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O olhar como um veículo de interação estética: visualização afetiva na experiência imersiva | tradução de Rita Lima do texto original de Brigitta Zics

Este artigo explora o potencial de uma nova tecnologia de visualização que tenta responder às mudanças afetivas do usuário pela leitura do olhar. Nessa experiência de visualização, a interação tem por base uma estetização da relação entre efeito tecnológico e resposta afetiva, que implica a criação de uma estrutura semântica dos elementos visuais, explorando a capacidade afetiva do usuário. A fim de introduzir essa nova tecnologia, o artigo se apoia em investigações críticas da experiência estética e em estudos dos movimentos dos olhos, com o objetivo de construir um modelo afetivo na interação estética. O documento sugere que esse tipo de reflexão crítica é crucial para novas modalidades de experiência na interação humano-computador. Isso é exemplificado na prática recente da autora, que explora a interconexão entre formas de visualizações inteligentes e alterações nas dinâmicas afetivas do usuário na experiência de imersão.

A filosofia do olhar: o problema olho-mente

Através do estudo do movimento dos olhos, pesquisadores têm tentado construir modelos de como o olhar pode servir como uma tela da mente, embora a maioria deles tenha falhado nessa demonstração. As primeiras pesquisas apontam para dois caminhos significativos mas bem diferentes entre si, que permanecem relevantes, particularmente nas suas observações entre atenção e movimento dos olhos. Ambos questionam a importância do olho no processamento da informação e apontam como significantes os processos voluntários da mente enquanto mecanismo de controle da atenção ou imaginação.

Hermann von Helmholtz foi um dos primeiros estudiosos que tentaram explicar como a mente é fundamental para os padrões de movimento dos olhos. Ele afirma que as características ópticas do olho na coleta de informações é bastante pobre. Portanto, a visão só é possível com alguma forma de inferência inconsciente que dá sentido à informação com base em experiências anteriores do mundo[1]. Estudando a relação entre os movimentos dos olhos e atenção visual, Von Helmholtz descobriu o fenômeno da “atenção encoberta”, que explica porque a atenção visual nem sempre é para onde o olhar se dirige (fixação em um único local); ele aponta que pode-se responder a um estímulo sem mudar o foco visual. Observando letras em uma tela muito grande para ser vista de uma só vez, ele percebeu que sem mover os olhos podia “secretamente” ver qualquer local da tela. Embora as observações de Von Helmholtz em atenção visual introduzam questões importantes sobre a relação entre movimento dos olhos e processamento cognitivo, pode-se afirmar que o movimento dos olhos refletem de forma mais comum uma vontade de ver objetos em detalhes (atenção aberta).

William James, refletindo sobre as pesquisas de von Helmholtz, dá uma explicação de um aspecto muito diferente da experiência visual em sua discussão sobre o “olho encarnado”. James sugeriu que a atenção “é a tomada de posse da mente, de forma clara e vívida, de um fora do que pode parecer vários objetos simultaneamente possíveis ou comboios de pensamentos […] Isso implica a retirada da atenção de algumas coisas a fim de lidar eficazmente com outras”[2]. Ele afirma que a atenção e a imaginação estão diretamente relacionadas; quando a atenção não regula os órgãos dos sentidos isso implica imaginar coisas ou ações em que se está envolvido, ou na busca. James afirma que prestar atenção ao que se está fazendo muitas vezes consiste em um tipo similar de envolvimento imaginativo antecipatório. Tal como acontece com a “atenção encoberta” de Von Helmholtz, a “atenção imaginativa” de James deu destaque à complexidade da relação olho-mente, reconhecendo que, embora a qualidade do movimento e fixações possam ser mensuradas, a sua causa não é totalmente determinada.

A fisiologia do olho dinâmico

A fim de compreender melhor as capacidades fisiológicas do olho em relação à experiência estética, esta seção vai trabalhar as funcionalidades básicas do olho e suas características. É bem conhecido que o tamanho do campo visual é limitado e pode ser dividido em: “visão da fóvea” (abrangendo 2 graus do centro do campo visual) responsável pela visão nítida detalhada e a “visão parafoveal” (2 a 10 graus fora do centro) responsável ??pela informação compactada de baixa resolução próxima ao “campo periférico” (> 10 graus fora do centro) (Figura 1). Uma vez que o campo de visão não pode ser percorrido a partir de uma fixação simples (180 e 275 ms), como resultado da acuidade limitada da retina, os movimentos rápidos do olho são necessários para trazer à imagem da retina um objeto de interesse que está na fóvea (“saccade”; duração entre 10 ms e 100 ms). A atenção inicialmente escolhe um alvo antes que os movimentos rápidos dos olhos aconteçam. Durante esses movimentos rápidos, a visão fica adormecida e novas informações são adquiridas somente durante a fixação [3] (Figura 2).

