, que como diz BORGES (2006, p.31) “é um espaço significativo, um espaço como propriedade de acontecimentos” onde “as tensões musculares estão no corpo mas também no espaço. Os corpos se cruzam; o espaço é cheio”. Um corpo sempre na postura de relação – um corpo que caminha entre outros corpos e objetos, e que se ajusta aos mesmos pela dinâmica das tensões musculares que são operações de posição, postura, atitude, direção. (GAIARSA, 1988, p.66) O corpo ao movimentar-se implica na elaboração de configurações específicas de forças, que por sua vez implicam em maneiras próprias de apreciar, de agir e de reagir. Na articulação destas tensões o corpo existe e se reconhece no espaço.

Articular a fenomenologia para refletir sobre estas interfaces “enactive” implica em assumir o conceito de experiência como uma atividade de encontro com o mundo, determinada por contingências sensório-motoras. A relação com o mundo acontece dependente do estímulo sensório e dos movimentos em torno; por exemplo, um tomate é reconhecido pelas partes visíveis, enquanto a compreensão das não-visíveis pode depender de uma reorientação do leitor em torno do objeto e não somente de construções mentais. Vale reforçar que o conteúdo apresenta-se a partir de experiências perceptivas, atividades baseadas na exploração do ambiente, onde o conhecimento não se dá como um todo, mas “enacted”, estendido no tempo das ações. Em contraste, por exemplo, a relação com a torre Eiffel não está agora momentaneamente mediada pelas contingências sensório-motoras, mas dependente de um processo cognitivo de inferências sobre o objeto mediado por outros suportes ou mesmo até experienciado anteriormente. (NOË, 2002) Admite-se assim que a estrutura fisiológica do corpo e suas experiências sensórias com o ambiente, tanto quanto os processos neurais, assumem um papel determinante no desenvolvimento dos artefatos tecnológicos, cada vez mais estruturados, segundo nos parece, a partir deste conhecimento “enactive” para evocar a interação usuário/interface.

A ênfase nas qualidades da ação mais do que no conhecimento da representação, assegura interfaces onde a aprendizagem dá-se com o ato do fazer. Como conseqüência direta o desenvolvimento de interfaces tecnológicas tem procurado por características morfológicas e funcionais cada vez mais compatíveis com as estruturas humanas e numa dependência direta da experiência incorporada nas ações do cotidiano. As empresas de bens de consumo tecnológicos vêm assim investindo de forma clara e objetiva em acessórios que apresentam um alto grau de inserção na relação diária dos indivíduos com o mundo; diante desta demanda, cada vez mais os objetos/aparelhos demonstram a existência de estudos cognitivos para construir a relação usuário/interface e recuperar em parte o conhecimento corpóreo já culturalmente interiorizado.

Como exemplo, pontua-se o desenvolvimento da interface do iphone e iPad da Macintosh, no qual a ampliação ou redução de um texto ou imagem acontece por um pequeno movimento, já conhecido – o afastar e aproximar os dedos polegar e indicador, respectivamente. Outro movimento, já incorporado, que leva o dedo indicador para direita ou para esquerda enquanto os usuários lêem ou percorrem os conteúdos ou páginas também recupera em parte a idéia de interesse e/ou desinteresse por algo. Outro exemplo, também recente, é o Kinect para Xbox 360, que vem revolucionando o mundo do entretenimento diante do peculiar modo de jogar: o corpo como controle – todos os movimentos do jogador, braços, tronco, pernas, são reconhecidos para acionar funções e controlar as ações dos avatares nos jogos. As funções, comportamentos e gestualidades, não são pré-dadas mas sim resgatadas de referências em ações outras, contextualmente determinadas e significadas pelo senso comum. Assim, jogar tênis com o Kinect implica necessariamente em pular, girar, abaixar-se, levantar-se, com a intenção objetiva de bater na bolinha e resgatar qualquer outra experiência corpórea já vivenciada em uma quadra de tênis.

Assim, a experiência de existir e de gerar significados acontecem de forma inseparável e trazem, como afirma MERLEAU-PONTY (apud DOURISH, 2004, p.114) a relação sujeito/objeto focada em uma “teoria do corpo e conseqüentemente uma teoria da percepção”. Partindo-se desta premissa fenomenológica, pode-se pensar sobre a relação usuário/interface dependente de uma íntima relação entre percepção e ação (modos de apreensão), sendo que o indivíduo e o ambiente nas suas condições corporais e matéricas, respectivamente, estão implicitamente considerados na determinação destas interfaces tecnológicas. Em consonância com estas premissas cita-se ARMSTRONG (apud BENNET e O’MODHRAIN, 2007, p.38) e o critério de “interação incorporada” que descreve como “uma atividade incorporada de maneira a ser situada, em tempo real, multimodal, engajada, e com o sentido de incorporação como um fenômeno emergente”. Na medida em que a interface e seu funcionamento dependem diretamente das ações dos usuários, fica claro a noção de engajamento dos mesmos e não apenas considerações sobre os seus níveis de atenção; nesta condição a sincronização temporal das interações vem reforçar que o estado do sistema computacional altera-se dinâmica e diretamente relacionado com as trocas realizadas.

II. Experimentações artísticas

No processo contínuo e imbricado entre objetos e espaço, este deixa de ser representação, e assume-se enquanto processo de construção, e como afirma FERRARA (2007, p.12) um lugar fenomênico a ser preenchido pelas ações no qual se reconhece “a emergência do espaço como experiência sensível”. O espaço passa a ser explorado, construído, habitado, ocupado, enquanto movimentos de mediação, interação, percepção, entre sujeitos – corpos, objetos. O espaço é desafiado em seus limites físicos e simbólicos para ser apreendido pelas espacialidades híbridas, que compõem o digital no campo físico. Ao falar desta forma, justifica-se apresentar algumas pesquisas e produções em arte e tecnologia, que configuram-se como um local recorrente desta experimentação. As obras procuram, claramente, não afirmar a produção e os recorrentes usos da sociedade tecnológica, mas gerar como afirma MACHADO (2004, p.6) “instrumentos críticos para pensar o modo como as sociedades contemporâneas constituem-se, reproduzem-se e se mantêm”.

II.1. Redes vestiveis

O artista Cláudio Bueno propõe com seu projeto uma performance coletiva baseada numa rede virtual elástica, topograficamente localizada e graficamente representada nas telas dos celulares. Na medida em que, as pessoas conectam-se à rede tornam-se nós da mesma trama, que depende dos seus deslocamentos físicos no espaço físico para existir. Assim, o corpo em movimento estabelece e conecta o usuário na rede virtual, estimulando o movimento dos outros; estes, caso não se desloquem rompem a estrutura em rede, desconectando o usuário. Para o artista “a informação toma o corpo e o move”.

Figura 5: Redes vestiveis, Cláudio Bueno, 2010. Fonte: http://redesvestiveis.net/.

II.2. Cylindres

O artista Pierre-Guillaume Clos explora esteticamente um fenômeno cotidiano, mas que nem sempre é avaliado pelas pessoas: a nossa percepção do espaço depende diretamente da posição e interrelação dos objetos no mesmo. Esta experiência estética questiona o que acontece com a compreensão do espaço físico quando os objetos movem-se; a percepção do entorno sofre transformações nas suas dimensões básicas de largura, comprimento e profundidade, que passam a formalizar-se dinâmica e empiricamente. Na instalação, três cilindros [figura 6] rolam paralelos e independentemente sem que qualquer causa física produza tais deslocamentos. Estes deslocamentos dos cilindros foram criados através de uma simulação gerada no software MIMESIS e passam a ser controlados. Assim, os visitantes ali presentes constroem a percepção sensória do espaço a partir das relações com os cilindros e destes com o espaço, que se revela maior ou menor conforme a distribuição e localização dos mesmos.

Os visitantes da exposição, “Enaction in Arts”, Grenoble, Novembro de 2007, na medida em que precisam contornar, parar e pular os cilindros para evitar um choque, encontram-se em um processo dinâmico de construção e entendimento do espaço ocupado; este conhecimento acontece a cada momento que os participantes atualizam uma referência espacial dependente da relação corpo/objeto. Outros limites espaciais são determinados não mais dependentes de uma leitura inicial dada pelo participante, mas em consonância com as exigências pontuais, constantes readaptações para o equilíbrio biomecânico do corpo em movimento foram evocadas, aí sim, dependentes da capacidade de auto-organização. Assim, para cada disposição dos cilindros no espaço, os participantes reordenam-se, assumindo distintas posições e portanto reocupando-o; uma tentativa quase espontânea de dialogar com os objetos, promovendo um estado de equilíbrio ou de tensão e qualificando a própria existência no contexto físico.

Figura 6: Três cilindros paralelos dispostos no chão do espaço expositivo. Fonte: Luisa Paraguai. Novembro de 2007.

 

II.3. Seven mile boots

Neste projeto, seven mile boots a artista Laura Beloff e seus colaboradores Erich Berger e Martin Pichlmair criaram um par de botas que permite incursões físicas através de espaços virtuais. Foram apresentadas no ISEA 2004 em Tallinn, Estonia, e no Ars Electronica 2004, em Linz, Áustria. Valendo-se da lenda folclórica, onde um par de botas era capaz de fazer a pessoa andar sete mil léguas em um passo, os artistas desenvolveram um par de botas vermelhas (figura 7) permitindo o usuário enquanto anda fisicamente atualizar conexões na Internet, navegando e escutando algumas específicas salas de bate-papo. Alguns teóricos vêm nomeando esta condição como híbrida, quando atuar significa coexistir em contextos distantes e atuais simultaneamente, na medida em que os limites entre espaços virtuais e físicos esvanecem-se. O usuário continua presente e atuante no seu espaço físico em torno enquanto as informações recebidas e transmitidas remotamente adicionam outras características a esta experiência fenomenológica. Para De Souza e Silva (2006, p.26) um espaço híbrido apresenta-se como um local de comunicação, “caracterizado por três perspectivas descritas como espaços conectados, espaços móveis e espaços sociais”.

 

Figura 6: Três cilindros paralelos dispostos no chão do espaço expositivo. Fonte: Luisa Paraguai. Novembro de 2007.

 

Considerações finais

O fato de atuar no mundo implica na construção da realidade do espaço, um contexto que se reconhece a partir da dinâmica dos movimentos e gestos corpóreos – comportamentos, que redefinem constantemente as relações espaciais. O conceito de “espaço incorporado” de LOW (2003, p.9) apresenta um modelo de compreensão para a criação do espaço através da “orientação espacial, movimento e linguagem” das pessoas, e cabe aqui neste trabalho perfeitamente para contextualizar as interferências sugeridas pelos dispositivos na relação participante/corpo/espaço.

A percepção do espaço é reconhecidamente dinâmica e fluída, diretamente relacionada com a ação, isto é, com o que pode ser feito em um determinado contexto. Segundo De Kerckhove (1997, p.24) “… Instalações Artísticas Interativas fazem o papel de conectores diante do fazer não mais preocupado em gerar objetos, mas produzir contextos. Eles convidam os usuários a interiorizar o que eles estão experienciando, fazer novas conexões, em outras palavras, remapear nossos sistema nervoso.” Os trabalhos redes vestiveis e cylindres apresentam esta condição onde os indivíduo e indivíduo-objeto no espaço físico, determinam-se um na existência possível do outro, isto é, constroem e significam na medida em que as relações usuário/rede e espectador/cilindros, respectivamente, acontecem diferentemente no tempo. O trabalho seven mile boots qualifica poeticamente e habilita a condição de coexistir simultaneamente no ciberespaço sonoro dos chats enquanto o usuário circula no ambiente físico. Estes trabalhos operam assim com as características emergentes de um conhecimento que depende do estar no mundo integrando corpos, percepção e consciência. A diluição dos limites e a possibilidade de compor espaços físicos e contextos informacionais vêm sugerir outras dimensões para a interação; a relação entre percepção e ação apresenta-se como uma experiência fenomenológica, onde o indivíduo e o ambiente estão midiaticamente incluídos. Como afirma VARELA (2000, p.149-150) o mundo não é dado a priori, independente do referente, mas seu conhecimento é um processo ativo, de recuperação e construção constantes por parte dos indivíduos reconhecidamente aculturados. Em outras palavras, apesar da capacidade de compreensão do mundo ser baseada nas estruturas biológicas de cada indivíduo, é experienciada e vivida no domínio da ação consensual e da história cultural. Portanto, não considerar as relações históricas – sociais, econômicas, políticas, envolvidas na leitura destes indivíduos implica em negar territórios, limites culturais, categorias do social, classes de poder.

 

Referências Bibliográficas

BORGES, F.C. A filosofia do jeito, um modo brasileiro de pensar com o corpo. São Paulo, Summus Editorial, 2006.

De Kerckhove, D. Connected intelligence, the arrival of the Web society. Toronto: Sommerville House Publishing, 1997.

De Souza e Silva, A.A. Do ciber ao híbrido: tecnologias móveis como interfaces de espaços híbridos. In Imagem (ir)realidade, comunicação e cibermídia. Denize Correa Araújo (organizadora). Porto Alegre: Sulina, p.21-51, 2006.

DOURISH, P. Where the action is: the foundations of embodied interaction. Cambridge: The MIT Press, 2004.

FERRARA, L. D’A. (org.) Espaços Comunicantes. São Paulo: Annablume; Grupo ESPACC, 2007.

GAIARSA, J.A. A estátua e a bailarina. São Paulo: Ícone, 1988.

LOW, S.M. Anthropological theories of body, space, and culture. In Space and Culture, vol.6, n.1, pp.9-18, 2003.

McGANN, M. What is enactive cognition. Disponível em: <http://www.eucognition.org/wiki/index.php?title=What_is_%22Enactive%22_Cognition%3F>. Acesso em: <16.setembro.2008>.

MACHADO, A. Arte e Mídia: aproximações e distinções. E-compos, edição 1, p.1-15, dezembro, 2004. Disponível em: <http://www.compos.org.br/e-compos>. Acesso em: 16.maio.2006.

NOË, A. Art as enaction. In Art and Cognition Conference. Novembro, 2002. Disponível em: < http://www.interdisciplines.org/artcog/papers/8>. Acesso em: <20.outubro.2008>.

