Este artigo trata sobre os embates prático-discursivos de memória política entre correntes do pensamento social (democrática x antidemocrática) em constante rearranjos narrativos conforme o momento temporal e o contexto espacial. Para efetuar uma análise sociolinguística dos vieses político-ideológicos de memória/esquecimento na apropriação simbólica do antigo Prédio do DOPS-RJ, utilizaremos de alguns arquivos virtuais envolvendo o Movimento OcupaDOPS – que tenta transformar antigo prédio do DOPS no Centro do Rio de Janeiro em um centro de memória contra a ditadura –, apontando para a possibilidade de superação psicossocial e consolidação democrática micro e macropolítica. Através do legado prático e teórico brasileiro e internacional sobre justiça de transição (direto à memória, reparação, punição e superação) e cidadania efetiva (vivida, garantida, percebida e ativa) no Brasil, expressos na esfera pública pelos trabalhos da Comissão da Verdade e Anistia, se tenciona reconhecer a urgência da ressignificação cultural dos espaços de memória associados ao terrorismo estatal na Ditadura brasileira – mas também a resistência estudantil a ela, como no caso do inacabado Memorial da Anistia do prédio do “Coleginho” da UFMG, proposto pelo governo federal na Era Lula.
Em 2013 participei ativamente das Jornadas de Junho em diversos levantes populares contra um Estado refratário aos movimentos e demandas sociais, rarefeito em sua vocação de escuta e participação política. Entre as diversas manifestações históricas que ocorreram nessa época acompanhei mais de perto duas: do OcupaRio, como cidadão dos grupos de trabalho, e, como mestre de memória social, do OcupaDOPS. Ambos os movimentos pareciam ter mais em comum entre si do que com a global franquia “Occupy”. Com o passar do tempo segui acompanhando e estudando os esforços da Comissão da Verdade e da Lei de Anistia, como voluntário da paz conflitual.
Em 2017, fui convidado para ir a Brasília conhecer alguns dos integrantes da Comissão da Anistia no Ministério da Justiça, quando fora aprovado nas instâncias preliminares para me tornar mobilizador do Memorial da Anistia em Belo Horizonte (MG). No entanto, logo depois, o concurso foi cancelado sem motivo aparente e a Revista da Anistia, inviabilizada, pelo que consta, por falta de papel em função da crise econômica que se anunciava, e que culminou com o impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Mais do que um mal-estar pessoal, percebi que, a partir dali, o país começaria a se debater em um duelo de forças antitéticas sociodiscursivas, o que nos levaria, uma vez mais, para a perda de estabilidade política e jurídica. Ainda era cedo para prever que os fantasmas dos extremismos autoritários de direita e românticos de esquerda (ou vice-versa) voltariam à cena principal do debate público, para além do âmbito da questão da justiça de transição. O fato é que a justiça não foi, de fato, feita, e, por isso, ficamos sem transição, eternizando o bordão do país sem memória.
O artigo que aqui se consolida é uma versão atualizada do texto aprovado pelos pares da Comissão da Anistia, a partir também da minha pesquisa teórica prévia sobre o campo da Memória Social, baseada em autores franceses como Halbwachs (memória individual, coletiva, histórica, espacial e temporal) e pós-halbwachiano (memória subterrânea ou história oficiosa, história oficial, lugar de memória, memória e esquecimento, identidade social e política). Assim como os trabalhos da Comissão, ele também teve até aqui o mesmo destino de mordaça e esquecimento. Mas, doravante, não mais, afinal, pois eis que ele ressurge nesta relevante revista.
Utilizar-me-ei como pano de fundo ilustrativo da discussão teórica o fato histórico e antropológico, no caso, a manifestação OcupaDOPS em 2014: mais especificamente, a polêmica sobre o uso do prédio antigo do DOPS-RJ (Museu da Polícia X Centro de Memória da Resistência). Ao final, peço licença para fazer uma digressão ensaística sobre a relevância de nos familiarizarmos com esses temas da justiça de transição transicional, democratização cidadã e memória coletiva no contexto brasileiro atual de desmantelamento das políticas públicas humanistas e culturais. Inicialmente, faremos uma rápida contextualização para os não iniciados no assunto da Justiça de Transição para explicar como ela surgiu no contexto internacional dos direitos humanos no final do século XX.
Contexto
O legado do pensamento de transformação social de Lélio Basso e seus parceiros na defesa e colaboração em processos de justiça de pós-conflitos em vários continentes pode ser contemplado em iniciativas como o Tribunais Russel I e II[1] e o Tribunal Permanente dos Povos. Esses eventos ajudaram a consolidar a jurisprudência de que crimes políticos, crimes internacionais e violações dos direitos humanos não atentam somente contra o indivíduo, mas todo o escopo societal – em suas dimensões políticas, econômicas, sociais, jurídicas e culturais (Abrão; Torely, 2013).