Figura 1: A imagem do lado esquerdo é Luc Desnoyers [4] reinterpretando desenho de Ernst Mach  do campo visual [5); o círculo branco mostra o ponto de fixação do olho e a densidade do espectro no detalhe do ambiente da visão parafoveal. Figura 2: No lado direito, a imagem mostra através de escaneamento a análise de peritos sobre radiografia do tórax. As linhas representam padrões (saccades) entre os pontos de fixação;  isso mostra a ordem temporal na qual o espectador se fixa em uma parte particular da imagem e adquire informação. Como a informação é adquirida através de análise se baseia em conhecimento prévio (expertise) [6].
Figura 1: A imagem do lado esquerdo é Luc Desnoyers [4] reinterpretando desenho de Ernst Mach do campo visual [5]; o círculo branco mostra o ponto de fixação do olho e a densidade do espectro no detalhe do ambiente da visão parafoveal. Figura 2: No lado direito, a imagem mostra através de escaneamento a análise de peritos sobre radiografia do tórax. As linhas representam padrões (saccades) entre os pontos de fixação; isso mostra a ordem temporal na qual o espectador se fixa em uma parte particular da imagem e adquire informação. Como a informação é adquirida através de análise se baseia em conhecimento prévio (expertise) [6].

Para a análise de movimento dos olhos existem três tipos de movimentos que podem ser modelados para entender a localização provável da atenção visual (quando a atenção e a localização dos olhos coincidem). Fixação, buscas suaves e movimentos rápidos estão todos sob controle “voluntário” e, como tal, são resultado de uma decisão intencional (enquanto movimentos “involuntários”, tais como micro-movimentos rápidos (saccades), e são inconscientes[7]. Embora as saccades sejam saltos rápidos do olho para deslocar o olhar para um objeto de interesse, fixações e buscas suaves ocorrem durante o intervalo entre as saccades. Nas buscas suaves, o olho segue o rastro de um objeto em movimento e faz a compensação a partir da velocidade do movimento da retina. Alguns desses movimentos voluntários dos olhos podem ser realizados e melhorados através de controle, no entanto, um movimento rápido (saccade) não pode ser desfeito. Movimentos involuntários da pálpebra, tais como piscar de olhos, são aplicados de forma recorrente para medição de estados afetivos do usuário[8].

Experiência estética e pesquisas sobre movimento dos olhos: uma revisão crítica

Embora haja uma longa história de pesquisas sobre a relação entre o movimento dos olhos e a experiência estética, os métodos aplicados muitas vezes reduzem a ação do espectador (usuário) a uma participação mecânica, tornando essas pesquisas muitas vezes questionáveis. Esta seção analisa criticamente essas pesquisas, demonstrando que uma investigação sobre a relação entre o movimento dos olhos do espectador e o ato de visão na arte pode apenas ser significativo quando a participação do espectador acontece de forma global.

Desde que a pesquisa do movimento dos olhos e seus métodos de registro vêm, comumente, reduzindo a experiência estética a características de comportamento, os pontos de vista psicológicos tornaram-se populares. Um exemplo inicial é Alfred L. Yarbus que usou um “scanpath” (um gráfico de saccades e fixações) e os registros visuais dos movimentos dos olhos (fixações e sacadas) para estudar cenas complexas identificando principalmente padrões de tarefas dependentes das fixações.

O bem conhecido estudo de Yarbus, “Um visitante inesperado”, propõe que a interpretação de uma composição pode se basear apenas no espaço para onde o espectador se fixa na imagem[9] (Figura 3).

Figura 3: Quando o observador é questionado sobre a idade das pessoas (à esquerda), seu olhar foca somente as pessoas: se é questionado para simplesmente olhar a imagem, muitas fixações ocorrem em áreas diferentes (à direita). A razão mais provável foi a de que o espectador pode se envolver no aspecto estético da imagem sem ser distraído por uma tarefa. As duas imagens são atualizações das imagens originais de Yarbus [11] aqui acrescidas a um escaneamento sobreposto [12].
Figura 3: Quando o observador é questionado sobre a idade das pessoas (à esquerda), seu olhar foca somente as pessoas: se é questionado para simplesmente olhar a imagem, muitas fixações ocorrem em áreas diferentes (à direita). A razão mais provável foi a de que o espectador pode se envolver no aspecto estético da imagem sem ser distraído por uma tarefa. As duas imagens são atualizações das imagens originais de Yarbus [11] aqui acrescidas a um escaneamento sobreposto [12].

Da mesma forma que Donald W. Graham descreveu como a composição orienta a atenção do espectador por um agradável caminhar entre os elementos visuais da cena[10], Yarbus destaca que as composições facilitam a experiência de olhar do espectador na proposição do artista. Ele explica o processo de visualização mais como uma tarefa a ser resolvida, e mostra que o espectador retorna a elementos da pintura que prometem explicar a imagem. Ele reconhece que  “esses elementos dão informações que permitem extrair o significado da imagem. Os movimentos dos olhos refletem os processos de pensamento humano”[9].  A abordagem de Yarbus negligencia a multidimensionalidade da qualidade estética da imagem, resultando em um ponto de vista limitado da experiência estética,  com foco único na atenção visual na experiência de visualização do espectador.