NOË, A. Experience an Experiment in Art. In Journal of Consciousness Studies, vol.7, n.8-9, pp.123-135, 2000.

PASQUINELLI, E. Enactive Knowledge. In Enaction and enactive interfaces, a handbook of terms. LUCIANI, A.; CADOZ, C. (editors). p.93. Grenoble: Enactive Systems Books, 2007.

SANTOS, M. A natureza do espaço: Técnica e Tempo. Razão e Emoção. 3a Edição. São Paulo: Editora Hucitec, 1999.

STEWART, J. Enactive Cognitive Science_1. In Enaction and enactive interfaces, a handbook of terms. LUCIANI, A.; CADOZ, C. (editors). p.89-91. Grenoble: Enactive Systems Books, 2007.

VARELA, F.J. Las ciencias cognitivas: tendencias y perspectivas. Cartografía de las ideas actuales. 2ª reimpresión. Barcelona: Editorial Gedisa, 1998.

VARELA, F.J.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. The embodied mind, cognitive science and human experience. 8a edição. Cambridge, London: The MIT Press, 2000.

Luisa Paraguai
luisaparaguai@gmail.com
Universidade Anhembi Morumbi

A questão da imagem-interativa: Rumo a uma Estética de leitura dinâmica e de participação interdependente | de João Tiago Silva

Resumo

O trabalho de investigação proposto visa o estudo da imagem-interativa. Com um enfoque particular nas condições estéticas desta nova Imagem, o nosso objetivo passa por desenvolver um estudo teórico aprofundado sobre o conceito de uma leitura dinâmica da imagem-interativa e de uma participação interdependente de um público que se quer cada vez mais ativo/ interativo.

Conceitos-chave: Imagem-interativa, leitura dinâmica, participação interdependente, arte interativa.

Introdução

A imagem-interactiva acontecerá em pleno, quando as coisas se formarem a nossos olhos com a clareza da nossa subjetividade. Um novo tipo de imagem não utópica será declarado, quando de um processo interativo resultar na forma combinada de uma imagem, uma correspondência cristalina entre interactor e sistema, de tal forma que, o juízo sobre a imagem, não deixe dúvidas do processo interativo que a gerou e da sua imprescindibilidade.

É com esta nossa expressão, como primeira tentativa de definição das condições do nosso estudo (porventura surgida como estratégia motivacional), que inauguramos a nossa investigação sobre a imagem-interativa. Talvez a ela voltaremos numa fase mais avançada da nossa demanda. A nossa pesquisa, centrada particularmente no campo das Artes interativas, parte da convicção de que a imagem-interativa apresenta condições próprias, tanto ao nível da sua produção (criação) como ao nível da sua receção e interpretação (leitura). Perguntamo-nos que implicações estéticas estão abrangidas numa imagem mediada por um dispositivo interativo, querendo averiguar que condições (estéticas) orientam a criação da imagem-interativa. É assim nosso propósito, definir um novo tipo de imagem, a imagem-interativa, através de uma análise profunda dos seus modos de leitura e de interação com o público/ participante. Fará objeto deste estudo uma categorização da(s) imagem(ns)-interativa(s) e o seu posicionamento no conjunto de Imagens que habitam o mundo contemporâneo.

A Imagem e a sua interpretação

A imagem imaginada é sempre diferente da imagem reproduzida. Por exemplo, o resultado do nosso gesto com o lápis sobre o papel, será diferente da nossa intenção primária. Este desafio complexifica-se à medida que novos dispositivos interativos se afirmam na expressão visual. Deste modo, se afirmam pertinentes as bem conhecidas questões levantadas ao nível do design da interatividade: «como as pessoas agem, como sentem e como compreendem» (B. Verplank, 2007), sendo que para nós, ao uso dos sentidos aplicamos “como veem”.

Pela introdução de dispositivos interativos, a Imagem assume caraterísticas que a conduzem da ilusão à imersão e da contemplação passiva à participação ativa. Afirma-se hoje um “interactor” com possibilidade de agir sobre a obra digital e introduzir «a sua própria presença na presença da obra» (E. Couchot e N. Hillaire, 2005). Assim, a participação apresenta-se como um problema decisivo nas artes (F. Popper, 1985) que, no caso da imagem mediada por dispositivos interativos, assumem maior relevo as suas interdependências (entre obra-sistema e público-participante), pois sem interação e interatividade não existe imagem-interativa. Da «participação à interação» (S. Dinkla, 1996) inicia-se um novo diálogo de relações, em que a Imagem pode ser entendida como uma “atividade” e como um momento (N. Bourriaud, 2002) que põe em jogo as técnicas, um sujeito-artista e um público-operador.

Do ponto de vista estético, a Imagem é marcada por diferentes modos de a compreender/ classificar. Pelo termo «objetos espaçio-temporais» podemos designar objetos onde o tempo se inscreve numa dimensão espacial (T. Ruiz-Gutierrez, 2004). Relacionando-o com a imagem-interativa, encontramos neste conceito a introdução da temporalidade na imagem, na qual o tempo não é apenas utilizado como “duração”, mas como um elemento de profundidade espacial. Esta relação encontra-se na imagem-perspetiva da Idade média (Brunelleschi), na sua utilização na pintura renascentista ou na representação dos corpos em todas as posições do movimento no Barroco, como recursos para a representação temporal numa narrativa contada pelas imagens.

igitizing the Garibaldi Panorama (pintura panorama do Século XIX), Brown University Library, Departamento de Estudos Italianos e Centro de Iniciativas Digitais, 2010.
Digitizing the Garibaldi Panorama (pintura panorama do Século XIX), Brown University Library, Departamento de Estudos Italianos e Centro de Iniciativas Digitais, 2010.

Em diferentes períodos da nossa história, identificamos nas imagens panorâmicas uma expansão do espaço para além dos limites da nossa visão, abrangendo uma extensão temporal pela construção cronológica do tempo. As primeiras imagem-panorama consistiam em pinturas fixas, onde a ilusão de movimento e passagem do tempo era conseguida pela deslocação dos observadores ou pelo desenrolar dessas pinturas. Esta aproximação a uma leitura dinâmica das imagens pode também ser identificada na afirmação: «é o observador quem faz o quadro» (M. Duchamp) ou na “Op-art” (por ilusões óticas).

Perante uma obra com um processo de criação/ apresentação interativo e aberto, a Imagem pode ser entendida como produto de um “ato”, o que apresenta novos desafios à sua interpretação. Estamos perante uma necessária distinção entre interação e interatividade, na relação informática do termo (J.-L. Weissberg, 2002), pois não falamos apenas de uma interação-interpretativa, mas de uma interação-concreta que se apropria de aspetos sensíveis da obra de arte e os torna percetivelmente diferentes.

Para o nosso estudo, a noção de interatividade é aplicável com sentido quando o programa informático não está fechado, mas permanece aberto com uma parte indefinida, na qual se torna necessária a intervenção humana. Para alguns autores, a interatividade deve ser entendida como uma nova condição de receção (condição espectatorial) e pensada segundo as especificidades da informática (Cauquelin; Louis-Claude Paquin, 2006). Optamos pela sua localização no significado informático do termo e desta forma concordamos que deve ser considerada em relação com as especificidades da informática, mais precisamente em relação às propriedades reflexivas do software (J.-L. Weissberg). De acordo com o autor, a interatividade deve assim ser encarada como uma propriedade da informática e não apenas, de forma vaga, como uma relação homem-máquina, que localiza como uma propriedade da interação.

Pensamos estar próximos da noção de uma “obra aberta”, resultado de interpretações da ordem do inteligível (U. Eco, 1965) e de uma “obra em movimento” onde se designam possibilidades de transformação material e de ação concreta sobre a obra (J.-P. Sartre, 1948).

A noção de imagem-interativa recorre de uma particularidade da imagem computacional/ digital, uma “imagem-matriz” que possibilita ter acesso direto à sua estrutura (ao ponto) e agir sobre eles. A imagem-interativa aproxima-se, julgamos nós, do conceito de “imagem-relação”, uma «figura de pensamento pela qual o mental é introduzido na imagem» e de “imagem-movimento” e de uma “imagem-tempo”, em que elementos variáveis agem/ reagem uns sobre os outros (G. Deleuze, 1983/85). São conceitos que podem ser estendidos aos objetos de arte digital/ interativa, apontando para uma imagem operacional que abre caminho ao jogo interativo (J.-L. Boissier, 2004).

Roy Ascott, Change-painting, Molton Gallery, Londres, 1960.
Roy Ascott, Change-painting, Molton Gallery, Londres, 1960.

 

Quatro obras

A título de exemplo, na obra Change-painting (Ascott, 1960) pode ser reconhecida uma tentativa em explorar o conceito de interação com a imagem antes de a tecnologia estar disponível. Na imagem-panorama agora assistimos a uma alteração tecnológica, com a possibilidade de navegação em tempo real e imersividade, em escalas crescentes de realidade aumentada, por exemplo com o Google earth/ maps. Porém, neste caso, a imagem não é produzida por um processo de interação, apenas por ele revelada.

Masaki Fujihata, na obra pioneira Beyond Pages (1995) abordou o conceito de uma audiência como um participante ativo e o artista como um provedor, isto é, o criador de um sistema interativo. Neste caso, o interactor seleciona e combina elementos contidos num sistema que configura, de forma predefinida, todas as variáveis possíveis.

É no entanto interessante desenvolver sistemas em que a imagem é incluída pelo próprio participante e “trabalhada” no sistema interativo. Marce-lí Antúnez define a peça Protomembrana (2006) como «uma lição mecatrônica no formato de uma performance, configurando um sistema interativo visual, em interfaces dinâmicas distintas». A somar à imagem e ao som, esta estória interativa utiliza dispositivos como uma “câmara/ pistola” que permite capturar os rostos de voluntários do público e introduzir a sua imagem na performance, como as faces dos protagonistas nas animações seguintes.

Karsten Schmidt (toxi) é o autor de Decode: Digital Design Sensations (2009), um projeto que permite a modelação de uma identidade gráfica generativa, assumindo-se como um «projeto de design interativo». Ao afirmar que o autor é o criador do sistema interativo, auxilia-nos a focar na ideia de que, embora seja o participante e a sua ação a gerar as imagens, o autor não deixa de ser apenas um – o criador do sistema que o permite. No caso de Karsten, o recurso a algoritmos e a critérios pseudoaleatórios revelam, também uma estratégia para atingir um maior grau de imprevisibilidade. Do ponto de vista da sua interpretação o mesmo se verifica. Não é uma questão nova e vejamos o problema de outra forma, ao imaginar que tentamos descrever a um amigo invisual uma pintura de Pollock. Será um desafio para o qual, certamente, necessitaremos de mais tempo e mais palavras do que no caso de uma tela monocromática de Klein. Com isto não pretendemos realizar um juízo sobre a complexidade conceptual das obras.

Na recente publicação Imagery in the 21st Century (O. Grau, et al., 2011) afirma-se que estamos rodeados de imagens como nunca: no Flickr, Facebook, no Youtube; em milhares de canais de TV; em jogos digitais e mundos virtuais; na media art e ciência e que, sem novos esforços para visualizar ideias complexas, estruturas e sistemas, a explosão de informação de hoje seria inimaginável. A imagem digital representa opções inesgotáveis de manipulação; as imagens parecem ser capazes de mudar interativamente e até de forma autônoma.

Novos mundos de imagens estão aqui e requerem uma análise aos seus modos de interação e compreensão nas artes.

 

Apenas estou satisfeito se os meus espetadores, tremendo e estremecendo, levantem as mãos ou cubram os olhos com medo dos fantasmas e demônios que correm na sua direcção. Êtienne-Gaspard Robert (1763-1837).  O teatro “Fantasmagoria” em finais do Século XVIII, utilizava imagens projetadas (de forma oculta) em paredes, em fumo (imagem-fumo) ou ecrãs semitransparentes.
Apenas estou satisfeito se os meus espetadores, tremendo e estremecendo, levantem as mãos ou cubram os olhos com medo dos fantasmas e demônios que correm na sua direcção. Êtienne-Gaspard Robert (1763-1837).

O teatro “Fantasmagoria” em finais do Século XVIII, utilizava imagens projetadas (de forma oculta) em paredes, em fumo (imagem-fumo) ou ecrãs semitransparentes.

A nossa questão de partida e a sua relação com o ecrã

À medida que os ecrãs se transformam em terminais de interação combinados e a imagem estática é progressivamente substituída por práticas, também sociais, em lidar com imagens digitais dinâmicas, a categorização dos seus dispositivos chave ganha pertinência. Não podemos deixar se analisar as ferramentas/ dispositivos que estão na sua consubstanciação técnica. A imagem, neste contexto, revela uma relação com o ecrã que atravessa um período muito significativo na história contemporânea e que resulta em somas ou divergências estéticas.

Jean-Louis Boissier define vários tipos de ecrãs: o ecrã como livro, o ecrã como carta, o ecrã como mensagem e o ecrã como ecrã. No caso do livro, o autor afirma que é o modelo dominante de leitura com o ecrã, particularmente devido à mobilidade dos suportes, começando com o princípio de plastificação e encadernamento. Atravessa as conquistas dos formulários Web e as definições, nos anos 90 do Século XX, para o CD-ROM. Isto trouxe para a primeira linha os interfaces tangíveis e novos gestos de consulta, que tendem a normalizar (vejamos hoje a panóplia de ecrãs móveis tangíveis disponíveis). Este fato inscreve-se numa lógica de portabilidade e do “local”, que é dependente da capacidade de carregamento e de interconexão das redes (informáticas). Quanto ao mapa, o ecrã móvel parece estender a distinção histórica entre estrutura e publicação, portanto, a leitura do livro e do mapa. O modelo cartográfico é especificamente suportado através das técnicas de rastreamento e localização, agora incluídas neste tipo de ecrãs. Porém o ecrã pode também ser relacionado com a mensagem. Herdeiro da telegrafia e da telefonia, o ecrã móvel não pode ser considerado fora da sua função de mensagem e a sua inclusão nas Redes. É uma forma de “cartão postal”, romance, autorretrato e diário, para uma plataforma de declarações públicas, o terminal por excelência das redes sociais. Neste ponto, o autor discute o ecrã como ecrã, isto é, como ele mesmo. Ao ganhar uma maior autonomia, tornando-se sobretudo pessoal, o ecrã pode manter a sua função de ecrã, i.e., de projeção, que herdou do cinema e do vídeo, estendendo estas funções à consulta interativa com o computador. No despertar do cinema e do “multimédia”, a sua hibridação é uma renovação das formas de escrita e narrativa, baseada do movimento real de manipulação, bem como a inscrição ativa do movimento e do contexto.

