Quando passei no processo seletivo de Assessor Técnico de Literatura IV do Sesc Nacional, em 2002, estava defendendo o mestrado na PUC-Rio sobre o humor político em Millôr Fernandes e participava do movimento de saraus poéticos que estouraram no Rio de Janeiro a partir do fim dos anos 1990. A bolsa do CNPq estava no fim, de modo que a tranquilidade do emprego e a cuca fresca me davam muito gás para contribuir com o que me mandassem fazer. Minha colega de equipe, que já contava com muitas décadas de empresa e (quase sempre) demonstrava paciência para suportar minha curiosidade sobre tudo, comentou que tinha vontade de criar um prêmio literário. “Então vamos criar um prêmio!”, eu disse com uma empolgação quase adolescente.
Quase junto comigo havia chegado uma nova gerente, Marcia Costa Rodrigues, aberta a novas ideias. À época, o principal projeto da área eram as dezenas de feiras de livros infantis do Sesc realizadas país adentro, formato de evento que em breve seria alterado em todo o território por conta de uma tal Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que acabava de surgir.
Ao desenhar o projeto, primeiro pensamos no que o prêmio do Sesc não poderia ser. Descartamos a ideia de dar um prêmio para livros já publicados. Para isso já existia o Jabuti, há não muitos anos tinha acabado o famoso Prêmio Nestlé, e ainda estava nascendo o Portugal Telecom (atualmente Oceanos). Considerando a política da empresa de dar acesso a artistas que não têm espaço, decidimos que deveria se voltar para aqueles que nunca publicaram.
O que dar como premiação? Dinheiro, impressão do livro na editora caseira do Senac? Apesar de ser uma solução fácil, não me parecia que era isso que escritores inéditos buscam.
Eu não havia publicado um livro ainda. Era daquela geração (depois chamada de 00) que escrevia seus textos nos blogs. A tecnologia restringia a publicação de livros com qualidade e rapidez, por isso o estalo veio ao pensar como um possível candidato: a premiação será a publicação do livro por uma editora grande. Para quem é inédito, não tem contatos ou apadrinhamentos, e com uma internet ainda incipiente que tornava o país distante de si mesmo, seria uma boa oportunidade.
Nesse meio tempo, foram feitas reuniões com a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a fim de conferir peso acadêmico ao projeto. Acreditava-se que o nome Sesc sozinho não iria chamar a atenção, e entendi depois o motivo: a empresa, entre os anos 1980 e 1990, não costumava se mostrar muito, provavelmente por medo de que Brasília quisesse se apropriar dos suntuosos recursos do Sistema S (Senai, Sesi, Senac, Sesc, Sebrae, Senar, Sest, Senat e Sescoop), ameaça que retorna a cada mudança de governo. Por alguma burocracia que me escapa, a parceria com a universidade não andou, mas a ideia era tão boa que não podia morrer na praia. Faltava achar a editora. Após um primeiro contato esquisito com uma editora média, que fez muitas exigências para colocar o seu selo no então romance vencedor, me lembrei de uma conhecida que trabalhava na Record. Logo na primeira reunião, Luciana Villas-Boas, então diretora executiva, topou a parceria, com um argumento bem sincero, mas também com aquela visão que fez dela o grande nome do meio literário brasileiro na época: “Vocês vão fazer o que eu não posso, que é vasculhar nesse país imenso quem tem uma boa literatura e merece publicação”. O projeto estava pronto.
Conversa de maluco
Para aprovação interna, foram necessárias muitas tramitações e defesas. Um projeto novo era algo que não surgia com frequência, de maneira que houve desconfiança entre os diretores. Eles passaram uns bons meses jogando o processo de um lado a outro, furando o nosso cronograma. Ainda me lembro do diálogo com um deles:
— Por que você está apresentando esse projeto, se ele não existe?
— É porque é um projeto novo – respondi.
— Mas como assim, se esse projeto nunca existiu?
— Justamente, por não ter existido que ele é novo, mas daí vai passar a existir.
O restante do diálogo desapareceu da minha mente, como costumam acontecer com traumas ou as coisas desimportantes. Mas não seria a única vez em que o Prêmio Sesc traria fatos inusitados.
