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Heloisa Buarque de Hollanda entrevista Paulo Lins | Dezembro de 2007

Heloisa Buarque de Hollanda: Sobre o que é o livro que você está escrevendo?

Paulo Lins: É um livro que se passa em dois momentos: final dos anos 1920 e nos dias atuais. Conta a história de uma mestranda que faz sua dissertação sobre a fundação da primeira escola de samba no Rio de Janeiro. Ela é uma mulher bonita que nasceu na favela e com muito esforço, por meio de ações afirmativas, conseguiu estudar. No entanto não consegue se casar. Muito exigente sempre acha defeitos nos homens com quem mantém relacionamento, até que se envolve com seu próprio orientador. Mora em Santa Teresa, joga capoeira, tem uma turma de amigos, também universitários, que vivem dando festas e viajam muito para o interior do Rio de Janeiro. Nas pesquisas para a dissertação, ela descobre que a maioria dos sambistas são freqüentadores da Umbanda, que ela começa a freqüentar, assim como vai também a ensaios das escolas de samba. Intelectual cética, acaba incorporando um espírito num terreiro de Umbanda que vai mudar toda sua vida. A história da criação da primeira escola de samba se passa na Zona do Mangue e é contada do ponto de vista do Zé, um malandro de quase dois metros de altura, valentão, capoeirista, compositor que pertence à turma de Ismael Silva, e outros compositores que mudaram o ritmo do samba que se tocava na Casa de Tia Ciata. Eles criam a música popular brasileira já que o maxixe e as outras formas musicais no Brasil tinham muita influência estrangeira.

HBH: Qual a semelhança e diferença do novo livro que você está escrevendo em relação ao Cidade de Deus?1

PL: Cidade de Deus é um livro de exclusão, violento, sem esperança. Desde que o samba é samba é assim é um livro que fala da inclusão social do negro através da cultura. Hoje o desfile das escolas de samba é um evento conhecido no mundo todo, assim como a capoeira que é um esporte praticado em todo mundo, mas até os anos de 1930, tanto o samba como a capoeira eram proibidos pela polícia. Para se ter idéia, Brancura, um dos fundadores da primeira escola de samba, foi preso na rua Marquês de Sapucaí (atual sambódromo) por estar portando um pandeiro. A semelhança é que os personagens de um livro e do outro são todos negros, mestiços periféricos.

HBH: Qual o efeito de Cidade de Deus na sua vida?

PL: Não fiquei rico, mas viajei bastante, consigo viver da escrita que é o mais importante.

HBH: Foi difícil escrever esse segundo livro depois da consagração de Cidade de Deus?

PL: Está sendo difícil, pois o Cidade de Deus me consumiu muito e até hoje consome, pois sempre vou a lançamentos no exterior e faço palestras que me tomam bastante tempo. É claro que eu quero que meu próximo livro faça o mesmo sucesso e isso me deixou angustiado por muito tempo e sem força para escrever. Tanto é que já deletei várias páginas do livro novo, já o reescrevi várias vezes, mas agora eu tenho que terminar.

HBH: Quanto à linguagem, há mudanças?

PL: A linguagem mudou muito. Numa história eu falo o coloquial tenso, pois os personagens são universitários, na outra é uma linguagem que eu estou inventando, pois não consegui registros da linguagem coloquial distensa do início do século.

HBH: É um livro que fala da periferia?

PL: Fala da Pequena África que é a região que inclui Estácio, Cidade Nova, Rio Comprido, Zona Portuária e Catumbi. Era uma zona onde moravam os negros que vieram da Bahia e trabalhadores do cais do porto do Rio de Janeiro. Era um gueto, mas também havia portugueses imigrantes, espanhóis e árabes.

HBH: Qual a importância social do samba?

PL: O samba como o futebol é uma saída para o pobre favelado. Muita gente sonha ser craque de futebol ou ter sambas gravados para sair da pobreza e do anonimato. Hoje as escolas de samba são verdadeiras empresas que empregam milhares de pessoas. O samba, como gênero musical, levanta a auto-estima do negro no Brasil, pois foi criada por negros no Largo do Estácio e hoje é a música que mais representa o Rio de Janeiro.

HBH: Desde que o samba é samba é assim é um título do Caetano Veloso. Caracteriza-se uma “pirataria” sua?

PL: Conversando sobre inclusão social, eu falei essa frase espontaneamente, depois comecei a repeti-la toda vez que eu falava sobre isso. Aí falei com o Caetano de colocar esse título no livro e ele liberou.

HBH: Qual o seu próximo projeto?

PL: Estou terminando esse livro que sai agora no início do ano e vai ser rodado o longa faroeste caboclo cujo roteiro eu fiz há um tempo atrás.

NOTAS


1Livro de Paulo Lins, publicado em 1997.