A memória sangra: literatura e propaganda na segunda guerra mundial
João Anzanello Carrascoza* e Christiane Santarelli**
…quando tento me lembrar de tudo que passei (…), as lembranças se fundem numa só imagem, como se tudo tivesse durado apenas um dia. Por mais que tente, não consigo desdobrá-las em partes e arrumá-las em ordem cronológica, como normalmente se faz quando se escreve um diário.
Wladislaw Szpilman
Prelúdio
Este artigo é o segundo “conto ilustrado” de uma trilogia sobre a evolução da publicidade com o advento do espírito moderno, o incremento das estratégias e táticas da propaganda durante a Segunda Grande Guerra e suas novas conformações no cenário midiático da pós-modernidade. Inspirado no romance de Umberto Eco, A misteriosa chama da rainha Loana, que reproduz imagens culturais como elementos narrativos (anúncios, cartazes, rótulos etc.), o presente texto adota a forma de relato ficcional. Por meio das anotações de uma judia, a narrativa traz o drama de sua família na Alemanha, a partir de 1938, sua emigração para o Brasil em 1942, e seu cotidiano até o fim da guerra em 1945. Na trama, os personagens tomam contato com as técnicas de propaganda usadas por Hitler e, em seguida, com a propaganda nacionalista de Getúlio Vargas e a publicidade impressa brasileira.[1]
O caderno de anotações
Lembro de ter visto a gravura num livro de mitologia. Prometeu está lá, acorrentado, e as aves de rapina bicam seu fígado eternamente. Agora ocupo o seu lugar nessa cena e vejo a águia ariana descer dos céus, a toda velocidade, e bicar com avidez a minha memória. Em seguida, ela alça vôo de novo e, quando chega às alturas, volta para me bicar impiedosamente outra vez. E outra. E mais outra. E cada investida sua é como o arrancar de um dente a sangue-frio: a memória sangra, sangra, sangra, e não há como estancar a hemorragia.
O que podemos fazer com as recordações? O que podemos aprender a cada tiro, a cada lembrança de dor disparada no pensamento? O pior de lembrar é que os momentos já passados, sobretudo os cruéis, não cessam de ser revividos.
Aquela noite foi da mais profunda escuridão. A primeira. Em que tudo se partiu. Em que o “j” vermelho passou a nos identificar em todos os documentos. A noite do pogrom, quando a perseguição começou de fato. Kristallnacht. Em hordas, eles atacaram as sinagogas, as nossas escolas, as nossas lojas. O armarinho de Berta e Alexander, nossos vizinhos, ficou totalmente destruído. Ruínas, ruínas, esse é o novo compasso do meu coração.
Não me esquecerei enquanto viver. Vi pela janela de casa a sinagoga queimando, as labaredas subindo, vorazes, e o povo assistindo, pacífico, como se fosse um espetáculo inocente. Meus olhos represam cada segundo dessa cena, enquanto a minha angústia vai desaguando sem parar, infiltrando-se em todos os cantos de meu ser para afogar qualquer átomo de resignação que porventura ainda reste. Meus olhos, como se fossem de vidro, vão me estilhaçando um pouco mais a cada manhã, quando, ao abri-los, vejo que o sol ilumina toda a cidade lá fora. Um novo dia. Mas só em sua pele é um dia bonito. As suas horas, negras, se acumulam, em grossas camadas, no fundo de mim.
Berta chora, chora, os olhos como duas brasas que parecem queimarão para sempre. Conta que viu judeus sendo presos pelos nazistas, dezenas deles. Dezenas. Viu policiais baterem num velho rabino até ele desmaiar. Um homem, ao seu lado, disse que não podiam tratar assim os mais velhos, fossem de que origem fossem. Então um policial gritou que ia mostrar como tratavam os judeus, para que ninguém ali se esquecesse, e espancaram o homem até a morte. Berta o conhecia. Havia estudado com ela, quando menino, no mesmo colégio judaico. Ela treme, soluça. Vejo o susto e o terror em seu rosto desfeito: como um espelho, seu rosto é o meu também.
Por todos os lados, destroços. Os vidros quebrados são cacos de um passado íntegro e honesto. São vidas despedaçadas. Somos gravetos partidos e macerados pelos agentes covardes do Terceiro Reich.
Fomos proibidos de ir aos parques, às pracas, às escolas, aos teatros. Não tenho mais onde passear com Jan. Ensino a ele, às ocultas, canções judaicas. Agarro-me à Torá. Agarro-me à esperança de que ainda há humanidade. Kurt diz que há filas imensas de judeus no consulado americano, buscando uma chance de escapar. Alguns estão conseguindo vistos de emigração para a Argentina, o Uruguai, a Venezuela. Todos, todos, pensamos em sair daqui. Da terra onde nasceram nossos avós e nossos pais. Da terra onde vivíamos livres e agora nos aprisionam, nos desintegram, nos humilham.
Os dias são tão sombrios quanto as noites. Nos jornais, nas revistas, nos cartazes de rua, nos selos, as mensagens nacionalistas e promotoras da “raça pura”. Hitler, seu armamento, seus soldados, seus discursos, o Deutsches Reich. As trevas reinam por todos os cantos. O inferno vai se tornando ubíquo.
Hoje é aniversário de Kurt. Não há o que comemorar, senão que estamos vivos. Mas por quanto tempo? E para quê? Os soldados do Führer estão em todas as ruas. A cidade está cheia de cartazes com propaganda nazista. A maioria deles nos maldizem, mas há os que também acusam os cristãos. Alguns trazem palavras de ordem do ministro Goebbels. Se uma mentira é repetida suficientemente, ela acaba por se converter em verdade. Sim, há um deus aqui: Adolph Hitler.
O frio aumenta à noite. Jan dorme no meio de nós. Não sei como consigo aquecê-lo. Neva dentro de mim.
O Rosh Hashanah se aproxima. O que podemos esperar do ano-novo, senão a paz e a decência dos velhos tempos? Os tempos em que podíamos ainda planejar a nossa vida e sonhar em envelhecer com dignidade…
As deportações começaram. Kurt teme que nos enviem em breve para algum campo de trabalhadores. Sugeriu que Jan vá para a Inglaterra no kindertransport. Muitas crianças judias estão indo para lá. É uma longa viagem de trem até a Holanda, Depois, em barcos, as crianças seguem para Londres. Os pais, desolados, tentam convencer os filhos que vão logo depois reencontrá-los. Mas sabem, como nós sabemos, que não haverá depois. Às vezes, no auge da aflição, hesito, o sim e o não me atormentando como agulhas de mil pontas. O kindertransport pode ser a única chance para Jan.