Surge à nossa atenção, após conduzir um estudo mais profundo e uma análise pormenorizada acerca dos modos de leitura e de interação com a imagem através de diferentes dispositivos, se será possível encontrar um denominador comum, que localiza de um ponto de vista estético, a imagem na sua relação com o processo interativo que a origina. Apontamos para a possibilidade de um conceito (a ser por nós definido) – a imagem-ecrã.

Breve nota conclusiva e linhas de trabalho futuro

Aqui chegados, apesar de possíveis e esperados desenvolvimentos, motiva-nos responder à seguinte questão: o que é uma imagem-interativa?

O tempo de contemplação da Imagem foi substituído por um espaço no qual a leitura toma lugar em simultâneo com o processo de produção da própria imagem, um momento de interação mediado por dispositivos interativos e lógicos/ computacionais. Uma imagem que é “lida” e produzida praticamente ao mesmo tempo, certamente apresenta novos desafios estéticos, a ter em conta tanto na sua produção (criação) e leitura (interpretação). O fenômeno a que nos queremos referir especificamente é ao de uma imagem resultante de uma relação interdependente de participação, isto é, sem interação e interatividade, não existe imagem. É possível encontrar um denominador comum que localize esta nova imagem (de um ponto de vista estético) no conjunto de imagens que habitam o mundo contemporâneo?

Referências

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BOURRIAUD, Nicolas, Relational Aesthetics. Paris: Les presses du réel, 2002.

COUCHOT, Edmond e HILLAIRE, Norbert, L’art numérique: Comment la technologie vient au mond de l’art. Paris: Ed. Flammarion, Poche, 2005.

DELEUZE, Gilles, Cinéma I, L’image-mouvement, “Critique”. Paris: Les Éditions de Minuit, 1983.

DELEUZE, Gilles, Cinéma II, L’image-temps, “Critique”. Paris: Les Éditions de Minuit, 1985.

ECO, Umberto, L’ ouvre ouverte. Paris: Seuil, 1965.

GRAU, Oliver e VEIGL, Thomas, Imagery in the 21st Century. MIT Press, 2011.

PAQUIN, Luis-Claude, Comprendre les médias interactifs, “Somme”. Paris: Ed. Isabelle Quentin, 2006.

POPPER, Frank, Art, Action et Participation: L’ artiste et la créativité aujourd’hui. Paris: Klincksieck, 1985.

RUIZ-GUTIERREZ, Tania, 2004. Étude sur le temps et l’espace dans l’image en mouvement. Tissage vidéo, objects spacio-temporels, images prédictives et cinéma infini. Ph.D. Dissertação, Universidade Paris I.

SARTRE, Jean-Paul, Qu’est-ce que la littérature. Paris: folio essais, 1948.

SÖKE, Dinkla, “From Participation to Interaction – Toward the Origins of Interactive Art”, In: LYNN HERSHMAN, Leeson (org.). Clicking In: Hot Links to a Digital Culture. Seattle: Bay Press, 2004.

VERPLANK, Bill, “How do you…?”, In: MOGGRIDGE, Bill. Designing Interactions. MIT Press, 2007.

WEISSBERG, Jean-Louis, Qu’est-ce que l’interactivité? Éléments pour une réponse I. Paris: L’image-mouvement, 2002.

Referências na Rede

«Change-painting», Roy Ascott. London: Molton Gallery, 1960. Entrevista em: http://nabi.or.kr/english/archive/creator_interview_read.nab?idx=78

«Decode: Digital Design Sensations», Karsten Schmidt, Victoria and Albert Museum, 2009: http://www.vam.ac.uk/microsites/decode//

«Garibaldi Panorama», Brown University Library, 2010: http://dl.lib.brown.edu/garibaldi/panorama.php

POLITY, Yolla, «Eléments pour un débat sur l’interactivité», Université Pierre Mendès, IUT2 de Grenoble, Département Information-Communication. France, 2001:
http://www.iut2.upmf-grenoble.fr/RI3/TPS_interactivite.htm

«Protomembrana», ROCA, Marcel·lí Antúnez, 2006:
http://tiki.marceliantunez.com/tikiwiki/tiki-read_article.php?articleId=161 and: http://vimeo.com/19396246

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Outras referências

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BERGSON, Henri, La pensée et le mouvant. Essais et conférences. Paris: Ed. PUF, 1938. (15ª Ed., “Quadrige”, PUF, Paris: 2005).

BOISSIER, Jean-Louis, La relation comme forme. L’interactivité en art. Genève: Ed. MAMCO, 2004.

LAUREL, Brenda, Computer as theater. New York: Addison-Wesley Publishing Company, Inc., 1993.

MCLUHAN, Marshall, Pour comprendre les médias : les prolongements technologiques de l’homme. “Points”. Paris: Éditions du Seuil, 1967.

MELOT, Michel, Une brève histoire de l’image. Paris: L’œil 9 Ed., 2007.

MONDZAIN, Marie José, Homo spectator. De la fabrication à la manipulation des images. Ed. Bayard, 2007.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer ao Professor Doutor Carlos Sena Caires (EA-UCP/ CITAR) pelo seu aconselhamento e contributos. Agradeço à Professora Doutora Natalie Woolf (EA-UCP) pelas suas relevantes sugestões.

* João Tiago Silva é Mestre em Artes Digitais e graduado em Som e Imagem pela Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa – Porto e doutorando em Ciência e Tecnologia das Artes – Arte Interativa, acolhido pelo CITAR – Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes, UCP. É designer gráfico e autor de vários projetos de arte digital, tendo a sua obra apresentada no Get Set Art Festival (Portugal, 2010), entre outras exposições e realizações.

 

SoundWalk: Um Instrumento de Música Digital como caso de Arte Pública – Relatório de Progresso | de Diana da Silva Graça Cardoso

Abstract — O trabalho que apresentamos é um relatório de progresso de SoundWalK e evidencia o desenvolvimento/concepção de um Instrumento controlado por computador, pertencendo ao grupo dos Instrumentos de Música Digitais. [1]
Estes instrumentos, são na sua maioria padronizados pela questão do gesto/interacção humana, servindo-se das novas tecnologias como agente controlador dos processos de interacção.[2]
SoundWalk foi realizado no âmbito do projecto de investigação PRICES II, numa parceria entre a Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa e o Departamento ComputerStudio do Instituto de Musicologia e Música Informática da Universidade de Música de Karlsruhe, demonstrando um especial interesse pelas novas tecnologias.
Este instrumento, centra a sua investigação teórica na procura de novas sonoridades e timbres e tem o propósito de investigar novos conceitos emergentes na criação sonora e nas tecnologias digitais. SoundWalk é um instrumento, mas também um objecto de arte pública, que pode ser acessível não só a músicos, mas a qualquer utilizador possível em situação individual ou de grupo.

Palavras – Chave: DMI (Digital Music Instruments), timbre, arte pública, compositor, Interactor, Performer, Performance, Instalação, Composição interactiva.

 

I. Introdução

Segundo Walter Benjamin [3], a experiência da obra de arte era condicionada para os utilizadores por ser única. Hoje, o utilizador interage activamente na concepção e composição da obra, devido ao poder da interactividade.

Pelo aparecimento da arte tecnológica surgem novas definições de arte, aliadas à técnica e à ciência, ainda que, com as mesmas preocupações éticas e estéticas.

Os novos instrumentos digitais e o computador possibilitam aos músicos contemporâneos a possibilidade de transformar sons de uma forma menos limitadora, elevando as possibilidades de composição/decomposição do som a universos micro temporais e micro espectrais.

Deixámos de estar restringidos aos instrumentos tradicionais e alcançamos a oportunidade de criar novos conceitos de instrumentos e com eles novas características e sonoridades.

Interessam-nos os instrumentos tradicionais e acústicos como parte da história musical, mas é acima de tudo, o paradigma entre os sons gerados de forma acústica e eléctrica pelos novos instrumentos da música digitais, que aqui se tenciona estudar. A história da música electrónica e dos instrumentos que nela foram surgindo, tem associado a si, sempre a ânsia da procura de novas sonoridades. Vivemos num tempo de permanentes novidades tecnológicas.

Na última década, devido ao crescimento dos utilizadores de tecnologias digitais, têm surgido novos conceitos como: música interactiva, sistemas musicais interactivos, improvisação musical por computador, ou música por computador. [4]

Os sistemas de música interactiva baseados em computador tiveram origem nos finais dos anos 60, primeiramente envolvendo sintetizadores analógicos controlados por computador em situações de concerto ou em instalações artísticas. A composição algorítmica em tempo real, só se divulgou dez anos depois, na década de 70 com o trabalho de compositores e intérpretes, tais como: David Behrman, Joel Chadabe, Martirano Salvatore, Gordon Mumma ou Laurie Spiegel. Mumma, (1975); Bernardini, (1986). [5]

Todavia, a sua expansão só aconteceu realmente em meados dos anos 80 com o aparecimento do protocolo MIDI, e pouco depois, com a chegada de linguagens de programação gráfica, como é exemplo o Max/Msp. Puckette, (1988); [5] Foi esta década de 1980, que preparou terreno para o avanço da concepção e implementação dos actuais sistemas interactivos personalizados, extremamente simples. [5]

Quando abordamos esta questão da simplicidade, devemos assumir nela, a reflexão de que esta existe não só para os criadores artísticos, mas principalmente para os utilizadores dos seus objectos interactivos.

Uma década e meia depois, a música por computador e de improvisação, com o uso destas máquinas, ainda parece ser uma área multidisciplinar em crescimento e com necessidade de exploração. A construção dos novos instrumentos de música digitais, o design de novos interfaces, a síntese de som em tempo real, bem como de técnicas de processamento, a teoria da música, a ciência cognitiva, as práticas de composição, e os modelos existentes de improvisação (baseados e não baseados em computador) podem
efectivamente conduzir a novos modelos de interfaces musicais. [5]

Todos estes conceitos continuam a ser motivo para estudos actuais, e constituem fortes pilares para definir novos modelos de instrumentos de música digitais, quer sejam feitos para público especializado como artistas/músicos ou para o público comum, que não tem propriamente formação musical.

A quantidade de trabalhos de investigação que ocorrem nesta área comprova que estamos perante uma matéria que se encontra em perfeita emergência e que precisa de desenvolvimentos na sua investigação. [4]

As pesquisas, no domínio dos instrumentos de música digitais, têm associadas nomes como Martin Kaltenbrunner, Sergi Jordá ou Atau Tanaka ou Tod Machover. O propósito principal destes artistas/cientistas é explorar as novas possibilidades que o gesto humano introduz na continuidade e aumento da percepção.

Os primeiros instrumentos musicais, nascem de um conceito tradicionalista e conservador, pois surgiam com intenções ordeiras e protectoras em relação à musica clássica ou popular. Um instrumento novo ou um instrumento de música digital, só adquire o estatuto de ser instrumento completo, quando ganha contextualização histórica e técnica [6].

A definição de instrumento não se alterou como a de música, somente com o aparecimento dos instrumentos electrónicos e do computador, é que a sua significação tem sido questionada e readaptada às novas situações [7].

Este artigo assimila a investigação traduzida nestas ideias introdutórias e faz uma reflexão critica ao mesmo tempo que apresenta os procedimentos da concepção, construção e programação de SoundWalk.

Este texto apresenta-se dividido em cinco secções, distintas. Inicia-se por uma breve definição do tema em que apresentamos as tecnologias, características e limitações do instrumento, abordando todo o processo de construção e de implementação do mesmo. De seguida discutimos SoundWalk como um caso de arte pública, apresentamos dois casos de estudo referentes a duas apresentações públicas, havendo ainda lugar para mostrar registos fotográficos da sua estruturação e apresentação pública.

Por fim, elaboramos uma conclusão de todos os aspectos pertinentes da investigação e manifestamos intenções para trabalho futuro.

 

II. TECNOLOGIAS, características e APLICAÇÕES

SoundWalk é um instrumento de música digital e existe como elemento e instrumento físico, porém a sua concepção provém de um trabalho anterior que se debruça extensamente em reflexões teóricas. Este ensaio ajudou ao desenvolvimento do processo experimental deste projecto.

A realização física do instrumento, consiste num tapete com 8 áreas diferentes de interacção. Os utilizadores interagem com o tapete através do movimento, isto é, dão passos pelas áreas deste, estas correspondem ao número de sensores de pressão incrustados na parte inferior da estrutura. Estes sensores, captam o movimento dos visitantes como data para uma estrutura Hardware intermédia (2 placas Arduíno) [9] e depois para o Max/Msp [8] com o objectivo de controlar displays de bancos de som em tempo real.

O resultado final da peça, consistirá na reprodução dos sons por meio de altifalantes colocados à altura das pessoas.

Durante a concepção e implementação de SoundWalk, colocámos várias questões sobre não só o que é um instrumento de música digital mas também o que é a música.

O computador e a informática, são neste projecto a ferramenta essencial da génese deste instrumento. Interessam como matéria, bem como vertente científica que se encarrega do tratamento mecânico e racional da informação, encarada como base dos conhecimentos e das comunicações.

A estrutura do instrumento – SoundWalk dividir-se em duas partes principais:

1. Software – com base na linguagem de programação Max/Msp; [8]

2. Hardware – tendo com base os seguintes interfaces: sensores de força e pressão e placa Arduíno; [9]

2.1. Tecnologias

Para a criação deste projecto, trabalhámos ao nível do hardware, com base na programação em 2 placas Arduino [9] e com 8 sensores de força e pressão. O software escolhido foi o Max/Msp. [8]

2.2. Aplicações

SoundWalk, pode ter várias aplicações no que diz respeito ao modo como pode ser apresentado. São de destacar as suas funções em contexto de situação de concerto/performance e instalação interactiva, neste último caso com o propósito de ser arte pública.