Tal mudança de perspectiva do direito da pessoa humana para o direito dos povos (Fillippe, 2013) permitiu compreender que o autoritarismo e a onipotência do Estado não poderiam ser irrestritos e inquestionáveis por parte dos governados. Regimes totalitaristas, devido à banalização do mal institucionalizado (Arendt, 1999) através da violência disciplinar física e/ou panóptica (Foucault, 1997), mormente sobre grupos dissidentes ou antagônicos, atentam não somente contra a boa prática de governança política-jurídica, mas também contra os valores do humanismo, da democracia e dos direitos humanos universais. A diretriz da ONU (2004) sobre o tratamento criminológico em justiça de transição defende a conexão do direito à memória, à justiça, à reparação e à reconciliação (Parmentier, 2003): explicitar fatos do passado, punir os agressores, reparar as vítimas do passado à luz do presente para reconciliar possíveis contradições para que não ocorram recorrências totalitaristas no futuro.
Documento
Reproduzo a seguir a “Petição pela imediata transformação do prédio do antigo prédio do DOPS/RJ em Centro de Memória da Resistência pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro”, dirigida ao governador Sérgio Cabral (disponível em http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR69613, acesso em 28/12/2015):
O prédio que abrigou o antigo DOPS/RJ, inaugurado em 1910, localizado na esquina da Rua da Relação com Rua dos Inválidos, no Centro do Rio de Janeiro, foi construído para sediar a Polícia Central da República. Esta polícia teve como objetivo principal a perseguição à “vadiagem”, a criminalização das práticas de capoeira e de cultos religiosos afro-brasileiros. Ao longo dos anos, o prédio abrigou distintas polícias políticas responsáveis por coibir reações de setores sociais que supostamente pudessem comprometer a “ordem pública”, em especial nas ditaduras vividas no Brasil. A partir de 1962, funcionou no prédio o Departamento de Ordem Política e Social do Rio de Janeiro (DOPS-RJ), um dos principais órgãos de perseguição política, tortura, morte e desaparecimento forçado de pessoas durante a ditadura civil-militar. Tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC), o edifício ainda está sob a administração da Polícia Civil e encontra-se em péssimo estado de conservação, com arquivos em deterioração, o que evidencia a destruição e o abandono do poder público para com o patrimônio histórico. Além disso, há indícios de que o plano atual do governo do estado é estabelecer o Museu da Polícia e uma galeria de lojas neste espaço, a despeito do compromisso assumido pelo Governador Sérgio Cabral, em 8 de maio de 2013, durante a posse da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, de transformar aquele prédio em um centro de memória. Frente ao inegável atraso do Brasil em matéria de Justiça de Transição, faz-se urgente a destinação do prédio, por parte do governador do estado, para a construção de um espaço comprometido com a memória da resistência e das lutas sociais, e que explicite a relação entre as violações cometidas pelo Estado no passado e no presente, estimulando medidas que impeçam a repetição de tais práticas. É preciso transformar o prédio integralmente em um espaço voltado para as políticas de Direitos Humanos, de modo que seja dinâmico, congregando a produção, guarda e circulação de informações, documentações, acervos, projetos e propostas voltadas ao direito à memória, verdade e justiça. Para isso, os distintos movimentos sociais devem ser os atores centrais na construção e gestão deste espaço, com poder decisório efetivo. A reparação dos danos causados pelo impacto da violência de Estado no conjunto da sociedade se faz através de medidas concretas, como a criação de suportes de memória, ou seja, a implementação de instrumentos que reivindicam o reconhecimento de um passado deliberadamente soterrado, esquecido e silenciado pelas versões oficiais da história, e contribuem com a formação de princípios éticos para a construção democrática do presente e do futuro. O Estado brasileiro e o governo do Rio de Janeiro têm esta dívida histórica pendente. Tornar público o que ocorreu em tempos sombrios fortalece a cidadania, revigora a democracia e pavimenta um futuro de mais justiça. Assim, no intuito de fazer do prédio do antigo DOPS/RJ um marco na defesa e promoção dos direitos humanos no Rio de Janeiro, exigirmos do Governo do Estado do Rio de Janeiro que o compromisso se efetive e que seja realizada a imediata transformação do prédio da Rua da Relação n. 40 em um espaço de memória da resistência e das lutas sociais!
1. Memória histórica e coletiva
Percebem-se no trecho citado conflitos de memórias identitários e políticos entre a condição de memória subterrânea e a oficial (Pollak, 1992). No conflito prático-discursivo de uma estratégia tácita de “esquecimento orquestrado” (Ricouer, 2007) por parte das autoridades estatais militares “antidemocráticos” e outra, explícita de memória negativa, por parte dos movimentos sociais civis “democráticos”, vemos duas correntes de pensamentos sociais (Halbwachs, 2004) que tentam se apropriar da memória socioespacial do prédio do DOPS-RJ. Entre a defesa da instituição policial militar militarizada com o AI-5 (e muitos do regime militar) e da sociedade civil crítica às instituições totais (Goffman, 2010) totalizantes como o DOPS (e muitos da polícia militarizada), dois grupos sociais em disputas territoriais e simbólicas têm como background prévio a truculência policial na contenção das manifestações sociais após 2013, tidas por setores conservadores, como ato de vandalismo.