A guerra estourou com a invasão da Alemanha na Polônia. Não sabemos se vão nos dar alguma trégua, enquanto combatem fora do país, ou se vão semear ainda mais o terror.
Hoje aviões sobrevoaram Hamburgo várias vezes. Explodem o silêncio com seus motores, rasgam a nossa calma como uma folha de papel, acendem o pânico em cada um de nós. Cortam o céu cinzento de inverno e, somem, nervosos. Minutos depois, retornam, ainda mais barulhentos. Na última vez, lançaram uma chuva de folhetos sobre a cidade. Berta pegou um na rua. São mensagens do Führer, repetindo seus dizeres megalomaníacos, seus delírios expansionistas.
Nos murais, nos cartazes, nas faixas estendidas pela cidade, nos jornais, em meio às fileiras de bandeiras nazistas, proliferam as propagandas contra nós. Ou contra os cristãos. Contra todos os que não têm sangue ariano.
Hermann, irmão de Berta, conseguiu um emprego de carregador. Vigiado por homens da Geheime Staatspolizei, transporta para a casa dos burgueses arianos o que foi confiscado dos judeus. Móveis, roupas, cofres, mercadorias, tudo. Uma manhã, os soldados comentavam que a Alemanha atacara os Países Baixos. E, de repente, resolveram descarregar suas armas num casal de judeus que passava na rua conversando. Pra comemorar, disseram. Os corpos ficaram estendidos ali, na mesma posição, durante dois dias. Então obrigaram Hermann e outros carregadores a colocá-los num caminhão e os enterrar. A cada dia estamos mais pobres, doentes e amedrontados.
Mas existe alguma esperança. Uma revista americana, passada de mão em mão, chegou até nós. Kurt, que sabe um pouco de inglês, mostrou nela a imagem de uma águia: era uma propaganda que convocava o povo americano a se alistar no exército. Quase chorei, confusa, pensando na águia ariana. A águia que nos meus sonhos vem me bicar a memória, me arrancando lembranças dolorosas que, infelizmente, voltam a se regenerar.
Kurt mostrou-me outra propaganda na revista: a imagem trazia pequenos desenhos de bombas sendo lançadas por um avião. Pacotes de presente que os americanos mandam para Hitler, ele disse. E para nós, também, eu penso. Afinal, aqui estamos, sem direito a abrigos antiaéreos.
A humilhação é cada dia maior. Agora temos de levar presa à roupa, ou ao redor do braço, sempre visível, como uma nódoa, a estrela de davi, para que todos saibam que somos judeus.
Já os nazistas, orgulhosos, levam a suástia, como sua insígnia. A suástica é sua bandeira, seu cálice do Graal.
A estrela de davi é a nossa cruz, o nosso calvário cotidiano. Jan, que fez seis anos, já é obrigado a usar uma também. Nas ruas, espalharam cartazes com fotos de um adolescente, tendo Hitler ao fundo. A juventude serve o líder, diz o título. E, a seguir, a convocação: Todos os meninos de dez anos para as Juventudes Hitlerianas. Kurt diz que as fotografias, como imagens sagradas, ajudam a ampliar o fanatismo dos alemães pelo Führer.
Não nos tratam só como inferiores, julgam que somos seres perigosos. São obcecados pela ideia de que o nosso povo detém o poder em todo o mundo e pretendemos aniquilar a “raça” ariana, que tem neles a representação máxima. É justamente o contrário o que sucede. Estamos sendo perseguidos à luz do dia, sem nenhuma misericórdia.
Kurt conseguiu um exemplar do Der Sturmer, um jornal antissemita. Uma reportagem informava que havia mais de 16 mil pessoas na manifestação contra os judeus em Berlim. O editor, Julius Steicher, diz que somos uma ameaça. Na seção de cartas, nos xingam, dizem que nós somos a desgraça e a perdição da Alemanha. Morro a cada uma das linhas que leio. Os meus olhos me doem. Choro para dentro, como quem engole um pedaço de pano.
Os homens da Gestapo cruzam a cidade de um lado para o outro, o tempo inteiro. Reprimem, maltratam, espancam, torturam. As tropas das SA também vão e vêm, para proteger os membros do partido, as autoridades. Aprendemos a distinguir quem é quem. Uma moeda com duas faces iguais. Eles estão por toda a parte, como se nos vigiassem até a consciência. Nem temos mais os olhos baixos. Nossos olhos estão no fundo da terra, em meio à matéria de que são feitos os pesadelos. Ao despertar, não me lembro mais dos sonhos que tenho. Quando a realidade é um naufrágo cercado de perigos por todos os lados, os sonhos nos afundam em angústias iguais as da vigília. Não há uma linha divisória: o mal se derramou, apagando as fronteiras, como a moeda de faces iguais. De tanto ver o Führer nas fotos dos cartazes, nas faixas, nos murais, sonhei com ele. Minha vida é uma moeda de duas faces iguais. Duas faces dantescas.
Não há mais dignidade. Levas de judeus vivem feitos molambos, pedindo esmolas, roubando e pilhando como os soldados da Gestapo. Racionamos a comida. Por vezes, passamos o dia todo apenas com umas torradas. Deixamos os legumes para a sopa de Jan. Procuramos emprego nos classificados dos jornais, mas ninguém dá trabalho a judeus, senão para nos imolar ainda mais.
Hermann conseguiu emprego para Kurt numa marcenaria. Ele sai cedo de casa, ainda no escuro, e volta ao anoitecer, moído, as mãos feridas, as unhas sujas, às vezes cheias de lascas e estrepes, que depois eu tento extirpar com uma pinça. O pó da madeira lhe dá alergia. Levanta de madrugada se coçando e vai à janela mirar a cidade onde um dia podíamos andar de mãos dadas, caminhando, sem medo de ser ultrajados ou fuzilados de forma injustiçadas, a qualquer hora.