Como instalação estamos perante a possibilidade de criar distintos temas e com isso diferentes instrumentos, devido à capacidade de poder ser programado com diferentes grupos de sons. No ponto III, esta questão terá um desenvolvimento mais aprofundado.

2.3. Construção

Para a construção deste instrumento SoundWalk (Fig. 1) foi necessário escolher um tapete que se adequasse ao projecto, não só pela sua textura, mas também pelo design – o utilizador deveria ser de modo instantâneo estimulado pela sua imagem gráfica, percebendo instintivamente onde estavam os sensores. O tapete que foi escolhido é da colecção da IKEA, e uma medida Standard, logo é fácil encontrá-lo em qualquer parte do mundo, facilitando o transporte da peça.

Depois de escolhidos os oito sensores e as duas placas Arduino [9], foi necessário construir adaptadores para garantir ligações seguras dos sensores colados no tapete até às placas Arduino [9]. Para isso foi preciso dividir a ordem das ligações efectuadas entre a placa Arduino [9] e o tapete, soldando cabos com adaptadores específicos que pudessem ser conectados facilmente uns aos outros.

Criámos caminhos para os cabos de cada sensor, para que o cabo maior que parte dos sensores até à placa pudesse estar estável no tapete, que definiram o tamanho dos próprios cabos. Colocámos os sensores no tapete com fita especial para tecido e uma protecção (Fig. 1).

Fig.1 Passos efectuados para a construção do instrumento
Fig.1 Passos efectuados para a construção do instrumento

Fizemos o upload da biblioteca firmata [10] do programa da Arduino [9] para as placas, tendo de seguida conectado os sensores às Arduino [9], verificando se estavam a funcionar. Uma vez que sim, foi iniciado o processo de programação no Max/Msp [8]. Este trabalho, principiou do patcher maxuino (versão 007), através do qual obtivemos a conexão das placas Arduino [9] ao Max/Msp [8] de uma forma simples e de onde começámos a retirar os valores dos sensores, efectuando testes com estes (Fig.2).

Durante o decurso do trabalho notámos que, ao ligar o transformador às placas além da conexão USB, os sensores se comportam de uma forma mais estável.

Posteriormente, foi necessário analisar os valores recebidos dos sensores presentes no patcher maxuino e passá-los para os nossos patchers de programação de bancos de som. Este processo foi conseguido através dos objectos send e receive do Max/Msp. [8]

Fig.2 Testes com sensores
Fig.2 Testes com sensores

2.4. Programação

Para a programação do interface de SoundWalk, resolvemos dividir o tapete em três áreas distintas, organizando os grupos de sensores:

– Grupo 1- pertencem os sensores número 1, 2 e 3.

– Grupo 2- pertencem os sensores número 4 e 5.

– Grupo 3- pertencem os sensores número 6, 7 e 8.

O primeiro grupo de sensores tem associado a si um único ficheiro de som que é activado quando o utilizador pressiona o sensor 1. Todavia, a programação do sensor 2, é uma alteração do ficheiro accionado do sensor 1, ou seja, o aumento da velocidade do ficheiro. A programação do sensor 3, é um reverse do mesmo ficheiro de som.

O plano construído para a programação dos sensores foi pensada para um utilizador de cada vez. Unicamente com os fade ins e fade outs de cada ficheiro, é possível ouvirmos dois sons diferentes em simultâneo, mas durante um curto espaço de tempo.

Os sensores do grupo 2 têm um ficheiro de som associado referente ao som concreto dos passos humanos. Quando o utilizador pisa o sensor 4, activa este ficheiro. Por sua vez, o sensor 5, trabalha com o mesmo ficheiro de som, porém modificado com um efeito (delay).

O terceiro grupo de sensores, funciona dentro desta mesma linha de pensamento. O sensor 6, activa um ficheiro de som, ulteriormente os sensores 7 e 8, têm equalizações diferentes do mesmo som, respectivamente LPF (Low Pass Filter ) e HPF (High Pass Filter).

2.5. Metodologia

A metodologia adoptada neste trabalho, dividiu-se entre duas fases principais, uma de pré-produção e outra de produção.

Na primeira fase foram formuladas questões sobre a contextualização artística e tecnológica do projecto, que se pretenderam ir respondendo ao longo da fase empírica deste. As conclusões alcançadas abrangem a investigação a nível histórico, teórico, prático e da técnica, associados à área de estudo.

As conclusões foram obtidas com base na análise de pensamentos de autores e reflexão crítica individual, bem como da observação que foi possível aferir das duas apresentações públicas da obra.

 

III. arte pública em soundwalk

SoundWalk pretende ser um instrumento de música que qualquer pessoa possa tocar, o público alvo não é definido.

Ao pensar na criação e plataformas empregadas, foi necessário termos em conta o progresso da obra de arte, não só como objecto artístico, mas igualmente como objecto passível de levar a uma experiência, e por isso de ser fruído.

No final dos anos 50, Umberto Eco, anuncia pela primeira vez novos propósitos sobre a concepção da obra de arte, expondo o seu conceito de obra aberta. Obra aberta, surge no contexto do progresso da sensibilidade contemporânea. O desenvolvimento social e artístico, levou a que, com o tempo, o desejo de alcançar um género de obra de arte, cada vez mais ciente de poder ter várias possibilidades de leitura, sem ser visto como falta de conhecimento, fosse um estímulo para uma interpretação mais livre guiada somente para pelas seus características essenciais. [11]

As próprias características do instrumento, mas também o tempo, o espaço e os performers têm o propósito de influenciar o resultado final e o próprio som da peça. Dependendo da forma como as pessoas utilizam o instrumento criam-se diferentes e únicas composições sonoras. Podemos questionar se há diferenças nestas composições quando o instrumento é utilizado por uma só pessoa ou um grupo. Foram pensadas regras de interacção no sentido de Soundwalk ser usado mais ao nível individual. Preocupa-nos que cada pessoa seja consciente dos seus movimentos e acções, sendo responsável pelas consequências sonoras da obra. É esta a experiência que SoundWalk deseja oferecer ao público. Cada vez mais, a sociedade precisa destes encontros, que mesmo acontecendo num contexto social, se transformam em experiências interiores celestiais, compensadoras e educativas.

O trabalho final foi concebido com o intuito das pessoas acederem a esta ideia de forma inteligível. O trabalho pretende que o visitante seja fruidor e criador do som da obra. Ele será o performer e o interactor, ao ser apelado à sua percepção e audição. Há uma ideia de descontracção incutida, mas ao mesmo tempo de comprometimento relativamente à utilização do objecto.

Explorar o som no espaço é um propósito, bem como proporcionar interactividade e participação na peça aos indivíduos visitantes/participantes na obra.

Mais próximo do nosso tempo, Tod Machover, um professor de música e tecnologia do MIT, atreveu-se a unir o mundo da música erudita à era digital e assim criou os chamados hiperinstrumentos. [12] Machover, propõe este termo para definir ferramentas, provenientes de pesquisa tecnológica na área artística, e que não pudessem ser interpretadas por humanos, devido aos limites da gestualidade humana. Estes instrumentos, gerados com o recurso do computador, criam controladores específicos de som. Ele divide o instrumento: parte humana e parte do computador. Hiperinstrumentos, são sistemas estimuladores e auxiliadores do processo criativo, pois combinam as funções tradicionais do performer e do compositor juntamente com as capacidade computacionais. Para o autor, eram instrumentos musicais do futuro que, pela expressividade aumentada, e seriam cruciais para definir um novo conceito de música e expressão musical. [13]

Temos assistido a uma era de experimentação e inovação nos instrumentos musicais: do violino savat, aos instrumentos microtonais. Esculturas sonoras, compósitos e plásticos na construção de instrumentos. Todavia, há correntes que têm nascido desta evolução, às quais não podemos ficar indiferentes.

Definir instrumento não é simples, mas há ideias e tentativas para definir este tema, que podem ser discutidas e analisadas de forma a colocar algumas questões pertinentes, que nos ajudem a compreender melhor este sector.

É de considerar, a diversidade existente de instrumentos e a forma diferente como podem ser tocados entre eles, dependendo das características de cada um.

Para todos os que se interessam por música de alguma forma, os instrumentos musicais são objectos poderosos e distintos, pois através deles podemos comunicar.

Esta transmissão, não é apenas ao nível dos do som, das ideias, ou dos sentimentos, mas é também estética e artística. Segundo Eco, as coisas mudam no que diz respeito à criação musical no lado do consumo. [14]

As performances em situações de concerto prevêem alterações na concepção das peças musicais, assim como as instalações interactivas já não vivem sem a colaboração do público, devido às novas necessidades técnicas e artísticas. Nomeadamente no que diz respeito ao desempenho e à possível participação do consumidor nas obras, o público passou a ter novos níveis de responsabilidade em conjunto com o músico/ artista.

Nos dias de hoje, quando pronunciamos instalação, já não nos estamos a referir somente a uma forma de expressão artística. Instalação significa uma experiência de espaço,

composição temporal (som e/ou imagem), e interactividade com uma audiência de fruidores.

Importa que a obra seja percebida pelo seu criador e pelo público que desempenha muitas vezes a função de co-autor.

Projectos como SoundWalk, feitos a pensar nos utilizadores só cumprem a sua função principal quando vão ao encontro das pessoas, envolvendo-as na obra e numa experiência de arte pública.

iv. Casos de Estudo – apresentações públicas

SoundWalk teve duas apresentações públicas. A primeira

na Universidade de Música de Karlsruhe, (Fig. 3), mais propriamente no programa das apresentações finais de licenciatura e mestrado, dos alunos do Instituto de Musicologia e Música Informática. A segunda apresentação, esteve patente na edição 2010 da exposição ton:art, [15] na Galerie Margit Haupt, também em Karlsruhe (Fig. 4).

Não tivemos oportunidade de realizar um estudo sociológico no que diz respeito à interacção dos sujeitos com o instrumento. No entanto, nestas primeiras apresentações públicas da peça, conseguimos, explorar pela observação no terreno, diversos aspectos sob um ponto vista técnico, estético, criativo e social da composição musical.

Os problemas que ainda assim queremos abordar ao longo da continuação e desenvolvimento deste projecto de investigação, centram-se em teorias da interacção e estruturas de comunicação associadas ao estudo dos instrumentos de música digitais, que importam estudar com a mesma relevância que se tem investigado a interacção Homem – computador (máquina).

Fig. 3 HFM, Karlsruhe, 2010
Fig. 3 HFM, Karlsruhe, 2010
Fig. 4 ton:art 2010, Karlsruhe
Fig. 4 ton:art 2010, Karlsruhe

v. conclusão

Com o digital e o acesso às novas tecnologias, tem-se trabalhado no sentido de construir instrumentos “para todos”, onde não há pré-requisitos de formação ou técnica, não deixando de forma alguma, de existir instrumentos para interpretes especializados e deste modo não abertos ao público em geral.

Com o estudo e reflexão destas matérias, há a expectativa de analisar todos os estes aspectos e aproveita-los da melhor forma para melhorar projectos deste âmbito.

O conceito de instrumentos de música digitais, é algo recente. Existe necessidade em levantar questões sobre este tema, pois nada está definido de forma fechada. Muitos autores têm tentado chegar a uma conclusão una e abrangente para todos os trabalhos que têm vindo a ser desenvolvidos nesta área, mas ainda há dificuldades a ultrapassar. No entanto, muito do saber estará na sabedoria de procurar algumas incertezas, para posteriormente nos interrogarmos e encontrar respostas.

Esta foi uma experiência positiva, não só ao nível de toda a investigação efectuada, como da aprendizagem obtida da experiência do trabalho, e de novos conceitos adquiridos.

Podemos ainda concluir, que com o aperfeiçoamento das novas tecnologias (musicais), os Instrumentos de Música Digitais, têm evoluído no sentido de possuírem um aspecto físico simplificado, indo desta forma ao encontro de mais utilizadores e deste modo de se afirmarem também como um caso forte de arte pública.

O trabalho futuro deverá ser nesse caminho, aperfeiçoando os estudos sociológicos ao nível da performance dos instrumentos de música digitais.

O design e a construção dos instrumentos de música digitais, com especial interesse pelas suas características e as variadas relações intrínsecas com os seus utilizadores, compositores e performers, será um assunto que achamos pertinente investigar com detalhe.

 

vI. AGRADECIMENTOS

UCP – EA; CITAR; HFM, Karlsruhe; FCT; Prof. Doutor Paulo Ferreira-Lopes, Prof. Doutor Álvaro Barbosa, Prof. Doutor Thomas Troge e Matthias Schneiderbanger.

 

Referências

[1] Jordà, Sergi. Digital Lutherie Crafting musical computers for new musics’ performance and improvisation, Barcelona, 2005.

[2] Ferreira-Lopes, P., Vitez F. , Dominguez, D. , Wikström, V., New tendencies in the digital music instrument design: Progress Report, Karlsruhe, 2010.

[3] Benjamin, Walter, A Obra de Arte na Era da Sua

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[4] Ferreira-Lopes, Paulo. Música e Interacção – O instrumento de música digital como metáfora. UCP – E.Artes / CITAR. 2009.

[5] Jordà, Sergi Improvising With Computers: A Personal Survey (1989–2001). Journal of New Music Research, 1744-5027, Volume 31, Issue 1, 2002, Pages 1 – 10.

[6] Toeplitz, Kasper T. L’ordinateur comme instrument de concert – aussi une question d’écriture ?. Journées d’Informatique Musicale, 9e édition, Marseille, 29 – 31.

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[7] Roads, Curtis. Composing Electronic Music .

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[9] http://www.arduino.cc/

[10] http://www.arduino.cc/en/Reference/Firmata

[11] Eco, Umberto. A Definição da Arte.

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[12] Machover, Tod. Hyperinstruments – A Progress Report.

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[13] Macedo, André Rangel. Espectros Audível e Visível

Proposta de correspondência, Universidade Católica Portuguesa, CITAR 2009.

[14] Eco, Umberto, Apocalípticos e Integrados, Lisboa: Difel, 1991.