Lançamos o edital, e foram recebidos mais de trezentos livros. Administrar aqueles caixotes com quatro vias impressas e espiraladas, como eram os concursos de então, dava um baita trabalho. Criamos o modelo de subcomissões, que fazem uma triagem, cujo resultado segue para a comissão final, permitindo que os livros sejam lidos de fato. Essa primeira foi formada por Antônio Torres e Italo Moriconi, que selecionaram o romance histórico Santo Reis da Luz Divina. O autor era um professor de Engenharia Química da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), oriundo do interior do Paraná. Marco Aurélio Cremasco, de 40 anos, mostrava que o “novo autor brasileiro” poderia vir de qualquer lugar, ter qualquer idade e atuar em outras áreas. O livro foi finalista do Jabuti e recebeu uma resenha bem positiva do crítico Wilson Martins. Ao que parecia, deu certo.
O cu de deus
Na segunda edição do Prêmio, a obra As netas da Ema, da advogada paulista Eugênia Zerbini, fez os leitores revisitarem a ditadura – o que, feliz ou infelizmente, torna o livro bem atual. Logo saiu uma segunda edição, confirmando que o formato do projeto funcionava. No terceiro ano surgiram o jovem estudante goiano André de Leones (Hoje está um dia morto) e a professora carioca Lúcia Bettencourt (A secretária de Borges) em Conto, categoria que conseguimos incluir.
Tudo parecia seguir bem até que, numa sexta-feira, perto do fim do expediente, o diretor Álvaro Salmito veio até minha mesa com um exemplar de Hoje está um dia morto cheio de marcações. Meio esbaforido, ele me mostrava trechos com palavrões e cenas de sexo no romance, que trata de jovens do interior do país cercados de desprezo e tédio. O presidente da Federação do Comércio da Bahia estava reclamando porque sua mulher pegara o livro e tinha se deparado com tal conteúdo. Não consegui segurar o riso quando ele leu alto o título de um capítulo:
— Olha aqui, ó, “o cu de deus”, Henrique! O cu de deus!
A ordem era que eu fizesse um texto explicando o motivo de aquele livro ter vencido o Prêmio Sesc. E lá fui, já com um “sextou” me acenando no horizonte. Além de ter sido selecionado por Luiz Antônio de Assis Brasil e Moacyr Scliar, escrevi sobre as qualidades do livro, tomando a liberdade de inventar alguns termos teóricos para tornar o documento bem hermético. Imaginei que ninguém teria coragem de dizer que não entendeu. O diretor leu com um “humm, está ótimo”, o texto seguiu e nunca mais se ouviu falar do assunto. Posteriormente, o romance de Leones virou filme, e o autor se consolidou com uma carreira sólida.
Em 2009, saí do Sesc ao receber o convite para um cargo de chefia na Secretaria de Estado de Educação do Rio. Não durei muito por conta do caos e de imoralidades, mas isso é outra história. Depois comecei o doutorado e fui para o Oi Futuro. Por volta de 2012, a gerente do Sesc me mandou mensagem informando que havia uma vaga de Literatura aberta, e precisavam de alguém com mais experiência para tocar os projetos. Passei no processo e, mesmo com salário menor, retornei. Estar mais perto de casa (moro em Jacarepaguá, mesmo bairro do Departamento Nacional) me garantia duas horas e meia por dia: o tempo vira moeda valiosa quando ficamos mais velhos.
Uma das minhas missões era dar uma atualizada no Prêmio Sesc. Foram feitos vários ajustes administrativos, mudamos o modelo de inscrições físicas para o formato on-line e foi sistematizado o circuito dos vencedores, que passou a ser um tipo de premiação a mais, uma vez que os autores receberiam também um cachê em cada viagem, estimulando a ideia de profissionalização nesse processo. Os vencedores começaram a ter grande destaque na programação da Flip. Como resultado, a média de inscritos triplicou.
Mas havia a difícil luta contra as burocracias internas, ainda que hoje possam soar anedóticas. Uma das implementações foi a criação da fanpage do Prêmio no Facebook, o que foi aprovado, mas o acesso a essa rede social era proibido dentro da empresa. Esse paradoxo, que me fazia trabalhar de casa à noite para responder mensagens dos candidatos, me fez solicitar umas quatro vezes o acesso, mesmo porque não pagavam horas extras. Na quinta, escrevi em formato de soneto, repetindo a estratégia de quando havia feito um parecer técnico em cordel. Creio que a piada chamou a atenção, pois só aí me liberaram a rede do Zuckerberg.