Deus não nos abandonou. Milagres estão ocorrendo. Kurt soube que a chefe do serviço de vistos do consulado do Brasil tem emitido vistos para judeus. Alguns conseguiram fugir para São Paulo e Rio de Janeiro. Não sei se lá existem índios, mas se houver, não serão tão selvagens quanto os nazistas. Kurt disse que amanhã vai procurá-la. Quem sabe ela não nos livre desse martírio…
Entramos no carro do consulado brasileiro. Não me atenho a esses detalhes, mas Kurt sussurrou, é um Opel Olympia. Nunca mais me esqueci desse seu comentário. Não sei por quê. No banco da frente, o motorista e, à direita, a chefe de serviços de vistos. Eu não sabia que anjos tinham rosto e nome. Aracy, ela se chamava. Pediu a Kurt que lhe desse as jóias e o dinheiro. Iria levá-los na bolsa, para que não fossem confiscados, se a Gestapo nos prendesse. Acompanhou-nos até o interior do navio para ter certeza de que estávamos a salvo e lá nos devolveu nossos pertences. Agradeci-lhe com um abraço forte. Ela disse que também tinha um filho. Acariciou os cabelos de Jan e sorriu. Há tanto tempo eu não via um sorriso. Na mais profunda escuridão é que se pode ver a luz de uma estrela.
Chegamos em São Paulo há dois meses. Chove o dia todo, uma garoa fina, o céu encortinado de cinza. Mas há sol no meu coração. Moramos no bairro do Bom Retiro. Aqui existe uma grande comunidade de judeus. Kurt arranjou emprego numa fábrica de roupas. A vida caminha, mas as lembranças continuam. Não há como parar o fluxo delas. Passaram-se apenas dois anos, desde que tudo começou, e parece a minha vida inteira. A dor não pode ser represada em palavras. A dor é uma mina, o tempo todo extraímos dela mais dor. Não sei ainda falar a língua nativa, mas vou aprender. Essa será a nossa pátria para sempre.
Sinto-me só, apesar do bairro ser totalmente de judeus, com exceção de algumas famílias italianas que vivem ao nosso redor. Tenho dificuldade em entender o português e mesmo para falar com os judeus. Eles vieram há muitos anos para cá, a maioria do Shtetl, dos povoados da Lituânia, da Espanha, da Bessarábia. Os pioneiros estão velhos, os filhos e netos não aprenderam o iídiche. Há também muitos polacos, mas poucos sabem falar alemão.
Levo Jan ao Jardim da Luz para brincar com outras crianças. Às vezes vamos até o rio Tietê. Sem garoa, a paisagem é bonita, o verde estala, faz um calor tropical. Os homens nadam, disputam corridas de barco a remo. Outro dia, um menino se aproximou de Jan e perguntou seu nome. Logo os dois se entenderam e saíram a correr no gramado, brincando, ruidosos. Jan. Que nome eu lhe daria hoje?
Apesar da paz, da posição neutra do Brasil na guerra, tenho medo do que possa nos acontecer. Vejo movimentações estranhas aqui. Há faixas, cartazes e murais nas ruas, anunciando um Brasil Novo. O país se arma. De que lado estará? Vi um cartaz que me lembra os de Hitler. A foto do presidente Getúlio Vargas rodeado de bandeiras brasileiras, aviões, tanques de guerra. Kurt diz que a mensagem é sobre a renovação das Forças Armadas nacionais. Quo vadis?
Uma recordação, boa, reluz agora nas trevas de minha memória, uma surpresa que Kurt nos proporcionou. Fomos no domingo, de trem, com outros judeus, a Santos, para ver o mar. O mar. O sal. O gosto das lágrimas. Dessa vez, lágrimas de encantamento, de gratidão. A felicidade me sofrendo. A Estação da Luz, tão imponente, o vaivém alegre das pessoas, o cartaz com o desenho de uma criança e uma mensagem que não entendi direito. Depois, a vista da serra, de um verde de doer, de tão bonito. E o mar. E Jan correndo pela praia. A vida nele, livre, acenando para o sol.
Queria trabalhar, vender tecido em alguma das lojas da rua José Paulino, ou em alguma tecelagem, para ajudar Kurt nas despesas da casa. Nos Estados Unidos, as mulheres estão indo para as fábricas, ocupando o espaço dos homens que vão para a guerra. É preciso aumentar a produção de armamentos. A guerra traz a miséria para uns, a riqueza para outros. Eu queria ter um emprego: quem sabe costurar, atender no balcão como antes. Talvez assim acalmasse um pouco a minha tormenta.
O Brasil enfim declarou guerra contra o Eixo, depois que navios brasileiros foram destruídos por submarinos alemães. Os racionamentos começaram, principalmente de petróleo e energia elétrica. O medo maior é dos bombardeios aéreos. Em minha mente, já dispara o alarme de novas ameaças. Estarei algum dia em paz?
Pedem que poupemos luz. O governo ordenou que se fizesse black-out na costa do país. Já não quero mais ir a Santos. Vivendo aqui, nos livramos da perseguição antissemita, mas a guerra veio atrás de nós, como uma maldição. As sombras não morrem nunca. Black-out, black-out. Sinto que as sombras existem para brilhar no mais fundo de mim.
O presidente faz grandes comícios pelo país afora, reunindo sempre enorme contingente de populares. O rádio traz notícias de suas realizações todos os dias. As inaugurações de pontes, estradas, escolas, enfim, de qualquer obra pública, são sempre eventos que juntam multidões. Fala-se de um novo Brasil o tempo todo, uma República nova. Um país novo. O nacionalismo é enfatizado nos pronunciamentos do presidente, no discurso de outras autoridades, nos jornais, nas rádios, nas faixas de rua. O receio de que se repita aqui o que vivemos em Hamburgo não me abandona. A águia sempre gera novos filhotes.
Todas as cartas que enviei, nos últimos seis meses, para Berta e Alexander, voltaram. A Cruz Vermelha diz que eles foram embarcados num dos trens com destino a Auschwitz.
Kurt soube pelo jornal que Aracy – a chefe de vistos do consulado brasileiro que nos ajudou a sair da Alemanha –, voltou ao Brasil, com o marido, o diplomata Guimarães Rosa. Gostaria de ter o seu endereço para enviar uma carta. Agradecer. Falar do meu Jan. Perguntar do menino dela.
Kurt trouxe uma revista chamada O Cruzeiro para eu ler. As notícias são otimistas. Afirmam que os Aliados estão prestes a ganhar a guerra. Mas e o que perdemos? O mundo que tínhamos, a nossa terra, os nossos amigos. O que ganhamos sem eles?