Após esse período, a polarização política que passamos a viver no Brasil, sobretudo por meio das guerras culturais digitais, resultaram em um empobrecimento dos matizes ideológicos existentes e futuros, que fizeram aflorar velhos fantasmas políticos como a monarquia, o coronelismo e a ditadura. Como uma espécie de karma coletivo, parece haver alguns conteúdos psicopolíticos traumáticos do período militar que ainda nos aprisionam em um dualismo epistemológico (esquerda x direita) que ainda estrutura o campo de batalhas mentais e comportamentais dos brasileiros na fila do banco. A confusão é maior porque ela não envolve somente uma briga por causa da cor da tinta do editorial da memória coletiva nacional, mas sim sobre os significados históricos e usos presentes do espaço do patrimônio edificado de prédios estatais. Tudo leva a crer que de fato há uma relação metafísica entre memorialismo e espacialidade, como parece mesmo sugerir, heuristicamente, a palavra “memorial”. Examinaremos essa máxima à luz do documento supracitado.
2. Memória e espaço
A frase da petição (“É preciso ocupar a memória, para não esquecer nossa história”) aponta para uma forma de ritualização da “memória impossível” através de “lugares de memória” (Norra, 2015), já que, em relação ao antigo prédio do DOPS, tanto os grupos militares quanto militantes reivindicam o uso do patrimônio material para construir um memorial (patrimônio material e imaterial). A necessidade de lembrar com um determinado viés, salvacionista para os militares, martirizante para os manifestantes, através de um anteparo físico e poético, está ligada ao risco do esquecimento, o que geraria o risco da repetição das supostas arbitrariedades humanísticas). O não cumprimento da promessa política do governador Cabral de transformar o local em Centro de Memória e Resistência revela como a memória militar ainda tem alguma pregnância em alguns setores mais conservadores, até porque há a tendência de as correntes de pensamento coletivo imitarem a matéria inerte – apesar dessa estabilidade ser só aparente (Halbwachs, 2004). Sendo os significados coletivos do prédio associados à tortura física e psicológica de supostos comunistas subversivos, o silenciamento sobre esses “silenciamentos” dessas vítimas dos crimes de Estado cria um espiral de violência invisível ad aeternum. O esquecimento cordialista, sem autenticação crítica da memória no tempo presente, seria aqui uma forma de endosso oculto do passado, haja vista que a sensação de impunidade é o principal motivador para que esses crimes voltem a ocorrer no futuro.
A estratégia de terapêutica psicanalítica pela transformação do espaço de memórias recalcadas (trauma coletivo) em memória associada à resiliência política permite reconciliar simbolicamente, ao menos, o grupo que enquadra o momento político-histórico pós-64 como ditadura e não revolução, os efeitos deletérios do terrorismo de Estado e o resgate dos Direitos Humanos e do Estado do Direito. Não é outro também o sentido da construção do Memorial da Anistia em Belo Horizonte (MG) e do Memorial da Resistência (SP), assim como as iniciativas da Comissão da Anistia em suas ações interinstitucionais de implementação de estátuas em homenagem aos mártires do terrorismo do Estado, as “Trilhas da Anistia”.
3. Memória e tempo
O enquadramento temporal na ancoragem de memória coletiva por meio de datas comemorativas permite uma estabilidade aparente para as correntes de pensamentos coletivos (Halbwachs, 2004). Aparente porque a duração é irreversível e contínua, enquanto a memória (individual-coletiva) é situacional e seletiva (Bergson, 2015), tendo em vista que:
A memória é seletiva. Nem tudo fica gravado. Nem tudo fica registrado. A memória é, em parte, herdada, não se refere apenas à vida física da pessoa. A memória também sofre flutuações que são função do momento em que ela é articulada, em que ela está sendo expressa. As preocupações do momento constituem um elemento de estruturação da memória. Isso é verdade também em relação à memória coletiva, ainda que esta seja bem mais organizada. Todos sabem que até as datas oficiais são fortemente estruturadas do ponto de vista político. Quando se procura enquadrar a memória nacional por meio de datas oficialmente selecionadas para as festas nacionais, há muitas vezes problemas de luta política. A memória organizadíssima, que é a memória nacional, constitui um objeto de disputa importante, e são comuns os conflitos para determinar que datas e que acontecimentos vão ser gravados na memória de um povo. Esse último elemento da memória – a sua organização em função das preocupações pessoais e políticas do momento mostra que a memória é um fenômeno construído (Pollak, 1992, p. 204).