Herdei um processo de gravação das obras vencedoras em audiolivros. Quando estive no Oi Futuro fui gerente de projeto do Prêmio Portugal Telecom, e um dos trabalhos legais tinha sido transpor os livros finalistas para o acesso a pessoas cegas. O problema no Sesc era que a empresa vencedora da licitação por menor preço fez um trabalho muito ruim. E o pior: internamente impediram que fosse feita a gravação do vencedor de contos Parafilias, do psicólogo Alexandre Marques Rodrigues, em função do conteúdo sexual do livro. Ninguém sabia ao certo de onde vinha a ordem. Pela época, ainda havia certo pudor em proibir livros.
Em 2018, quando o gaúcho Tobias Carvalho venceu em Conto com As coisas, que trata das vivências de um jovem homossexual numa metrópole, vivíamos um momento em que a pulsão censora começava a não ter vergonha de se mostrar. Regionais devolveram exemplares ao Departamento Nacional, e outros se recusaram a receber o autor. Conseguimos redirecionar os recursos para outros estados. Confesso que tive vergonha de dizer ao Tobias o ocorrido, revelando tudo a ele apenas recentemente.
Anatomia de uma queda
Em 2023, comemoraríamos os 20 anos do Prêmio Sesc de Literatura com dois autores belamente selecionados. Giovana Madalosso e Sérgio Rodrigues, que compuseram a comissão final de Conto, estavam entusiasmados com O ninho, livro da advogada pernambucana Bethânia Pires Amaro, que logo venceria o APCA na categoria. Em romance, pela quarta vez no projeto, foi revelado um autor do Pará, estado geralmente esquecido no mapa da literatura brasileira. Airton Souza, professor e vencedor de vários prêmios menores, realizava um sonho com o seu ótimo Outono de carne estranha, chegando a tatuar “Prêmio Sesc de Literatura 2023” no pulso.
Nessa última edição da Flip, o Sesc passou a dar R$ 1,5 milhão para custear a programação da Flipinha/FlipZona, em vez de fazer atividades em vários lugares, o que sempre sufocava a pequena e competente equipe local. Na parceria, a única condição seria que fizéssemos uma curadoria coletiva com equipes do Sesc e da Flip. A programação para crianças e jovens se concentrou no auditório Flip + Sesc, deixando o Casarão para programações adultas.
Estava no camarim com os dois novos vencedores, os do ano anterior (Taiane Santi Martins e Pedro Augusto Baía), que contariam como havia sido o “ano de miss”, como brincávamos, além do Rodrigo Lacerda, editor da Record. Pedi que os estreantes selecionassem trechos para serem lidos na mesa. Quando Airton disse que leria o início, cheguei a sugerir que ele escolhesse outra passagem, já sabendo do conteúdo mais explícito e das nossas chefias “conservadoras” que estariam na plateia. Como o autor fez questão de ler o trecho, mesmo porque já havia lido naquela tarde na Casa Record, não seria eu a cerceá-lo, e decidi tocar a mesa naturalmente. Assim fizemos, e todos bateram palmas para a leitura, especialmente após terem ouvido a trajetória de vida tão difícil de Airton. A mesa foi um sucesso para todos, exceto na primeira fileira.
Logo em seguida, a gerente de cultura, Luciana Salles, minha então chefe imediata, me puxou para uma sala, acompanhada do coordenador do Sesc Paraty, Antônio Garcia. Estava nervosa, dizendo que o diretor-geral, João Carlos Cirilo, e a diretora de programas sociais, Janaina Cunha, estavam se sentindo ofendidos com aquela leitura, e que seríamos demitidos caso o fato chegasse aos ouvidos do presidente da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), o empresário amazonense José Roberto Tadros. A CNC está acima dos departamentos nacionais do Sesc e do Senac. Descobri, sem surpresa, que os diretores e a gerente nem sequer haviam aberto os livros vencedores do Prêmio até aquele momento. Tentei explicar que, ocasionalmente, havia esse incômodo com o conteúdo das obras por parte de diretores não habituados à literatura, e que estava à disposição para conversar com eles sobre o conteúdo e o contexto dos textos vencedores. Desesperada, a gerente não queria ouvir, argumentando que eu deveria ter evitado a leitura de qualquer jeito, até tirando o microfone do escritor. Respondi que, se fosse para ser braço de censores, eu não serviria mais para o Sesc.