Um anúncio de Coca-Cola traz um pequeno mapa das Américas e os dizeres, Unidos hoje, unidos sempre.
Outro anúncio nos lembra que o rádio, a mais eficiente arma da guerra, é invisível. A vitória chegará por meio dele e resultará numa nova era em que os homens serão mais livres. Será?, eu me pergunto, observando Jan fazer a lição escolar, distraído, as pernas balançando.
Quando fizemos o passeio a Santos, ficamos amigos de uns polacos que vivem aqui perto, ao lado da Escola de Farmácia. Issac e Margot viveram no gueto de Varsóvia e conseguiram fugir de um dos trens de transporte de gado que levavam prisioneiros para os campos de Treblinka, onde seriam tratados como cobaias pelos nazistas.
Margot conta que não sabe como sobreviveu à epidemia de tifo, à carnificina dos soldados das SS, dos lituanos e ucranianos que, depois, vieram fazer a vigilância do muro entre o gueto e a zona ariana da cidade. Perdeu toda a família. Era enfermeira num berçário judaico, quando, um dia, agentes da Gestapo entraram em tropelia, pegaram os recém-nascidos e os jogaram numa carroça abarrotada de cadáveres. O grito das mães e o choro desesperado das crianças continuam ecoando nos meus ouvidos, Margot diz. E se cala. Issac era tipógrafo e sabia um pouco de alemão. Conseguira emprego num jornal que os nazistas editavam lá, fabricando falsas notícias sobre a guerra. Às vezes, ouvia disparos na rua e ia até a janela: eram judeus sendo fuzilados por nada.
Nas noites de sábado, vamos ouvir rádio na casa de Margot e Issac. Como se anestesiados pelas músicas e os programas, esquecemos nossa história. Rimos e cantamos os versos de uma propaganda de um remédio para dor de cabeça, Melhoral, melhoral, é melhor e não faz mal. Então vêm as notícias da guerra. Morte, destruição, escombros. Escombros, destruição, mortes. Mas há também histórias de prisioneiros salvos por tropas aliadas. Histórias de fugas como a nossa. Histórias de vidas ressuscitadas.
Hoje é o Purim. Dia de comemorar a salvação do massacre de Assucro. E da nossa própria salvação. Se estivéssemos em Hamburgo, certamente teriam nos enviado para um campo de extermínio. Penso em Bertha, em Lore, em Fanny, amigas com quem estudei no colégio. Penso no rabino que mataram. Penso no mundo que começou a submergir na Kristallnacht.
Os jornais falam que os ingleses inventaram um equipamento, chamado radar, que localiza os aviões inimigos escondidos atrás das nuvens. Assim podem atacá-los de surpresa e eliminá-los. O americanos também o fabricam.
Não mais localizo o mal dentro de mim. Ele se misturou ao meu sangue. Não há radar que o encontre. Parece que nunca mais serei uma mulher inteira. Sou um vaso quebrado. Vejo Jan aprendendo português com facilidade, brincando com as outras crianças, e tento me reanimar.
Posso dizer que estamos bem. Mas a realidade vaza para os sonhos que não poderão jamais ser apenas sonhos. A memória sangra. As lembranças continuam fluindo, intermitentes, e me esvaziam de confiança. A felicidade em mim sempre terá uma gota de tristeza que, espero, não vá envenená-la. Jan vai crescendo saudável. É um menino alegre. Joga futebol com os góis. Seu pequeno passado de turbulências pode ser esquecido. O meu não.
Chegam notícias de que aviões aliados bombardeiam a Alemanha incessantemente. Emoções se mesclam no meu coração, como duas águas. A queda de Hitler. Mas ao mesmo tempo o nosso solo sagrado destruído. As cidades, os campos, as fábricas. Tudo pode ser reconstruído. Menos a minha alma.
Passei essa manhã pela rua Três Rios. Fiquei pensando. O passado, um rio. O presente, outro. E, para mim, ambos são águas misturadas.
Não há como limpar da água a sua impureza de ser um elemento vivo, que se recicla. A água não nasce. Ela é. Tudo que é vivo dói. O terceiro rio. O futuro. O que me promete? E se ele tiver uma terceira margem, como será a minha? Conseguirei me livrar de sua correnteza?
* João Anzanelo Carrascoza é doutor em Ciência da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, onde leciona no curso de Publicidade e Propaganda, e docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (SP).
** Christiane Santarelli é doutora em Ciência da Comunicação na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
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Nota
[1] Uma versão deste texto foi publicada no livro Tramas publicitárias – Narrativas ilustradas de momentos marcantes da publicidade (Ática, 2009), no qual os autores completam a trilogia constituída de histórias de três épocas distintas do capitalismo, que mostram uma perspectiva histórica do impacto da comunicação de massa na sociedade. Para cada história foram criados personagens, que incorporam valores da época e de sua cultura. A primeira tematiza o “nascimento” da sociedade de consumo. Ambientada na Paris da Belle-Époque, revela a capital da vanguarda europeia – auge da modernidade, ocupada com sua intensa vida cultural, problemas sociais e um capitalismo de produção –, que utilizava a arte publicitária para estimular o consumo de bebidas, remédios, alimentos e diversão. Ao longo de um dia em Paris, um turista estrangeiro, passeando pela cidade, como um flâneur, vê os cartazes de Murcha, Chéret e Lautrec que divulgavam os produtos e serviços da época. A terceira história, situada no período contemporâneo, está contaminada pelo espírito pós-moderno. O protagonista é um cidadão sem pátria, conhecedor das mais modernas tecnologias de comunicação e as usa para atingir seus objetivos publicitários. A narrativa faz uso da estética pós-moderna, do pastiche e da bricolagem de gêneros.
Fruição da arte em tempos de entretenimento
Ieda Magri*
Em 1970, sai a público, postumamente, a Teoria estética de Adorno. Nela o filósofo questiona o “direito de existência” da arte. Diante do desencantamento do mundo, após Auschwitz, e frente ao indomável crescimento tecnológico, Adorno expõe toda a negatividade que cerca o lugar da obra de arte no mundo moderno. A principal crítica de Adorno, ou a que causou – e causa até hoje – mais polêmicas, é a do prazer artístico. “Numa sociedade onde a arte já não tem nenhum lugar e que está abalada em toda a reação contra ela, a arte cinde-se em propriedade cultural coisificada e entorpecida, e em obtenção de prazer que o cliente recupera e que, na maior parte dos casos, pouco tem a ver com o objeto” (Adorno, 1970, p. 27).