A ineficácia para a solidariedade social da multiplicidade de durações individuais suscita, então, essa tendência de lembrar em e através dos grupos (Bergson, 2015). No caso do prédio do DOPS, 1º de abril é uma data estratégica para ambos, apesar dos recortes duracionais distintos sobre seu significado. O OcupaDOPS de 21 de março e a Marcha pela Família com Deus pela Liberdade em 22 acionam a mesma data de abril. Apesar do escrutínio da história educacional já vilanizar genericamente os militares, o que também é um erro historiográfico – já que houvera membros das Forças Armadas contrários ao regime que também foram perseguidos e torturados –, a mudança de caráter do prédio para Museu da Polícia cria uma batalha pela memória na iminência dos cinquenta anos do golpe após as jornadas de junho de 2013. Execrando e estigmatizando como “vândalos” (em equivalência ao comunismo nos anos 1960) os militantes do novo século, a mídia e a sociedade brasileira parecem reviver psicodramaticamente as correntes de pensamento coletivo no jogo político histórico e identitário durante o período militar. Porém, de forma ambígua em relação a temporalidades e fracionamentos ideológicos de versões de história (ou melhor, “hestórias”) do contexto político globalizado pós-guerra fria e neoliberal. A presidente Dilma (PT), outrora guerrilheira política, era entusiasta dos trabalhos da Comissão da Verdade e, como defensora da estabilidade política enquanto partido da situação, também da ação truculenta militarizada empreendida nas manifestações sociais de 2014 durante os jogos olímpicos.
4. Memória e indivíduo
Nessa manifestação se reivindica o direito à culpabilização e reconciliação por meio de cartazes personalizados com nomes dos torturadores – para além da crítica à época e ao lugar do terror. É necessário ressalvar que o aval sistêmico estatal totalitário legitimou ações violentas individuais desumanizadas (Arendt, 1999), pois o fluxo da ideia de grupo pode impelir a uma ação vivida sistêmica e magicamente como coletiva (Durkheim, 2010). A despeito das dissidências e incongruências internas dos (sub)grupos hegemônicos do poder que sustentaram o golpe, que se rearranjava conforme o momento histórico vivido durante os mais de vinte anos de ditadura (D’Araújo; Soares; Castro, 1995): “Se é possível o confronto entre a memória individual e a memória dos outros, isso mostra que a memória e a identidade são valores disputados em conflitos sociais e intergrupais, e particularmente em conflitos que opõem grupos políticos diversos (1992)”.
Sobre memória individual e coletiva, é possível afirmar que a primeira se assenta na segunda. Para Halbwachs (2004), a possibilidade estrita da memória individual não é possível, ao contrário do proposto por Bergson (2004) – o que é sintomático na obra de Durkheim (2010), já que ela oscila entre uma confiança cega e utópica na solidariedade social enquanto imperativo sobressalente do tipo social e um reconhecimento austero da psicologia, das faculdades individuais em complementaridade com o anterior –, o que será mais bem equalizado por Elias a partir de uma interface da sociologia com a psicologia freudiana (1994).
Considerações finais
O pioneirismo do Memorial da Anistia em Belo Horizonte (MG), no antigo prédio da FFCH/UFMG, marco da combatividade política militante na cidade, local depositário que irá salvaguardar os arquivos digitalizados dos fundos do Tribunal Russel II referentes à América Latina (Fundação Issoco, 2012), aponta para usos salutares da memória espacial como fonte de conhecimento e de resistência frente ao autoritarismo estatal. Ao confrontar as correntes de um pensamento social cordialista brasileiro através da ressignificação reconciliatória e terapêutica do patrimônio edificado, esse tipo de iniciativa permite mapear a polifonia das vozes políticas silenciadas e/ou esquecidas dos sujeitos coletivos no país, mormente as mais subalternas. Em prol do fortalecimento da pesquisa e da conscientização política e histórica nacional, vislumbram-se, nesse sentido, condições para a consolidação de uma democracia representativa participativa e inclusiva. A Comissão da Verdade e a Comissão da Anistia (Marca de Memória, Caravanas da Anistia, Trilhas da Anistia, Clínicas do Testemunho) são meios eletivos afins aos processos históricos de radicalização da democracia na sociedade brasileira a partir de 2013.