[15] http://www.ton-art-expo.de/2010/soundwalk.php

Diana da Silva Graça Cardoso
CITAR Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes
Universidade Católica Portuguesa – Escola das Artes
Rua Diogo Botelho, nº 1327
4169-055 Porto – Portugal
dcardoso@porto.ucp.pt

La ciudad como interfaz de cambios culturales | de Raúl Niño Bernali

Palabras claves: Estética, Interfaz, Subjetividad, Redes sociales.

Descripción: La noción de ciudad como interfaz desde una dimensión estética, siguiendo a Peter Weibel, se refiere al conjunto de fenómenos culturales observables y signados por la interactividad de las tecnologías de información y comunicación; y también la manera endofísica como se despliegan y transforman las relaciones y procesos inmateriales de acontecimientos que se entrecruzan con el espacio físico y virtual en el que se (des) materializa la ciudad; se trata, pues, de hacer visibles los procesos de producción de intersubjetividad en la habitabilidad de la ciudad, desde realidades ampliadas con los procesos de virtualización tecnológica, el pensar, como proceso cognitivo, y la ciudad en la pluralidad de mundos posibles.

Este análisis estético, desde estrategias heurísticas en el sentido de mirar las tramas simbólicas que se tejen y entrecruzan a partir de relaciones culturales complejas, busca comprender las dimensiones de la cultura como redes que emergen por la producción de subjetividades. En el cruce teórico de la estética y la conjunción con otras ciencias y disciplinas, pues nos movemos en una trama de significados del mundo dinámico y de la vida que emerge en la ciudad.

La ciudad, representa así el espaciotiempo de las interacciones sociales colectivas, la construcción de procesos de intersubjetividad en los cuales se producen y definen relaciones emergentes tan diversas en las formas de ciudadanía donde convergen dinámicas que comprenden la economía, la ecología, el arte, las ciencias, las tecnologías, la historia cultural de las tradiciones, rupturas y discontinuidades políticas y herencias culturales, pero también creativamente mirando la recomposición de lo urbano como esquema cultural de interactividades complejas.

Mi perspectiva teórica consiste en mirar los procesos de emergencia colectiva, los intercambios y las hibridaciones en las formas de habitabilidad urbanas en las ciudades y las formas de conocimiento estético como interfases para comprender el paso hacia las ciberciudades.

Las tramas y redes sociales, trayectos culturales en la producción de subjetividad

Plantear la pregunta a partir de las tramas de la ciudad como red interactiva de cultura, en el contexto actual de un cerebro global, coloca en perspectiva el tema de las ciberciudades, sin embargo la cuestión es indagar sobre las relaciones emergentes en la vida colectiva de la ciudad por la influencia de todas las personas que activan la inteligencia colectiva mediante la utilización de medios, dispositivos de información y comunicación. En sentido, los mundos posibles que están presentes en la ciudad como lugar de interactividad abre una perspectiva de análisis y comprensión estética que puntualiza sobre la dimensión colectiva de los deseos e intercambios de manera diferencial y relacional a la vez que convoca a construir sentidos y ver la ciudad en tramas y tejidos sociales en procesos de emergencia1.

El punto de partida para la subjetividad, es la manera como se ha estudiado la ciudad a partir del cuerpo y quien mejor que Richard Sennett, para mostrar los elementos de significación sobre éste ámbito en los espacios urbanos que cobran forma por la experiencia del cuerpo. Este análisis sobre La Ciudad de la Civilización Occidental proporciona nuevas claves de interpretación para el pensamiento estético y se infiere que la subjetividad emerge como experiencia cultural en redes de pensamiento desde espacios inteligentes los cuales confieren sentido a la noción de ciberciudad. La sociedad entendida como trama de significados, complejiza a las ciudades ya que en ésta se juntan tecnologías, ciencias, formas de vida altamente complejas de interculturalidad e hibridaciones de patrones y lenguajes mundo.

Esto es equiparable a decir que la manera de habitar subjetivamente la ciudad contemporánea es a partir de cómo pensamos y transformamos el mundo, cómo nos comunicamos y nos interconectamos culturalmente entre diversos sentidos y realidades y por tanto como se modela el cuerpo y la mente expandida.

Dice R. Sennett: A lo largo del texto Carne y Piedra he argumentado que los espacios urbanos cobran forma en buena medida a partir de la manera en que las personas experimentan su cuerpo. Para que las personas que viven en una ciudad multicultural se interesen por los demás, creo que tenemos que cambiar la forma en que percibimos nuestros cuerpos. No experimentaremos la diferencia de los demás, mientras no reconozcamos las insuficiencias corporales que existen en nosotros mismos. La compasión cívica procede de esa conciencia física de nuestras creencias, y no de la mera buena voluntad o rectitud política. Sennett (1997) p, 394

El giro estético de estos fenómenos a partir de la reflexión de Sennett, consiste en explicar que la representación del cuerpo se hace desde otras modalidades en el espacio urbano, y que el cuerpo ahora es una ampliación con dispositivos tecnológicos y electrónicos que hacen posible la experiencia y la interactividad, de ahí que se pueda hablar de la sociedad como un organismo global; la ciudad es el resultado de las personas que la habitan y como lugar múltiple proporciona nuevas opciones de información e interconexión , lo cual supone el curso de una mayor capacidad de pensar en universos de significado que son propios para estar en los circuitos y dinámicas de expansiones globales. Podemos decir desde la idea ontológica en la filosofía de M. Heidegger sobre el habitar, que el lugar de la ciudad se produce por la interacción de los trayectos imaginarios y el construir es la dinámica de flujos entre lo virtual y lo real.

Es común observar y percibir en distintas ciudades del mundo, sobre todo aquellas que le apuestan a los cambios tecnológicos constantes, lugares contemporáneos con espacialidades cambiantes e hibridadas desde el ámbito de la información fusión de códigos y patrones estéticos de otra naturaleza. Las dinámicas culturales urbanas (en centros comerciales, campus universitarios, café Internet o telecentros, plazas para red inalámbrica, aeropuertos, etc.), en las formas de habitabilidad de los individuos, que además de llevar audífonos para escuchar privadamente música, desde cualquier aparato electrónico (celular, Ipod, computador, etc.,) puede estar simultáneamente, consultando la red, chateando y además conversando con grupos (el parche) de amigos. El mundo de los jóvenes es en la ciudad un modelo de consumo y apropiación de tecnologías, pero por otra parte es una especie de fascinación de múltiples universos conectados con lúdica, lenguajes, modas y nuevas maneras de diversión y entretenimiento.

Existe un interesante debate contemporáneo y una amplia reflexión sobre la interpretación de la ciudad tanto en sus ámbitos de transformación urbana a partir de la planificación y el desarrollo que nos arrojan a un terreno práctico de su materialidad, y de sus formas representadas en tiempos y estilos; y a partir de ello se enuncian ciudades inteligentes, informadas, tecnológicas, ecológicas, o se crean nuevas denominaciones como cosmópolis, aerópolis, agrópolis, metápolis, telépolis, entre otras, pero el interés cambia cuando intentamos comprender que más allá de los procesos de modernización, la vida colectiva, los imaginarios y los deseos sociales modelan cotidianamente una experiencia cultural de ser ciudadanos. Esta ciudadanía se ha reconfigurado a ciudadanías globales (Castells, Kaldor), o civilizaciones planetarias (Kakú), y cuya dimensión se conecta en el principio del cosmopolitismo y como resultado de este proceso, es sin duda la interactividad tecnológica la forma cultural en que se halla una nueva evolución cultural, ligada a los cambios de un organismo social planetario.

Esta condición de relaciones intangibles de flujos globales cosmopolitas nos hace pensar en las relaciones estéticas y culturales que experimentamos en la ciudad; son formas de relación en tramas sociales de significados y redes que nos sirven para examinar la imagen de la ciudad, pero sobre todo para entender la diversidad y complejidad de relaciones sociales mediante el cruce de experiencias y prácticas que se producen ahora con la fuerza de los procesos de globalización, la ciencia, las tecnologías de información y comunicación.

La trama social de este organismo global, es el proceso constituido por la multiplicidad de personas que comparten la inteligencia y los despliegues de la información que circula y se consume y a partir de ella, se organizan los circuitos y dinámicas cotidianas entre las que se destacan la producción y transferencia de conocimientos, las lúdicas urbanas, los deportes, las exposiciones en equipamientos, las experiencias con el arte urbano, el cine, las músicas del mundo, en fin, acontecimientos de distinto orden que inciden en la cognición individual de los ciudadanos que viven el mundo contemporáneo desde hibridaciones tecnológicas a partir de la cuales se crean las tramas de información e interrelación.

Hacer un estado del arte de los diferentes enfoques y perspectivas sobre la ciudad y la cultura, resultaría ser una tarea inacabable y también imaginativa de gran valor, pero será un reto para otro momento. Sin embargo, creo oportuno plantear, que la situación cultural de la ciudad, requiere de una manera distinta de hacer sus análisis para interpretar los grados de complejidad social, y para ello he de incorporar el sentido de pluralidad que se le ha otorgado al concepto de la interactividad, condición necesaria para la interfaz de los Territorios existenciales2 en el encuentro de relaciones y formas de pensamiento de múltiples maneras de ser y estar en el mundo.

La ciudad como interfaz es el lugar donde se hace y se reproduce la vida; es ante todo una experiencia social y global significativa. Como lugar de la vida, la ciudad permite que sea leída, comprendida, vivida además como intersubjetividad y umbral de cambios en las maneras de pensar y coexistir, en los cuales habitamos, sentimos y percibimos de manera cambiante múltiples experiencias de pensamiento, conocimiento, tecnologías, arte, política, economía. Todas estas dimensiones están presentes e interactúan simultáneamente en la experiencia social de las personas.

Los rasgos culturales de la interactividad y la producción de nuevas subjetividades, conforman la experiencia del superoganismo global (Rosnay) en tanto que la ciudad es un conjunto de relaciones multiculturales, hoy, experimentadas de manera más compleja por la virtualización tecnológica y el cruce de caminos de los acontecimientos provenientes de la economía, los mercados, la política, el tiempo libre, entre otros.

En la ciudad y los procesos de modernización, mutabilidad y construcción, se puede ver un acopio importante de creatividad, así como también sus problemas neurálgicos de inseguridad, pobreza y exclusión, pero al fin y al cabo en donde se hace la ciudadanía en procesos de encuentro y desencuentro, recuerdos y olvidos, en fin la memoria que se recrea y transforma por las ampliaciones o expansiones con la interactividad tecnológica de los medios, dispositivos y redes del paisaje tecnológico. La memoria de las ciberciudades es la condición y la capacidad de la información, registro y transferencia.

Tendríamos que preguntarnos acerca de la interactividad de las culturas como experiencia ciudadana. La experiencia colectiva de los teleservicios, la desmaterialización de procesos nos lleva como cuerpo cívico en la ciudad a una producción intersubjetiva de sentidos de vida impulsados por los procesos de globalización.

La emergencia tecnológica produce cambios en la habitabilidad social y en las tramas sociales. Es decir, que la complejidad de todos los organismos vivos incluyendo a los humanos, en la ciudad es ante todo un asunto de múltiples diversidades presentes en sus cambios, mutaciones, transformaciones e hibridaciones.

Las tramas sociales, como experiencia estética son además de campos simbólicos, los trayectos que conforman el conjunto de fenómenos como universos de significación social y cultural; es decir, los que construyen los vínculos que se producen de facto en el hecho de la habitabilidad y explican la experiencia estética que emerge en el cruce de sentidos del mundo como interfaz.

Los procesos interactivos de la ciudad, están generando una complejidad conceptual y teórica que incide en los cambios de la experiencia cultural y también como proceso de intersubjetividad; es precisamente en este sentido que se produce una nueva emergencia cultural.

La vida urbana, es ya una emergencia de cambios y contrastes, de contradicciones y mismo de alteridades sociales, de conflictos y tensiones, de riesgos e incertidumbres, que están modelando formas de ser diversas y plurales, o lo que podríamos llamar, las tramas sociales de personas que ya no son esa forma convencional de sociedad civil, sino el resultado de fuerzas provenientes de una densidad de relaciones transnacionales de redes económicas, tecnológicas, intergubernamentales, de comunicación, integrando diversidades culturales en redes de múltiples actividades, prácticas, conocimientos y acontecimientos.

En esta exploración propuesta, resulta pertinente hablar de la emoción como principal construcción de la interactividad cultural para explorar la heterogeneidad social que conforma ese tejido de relaciones creativas en el espacio de habitabilidad que es la ciudad.

La habitabilidad está cruzada por experiencias emocionales y flujos de velocidad, virtualizaciones, información, tecnologías, procesos caosmicos3, los cuales son determinantes en las líneas de ruptura de la subjetividad.

Humberto Maturana (1997), señala cómo lo emocional en la convivencia es determinante en la constitución política del vivir:

Las relaciones humanas se dan siempre desde una base emocional que define el ámbito de convivencia. Por esto la convivencia de personas que pertenecen a dominios sociales y no sociales distintos, requiere de la estipulación de una legalidad que opera definiendo el espacio de la convivencia como un dominio emocional declarativo que especifica los deseos de convivencia y así el espacio de acciones que lo realizan. P, 81

Es importante señalar que la relación entre la convivencia como experiencia política y lo emocional como experiencia cultural se produce por la interactividad tecnológicas de las redes de intercambio de significados; los flujos de información y comunicación, están permitiendo la interactividad cultural en la ciudad, y también los deseos de convivencia y significación en la manera de ser sujetos en forma colectiva.

Ser ciudadanos en la ciudad contemporánea de redes y tecnologías de información es la experiencia estética y política de la emoción; es estar en una intersubjetividad que es transversal a la cultura evolutiva que la misma ciudadana complejiza, en términos de diversidad de valores y normas compartidas para la convivencia y la divergencia. La experiencia estética contemporánea propicia el aprendizaje y la mutación de la cultura como experiencia global de la interactividad con sistemas de información circulantes por distintos medios y dispositivos.