Para Adorno, “a experiência artística só é autônoma quando se desembaraça do gosto da fruição” (p. 20). Em sua crítica ao psicologismo e à doutrina Kantiana, chega à afirmação da necessidade de se extirpar qualquer vestígio de deleite e à consequente questão da finalidade da obra da arte. Dela deve ser afastado o caráter de práxis real.
Tornado irreconhecível, o deleite disfarça-se no desinteresse Kantiano. O que a consciência universal e uma estética condescendente concebem, segundo o modelo do prazer real, sob o “prazer artístico” de nenhum modo existe provavelmente. O sujeito empírico não participa senão de um modo muito limitado e modificado na experiência artística telle quelle; deveria reduzir-se à medida que a obra adquire uma qualidade cada vez maior. Quem saboreia concretamente as obras de arte é um filistino; expressões como “festim para o ouvido” bastam para o convencer (p. 24).
Colocado o problema do prazer e a proposta de uma estética que o negue, o próprio Adorno lança, em seguida, a questão: “Mas, se se extirpasse todo o vestígio de prazer, levantar-se-ia então a questão embaraçosa de saber porque é que as obras de arte ali estão. Na realidade, quanto mais se compreendem as obras de arte, tanto menos se saboreiam”. Como contraponto, evoca o comportamento tradicional: o da admiração. Ao contrário do “prazer de ordem superior”, o sentimento de admiração faria com que o “contemplador desaparecesse na coisa” e não se incorporasse a ela. Para Adorno, só quem tem “uma relação genuína, na qual ele mesmo desaparece” não toma a arte como objeto. Ou seja, só é digno da arte aquele que a conhece a fundo: o artista e o crítico ou filósofo: “A espiritualização da arte estimulou o rancor dos excluídos da cultura, iniciou o gênero da arte de consumo, enquanto, inversamente, a aversão contra a última impeliu os artistas para uma espiritualização cada vez mais radical… O conceito de deleite artístico foi um compromisso infeliz entre a essência social da obra de arte e a sua natureza antitética a respeito da sociedade” (p. 25).
Se, para Adorno, o objeto estético exige da parte do contemplador o conhecimento (exige que se penetre na sua verdade e na sua não verdade) fica, como tarefa da sociedade a educação estética daquele que contempla. Adorno mostra duas opções ao produtor cultural: conceber a arte como naturalmente maior do que o sujeito que a contempla e, portanto, inacessível a ele de modo que apenas aqueles que têm competência cultural possam participar da experiência estética; ou iniciar (não aponta meios) uma educação estética baseada na reflexão sobre a arte, dissociada de um uso prático referente à cotidianidade e não baseada no desejo ou no prazer.
Com uma clara intenção polêmica, em 1972, Hans Robert Jauss escreve a sua Pequeña apologia de la experiência estética. Apenas dois anos depois da Teoria Estética de Adorno, Jauss faz uma conferência pública no XIII Congresso Alemão de História da Arte em Constanza e esta é publicada em seguida, apenas acrescida da última parte, dedicada à função comunicativa da experiência estética. Segundo o que escreve Daniel Innerarity, o tradutor do livro para o espanhol, “és una defensa apasionada del arte, del gozo estético frente a las estéticas de la negatividad y la seriedad intelectualista del arte ascético, desde Platón hasta Adorno. Contra la oposición entre gozo y trabajo, arte y conocimiento, en ella se afirma que gozar es la experiencia estética primordial” (Jauss, 2002, p. 10). Segundo ele, Jauss se situa entre os que consideram que a arte possui um caráter cognitivo de modo que a percepção estética não é nem o conhecimento máximo nem a pura recepção do indizível.
Jauss descreve a experiência estética privilegiando o ponto de vista da recepção[1] e critica Adorno especialmente por pensar a obra separadamente do seu receptor até o ponto de considerar apenas negativa a forma de pensamento que pressupõe um receptor que interfere na obra:
…Adorno desconfía tanto de la experiencia practica del arte en la era de la industria cultural que le niega toda función comunicativa en la sociedad, y destierra al público a la soledad de una experiencia en la que “el receptor se olvida de sí mismo y desaparece en la obra”. No se ve, sin embargo, cómo el solitario espectador, al que Adorno niega todo goce artístico y sólo concede “sorpresa” o “sacudida”, puede llegar desde la recepción contemplativa a la interacción dialógica. En esta medida la estética de la negatividad, que Adorno desarrolla como terapia frente a la industria cultural, deja abierta la pregunta acerca de cómo se franquea el abismo entre la praxis presente y el arte como promesse de bonheur para la experiencia estética, y como ha de ser conducido el solitario y sorprendido espectador, mediante la experiencia comunicativa del arte, a una nueva solidaridad de la acción (p. 50-51).
A experiência estética, para Jauss, proporciona um espaço de jogo frente à própria experiência, na medida em que as obras de arte não tiram o receptor de seu mundo da vida prática, mas abrem espaço à liberdade necessária para perceber e modificar essa experiência cotidiana:
Do ponto de vista de la recepción, la experiencia estética se distingue de otras funciones del mundo de la vida por su peculiar temporalidad: hace ver las cosas de nuevo y proporciona mediante esta función descubridora el goce de un presente más pleno; conduce a otros mundos de fantasía y suprime en el tiempo la construcción del tiempo; anticipa experiencias futuras y abre así el campo de juego de acciones posibles; permite conocer lo pasado o lo reprimido, conservando de este modo el tiempo perdido. […] La percepción estética modifica a quien percibe, aunque sólo sea porque hace nuevamente eficaz la peculiaridad del contenido estético frente a una rutinaria hacia los objetos (p. 18).
Hoje o termo gozo, desfrute – “tener uso o provecho de una cosa” – perdeu seu significado primeiro como modo de apropriação do mundo e autoconsciência, que legitimou, em outros tempos, o trato com a arte. Na atualidade a atitude de prazer se enreda antes, numa falsa consciência da cultura de consumo. O prazer para os que querem as coisas mais fáceis para desfrutar sem pensar. Assim, quando o receptor é pensado na teoria da arte, é concebido como alguém a ser educado contra sua inclinação ao prazer, transformando a sua empatia em reflexão e crítica. Só é objeto de estudo aquela atitude que ultrapassa a primeira relação de identificação do receptor com o objeto ou com o espetáculo. A experiência estética considerada genuína é somente aquela que se dá quando extirpa de si todo o prazer e o eleva ao cunho de reflexão.