A perspectiva extraeconômica socioambiental, de justiça e participação, indicadores de desenvolvimento como qualidade de vida, bem-estar, cidadania efetiva (vivida, garantida, percebida e ativa) e direitos humanos (Ibase) passam, doravante, a nortear as diretrizes e critérios de desempenho das políticas públicas das instituições e dos compromissos sociais das empresas. Importância essa premente, já que é influente ainda o capital político (Bourdieu, 2005) de setores organizados da sociedade civil na agenda pública e social. No entanto, defesas entusiastas da manutenção da militarização da polícia e armamento da população civil e do retorno da ditadura militar demonstram quão incipiente é ainda o estatuto da democracia brasileira. Em observância também ao fato de que a Lei da Anistia ampla e irrestrita[2] já tem um papel subliminar de penitência automática aos crimes cometidos, cabe considerar que essas vozes reacionárias servem como desestímulo à realização plena dos pressupostos de uma justiça transicional da Comissão da Verdade.[3] Apesar de serem esses contraditórios a prova cabal da relativa afirmação democrática, paradoxalmente, essa conflitualidade de memória-temporalidade e, muitas vezes, de espacialidade também arrefece a radicalização da democracia (Habermas, 1987) no Brasil com o alargamento do espaço público pela participação cidadã dos sujeitos coletivos em disputa na sociedade civil. Disputas de interesses ideológicos e econômicos que, no entanto, encouraçam o direito à superação dos traumas individuais e coletivos dos horrores do regime de exceção cristalizado através de macropolíticas (identidade representacional) com possibilidades de desterritorialização por novas micropolíticas ou cartografias afetivas (desejo volitivo). Traumas esses que afetam, até hoje, a vibratilidade subcortical dos corpos, que, por sua vez, está em homeostase com a percepção micropolítica do cotidiano (Rolnik, 2014). Impasse que tem nos impedidos, sincronicamente, de virar a página da história e passá-la a limpo a contento, haja vista que, mal resolvido mnemonicamente, ele sempre volta a nos assombrar quando menos se espera, inadvertidamente:
Nós, integrantes e apoiadores da Campanha Pela Transformação do Prédio do ex-DOPS/RJ em Espaço de Memória da Resistência – OCUPA DOPS -, manifestamos nosso repúdio à ameaça e a censura a que fomos submetidos na última quinta-feira, 26/06/2014, Dia Internacional de Combate à Tortura. Nesta ocasião, dois integrantes da campanha foram detidos e ameaçados por policiais civis da 5ª DP, no centro do Rio de Janeiro, que os acusaram de dano ao patrimônio público e crime ambiental por realizar uma intervenção artística de Graffiti nos tapumes da obra do prédio do ex-DOPS/RJ, ainda que exista um decreto municipal (Decreto 38.307/2014) que autorize e incentive o Graffiti em tapumes de obras na cidade do Rio de Janeiro. Após serem prestados depoimentos ao delegado titular e concluído pelo delegado de plantão daquele dia que não havia crime, os integrantes da campanha foram avisados por ele que não poderiam concluir o Graffiti, sob a ameaça de que se houvesse qualquer “confusão” em frente ao prédio, seriam indiciados por “crime”, que ele “criaria um crime”. Tal impedimento se caracteriza como ato arbitrário, de censura e ameaça de criminalização: um ataque à liberdade de manifestação! Contrariando a própria lei que deveria ser garantida por agentes de Estado, os militantes da campanha foram ameaçados de sofrerem a criminalização que tem ocorrido com integrantes de vários movimentos sociais, exclusivamente pelo conteúdo político de sua atuação! O prédio histórico onde funcionou o DOPS no passado ditatorial é um prédio público, que pertence ao Estado do Rio de Janeiro. Inclusive, o ex-Governador havia se comprometido publicamente em destiná-lo a um Centro de Memória, uma reivindicação antiga dos movimentos sociais. A Campanha OCUPA DOPS é mais um passo neste longo caminho na luta por este prédio. Esta é constituída por diversos grupos, entidades e militantes autônomos que lutam por políticas de reparação do Estado, por Memória Verdade e Justiça, e que sempre teve como princípio a defesa dos direitos humanos e a prática da liberdade. Portanto, não toleraremos atitudes arbitrárias de agentes públicos que mantenham práticas autoritárias e opressoras remanescentes do Estado ditatorial. A Campanha OCUPA DOPS não se intimidará! Continuará a realizar seus atos e manifestações em frente ao prédio do ex-DOPS/RJ! Para evitar qualquer tipo de constrangimento futuro, abuso de autoridade, bem como a manipulação de autoridades policiais que levem a criminalização das atividades desta campanha, esclarecemos:
• A expressão “OCUPA DOPS” é o nome dado a esta campanha e não objetiva ou incentiva a invasão do edifício situado à Rua da Relação, 40, popularmente conhecido como “Prédio do DOPS”.
• A campanha OCUPA DOPS, promove através de atos públicos uma ocupação cultural e política, pautada na liberdade de manifestação, sem ofensas ou desrespeito à qualquer pessoa, instituição ou agente público. Ao contrário do tratamento destinado àquele prédio nas últimas décadas, lutamos por sua revitalização e transformação simbólica! Para fazer do prédio do antigo DOPS/RJ um marco na defesa e promoção dos direitos humanos no Rio de Janeiro, queremos a imediata transformação deste em um espaço de Memória da Resistência das lutas sociais! Por Memória Verdade e Justiça! (http://www.global.org.br/blog/campanha-ocupa-dops-denuncia-ameaca-e-censura-durante-intervencao-artistica/, 2017).
Os avanços da sociedade brasileira do autoconhecimento sociomnemônico não podem correr o risco de virar uma nota de rodapé. Por isso, é bastante preocupante essa denúncia de ameaça e censura durante intervenção artística do OcupaDOPS de 26 de junho de 2014, Dia Internacional de Combate à Tortura.
