Ano XIV 01
Editorial
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ESCRAVIDÃO: MÚLTIPLOS ASPECTOS E REFLEXÕES

A Revista Z Cultural propõe, nesta edição especial, uma reflexão sobre múltiplos aspectos do cativeiro. A partir do século XVI até a primeira metade oitocentista, milhares de africanos foram arrebatados violentamente de suas famílias e terras, desembarcados no litoral brasileiro e escravizados. Homens e mulheres, de diferentes etnias e territórios africanos, tiveram que se reconstruir e se reinventar diante da truculência do sistema escravocrata. Diferentes estudos e abordagens destacam como os cativos e seus descendentes brasileiros ressignificaram suas trajetórias de vida sob a escravidão e no pós-abolição. Desse modo, iniciamos com a entrevista de Lilia Schwarcz e Flavio dos Santos Gomes que organizaram o Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos.

Apresentamos artigos inéditos que discutem, por meio de diferentes aspectos, as vivências dos escravizados. O texto de Marcus J. M. de Carvalho é uma análise inovadora sobre um aspecto crucial do sistema escravocrata: o tráfico atlântico. O estudo destaca como, anos mais tarde, os cativos desembarcados ilegalmente evocaram a lei de 1831 para pleitearem suas liberdades.

Lucimar Felisberto dos Santos evidencia, em texto embasado em análise documental, o ativismo de mulheres negras escravizadas e o feminismo negro, no Município Neutro, entre 1871 e 1888. Marcelo Mac Cord, através da observação dos Censos de 1872 e 1890 e outras fontes documentais, analisa o recorte étnico-social que perpassou a escolarização básica pernambucana.

Luiz Alberto Couceiro investiga – por intermédio do processo criminal contra a Escola de Feitiçaria Coroa da Salvação – o contexto, a ação e os atores envolvidos em processo de  acusação de feitiçaria, em 1870, em Cunha, São Paulo. A questão da feitiçaria também é analisada por Valéria Costa, que revela como, na Recife oitocentista, as ações de livres e libertos e a prática de suas religiosidades foram mecanismos de resistência ao cativeiro. Marc Hertzman, com Fake news, fake history?, traz a discussão, sob perspectiva bastante atual, dos mitos construídos sobre Zumbi dos Palmares.

O conjunto de textos  segue com as  análise de José Ricardo da Costa, que investiga a influência mítica na narrativa de Antônio Olinto e problematiza a reterritorialização de uma família que tenta se estabelecer em solo africano após a abolição da escravatura no Brasil. Marcelo da Rocha Silveira investiga a presença negra na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro, então centro de atividades artísticas do Império, e destaca as  dificuldades de afirmação do artista negro na instituição. O texto de Rosilma Diniz Araújo Bühler objetiva estabelecer interlocuções com base nas inquietações levantadas por intelectuais negras e negros em seus escritos, no tocante às diversas expressões identitárias.

Lucio Valentim, em seu estudo, busca os resquícios de escravidão em cenas do cotidiano: um comercial de perfume, um comercial de Natal, um patrão que dá bananas aos empregados no Dia da Consciência Negra. Vincenzo Cammarata traz a discussão sobre o papel da língua na definição das desigualdades sociais e raciais, dentro e fora do ambiente escolar de Luanda. Vanessa Maria Poteriko da Silva aborda a relação entre a ideologia escravocrata de depreciação do negro e a trajetória dos negros que nasceram pós-abolição, por meio dos relatos de Carolina Maria de Jesus em seu livro Diário de Bitita (1986). A reflexão sobre a questão do cabelo crespo, para negros e negras, como um legado histórico e político é feita por Anita Pequeno. Concluímos o dossiê com o estudo comparativo de Stelamaris Coser sobre a escravidão no Brasil a partir da escrita imaginativa de Gayl Jones (1949-  ), que dialoga com a historiografia em abordagem interamericana e diaspórica.

Assim, consideramos que os estudos que compõem o dossiê Escravidão: múltiplos aspectos e reflexões, com suas diferentes perspectivas e dialogando com o documento, apresentam o cotidiano e as ações daqueles que vivenciaram a escravidão e são significativos para a apreensão da história e cultura nacional.

As organizadoras
(PACC/UFRJ)