O que Jauss propõe, ao recuperar o direito do receptor ao gozo como experiência primordial é que se ultrapasse o pressuposto de que a reflexão estética seja o fundamento de toda a recepção. O gozo estético, então, pode ser associado ao conhecer e ao atuar: o receptor sai de uma atitude passiva e de entrega ao prazer, para a liberação da consciência produtiva, receptiva e intersubjetiva ou comunicativa. Assim, a experiência estética é sempre liberação de e liberação para, como, já podemos adivinhar, está posto na teoria aristotélica da catharsis.
Jauss afirma que a tradição ocidental da reflexão teórica da arte está totalmente voltada ao conceito platônico do belo e que seria interessante, senão necessário, descobrir ou redescobrir a práxis produtiva, receptiva e comunicativa da arte na história da cultura europeia. Ele assim o faz, pela retomada dos conceitos de poiesis, aisthesis e catharsis. O termo poiesis – capacidade poética – designa a experiência estética fundamental do homem, em sua produção artística, se familiarizar com o mundo, obtendo nessa atividade um saber que se distingue do conhecimento conceitual da ciência e também do fazer instrumental. A capacidade poética presente na construção do objeto artístico marca a separação entre o trabalho comum do cotidiano e o trabalho artístico. A aisthesis designa a experiência estética fundamental, dada pela obra de arte, de renovar a percepção das coisas, embotada pelo costume. A catharsis, termo que mereceu maior reflexão por parte de Jauss nesse texto, designa a experiência estética fundamental de que o contemplador, na recepção da arte, se desliga da vida cotidiana através da satisfação estética e retorna a uma identificação comunicativa ou orientadora da ação.
A oposição entre experiência estética e práxis moral, segundo Jauss, não é um efeito necessário da arte. Passou-se a pensar sobre ela quando qualquer modelo didático ou exemplar ou qualquer identificação ou simpatia pelo herói foi considerado uma banalidade e uma blasfêmia contra a arte autônoma. Para responder à questão de como se poderia superar a oposição entre experiência estética e práxis moral, Jauss recupera a catharsis, conforme a descreve Aristóteles, como propriedade essencial da experiência estética.
Para Jauss, a estética da negatividade está presa na contradição de pressupor a consciência emancipada de um espectador já formado no trato com a arte e que haveria de se liberar mediante o processo comunicativo ou consensual da experiência estética.
É somente a partir da identificação espontânea, e não a partir das reflexões que suscitam, que a arte pode transmitir normas de ação. É também a partir delas que se abre a possibilidade de identificação com o herói que, no entanto, é ambígua no sentido de que enquanto espaço comunicativo pode modificar comportamentos na quebra de normas e na reconfiguração que orienta a ação, mas o espectador tem também o direito de liberar-se para um prazer puramente individual. Esta ambivalência fundamental é o preço a ser pago pela catharsis pela mediação do imaginário.
Contudo, a experiência estética não se esgota na alternativa entre um efeito emancipador e um efeito conservador da arte na sociedade. Jauss sustenta que entre os extremos de uma função transgressora de normas e outra cumpridora de normas, há uma outra opção no campo da função comunicativa da arte, que é a configuradora de normas.[2]
Do ponto de vista da comunicação, a experiência estética se dá, quando ao espectador/receptor é dado o direito de aprovação, de “aceitação na liberdade” como já apontou Kant no juízo do gosto. Jauss recupera Kant, como o pensador “que é uma autoridade indiscutível”, único que apresenta a “receita” de como pode a arte afirmar sua negatividade frente à realidade social mantendo a sua função configuradora de normas: “el juício estético puede proporcionar ejemplos tanto de um juício desinteresado, no condicionado por uma necesidad, como de um consenso abierto, no determinado principalmente por conceptos y reglas” (p. 93). A remissão do juízo estético à aprovação dos demais possibilita a participação em uma norma constituinte e, ao mesmo tempo, constrói a sociedade no pluralismo estético. Jauss sustenta que a Crítica do juízo de Kant fez época pela subjetivação da estética, enquanto que seu conceito pluralista de juízo estético que remete a uma aprovação foi esquecido. E só ganhou atualidade agora, diante de uma indústria cultural dominante e dos efeitos dos meios de comunicação de massa. Assim, a tentativa de recuperar a função comunicativa da experiência estética resulta numa positivação dessa experiência. Diante de tal positivação a estética da negatividade não deve “retroceder assustada” senão que traduzir novamente as formas transgressoras de normas ou de identificação irônica numa função configuradora de normas. Se a experiência estética não se caracteriza apenas pela criação na liberdade, mas também pela aceitação, isto é, no âmbito da recepção na liberdade, o consenso aberto, não determinado por conceitos e regras, mas pelo exemplar, dá ao comportamento estético uma significação mediada pela praxis da ação. O receptor joga com os valores preestabelecidos e os que a obra adquire no momento da recepção, portanto ele interfere na obra, faz uma escolha e acrescenta seu próprio julgamento.
Jauss aponta o problema de sua própria teorização da recepção como o problema do horizonte de expectativas do receptor e das concepções pré-recepção que se vinculam à identificação. Isso diz de uma recepção da arte condicionada por fatores externos que impedem o acesso e a identificação de certo público com certa arte.
Nesse sentido, torna-se relevante lembrar as reflexões de Pierre Bourdieu em As regras da arte, quando aponta para a cisão entre uma arte concebida para o grande público, fortemente marcada por sua inscrição na categoria que quer agradar o público, conferir ganhos financeiros imediatos e se legitimar justamente pelo gosto do maior número e outra, que busca sua legitimidade entre os pares, geralmente os próprios artistas, e cuja característica maior seria a busca da autonomia em relação ao mercado.
Na literatura, por exemplo, o prestígio de um gênero em relação a outro, depende muito da qualidade do público:
Os progressos do campo literário no sentido da autonomia são assinalados pelo fato de, em finais do século 19, a hierarquia entre os gêneros e os autores, segundo o critério específico do juízo dos pares ser quase exatamente a inversa da hierarquia segundo o sucesso comercial (Bourdieu, 1996, p. 133-34).