A crise política econômica no Brasil pós-2013 tem desencadeado um revival discursivo extemporâneo psicodramático do polarizado jogo de forças e imagens do período militar e redemocratizante no Brasil com novos e velhos atores. Muitos deles em posições ideológicas agora invertidas, já que, em função do desgaste imagético-moral da esquerda, a nova direita surge como “Messias”, como se, num passe de mágica, monarquistas, militaristas e coronelistas tivessem apagado seu passado associado à consolidação de um modelo macroeconômico internamente desigual e externamente dependente. Esse movimento parece apontar para a tentativa macropolítica de não passar a história a limpo, mas, sim, de arrancar as páginas documentais, escrevendo uma história fake com cronologias didáticas (descontinuidades aparentes) a-históricas em um novo caderno. Contrárias ao fluxo irreversível e criador da história da humanidade que caminha rumo a um “esquecimento inercial”, mas que permite ao homem equilibrar esse imperativo de modernidade (sempre beirando o niilismo) com alguma seleção da história (bem distante de uma memória onipresente), as elites políticas costumam abusar da possibilidade de impor à sociedade uma espécie de “esquecimento ativo” (Nietzsche, 2017), como estratégia patológica de assimilação física e/ou psicológica das massas, capturando suas carências e inseguranças existenciais. O estranho e paradoxal é que, para isso, fazem um uso por conveniência e livre associação do mesmo Nietzsche (1976), que sugere, de fato, que devemos saber a hora exata de lembrar e esquecer porque, com efeito, ressentimento demais não é saudável ao devir da vida.
Quanto às políticas públicas de memória, também tem ocorrido esvaziamento, já que a ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos tem atuado, juntamente com Bolsonaro, contra os interesses de memória da pasta, para tornar meramente protocolar a Comissão da Verdade. Nesse sentido, modificaram o perfil dos CEMDP (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos), incluindo no grupo dois militares, um olavista e um “damarista”, que podem comprometer a neutralidade esperada nas decisões – haja vista que eles surgem com forte compromisso com uma visão de que a ditadura civil-militar-empresarial foi uma “revolução” que salvou o país de um mal maior, que seria o comunismo. Além de disso, Damares interrompeu os trabalhos de reforma e adaptação da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH-UFMG), o “Coleginho”, para se tornar sede do Memorial da Anistia em Belo Horizonte (em acordo assinado pelo governo federal com a UFMG em 2008). A realização da obra foi a punição positiva dada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que poderia servir como mínima compensação moral pelos crimes contra a humanidade (torturas e desaparecimentos políticos) pelo Estado de exceção brasileiro.
Porém, mesmo ações propositivas do Estado estão sujeitas às descontinuidades das políticas públicas em função das oscilações polarizantes de vieses político-ideológicos que, inevitavelmente, tendem a se estender em direção aos espaços de memórias e narrativas – ainda mais quando se trata do tema metalinguístico que é o da história política brasileira. Após um suspeito impeachment presidencial de uma ex-guerrilheira comunista e mineira, foram alvo da operação federal com nome visivelmente antidemocrático “Esperança Equilibrista” (em alusão à canção tema das Diretas, “O bêbado e a equilibrista”, de Aldir Blanc e João Bosco) justamente os responsáveis pela obra do Memorial da Anistia. A UFMG passou a ser investigada em 2017 por suspeita de diversas ilegalidades no projeto (aumento do custo da obra, falsificação de documentos e de prestação de contas, desvio de bolsas de estudo de estagiários e pesquisadores), e o reitor da universidade, Dr. Jaime Arturo Ramirez, foi obrigado a depor na Polícia Federal por medida de mandato coercitivo.
O governo alega falta de recursos e que o foco será na célere reparação financeira dos anistiados, apesar de que só no governo Bolsonaro mais de mil pessoas já tiveram pedidos de indenizações negados, mas o fato é que não é de interesse da cúpula militar que a ditadura no Brasil, ao contrário do que vem ocorrendo em outros países da América Latina, ganhe um lugar de memória de alta patente. Pois isso criaria um empoderamento público da verdade através de uma materialização físico-predial para a memória coletiva, que, sem isso, tende a estar mais sujeita psicopoliticamente ao sabor do tempo, sendo lembrada ou esquecida conforme a posição ideológica do Estado. E, dessa forma, a democracia do direito à memória tem se transformado no Brasil em um autoritarismo do dever do esquecimento. Mas como quem é torturado nunca esquece, em alguns casos, nunca é demais relembrar: “tortura nunca mais!”.