Estamos en procesos de transición construyendo nuevos campos perceptuales porque la experiencia global de la cultura es una nueva experiencia de emoción informatizada, virtualizada, pero por demás política. Esto quiere decir, que la construcción de la subjetividad política es el resultado de la interactividad circulante y autoreferenciada de múltiples maneras por sujetos maquínicos mediante interfaces y dispositivos con los cuales se reconfigura un tipo de trama social amorfa, fragmentada, que a la vez cohesiona, desarticula, emociona, trasgrede, produce conocimientos y experiencias que recorren las tramas sociales de la sociedad.

Lo que resulta de esta situación, es, que los espacios de fuga son portadores de universos de significación plurales, delirantes, o incluso esquizoides en la manera como se presentan en tanto son extrañeza de productos culturales o mismos de experiencias y prácticas sociales de comunidades que se convierten en estrategias de conocimiento y de novedad para el entramado social urbano. Esta es la experiencia de la intersubjetividad que cambia la manera de leer la diversidad cultural en la ciudad. La diversidad cultural no es entonces esa manera autárquica de mantener los saberes, de guardar los conocimientos y las herencias culturales o de musealizar las prácticas culturales en la ciudad que todo el tiempo se está dinamizando por las tramas sociales, especialmente porque la fuerzas productivas se dan gracias a que la condición humana es cambiante, dinámica, adaptativa y transgresora y por tanto desterritorializa sus deseos.

Así las cosas, se complejiza la trama social de las interactividades en esta época de pluralidades y multiplicidades; la experiencia estética que emerge por imaginarios son resultantes distintas a las formas clásicas y compartimentadas de ver el mundo. Los territorios existenciales (Guattarí) donde no hay ningún orden prevaleciente o determinante en la producción de subjetividad, las alteridades reconfiguran las emergencias sociales y culturales y, esa es una trama social en la cual la cultura de la ciudad se despliega o se desterritorializa, ampliándose de sus nociones antropológicas, políticas, económicas sociológicas a esa nueva dimensión de ciberciudad.

La experiencia estética de la ciudad es una forma plural de tramas sociales y divergentes, de vínculos fragmentados y de poderosas expresiones que se desmarcan o que se mezclan para experimentar procesos de comunicación distintos. Las tecnologías de información y comunicación, recrean y modelan la subjetividad en torno a los intercambios por las formas de expresión cruzada o imbricada con la dimensión económica que signa los procesos de consumo de la ciudad.

El problema que se revela aquí, es el de interpretar la ciudad mediante relaciones interactivas; es decir, por la multiplicidad de sujetos interactivos que se entrecruzan y generan vínculos divergentes maquínicos son sujetos políticos, sujetos económicos, sujetos tecnológicos que están presentes en la intimidad, en la emoción, en las redes de virtualización tecnológica desde las cuales se activan vínculos y procesos de información. La habitabilidad de esas maneras diversas y plurales en que miles de personas, géneros, organizaciones, agentes, se representan en la ciudad de manera cruzada, es el primer entramado social que coloca a manera de calidoscopio la interactividad tecnológica y cultural, la cual se denomina organismo social.

En ese calidoscopio de amalgamas, la subjetividad que emerge por la práctica del vivir mismo en medio de relaciones económicas, sociales, tecnológicas, científicas, la ciudad se nos desdibuja de su materialidad, el paisaje, el territorio, se redefinen como el espaciamiento del conjunto de experiencias virtuales hacia nuevos umbrales que se transfieren mediante fuerzas creativas.

A manera de un primer excurso, haciendo una paráfrasis, nos diría Guattarí (1996), tratándose de entender la subjetividad desde las tramas sociales de la ciudad como una experiencia de emoción y sentido en donde la vida se despliega:

[…] No se trata de un objeto ‘dado’ en coordenadas extrínsecas, sino de una conformación de subjetivación que otorga sentido y valor a Territorios existenciales determinados. Esta conformación se debe trabajar para vivir, procesualizarse a partir de las singularidades que la percuten. Todo esto implica la idea de una necesaria práctica creativa o incluso de una pragmática ontológica. Son nuevos modos de ser del ser los que crean los ritmos, las formas, los colores, las intensidades de la danza. Nada cae por su peso. Hay que volver a tomar todo desde cero, en el punto de emergencia caósmica. Potencia del eterno retorno del estado naciente. P, 116.

Las tramas sociales virtuales son el estado naciente de una ecología virtual de relaciones existenciales singulares en la trama de significados que deviene vida. Este devenir puede estar gestando la más importante práctica social que estamos experimentando de manera compartida en muchas partes a la vez, como sucede en el ciberespacio y por ende en la ciberciudades. La simultaneidad que experimentamos como habitantes coparticipes de un cerebro global, sentimos que las nuevas fuerzas tecnológicas e interactivas nos conducen a ser ciudadanos planetarios en el contexto de un organismo global, pues los procesos geopolíticos y la singularidades estéticas emergentes de las músicas del mundo, el cine, el arte los videojuegos, y todos los dispositivos electrónicos y computacionales conforman las interfaces y ampliaciones tecnológicas, las redes del urbanismo y las interconexiones con mundos posibles.

 

Inteligencia colectiva y superorganismo global

Como lo hemos venido esbozando, al tratar de comprender los universos de significado por la experiencia global e interactiva de las tecnologías, es importante entrar en la comprensión de los principios organizativos de las redes, pues si se trata de principios o territorios existenciales como los llama F. Guattarí, la experiencia estética de la vida contemporánea nos conduce a tener tramas sociales que ya no operan por la forma normativizada e instrumental de la información, sino que sobre la base de rupturas multitemporales que se producen por la interactividad cultural urbana por los procesos de interconexión y simultaneidad en el contexto del planeta. Internet y su multiplicación ha logrado que el superorganismo global se entienda como el proceso creciente de interconexiones y este proceso está en el contexto de las ciberciudades, a través de las cuales se desmaterializan acciones y servicios especialmente en el intercambio de información, formado así el funcionamiento inteligente de los espacios, como lo describe W. Mitchell, mediante el uso de pantallas, cámaras, ordenadores, micrófonos, transistores y un sinnúmero de dispositivos electrónicos.

Esta trama de redes sociales, o mejor el trayecto plural de la cibercultura (P. Lévy) es el de la configuración global que emerge con los procesos de globalización. En la ciudad, sería la resultante de nuevas asociaciones a las redes de información a los flujos y dinámicas económicas, a la construcción de subjetividades en el orden de lo colectivo. En esta perspectiva el despliegue de la información y el conjunto de imaginarios asociados a los procesos de la vida urbana respecto a patrones globales de representación, trata de complejos sociales habitables como barrios, complejos industriales, complejos culturales, complejos tecnológicos y complejas redes en el ciberespacio cuya topología es la interfaz del mundo que nos conecta con el superoganismo social y la inteligencia de un cerebro global que autoorganiza los flujos de información.

Los dispositivos virtuales del cerebro global a través de las redes tecnológicas son los fenómenos de convergencia de los sistemas de información y las tecnologías. La presencia y uso de estos dispositivos y los canales que las redes integran, permiten que las expresiones colectivas de las personas sean parte de una colectividad que se reorganiza constantemente en la ciudad compleja.

M. Castells4, explica cómo las dinámicas y movimientos sociales desde la segunda mitad de los años ochenta en el siglo pasado, fueron constituyendo un giro cultural sobre la base de las autoridades locales o los intereses de la vida local cotidiana. Dinámicas que focalizaban a grupos sociales que querían simplemente conectarse a la red global como una experiencia exploratoria, o las movilizaciones virtuales y la conformación de redes hasta pasar a las grandes manifestaciones a través de la red para hacer oposición política, para lo cual se pueden explorar las rutas de resistencia virtual que vienen sucediendo detrás de las cumbres del capitalismo, iniciadas en el año de 1997.5

La interactividad como proceso de interfaz acerca los problemas de impacto mundial que se traducen en lo local tales como: la contaminación del medio ambiente, episodios de extinción, conflictos sociales y políticos cambios en las estructuras culturales como la relación con la familia, la identidad, el sentido de la vecindad, los símbolos e imaginarios locales, conforman el primer elemento constitutivo y de desplazamiento que le confiere lugar a la noción de ciudadanía. Un primer paso en la reorganización del sentido y de la subjetividad ligada a los condicionamientos de la cotidianidad, a las características en las cuales se desarrolla parte de la esencia de los derechos sociales, y por ende a las pulsiones vitales de lo microsocial.

El superoganismo global se reorganiza alrededor de derechos que van emergiendo con las redes, con las formas de producción inmaterial y por los insumos de los intereses que el sistema mundo representa a través de los medios, cuya forma de producción se convierte en el sentido y centro de transformación de la subjetividad. La sociedad global multiplica los nodos de interacción en la misma dinámica y acontecimientos de carácter global.

El espaciotiempo de la globalización determina los lineamientos de un nuevo paradigma del ser y el sentir colectivo, que se instala en la creación del mundo posible, en la dimensión del entorno creativo, de la reinvención del entorno en el cual se cruza la interactividad cultural, la dinamización de las rupturas sociales.

 

Universos de significación e interactividades urbanas

En este sentido, la recomposición de la subjetividad se orienta sobre las prácticas culturales como dimensión estética en la experiencia social a escala urbana, a fin de tejer y rescatar a las ciudades como el espacio de la vida colectiva que se recrea por la interacción social, cultural, económica y política, en donde tienen lugar las transformaciones de la diversidad cultural y los procesos estéticos reconfigurados constantemente en imaginarios y símbolos que inciden en las maneras de abordar las formas de vida urbana contemporáneas

La complejidad y comprensión de los problemas de la ciudad, es en el sentido estético, la oportunidad para entender la ciudad en los procesos de interactividad incorporados tecnológicamente como una manera de entender la expansión de la naturaleza humana en la realización de cambios posibles en el conjunto de la vida que es interactiva. En esta dimensión se hallan la recomposición de la subjetividad, respecto a la acción humana en nuevas conexiones de cooperación, cuya base es la innovación tecnocientífica, la capacidad tecnológica humana, y la apuesta por la gratificación de la vida. Estaríamos mirando las cualidades con las que se harían nuevos acoplamientos estructurales, nuevas configuraciones en los procesos de producción de subjetividad en el contexto de lugares complejos como son las ciberciudades.

Los puntos centrales de esta discusión versan sobre la significación de la vida en la ciudad y el paso de recomposición tecnológica a ciberciudades, y sobre los procesos de la política para una defensa de la evolución cultural, está última considerada como la dimensión más significativa de la política que estaría contribuyendo en la comprensión de los universos de significación ligados a revoluciones en curso tales como la información, biomoleculares, y atómicas, entre otras. Estos universos son parte prioritaria de los procesos complejos de la ciudad como lugar creativo en donde la vida humana se despliega colectivamente en medio de incertidumbres e irracionalidades.

La construcción de Territorios existenciales desde una visión optimista de la vida como totalidad (el entrecruzamiento de los sistemas de vida del cosmos) y de la cual se puede repotenciar el interés colectivo a través de la conexión de procesos simbióticos, permite plantear dos bifurcaciones de análisis en las siguientes direcciones. La primera con respecto a la política como acción y su incidencia a gran escala. La acción colectiva de la sociedad civil global en defensa de la vida como totalidad del cosmos, es decir el paso a ser ciudadanos planetarios. La segunda, respecto a lo político como la alternativa de la acción o de las acciones para la vida en torno al trabajo colectivo, a las formas de cooperación y a una dignificación de la condición humana en el conjunto de los organismos vivos, mediante la recomposición de la ciudadanía en formas de subjetividad con objetivos creadores y emancipadores. Es decir el paso heurístico en los procesos de producción de la intersubjetividad y en el acoplamiento de interfaces para hacer posible la transferencia de conocimiento y creatividad.

Surge entonces, otro aspecto que coloca el interés cultural y político en la perspectiva de analizar la ciudad como el espacio inteligente del habitar desde el pensar, como estrategia de cohesión social o de respuesta creativa a las crisis que afronta la ciudad contemporánea, debido a que los procesos transversales del poder, la economía, los conflictos sociales, el crecimiento y diversificación demográfica, la aparición constante de nuevos problemas sociales, pandemias, opacan los campos de creación que se manifiestan en las esferas de las artes y los campos de creación, pero sobre todo inciden negativamente en la ampliación de la diversidad cultural como experiencia colectiva para la solución de los problemas en curso.

Se estaría entonces propiciando un nuevo elemento de diálogo y convergencia en el que la vida urbana cada vez más construye demandas significativas que se encuentran en mayor medida en el complejo cultural de la diversión, el entretenimiento, el tiempo libre, el ocio, las cualidades de formación y cómo los ámbitos de la información y la ciencia, están modelando estos procesos dinámicamente, también como forma de mercado.

La salida a esta encrucijada necesariamente debe basarse en una ética de la cooperación y no violencia, como lo señala Capra, cuando habla del nuevo paradigma de la red.

 

La ciberciudad y las redes en procesos heterogenéticos

La intersubjetividad y sus ampliaciones en la trama de significados se amplía en su definición hacia las redes y conexiones que se tejen de manera transversal. Redes en donde converge la vida humana en conjunto con las otras formas de vida del planeta, con las culturas biodiversas, sobrepasando la noción de lo eminentemente local y lo micro social y, éstas a su vez, cómo base de interrelaciones con lo universal, con las transformaciones a gran escala.

Los universos de significación que adquiere la ciberciudad contemporánea en torno a las redes, debe permitirnos pensar qué sentimos cuando estamos en diversas conexiones, cuando ampliamos las relaciones afectivas o de vínculos emocionales, o de los espacios de confianza y seguridad para la convivencia están virtualmente conectados.

La recomposición de la subjetividad política como acción a gran escala, tomará sentido cuando la dimensión de pensar su significación creciente esté en conjunción con los demás sistemas vivos. En el contexto de territorios existenciales que propone F. Guattarí, la política como el umbral más alto a la que podemos aspirar inteligentemente es la coexistencia con todas las generaciones humanas en formas sociales diversas y por tanto la diversidad cultural en una dimensión cualitativa, que permitiría o estaría en la base de los procesos de una civilidad e inteligencia colectiva.