Ou seja, na hierarquia segundo o lucro comercial aparece em primeiro lugar o teatro, depois o romance e por último a poesia; na hierarquia segundo o prestígio, vem primeiro a poesia, depois o romance e por último o teatro. Os gêneros distinguem-se, portanto, por 3 aspectos: preço do produto (mais alto, mais prestígio); qualidade dos consumidores (mais consumidores, menos prestígio); e ciclo de produção (quanto mais rápido o lucro é obtido, menos prestígio).
O mesmo paradigma ainda permanece hoje, quando há uma obstinada aversão dos artistas ao que vende e um prestígio alto pelo que não vende, considerado cult. Ao mesmo tempo, há o fetiche do mercado, que aproxima os artistas do público na mesma medida em que diminui seu prestígio entre os pares. Esses valores são preconcebidos e orientam a aproximação entre obra e receptor, determinando a fruição da arte, num primeiro momento, nem pelo prazer estético, nem pelo conhecimento, mas sim pelo preconceito criado pelo mercado e pelos artistas.
Adorno e Horkheimer, ainda em 1947, chamavam a atenção para o problema da cultura de massa no livro Dialética do esclarecimento. A denúncia de Adorno de que a arte é tomada como mercadoria pela indústria cultural e adaptada ao consumo em larga escala, aponta para um receptor forjado no próprio sistema industrial. Apossando-se da “arte superior” e da “arte inferior”, a indústria cultural tira-lhes o sentido original para tornar uma acessível, no sentido de ser aceita, entendida e consumida e outra mais limpa, com um tratamento mais aceitável, fazendo perder “através de sua domesticação civilizadora o elemento de natureza resistente e rude”. Adorno deixa claro que a massa à qual a indústria cultural se dirige não é “o fator primeiro, mas um elemento secundário, um elemento de cálculo” (Adorno; Horkheimer, 1985, p. 26).
Contudo, a premissa de que, como indústria, os meios acabariam reduzindo os públicos ao padrão de consumidor ideal, produzindo um quadro de homogeneização, é refutada por Renato Ortiz, no seu livro Mundialização e cultura, entre outros autores que resistem ao pensamento que toma o receptor como “tolo cultural” completamente manipulado pela indústria. Esses autores operam mais com conceitos de “nivelamento”, “classes de consumo” e defendem que há, ao lado de uma produção homogeneizante, a diversidade de culturas e a democratização do acesso à arte chamada erudita.
Adorno e Horkheimer citam o cinema como prova da atrofia da atividade do espectador:
…para seguir o argumento do filme, o espectador deve ir tão rápido que não pode pensar, e como, além disso, tudo já está dado nas imagens, o filme não deixa à fantasia nem ao pensar dos espectadores dimensão alguma na qual possam mover-se por sua própria conta, com o que adestra suas vítimas para identificá-lo imediatamente com a realidade (p. 122).
Walter Benjamim aborda o espectador de cinema por outro ângulo e, conforme Susan Buck-Morss, “para Benjamim, a técnica da montagem tinha ‘direitos especiais, talvez mesmo totais’, como uma forma progressista, porque ela ‘interrompe o contexto em que se insere’ e assim ‘age contra a ilusão’” (Buck-Morss, 2003, p. 97).
Considerando o papel do receptor para pensar a arte, Benjamim apresenta uma visão menos pessimista do fenômeno das massas em relação ao pensamento de Adorno (cuja Dialética do esclarecimento é uma resposta ao ensaio “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”, de Benjamin). Martin-Barbero sustenta que Benjamim “foi o pioneiro a vislumbrar a mediação fundamental que permite pensar historicamente a relação da transformação nas condições de produção com as mudanças no espaço da cultura, isto é, as transformações do sensorium dos modos de percepção, da experiência social”. Para Benjamim, “pensar a experiência é o modo de alcançar o que irrompe na história com as massas e a técnica” (Martin-Barbero, 2003, p. 84).
Pensar a experiência é admitir que estamos cada vez mais pobres dela e que “essa pobreza de experiência não é mais privada, mas de toda a humanidade” (Benjamin, 1996, p. 192). Não há mais volta a uma riqueza de experiências, porque os tempos são outros e agora “surge uma existência que se basta a si mesma”. Pensar a experiência é, ao mesmo tempo, conseguir entender as transformações que esse empobrecimento produz – na mesma medida em que é produzido – na e pela massa.
Uma das chaves para se entender a nova experiência, para Benjamin, está na aproximação entre homem e arte operada a partir da reprodutibilidade técnica. Essa aproximação que destruiu a aura das obras de arte produziu uma mudança nos modos de recepção: o valor da arte não é buscado numa atitude de recolhimento diante da obra, mas na percepção e no uso. Essa é a leitura de uma grande transformação social que coloca o homem, “qualquer homem”, inclusive o homem da massa próximo da arte.
É nesse sentido que Benjamin situa o cinema de modo oposto ao de Adorno: “o cinema corresponde a modificações de longo alcance no aparelho perceptivo, modificações hoje vivenciadas na escala de existência privada por qualquer transeunte no tráfego de uma grande urbe” (Martin-Barbero, 2003, p. 87). Martin-Barbero ainda cita Habermas para acentuar as diferenças do pensamento dos dois expoentes da Escola de Frankfurt: “a experiência que Adorno procura desesperadamente resguardar é a que vem ‘da leitura solitária e da escuta contemplativa, quer dizer, a via régia de uma formação burguesa do indivíduo”, e acrescenta que Benjamim deslocou-se a tempo “de uma experiência burguesa que tinha deixado de ser a única configuradora da realidade” (p. 91).
O apontamento dos novos dispositivos da recepção, cuja chave está na percepção e no uso, é feito por Benjamim no texto “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”. Segundo seu raciocínio “a história de toda forma de arte conhece épocas críticas em que essa forma aspira a efeitos que só podem concretizar-se sem esforço num novo estágio técnico, isto é, numa nova forma de arte” (Benjamin, 1996, p. 192). Desse modo situa o surgimento da mudança na recepção operada de forma visível pelo cinema, no Dadaísmo: “o Dadaísmo tentou produzir através da pintura (ou da literatura) os efeitos que o público procura hoje no cinema” (p. 191). Os dadaístas operam uma ressignificação da contemplação artística: como estavam menos interessados em vender suas obras do que em agir de forma contrária, tornando-as impróprias para o consumo e para a contemplação, opõem ao recolhimento da burguesia a atitude de distração:
Ao recolhimento, que se transformou na fase da degenerescência da burguesia, numa escola de comportamento antissocial, opõe-se a distração como uma variante do comportamento social. […] Na realidade, as manifestações dadaístas asseguravam uma distração intensa, transformando a obra de arte no centro de um escândalo. Essa obra de arte tinha que satisfazer uma exigência básica: suscitar a indignação pública. De espetáculo atraente para o olhar e sedutor para o ouvido, a obra convertia-se num tiro. Atingia, pela agressão, o espectador. E com isso esteve a ponto de recuperar para o presente a qualidade tátil, a mais indispensável para a arte nas grandes épocas de reconstrução histórica (p. 191).