Em março de 2021, com a saída sincronizadas dos três comandantes das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica), o consenso básico entre militares quatro estrelas com o damarismo bolsonarista, subliminarmente, em torno do esquecimento planejado da revisão da Anistia, no tocante à punição dos torturadores, aponta para os primeiros sinas de recrudescimento, pois não é de interesse desses mesmos oficiais dar tanta projeção midiática às controvérsias dentro das Forças Armadas que possam legitimar revisionismos das legislações sobre seus crimes e privilégios. Ademais, Bolsonaro, por não ter seguido o critério de antiguidade na escolha dos novos comandantes da Marinha e do Exército, começa a desafiar a própria estrutura hierárquica das Forças Armadas, o que contraria o seu vice-presidente, General Hamilton Mourão, que, apesar de ter aceitado “o argumento” pouco iniciático de ser rebaixado na chapa presidencial, sendo vice de um capitão reformado expulso da Aeronáutica, não quer que se altere o samba tanto assim, na tradição de institucionalidade estamental militar – haja vista que isso poderia acender um pavio de pólvora nos quartéis, com insubordinação em massa, gerando um efeito de caos que poderia ser útil para Bolsonaro conseguir se tornar o tenente-coronel Hugo Chávez que tanto criticou e associou, não sem fundamento de todo, à esquerda brasileira.
Apesar da composição demográfica de cargos comissionados no Planalto em 2021, o governo bolsonarista ainda tem em seus quadros muitos militares eméritos, como Bolsonaro tem apontado, em detrimento de uma política de estadista de longo prazo, cada vez mais tendendo para uma autofagia imagética por tratamento temerário e negacionista ideológico-partidário da gestão pública no Brasil. Como temos observado, no tocante à ciência e à saúde coletiva, é possível que haja um aprofundamento do isolamento político do presidente, podendo ele contar somente, doravante, mais com as baixas patentes militares, das quais ele surgiu para a vida pública, para dar algum grau de apoio ao seu curral eleitoral, no caso de ser aprovado algum dos vários pedidos de impeachment (por condução desastrosa na pandemia, apoio a protestos com pautas antidemocráticas, ataques à imprensa, quebra de decoro, improbidade administrativa e tentativa de interferência ilegal em um órgão independente como a Polícia Federal). Cabe lembrar que o último pedido se deve à suposta tentativa inconstitucional de interferência e cooptação das Forças Armadas pelo chefe do Executivo, gerando instabilidade política e institucional.
Tais conflitos internos dentro das Forças Armadas, no entanto, se tornam contornáveis no dia 31 de março de 2021, quando todos eles comemoram juntos o aniversário do Golpe Militar (“Revolução Militar”), com direito a carta oficial do novo ministro da Defesa, Braga Netto, em busca de lapidar uma linha argumentativa que consiga extrair a pureza das intenções democráticas por trás dos crimes de censura, tortura e genocídio cometidos contra a humanidade no Brasil. Precisamos considerar que, assim como os nazistas se viam como “ingênuos genocidas” cumpridores de tarefas sistêmicas (Arendt, 1999), os militares, mesmo os autoritários e torturadores, não se pensam e não querem ser vistos e lembrados pela sociedade e pelas suas respectivas famílias como ditadores antidemocráticos – buscando negociar, tacitamente ou não, uma narrativa historiográfica ou um gesto ritualístico que aponte para um messianismo jihadista de suas ações deletérias.
Tal litígio num campo de força usualmente afim ao presidente-capitão pode contribuir para que a pauta da memória volte a ser lembrada pela sociedade civil em prol da democracia afirmativa e da cidadania plena, pois somente depurando as Forças Armadas como um todo é que será possível consensualizarmos uma narrativa que permita uma autocrítica da extrema direita nos 21 anos de ditadura, bem como a desconstrução de uma narrativa ufanista e sacralizada da ditadura, da qual se beneficiam até hoje grupos políticos clientelistas e/ou econômicos patrimonialistas de interesses conservadores e não humanitários.
Intentei mostrar, com a polarização prático-discursiva em torno do uso do antigo prédio do DOPS no Rio, que o impasse se deve justamente ao fato de a historiografia marxista (hegemônica no estudo da História Política e que legitima o OcupaDOPS) não abrir espaço para revisionismos tão revolucionários como os militares desejam para salvar as suas biografias pessoais e/ou institucionais. O pensamento de Marx sobre o capitalismo expropriador de trabalhadores e nações nos parece problemático em relação à calibragem epistemológica, sobretudo pela questão da ênfase no materialismo (estrutura) em detrimento da cultura (superestrutura), mas a sua análise historiográfica, ao contrário de sua solução revolucionária (comunismo), costuma mais acertar do que errar. Tendo isso em vista, nos parece relevante uma autocrítica do campo esquerdista no Brasil dos anos em que estiveram no poder com Lula e Dilma para que possamos transcender essa Guerra-Fria-em-nós que nos convida a um eterno-retorno de um cabo de guerra. Feita essa ressalva, afirmo que, enquanto não passarmos a limpo a nossa memória política recente, continuaremos sem virar as páginas, reféns desse jogo de disputas narrativas e ideológicas geradoras de uma crise também historiográfica e epistemológica, que tenta dourar a pílula para vender como presidente exemplar um contraventor no melhor estilo Boca de Ouro.