Las redes sociales son relaciones de comunicación y significado que se definen como la compleja interacción de múltiples espacios y tiempos que se cruzan y se determinan, se entrecruzan y se modifican unas a otras tejiendo la experiencia vital de las trama de significado que caracterizan a la sociedad del conocimiento.

Desde la visión de la cultura como complejidad6, las redes sociales las definimos como los procesos de comunicación y simbolización que corresponde al espacio de las instituciones y organizaciones (simbólicas) que se ocupan de integrar los ámbitos de investigación, producción, difusión, de experiencias y prácticas culturales.

Resulta adecuado detenernos a pensar sobre el espacio intersticial de las redes sociales, por cuanto se refiere al tipo de organización social que promueve el desarrollo de la sociedad del conocimiento, y que además se vuelve visible en el paisaje urbano, haciendo una transformación de la singularidad local y poniendo de relieve la época contemporánea que modela a las nuevas generaciones.

Veamos un asunto crucial ¿cómo se puede estar modelando la ciberciudad tecnológicamente desde el significado de las redes de ciudadanía e incorpora la forma de la sociedad del conocimiento? La pregunta es uno de los campos heurísticos más complejos que nos surgen en esta aproximación, porque las redes sociales desde la aproximación de la cultura de los grupos sociales, nos permite hacer una prefiguración a tiempos normales de modernidades atemporales, es decir procesos abarcables de manera abstracta, pero ahora con este espacio intersticial de emergencia en la era digital que atraviesa cualquier espaciotiempo y lo urbano, nos produce esa ruptura o discontinuidad con una forma de ciudadanía normalizada o centrista definida por el fundamento del estado-nación. Esta es una inferencia heurística respecto a la dimensión social de la ciudadanía en el sentido de las redes sociales. Una estrategia conceptual determinante para los significados contemporáneos de la vida social y cultural urbana.

Se puede considerar entonces, que la cibercultura en redes sociales es la forma específica del vivir y parte del cuerpo de conocimientos que construye y determina su significación en el tiempo. En tal sentido, el espaciotiempo es el que el siglo XXI, coloca como experiencia cultural inmaterial: la integración de redes de información y la evolución cultural en un escenario de hibridación, que no sabemos que valores culturales transforma o permite conservar para los territorios, pero lo que si sabemos es que los procesos de intersubjetividad y de diversidad cultural son cambiantes de manera vertiginosa.

La cultura contemporánea, como lo plantea R. Sennett7, se caracteriza por la superficialidad que propone un poder a través de la cultura. La condición que ha descrito Sennett, nos invita a pensar en la dimensión estética de la ciudad contemporánea, la que inspira una producción de subjetividad ampliada con los dispositivos electrónicos la cual hace pensar en los cambios del «yo-como-proceso» en patrones culturales para recrear el espacio urbano con vínculos claves para la vida y la sostenibilidad del planeta, cuando su curso de deterioro parece irreversible. Volviendo a Sennett, se necesita de un «pensamiento artesanal». «En lugar del encierro, la cultura aconseja renuncia, esto es, cortar lazos a fin de ser libres, en particular los lazos que se han formado con el tiempo». P, 167. El punto acá es el de la adaptación con las nuevas tecnologías en el proceso emergente de las ciberciudades.

Si las comunidades humanas asumimos nuevos universos de valoración para construir la Sostenibilidad como patrón cultural y de cambio en los modelos de vida contemporáneos, es posible entrar en la dimensión sostenible del planeta mediante el uso de la inteligencia colectiva, sin homogeneizar la diversidad cultural que es esencial para lograr la construcción de los horizontes comunes y de trabajo colectivo, a partir de las acciones que puedan servir de puente entre lo público y lo privado restituyendo el sentido de hacer gratificante la vida incluso como apuesta a la transformación en las formas de habitabilidad.

La diversidad cultural que emerge desde la sociedad de la información, la sociedad del conocimiento, las comunas culturales movilizadas por flujos de experiencia tecnológica, intentan localizarse o desplazarse por intersticios de fuga en las ciberciudades.

 

Nuevos trayectos

La ciudad como interfaz, es una conjunción significativa de códigos y patrones culturales ampliados en las interacciones de la vida, la cual se comprende como diversidad cultural a partir de procesos de autoorganización en tramas sociales ampliadas en las redes electrónicas, configurando así una dimensión de ciberciudades. Los universos de significación al igual que los territorios de existencia, son la dimensión estética de una nueva producción de subjetividad, la cual está pensada como clave para encontrar nuevos significados en un mundo diferente de suma cero8. Se trata entonces de comprender en que está la condición humana respecto al sistema que se constituye como un superorganismo global, es decir, en el cambio de cognición que estamos asumiendo en el planeta, desde la relación de vida que tenemos en el mundo urbano y en nuestro espacio singular de la ciudad.

A la ciberciudad hay que hallarle el fundamento de la vida, entendiendo los nuevos fenómenos de los cambios contemporáneos, que se han acrecentado en perspectivas de escala global. Corresponde a la sociedad del conocimiento, es decir a las ciudadanías planetarias o globales, liderar a través del avance tecnológico y científico de redes, incluso desde el pensamiento artesanal, incidir en los principios de la cooperación y no violencia, en la necesidad de construir una nueva perspectiva de sostenibilidad sobre la totalidad de la vida. Modificar los principios de la política lineal en las matrices sociales diversas, y establecer los vínculos de una política no lineal, es decir de relaciones de complejidad e interconectar lo público con lo privado mediante los cambios culturales de la época significativamente tecnológica del siglo XXI.

La ciberciudad como epicentro de la vida debe inspirar los principios de corresponsabilidad en la producción de intersubjetividades. Es necesario imaginarla en el sentido de una sociedad de conocimiento creativo, con premisas fundamentales sobre los principios de la vida a escala cósmica, partiendo del reconocimiento del problema de las diversidades biológicas y culturales cuando se comparten cualitativamente los fundamentos de la vida ampliada en un mundo de bioinformación por las conexiones e interactividades activas de los ciudadanos que comparten espacios inteligentes.

Habitar estéticamente la ciberciudad es fundar políticamente nuevas interconexiones que nos permitan la coexistencia no fragmentaria, sino integral para la comprensión de las acciones, suponiendo que son mejores que en otras épocas, sino para descubrir los quiebres y rupturas de los elementos inestables que gobiernan las relaciones de la cibercultura.

 

Bibliografía

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NOTAS DE REFERENCIAS

 

1 Esta perspectiva se encuentra ampliamente desarrollada, desde varios autores (Prigogine, Varela, Maturana, Capra, Gell-Mann), pero particularmente en el desarrollo del artículo sobre el concepto de emergencia es el que hace la articulación con el problema de la vida. Respecto de lo anterior, la siguiente definición nos permite avanzar: “para extender la comprensión de la naturaleza de la vida a la dimensión social humana, que es la pareja principal de esta obra, tendremos que manejar el pensamiento conceptual, los valores, el significado y el propósito, fenómenos que pertenecen al ámbito de la consciencia y la cultura humanas. Ello significa que debemos ampliar nuestra comprensión de la mente y la consciencia. A medida que desplacemos nuestra atención a la dimensión cognitiva de la vida, comprobaremos que nace una nueva visión unificada de la vida, la mente y la consciencia, en la que la consciencia humana está inextricablemente ligada al mundo social de las relaciones interpersonales y de la cultura. Y, lo que es más, descubriremos que esa visión unificada nos permite comprender la dimensión espiritual de la vida de un modo plenamente coherente con los conceptos tradicionales de espiritualidad”. Capra (2002), 59. También se puede ampliar esta noción: “Esta emergencia espontánea de orden en puntos críticos de inestabilidad constituye uno de los conceptos más importantes para la nueva comprensión de la vida. Esta característica, que se conoce técnicamente con el nombre de autoorganización aunque a menudo se la designe, simplemente, como “emergencia”, ha sido reconocida como el origen dinámico del desarrollo, del aprendizaje y de la evolución. En otras palabras, la creatividad –la capacidad para generar nuevas formas- constituye una propiedad clave de todo sistema vivo. Y puesto que la emergencia constituye una parte integrante de la dinámica de los sistemas abiertos, podemos llegar a la importante conclusión de que éstos se desarrollan y evolucionan: la vida avanza constantemente hacia la novedad” Capra (2002) pp., 38-39

2 Félix Guattarí, (1996). Caósmosis. […] Yo tiendo la mano hacia el futuro. según que, a mi entender, todo esté jugado de antemano o que haya que reemprenderlo todo, que el mundo pueda ser reconstruido a partir de otros Universos de valor, que otros Territorios existenciales deban ser construidos con ese fin, mi actitud estará teñida de una seguridad mecánica o de una incertidumbre creadora. las grandes pruebas por las que atraviesa el planeta, como la asfixia de su atmósfera, implican un cambio de producción de modo de vida.” p, 163

3 Félix Guattarí. (1992) Caósmosis. Argentina, Manantial

4 Los procesos de cambio social conflictivo en la era de la Información giran en torno a los esfuerzos por transformar las categorías de nuestra existencia a base de construir redes interactivas como formas de organización y movilización. Estas redes, que surgen de la resistencia de sociedades locales, se proponen vencer el poder de las redes globales para así reconstruir el mundo desde abajo. Castells, en: La Galaxia Internet. P.165

5 Junio del 97, Marcha Europea a Amsterdam por otra Europa. Web de la llamada “coalición Holandesa por una Europa diferente en: <http://www.snore.org/archief/1997/different-europe/>

6 Esta noción de cultura como complejidad ha sido ampliada a partir de F. Capra, respecto a la comprensión sistémica de la vida y al ámbito social dentro del marco conceptual de cuatro perspectivas a saber: a) forma; b) materia; c) proceso; d) significado. Ver: Capra (2002) Las conexiones ocultas, p, p, 113-121

7 En: La Cultura del Nuevo Capitalismo. 2006, Barcelona, Anagrama.

8[…] El juego de suma cero es aquel en que un ganador se lo lleva todo. por cada ganador tiene que haber un perdedor. […] en algunos juegos de suma no cero, todos los jugadores se benefician si cooperan. el incremento del número de personas que participan en juegos más complejos de suma no cero produce efectos emergentes como ciudades vibrantes, cuerpos de conocimiento, ,obras maestras arquitectónicas, mercados y sistemas sanitarios públicos”. Wright señala que la evolución cultural ha impulsado la superación de diversos umbrales en la sociedad durante los últimos 20.000 años: ahora nos encaminamos hacia un nuevo umbral »En: Rheingold H. (2004). Multitudes Inteligentes. La próxima revolución social. Barcelona, Gedisa., p, 238

 

Raúl Niño Bernal, es Profesor e investigador del grupo de investigación Estética y Nuevas Tecnología, en el Departamento de Estética en la Facultad de Arquitectura y Diseño de la Pontificia Universidad Javeriana de Bogotá. PhD (c), Magíster en Estudios Políticos Gerente en Gestión Cultural y Restaurador de Bienes Muebles. Autor de las siguientes publicaciones: Ciberbiología y procesos tecnológicos de la cultura. (2010) En: Estética Vida Artificial y Biopolítica. (2010) (coeditor). Bogotá, Pontificia Universidad javeriana. ISBN: 978-958-716-366-7. Repolitizar la biodiversidad (2009). En: Poéticas del Devenir. Bogotá, Editorial Pontificia Universidad Javeriana. Cognición y Subjetividades Políticas: Perspectivas estéticas para las ciudadanías globales (2008) ISBN: 978-958-716-033-8, Indicadores Estéticos de Cultura Urbana (2006) ISBN: 978-958-683-864-1. Ensayo: Giro Cultural de la Estética Contemporánea (2003) ISBN: 978-958-683-570-1, en libro colectivo, coautor de “Nuestros Museos de Bogotá”, publicación universal en www.encolombia.com/museos/.

Dias Feitos de Vidro | de Vanderlei Veget C. Lopes Junior

Resumo

O presente artigo discute aproximações entre arte e tecnologia, tomando-os separadamente de início, e apontando para algumas articulações poéticas entre os dois campos. Busca tais articulações face a utilização de recursos equivalentes, voltados a despertar a atenção do espectador ou usuário. Em vista da caracterização desses recursos, aborda a ideia de sublimação, ocultação ou transparência dos aparatos de suporte, como uma tendência ou predileção ao aspecto sígnico em detrimento do objetual ou do hardware. Nesse sentido, faz referência a algumas recentes produções artísticas e a vídeo promocional, que indicam a pertinência das proposições apontadas.

Palavras-chave: luminância, ocultação, estratégia, poética, signo

 

1. Material, meio e interface

Há uma tendência bastante recorrente de nos colocarmos em estado de pura inocência e encantamento frente a novos aparatos surgidos dentro de um processo tecnológico que vivenciamos, o qual se apresenta, a cada dia, com fôlego e força renovados. Esse novos produtos tecnológicos, mesmo quando apenas remodelados, ou reapresentadas as suas funcionalidades, fazem obliterar outros, agora associados ao passado e à obsolescência. Kerckhove (1997), que possui uma visão bastante peculiar e pertinente acerca do tema, considera que há um “processo mais profundo a decorrer” (Op. cit., p. 141):

Como se cada tecnologia importante, antes de atingir níveis de saturação nas culturas, tenha tido de passar por dois estádios básicos: primeiro estar em clara evidência; segundo ser interiorizada até ao ponto de se tornar invisível (Idem, ibidem).

O autor descreve como exemplo o fato dos fios elétricos, postes e cabos telefônicos terem ficado muito em evidência nas cidades quando do advento e propagação da energia elétrica, estruturas as quais se fazia questão de ostentar, como um verdadeiro sinal de que o progresso tecnológico já havia chegado à localidade em questão. Passado algum tempo, verificava-se a necessidade de se criar dutos subterrâneos para a instalação desses cabos, de forma a ocultá-los.

Estendendo algumas das importantes constatações de McLuhan 1, Kerckhove (Op. cit.), chegaria ao tema da necessidade de ocultação ou da sublimação do material. Nesse ponto, interessa-nos relacionar esta constatação a alguns desdobramentos verificados no âmbito da artemídia, com artistas valendo-se de estratégias de ocultação do aparato, colocando o conteúdo em evidencia, encantando-nos a partir dessas estratégias.