O Dadaísmo tem o mérito de recuperar o caráter sensível da percepção, ou seja, a percepção onírica, e com isso preparou o espectador para o cinema, “cujo valor de distração é fundamentalmente tátil, isto é, baseia-se na mudança de lugares e ângulos que golpeiam intermitentemente o espectador” (p. 192).
A atitude de recolhimento do indivíduo cuja disposição para a arte é cultivada inexiste naquele que acessa a nova arte através do choque, pela percepção tátil, produzido pelo cinema. A recepção tátil se efetua menos pela atenção do que pela exposição à arte, e desse modo acaba, pelo hábito, produzindo a disposição para a recepção ótica: “no que diz respeito à arquitetura, o hábito determina em grande medida a própria recepção ótica. Também ela, de início, se realiza mais sob a forma de uma observação casual que de uma atenção concentrada” (p. 193).
Paolo Virno, no livro Gramática de la multitud. Para un análisis de las formas de vida contemporâneas propõe uma forma de ler o tempo histórico atual através do conceito de multidão, preservando como uma das características dessa coletividade a atitude distraída da qual falava Benjamim. Virno sustenta que a multidão atual se caracteriza principalmente pela linguagem, pelo intelecto e situa no nascimento da indústria cultural o momento em que trabalho – poiésis – e política – práxis – deixam de ser conceitos separados para convergirem. O mesmo argumento, tomado pela via da recepção, conforma o texto de Jauss, como exposto antes.
É nesse momento que o trabalhador se torna um virtuoso (executante sem produto material) através da linguagem, porque a faculdade comunicativa torna-se um componente essencial de cooperação produtiva: “en la industria cultural, la actividad sin obra, es decir la actividad comunicativa que se cumple en sí misma, es un elemento central y necesario. Y justamente por este motivo es en la industria cultural donde la estructura del trabajo asalariado coincidió con la de la acción política” (p. 56).
Na indústria cultural não faltam amostras do trabalho material, resultado final da produção artística; no entanto, a produção material é automatizada enquanto não só o trabalho artístico, mas todo aquele que é executado pelo homem, depende cada vez mais de sua performance linguística, comunicativa e de sua capacidade intelectual, que deve ser entendida como faculdade de pensar, potência e não conhecimento adquirido.
Sendo mais otimistas ou mais pessimistas, todos os autores abordados neste artigo partilham da premissa de que a indústria cultural e o surgimento de novos processos de tecnologia no campo da arte modificaram tanto sua produção como sua recepção e em maior ou menor grau insistem na necessidade de se acompanhar a “evolução” da técnica com um olhar crítico que também lance mão de categorias flexíveis capazes de dar conta dessas metamorfoses. Se está claro que a produção e a percepção da arte se modificaram com a reprodução técnica e com as mudanças profundas no mundo do trabalho, está ainda mais claro que o fruidor de arte hoje é sempre também um artista em potencial. Seu modo de perceber a arte é o ponto de vista daquele que é capaz de fazer também e não mais a do tolo que vê um gênio. As faculdades ditas artísticas, próprias do terreno da arte migraram para o mundo do trabalho, como aponta Virno, o mundo do trabalho exigindo o uso da linguagem e da imaginação mais do que o trabalho braçal, afastado do mundo da arte.
A arte, assim, passa a pertencer muito mais ao mundo do entretenimento (mesmo as exposições de artes plásticas, sempre antes mais restritas a um público conhecedor) do que ao mundo do conhecimento. Ou seja, aquilo que Jauss reivindicava, contra Adorno, é cada vez mais visível como real na recepção estética e, talvez, aquele receptor contemplativo que Adorno queria resguardar esteja hoje em extinção.
*Ieda Magri é doutora em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professora substituta do Programa de Ciência da Literatura da mesma universidade, onde também desenvolve pesquisa de pós-doutorado sob supervisão de Beatriz Resende. É autora dos livros de ficção Tinha uma coisa aqui (7Letras) e Olhos de bicho (Rocco).
Referências
ADORNO, Theodor. Teoria estética. Trad. Artur Morão. São Paulo: Martins Fontes, 1970.
ADORNO Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
BENJAMIM, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura: obras escolhidas, volume 1. 10ª reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 1996.
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. Gênese e estrutura do campo literário. Trad. Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
BUCK-MORSS, Susan. Dialética do olhar – Walter Benjamim e o projeto das passagens. Trad. Ana Luiza Andrade. Belo Horizonte; Chapecó: UFMG; Argos, 2003.
JAUSS, Hans Robert. Pequeña apologia de la experiencia estética. Trad. Daniel Innerarity. Barcelona: Paidós Ibérica, 2002.
JAUSS, Hans Robert. A História da Literatura como provocação à Teoria Literária. Trad. Teresa Cruz. 1ª ed. Lisboa: Passagens, 1993.
MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 2ª ed. Rio de Janeiro: editora da UFRJ, 2003.
ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
VIRNO, Paolo. Gramática de la multitud. Para un análisis de las formas de vida contemporáneas. Trad. Adriana Gomes, Juan Domingo Estop, Miguel Santucho. Traficantes de sueños: Madrid, 2003.
Notas
[1] “[Jauss é] conocido fundamentalmente por haber fundado la Escuela de Constanza y como cabeza visible de la llamada ‘estética de la recepción’, un enfoque hermeneutico de las artes y la literatura, es uno dos renovadores más radicales de la estética contemporánea” (p. 10).
[2] As diferentes funções são associadas ao tipo de identificação com o herói. Jauss apresenta uma tabela de tipos de identificação estética com o herói, a sua relação com a disposição receptiva, e as normas de comportamento do espectador (p. 87 e 88).