Havia outra diferença naquele dia: o coquetel do Prêmio, geralmente oferecido para o público presente na sessão, não seria mais realizado. Em seu lugar, decidiram fazer outro, fechado, numa pousada chique, para onde deveríamos levar os vencedores. Fui contra esse formato porque, justamente na celebração de 20 anos do projeto, viraríamos as costas para a plateia, mas era ordem superior e ponto. Voltado para apenas 100 pessoas, das quais cerca de 80 eram funcionários do Sesc, muitos dos quais viajaram a Paraty sem trabalho, como presente de fim de ano, o coquetel nababesco (ao custo de R$ 900 por pessoa, segundo me informaram) estava com um clima estranho. Não houve uma foto, um pronunciamento das chefias do Sesc para os cerca de 10 vencedores do Prêmio, novos e de outros anos. Estavam todos atônitos com a cena entre Zuza e Manel lida por Airton. Mas o pior estava por vir.
No dia seguinte, comecei a sofrer uma perseguição. Logo no café da manhã, a gerente começou uma sequência de acusações. Segundo ela, alguns fatores teriam me levado a permitir a leitura do romance: eu estaria pensando como escritor, e não como funcionário do Sesc; não ligava de perder o emprego pois tinha x anos de empresa e um bom FGTS. E a cereja do bolo: eu permiti a leitura do livro porque tenho “uma casa própria e um carro na garagem”. Foi difícil digerir o desjejum.
Ao longo do dia, praticamente todos os colegas do Sesc se afastaram de mim. Afinal, eu havia causado um constrangimento aos pobres diretores, que até retornariam mais cedo para o Rio, coitados. Uma das poucas conversas que tive foi com o chefe do setor de Comunicação, André Valle. Para ele, eu deveria esquecer “o meu passivo” (a experiência na área) e entender que o Sesc tem um dono que não gosta daqueles assuntos. Como se me desse uma grande dica, sugeriu que a gente fizesse uma pré-seleção na inscrição para que obras “como aquela” não passassem mais.
Ao retornar para o trabalho, meu colega de setor, também devidamente insuflado e temendo perder o emprego, veio agressivamente com as mesmas pedras (eu havia agido como autor etc.). Saí de férias logo em seguida. Novamente, tive vergonha de dizer ao Airton o que havia acontecido.
Ao retornar das piores férias que tive, em que fui acometido por uma insônia que me assolou por meses, a gerente me disse que haviam vasculhado a biografia de Airton, a fim de encontrar algum descumprimento do edital que valesse retirar o prêmio dele, e que sua circulação seria restrita em 2024. Em seguida, a coordenação do projeto iria mudar para Paraty, e seria criado um grupo de trabalho para realizar as mudanças do Prêmio Sesc, sendo que as comissões apontariam uma lista de obras, cuja seleção final seria feita por esse grupo. Caso não concordasse, eu poderia não participar. Já percebendo que estavam esvaziando o meu trabalho para a iminente demissão, me recusei, lembrando que o nome correto ali seria “grupo censor”. Dei ainda dois alertas para a gerente (que, posteriormente, também seria demitida): a Record não toparia participar do projeto dessa forma, e a repercussão externa seria muito negativa. Não deu outra.
Xilindró para os escribas
Durante dois meses evitei expor publicamente a minha demissão e suas circunstâncias, a fim de não ser criada uma bola de neve, atingindo o Sesc como um todo de forma injusta. Sou um fã da instituição, tendo acompanhado como as atividades fazem diferença na vida de tantas pessoas. A rede de bibliotecas oferece um serviço incrível, ainda que o BiblioSesc, de unidades volantes, esteja sucateado em diversos estados. Criamos o Arte da Palavra, maior circuito literário do país, ajustamos a revista Palavra para uso em escolas, ajudei na criação de inúmeros projetos pelo país com uma equipe dedicada e batalhadora. Vale dizer que o Sesc São Paulo, único Regional vocacionado para a Cultura, é uma das forças mais expressivas do que a instituição deveria ser em todo o país. Não por acaso, seus representantes na Flip ficaram alheios àquela celeuma: o saudoso Danilo Santos de Miranda, que sempre foi fã do Prêmio Sesc, devia estar se revirando no túmulo.