 

2. Catedrais de luzes em todos os lugares

Chamamos a atenção para a necessidade pela luz artificial, o que marcaria toda uma época, tendo sido caracterizada como uma sociedade do “gosto pelas luzes brutais que nenhum abajur consegue abrandar” (Virilio, 2002, p. 25). Nesse sentido, quanto maior fosse a intensidade da luz, maior era o indicativo de prosperidade econômica das pessoas, como analisado por Virilio (Op. cit.), o que fazia da luz artificial um verdadeiro espetáculo:

[…] as ruas à noite ficam tomadas por uma multidão que contempla as obras dos iluminadores e dos especialistas em fogos de artifício, habitualmente chamados de impressionistas (Idem, ibidem).

Partindo também das conclusões de McLuhan (2002), destaca-se a luz como meio, que contém tudo o que está iluminado e, logo, tudo o que é possibilitado por ela e pela eletricidade, seja “uma intervenção cirúrgica no cérebro ou para uma partida noturna de beisebol” (Idem, op. cit., p.22). Para o autor eram importantes:

[…] as conseqüências psicológicas e sociais dos desenhos e padrões na medida em que ampliam ou aceleram os processos já existentes […] Pois a mensagem de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas (Idem, ibidem).

Então, tomando a luz elétrica como exemplo, nota-se toda sua influência sobre a cadência na execução de tarefas, a ponto de criar cidades sonâmbulas e síndromes, como a do despertar incompleto, mencionada por Virilio (2002). Um novo patamar para a produção e consumo de bens é promovido, para, então, chegarmos à época do advento dos aparelhos cintilantes, alimentados por eletricidade, como a TV e o computador, estes que, ironicamente, nos levam a olhar diretamente para “caixas de luz”, e representam tão bem esse período de deslumbramento e consumo.

Por esse caminho, Virilio destaca o termo fantasmagoria 2, que vai buscar em discurso de Albert Speer, arquiteto do Reich, palavra relacionada à criação de “muros luminosos”, usados na divulgação de evento do partido nazista alemão. Conhecido por suas habilidades propagandísticas, o regime nazista de Hitler soube se sustentar em simulações eficientes, que faziam seus militantes “obedecerem a uma lei que eles mesmos não conheciam, mas que poderiam recitar dormindo” (Goebbels apud. Virilio, op. cit., p. 28).

Imagem : a aclamada Catedral de Luzes, de Albert Speer (1937). Disponível em www.sitemaker.umich.edu/artunderfacism.

 

A forma de iluminação criada por Speer serviu para deslumbrar sua plateia e, principalmente, serviu como demonstração de quanto as pessoas se deixavam encantar pelos fachos de luz a iluminar os céus durante a noite. Conduzida, em um segundo momento, para as “caixas iluminadas de imagens”, chegamos a um período das telas gigantescas de TV, dos formidáveis monitores computacionais, que agora consegue agregar em suas finas estruturas, os processadores e, ademais, todo o hardware do sistema. Época, também, dos palms ou pads, e suas telas sensíveis ao toque, que dispensam periféricos como mouse e teclados alfanuméricos. Cabe-nos destacar que, por um período importante, os computadores dispensavam totalmente os monitores, ou estes eram considerados apenas como “opcionais”. 3

Como apontado por McLuhan (2005) temos que o meio é que configura e controla a proporção e a forma das ações humanas, então, luzes elétricas, excesso de luminosidade, transparência – fenômenos que colocaram a visão em outro patamar – passam a fazer parte da vida das cidades e a ditarem o seu ritmo. Dessa forma, poéticas e cânones da condução do olhar nas artes, passam a se modificar, se misturar e encadear-se às novas possibilidades elétricas de causar envolvimento, encantamento, articulando-se à publicidade, ao design de bens de consumo, verificados outros desdobramentos e quebra de paradigmas 4:

A lanterna mágica, os panoramas, dioramas, a fantasmagoria, o cinema, os monitores de computador e as mídias de imagens técnicas aparecem todos nessa perspectiva como agregados de máquinas, formas de organização e materiais em mudança contínua que permanecem, apesar de todas as padronizações, raramente estáveis; estamos constantemente fascinados pela possibilidade de aumentar a ilusão (Grau, op. cit., p. 257)

Imagens 2 e 3: o computador Altair, de 1975, cuja versão original não incluía monitor, e o atual iMac MC508BZ. Disponíveis em www.altairboerner.net (imagem 2) e www.apple-imacprogrammersheaver.com (imagem 3).

Com as formas de aumentar o envolvimento e criar ilusão sustentando-se sobre táticas de ocultação do aparato, passam a ser exitosas as construções que conseguem efetivamente colocar em evidência os aspectos sígnicos, ou dizendo de outra forma, ao “material enquanto signo”, verificado o desinteresse pelo “material de suporte do signo”. Nessa perspectiva, assenta-se o processo de diluição sistemática do contexto, o que favorece à independência que a imagem-luz, enquanto elemento sígnico, precisa para encantar.

 

Um dia feito de vidro

Tanto no campo das artes, como na produção da indústria tecnológica e na publicidade, percebe-se as reverberações desse processo, que tem como uma de suas qualidades a capacidade de se converter em uma poética, que parte exatamente do pressuposto da superação dos limites impostos por quadros, telas e outros suportes. Falamos em poética, pois, a superação desses limites é dada mais por uma simulação que por uma superação propriamente dita, por construções orientadas a prender a atenção, criar ilusões, desencadear encantamentos. Podemos ver essa orientação nos recentes trabalhos de Sommerer e Mignonneau (Lifewriter, 2006), e de Chris Sugrue (Delicate Bondaries, 2007), que são exemplos verdadeiramente formidáveis nesse sentido.

Em Lifewriter e em Delicate Boundaries, busca-se causar a impressão que as imagens projetadas possuem certa autonomia, ao simularem comportamento correlato ao de seres vivos, como a movimentação característica de pequenos insetos, sempre prontos a interagirem com o fruidor. Ao mesmo tempo, nota-se a ocultação do aparato responsável pela projeção dessas imagens, e a sublimação ou abrandamento dos limites do quadro de projeção, deixando as imagens livres para transitarem pelo corpo do fruidor, ou por folhas de papel, que tornam-se superfície de projeção. Com relação a esse tema, em vista da obra de Sugrue, Rocha (2010) pontua:

Elementos antes tidos como virtuais, presos nas telas dos computadores, parecem agora deixar este espaço de confinamento, avançando o mundo natural, causando a percepção de serem seres vivos de fato. Embora não haja envolvimento tátil, o recurso visual se basta, causando uma sensação sinestésica, via memória visual, de completude da experiência, de deleite estético (Rocha, op. cit., p.5).

Imagem 4: Lifewriter (2006), de Christa Sommerer e Laurent Mignonneau. Disponível em www.sommc-lab.com.uk.

 

Imagem 5: Delicate Boundaries (2007), de Chris Sugrue.

Entender o que nos faz saltar aos olhos as imagens dessas duas obras e o caminho rumo à transparência e ocultação de aparatos exige-nos, ainda, que percebamos aí um processo, também relacionado à materialidade, já visto na história da arte e caracterizado pela “procura por novos materiais e, por fim, pelo imaterial” (Poissant, 2009). Tal afirmação, embora não nos permita concluir acerca de uma possível superação do material, nos revela, por outro lado, a importância do momento de escolha deste, indicando-nos a preocupação com a estruturação de estratégias voltadas a agregar mais atratividade à obra e, com isso, despertar mais a atenção. Conforme Poissant (Idem), “não existe material inocente”, e, no mesmo caminho:

[…] a ênfase foi se deslocando progressivamente do processo para a experimentação de dispositivos que convidavam o espectador a se conectar num outro nível e, por fim, interagir com a obra de arte e seu ambiente. O interesse pelo processo abriu caminho para uma série de considerações e tentativas de técnicas. Como Isabelle Rieusset-Lemarier salientou: “A técnica é um espelho interativo” (Idem, p. 73).

Encontraremos, facilmente, articulações entre formas de estruturação encantadoras da arte, como as propostas por Sugrue e Sommerer-Mignonneau, e prospecções de novos formatos para produtos industriais, como podemos ver no vídeo promocional A Day Made of Glass (2010), produzido pela Corning Incorporated, empresa especializada na produção de vidros e cerâmicas especiais.

O vídeo expressa uma visão de um ambiente urbano futurista, mas que poderíamos classificar como um futuro próximo (talvez seja esta a intenção), tratando-se de uma ficção bastante imaginativa, com nítida preocupação com a verossimilhança. O ambiente, proposto pela Corning, assemelha-se a uma cidade de vidro, tamanha a presença desse material. Mas, muito além de sua elegante transparência, nessa ideia de futuro, o vidro consegue agregar em si interfaces que possibilitam aos humanos o controle de várias funções que precisam desempenhar no cotidiano, desde a verificação de e-mails, passando pelo preparo de alimentos à consulta aos itinerários do transporte coletivo da cidade.

Imagem 6: um dos cenários propostos pelo vídeo A Day Made of Glass, no caso, uma parada de ônibus em vidro transparente, com informações dinâmicas de localização, grades de horários, clima, dando ao usuário possibilidade de consulta a mapas de ruas e avenidas, por meio de interface gráfica e tecnologia touchscreen. Disponível em www.daysavevid.com.

As transparentes interfaces gráficas estão prontas para surgir em qualquer superfície lisa, como a de geladeiras, mesas de jantar, pára-brisas de carros, paradas de ônibus e vitrines de lojas, tendo como o vidro, os espelhos e as cerâmicas o seu substrato de referência. A estratégia explorada pelo vídeo para valorização do elemento sígnico em detrimento de seu suporte, consistiu em fazê-los translúcidos e flexíveis e, ao mesmo tempo, espalhá-los em vários tipos de superfícies.

A eficiência na escolha do material, que pudesse dar esse sentido de ocultação e do aparato, retorna, então, como eficiência poética, sabendo que “os materiais não são inocentes”. Tomando o vidro como exemplo, além de verificarmos o importante lugar que já ocupa na arquitetura de centros urbanos, sua própria materialidade nos familiariza com a tela de monitor computacional. Às imagens estão, aparentemente, liberadas dos limites impostos pelo material, podendo agora fluir entre superfícies, estas que ainda nos dão a possibilidade de interação pelo toque 5.

Imagens 7 e 8: as próprias divisórias de vidro de um toillet podem servir como suporte às interfaces gráficas, permitindo a leitura e resposta a e-mails e acesso às informações de telejornais. Disponíveis em www.dayecowiser.com.


Imagem 9: em mais um exemplo extraído do vídeo da Corning, somos novamente direcionados à uma ideia de computação ubíqua, como defendida por Mark Weiser, ou seja, que no futuro os computadores seriam invisíveis e as interfaces calmas e transparentes (Domingues, 2010). Disponível em www.daymilhousedevelopment.com.

Concluímos que, o desenvolvimento no campo das tecnologias tem favorecido um processo de evidenciação sígnica e, ao mesmo tempo, de ocultação ou sublimação de suportes destes signos, cujos reflexos podem ser vistos tanto no campo do design, quanto da arte ou mesmo da arquitetura. Muitas vezes estabelecidos por meio de estratégias bem definidas, voltadas ao envolvimento perceptivo e orientados para causar encantamento, esses recursos remontam a outros períodos, cujos exemplos tornam-se importantes para a própria compreensão dessas mesmas estratégias, como vimos no trabalho de Speer, que buscava, da mesma forma, levar o olhar das pessoas para vaguearem rumo à luminância de uma catedral ofuscante, deixando para trás as paredes de concreto e os pesados holofotes que nelas se sustentavam.

 

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Vanderlei Veget Cassiano Lopes Junior é Mestre em Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás, com graduação em Direito e em Comunicação Social, ambas pela mesma universidade. Atualmente é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual, Faculdade de Artes Visuais da UFG, integrante de grupo de pesquisa em poéticas visuais e processos de criação e pesquisador do Laboratório de Investigação em Mídias Eletrônicas LIME – UFG, coordenado pelo Prof. Dr. Cleomar de Sousa Rocha.

vanderveget@hotmail.com
FAV – UFG

 

1 “O meio é que configura e controla a proporção e a forma das ações e associações humanas” (McLuhan, 2005). Por isso o meio é a mensagem. A consideração de McLuhan é de fundamental importância, pois, deriva que, se não notamos a energia elétrica – luz elétrica – como um meio de comunicação, é porque tendemos a considerar como meio somente o conteúdo da luz elétrica – TV ou computador, por exemplo. Daí que pode concluir que meio = conteúdo, ou meio = mensagem.

2 Utilizado com muita propriedade por Speer, o termo “fantasmagoria” remete-nos também às lanternas mágicas e aos efeitos gerados em seus espectadores, objeto de discussão proposto por artigo recente de Oliver Grau intitulado Lembrem a Fatasmagoria! Política da Ilusão do Século XVIII e sua vida após a morte multimídia. Mas, se na época das lanternas mágicas, ilustrações estáticas projetadas em salas escuras acompanhadas por narrações de temas mórbidos, causavam espanto e cativavam a plateia, no decorrer do século XX essas estruturas foram repaginadas, modificadas mas mantido o seu objetivo: prender a atenção pela redução do distanciamento crítico com o que é representado e pelo envolvimento emocional, como nos aponta o autor.

3 Notemos que os primeiros computadores, como o ENIAC, não possuíam monitores para visualização de dados processados pelo sistema, assim como aconteceu com os primeiros microcomputadores, surgidos na década de 1970. Nessa época, monitores passaram a ser comercializados como periféricos, como foi o caso do primeiro Apple. Recentemente, há quase quarenta anos do lançamento de seu primeiro microcomputador, a mesma empresa, festejada pela qualidade do design e usabilidade de suas máquinas e sistemas, disponibiliza para a venda os seus famosos iPads, e microcomputadores que se apresentam como um fino monitor de cristal liquido. Mesmo com espessura muito reduzida, ocultam toda a parte do hardware computacional, dando-nos a real impressão de estarmos utilizando apenas um “smart monitor”

Vanderlei Veget C. Lopes Junior
vanderveget@hotmail.com
FAV – UFG