Em função disso se vê a importância do estudo conexo de Ciências Políticas e Sociais, Direitos Humanos e Direito Urbano, haja vista que esse procedimento nos permite compreender a história do espaço presente aliado ao entendimento da antropologia do espaço passado e vice-versa. A democratização de espaços estatais – que somente por isso já deveriam ser públicos ou abertos ao público –, sobretudo, aqueles ligados à opressão ou à resistência antidemocrática, é uma estratégia de tecnologia preventiva de paz sociocultural que aponta a salvaguarda da democracia/memória política e urbana. Um equipamento de memória espacial pode permitir uma ancoragem tangível do tempo pretérito, justamente para que a consciência histórica e jornalística resulte em responsabilidade eleitoral (votar com consciência crítica). O que serve de imunizante contra o vírus do Alzheimer coletivo de alguns tipos de revisionismos negacionistas, que tentam aplicar a dialética contra ela mesma para banalizar o banal. Mas, sem tese propositiva a ser defendida nesses projetos de destruição da própria ideia de cidadania político-urbano por meio de uma corporalidade civil que une o cidadão com sua cidade (Sennet, 2008), o público com o espaço público – lembrando que pólis, em grego, significa cidade-Estado –, eles não passarão se nós, passarinhos, estivermos “caminhando e cantando” com o tão combativo e tão combatido Geraldo Vandré sobre as flores poderosas da comunicação violeta (não violenta).
*Frederico Le Blue Assis faz pós-doutorado em Artes Visuais na EBA/UFMG; é doutor em Planejamento Urbano IPPUR/UFRJ; mestre em Memória Social PPGMS/UNIRIO; graduado em Comunicação Social pela FIC/UFG; pesquisador associado do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC-UFRJ); coordenador do LAH-AQUI (Laboratório de Artetetura e Humanismo de Ações para Questões Urbanas Insolúveis); idealizador do Movimento Artetetura e Humanismo; e editor da Editora Brasilha Teimosa.
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Notas
[1] Este versava sobre os crimes violações dos direitos humanos na América Latina, produto da consolidação de uma rede de atuação e solidariedade a partir da Fundação Basso, Chris Farley e Ken Coátes (Fundação Issoco, 2012). Na ocasião do encontro de Basso em Santiago (1971) com os membros do Comitê de Denúncia da Repressão no Brasil (CDRB), no caso, Betinho de Sousa, Almino Afonso e Armênio Guedes, o presidente do Comitê, Pablo Neruda, e o conselheiro, Darcy Ribeiro, bem como o presidente do país-sede, Allende, pedem a ele que fosse incumbido de apurar e julgar as denúncias de violações de direitos humanos relativas ao Brasil (ibid.).
[2] Essa lei, que, na sua primeira fase irrestrita para os dois lados (guerrilheiros e militares), funcionou como anistia do esquecimento e da impunidade da liberdade reparação, que fora consolidada em 1988, tem um caráter, num segundo momento, de comissão especial sobre mortos e desaparecidos políticos (1995-2007), em que se originam também ações como Comissão da Anistia, o que permite ao estado reconhecer seus crimes (direito à memória e à reparação econômica). Atualmente, a tendência conjuntural parece apontar para a urgência de uma terceira fase da revisão estrutural da lei, no sentido de assumir que sem verdade não pode haver justiça. Essa se daria por meio dos movimentos sociais “Movimento dos Escrachos”, “Levante Popular da Juventude”, “Aparecidos Políticos” (ambos surgidos na descomemoração dos 50 anos do Golpe em 2012), cujo impacto de ressonância pode continuar sensibilizando a Corte Interamericana de Direitos Humanos a condenar maciçamente a autoanistia e graves violações do direitos humanos no Brasil da ditadura militar-civil-empresarial, como na sentença do caso Estado na Guerrilha do Araguaia (comandada pelo lendário guerrilheiro “imorrível” Oswaldão) – o que obrigou a uma nova posição da Câmara Criminal do Ministério Público Federal (Abrão, Torely, 2012). No entanto, o Supremo Tribunal Federal é mais resistente a essa transformação de mentalidade cultural no Brasil, já que em 2010 endossa inconstitucionalmente a lei de outrora. Atestando que ela fora bilateral, não se aplicaria, destarte, a crimes contra humanidade e não pode ser modificada pelo judiciário, no que considera estado de direito o período militar e o seu pacto político da anistia proposto em momento de repressão política, que camufla crimes judiciários e negou proteção judiciária para as vítimas do estado por tanto tempo (ibid.).
[3] Na votação da Câmera do impeachment presidencial da ex-guerrilheira de esquerda Dilma, o deputado Bolsonaro (PP/RJ) dedicou seu voto à memória do coronel Brilhante Ustra, conhecido por ser chefe responsável pela tortura de muitos perseguidos políticos.