As inscrições do Prêmio 2024, previstas para início de janeiro, estavam suspensas até que o diretor-geral decidisse sobre as mudanças no projeto. Com o silêncio do Departamento Nacional sobre a edição 2024 do Prêmio (cujo edital estava pronto desde novembro/2023, já com a nova categoria Poesia), a Record soube do ocorrido e fez questionamentos que culminariam no fim da parceria. Conforme Rodrigo Lacerda já tornou público, em reunião para esclarecimentos a diretora Janaina Cunha disse que, por ela, “Airton e Henrique teriam saído presos da Flip”, causando espanto no editor. Ao que parece, a diretora não se dava conta do quão grave é, sobretudo hoje, explicitar a um parceiro externo de duas décadas o desejo de encarcerar artistas.
Houve repercussão grande em muitas mídias, e o caso se juntou à censura que o escritor Jeferson Tenório estava sofrendo por conta do seu romance O avesso da pele. Airton Souza, que jamais recebeu uma ligação do Sesc para pedido de desculpas ou esclarecimentos, viu seu sonho virar pesadelo. Conforme me relatou, ainda vem sendo boicotado pela instituição, que oficialmente nega o inegável, argumentando que o caso foi a preocupação com crianças e adolescentes da plateia – de uma programação adulta à noite na Flip. Todo censor está sempre protegendo as criancinhas.
O meio literário, em geral, se manifestou em solidariedade ao ocorrido, com a natural exceção de produtores e curadores temerosos de “se queimar com o Sesc”, uma vez que há relações de todo tipo atrás das verbas suntuosas da instituição. Mas o fato é que, após 20 anos consolidado como um dos mais importantes prêmios literários do país, e até com articulações internacionais que conseguimos fazer, o projeto foi manchado irreversivelmente pela visão míope e falta de escuta técnica de gestores para quem, como é prática em diversos Regionais, basta demitir o responsável. Aliás, se fôssemos falar em censura e demissões injustas do Sesc pelo país, precisaríamos de um outro texto.
Alteraram o Prêmio Sesc. Segundo o edital, o novo prêmio oferece R$ 30 mil aos vencedores – algo que, na prática, já existia, uma vez que eles recebiam cachês perfazendo mais ou menos esse valor ao longo do circuito. E a publicação será pela editora… Senac Rio, cujo único livro que pode ser chamado de literatura é um livro de crônicas de Gabriel Chalita.
Dar dinheiro para atrair inscrições e publicar numa edição da casa. As duas opções descartadas, há duas décadas, são a grande inovação. Para espanto de quem sabe ler, ainda fizeram uma alteração meio escondida no edital: as obras inscritas devem “ser para todos os públicos”, algo difícil de definir, mas cujo objetivo é simples de entender. Com isso, é possível eliminar oficialmente, em alguma etapa da seleção, livros cujo conteúdo possa agredir a família tradicional brasileira, mesmo ao custo da credibilidade do prêmio.
Novos caminhos
O caso do Prêmio Sesc, infelizmente, está longe de ser isolado. Quando vemos nomes como Ziraldo, Ana Maria Machado, Lygia Bojunga e tantos outros aparecendo na mídia por casos de tentativa de censura, precisamos acender um alerta. Sempre pensei que deve haver inúmeros casos não divulgados. Instituições, escolas públicas e privadas, e mesmo o ambiente familiar se tornaram arenas de uma difícil luta, onde o pouco (ou torto) entendimento sobre leitura vem definindo o que pode e o que não pode ser aceito como literatura.
Se esse problema afeta escritores e profissionais estabelecidos, pensei numa consequência desastrosa: uma geração de novos autores que, temendo a desclassificação em concursos literários, iriam evitar cenas, estéticas e técnicas literárias que causassem “polêmicas” nos seus livros. Por essas e outras que decidi, mesmo sem patrocínio, criar o Prêmio Caminhos de Literatura, em parceria com a editora Dublinense. A primeira característica está bem clara, ainda que estejamos falando do que deveria ser óbvio: os candidatos são totalmente livres para escrever e inscrever seus livros.