Um conceito frequentemente usado nas pesquisas dos movimentos dos olhos é a descrição de Daniel Berlyne dos padrões de comportamento “diversidade – especificidade” do espectador[12]. O ponto de vista de Berlyne tem sido negligenciado pela psicologia contemporânea, apesar de continuar sendo usado em pesquisas atuais sobre movimentos dos olhos[14] [15] [16]. De acordo com esses estudos, a “investigação de comportamentos diversificados” se dá quando o espectador busca estímulos  fragmentados (como complexidade, novidade, surpresa e incerteza); que podem desencadear efeitos de prazer independentemente do conteúdo ou origem[13]. Um “comportamento de exploração específica” acontece quando a curiosidade do espectador desperta através da incerteza ou falta de percepção de uma informação particular da imagem[14]. Os dois tipos de comportamento demonstram padrões diversos de fixação dos olhos. O primeiro mostra conjuntos difusos de fixações, enquanto o último contém alta densidade de fixações (Figura 4). O uso inicial do trabalho de Berlyne por François Molnar sugere que enquanto o conhecimento baseado na exploração é lento e intencional, portanto específico, a exploração baseada no prazer é diferente. Ele ainda propôs que a boa e a má composição podem ser mostradas em diversas transições no escaneamento da imagem antes que o trabalho exploratório chegue a um equilíbrio; ele conclui afirmando que o engajamento estético do espectador acontece no primeiro contato e que boas composições requerem algumas transições.

Na sequência desses estudos fundamentais, houve muitas contribuições valiosas investigando a experiência estética com base em características distintas da experiência de visualização do espectador. Por exemplo, avaliar a apreciação estética entre os espectadores de arte treinados e não treinados[18] [19] [14] [16], ou entender a percepção do artista no desenho[15], ou o desenvolvimento de métodos multidimensionais inclusive do registro verbal[16], registro de tarefa dirigida[22] e de movimentos das mãos[20]. No entanto, o principal problema metodológico de tal pesquisa permanece o mesmo, ou seja, a capacidade limitada dos aplicativos de escaneamento para avaliar a experiência dinâmica do espectador com base na análise de valores estáticos. Como consequência, o uso de concepções reducionistas da experiência humana tem gerado uma visão fragmentada da estética que influencia largamente a compreensão dos movimentos dos olhos em experiências estéticas e limita suas aplicações futuras.

Figura 4: Nodine et al afirma que o espectador de arte treinado (à esquerda) e o espectador não treinado (à direita) veem a imagem de formas diversas. Enquanto a imagem da esquerda (Pintura de Seurat, Les Poseuses, modificada para a pesquisa) mostra explorações diversas do espectador (pequenos grupos de pontos de fixação), a imagem da direita, com sua densa fixação (longa duração do olhar), mostra uma exploração específica. Nodine et al demonstra que o conhecimento especializado tem um impacto na maneira de olhar e, portanto, na experiência estética como um todo [23].
Figura 4: Nodine et al afirma que o espectador de arte treinado (à esquerda) e o espectador não treinado (à direita) veem a imagem de formas diversas. Enquanto a imagem da esquerda (Pintura de Seurat, Les Poseuses, modificada para a pesquisa) mostra explorações diversas do espectador (pequenos grupos de pontos de fixação), a imagem da direita, com sua densa fixação (longa duração do olhar), mostra uma exploração específica. Nodine et al demonstra que o conhecimento especializado tem um impacto na maneira de olhar e, portanto, na experiência estética como um todo [23].

Rumo a um olhar afetivo: movimento ocular como interação estética

Mark Johnson declarou que “a estética não deve ser estreitamente construída como o estudo da arte e da chamada experiência estética. Em vez disso, a estética torna-se o estudo de tudo o que o homem é capaz de produzir como experiência significativa”[24]. Seguindo as palavras de Johnson, esta pesquisa também tenta explicar a experiência estética (e a interação estética), como a criação de sentido por uma mente encorpada (embodied mind). Na abordagem de Johnson, a capacidade humana na produção de experiências é explicada aqui como afecção, quando “o significado vem de nossas conexões viscerais com a vida e com as condições físicas da vida […] as forças encorpadas em significado”[25]. De forma semelhante, Brian Massumi, referindo-se a Deleuze e Guattari, descreve afecção como “a capacidade de afetar e ser afetado. É uma intensidade pré-pessoal que corresponde à passagem de um estado experiencial de um corpo para outro, que implica aumento ou diminuição da capacidade de agir”[26]. Como tal, o objetivo da experiência estética é entender o significado das nossas “afecções  diárias”, afim de facilitar a participação efetiva do usuário na criação de um novo significado. John Dewey explica que “para compreender o significado de produtos artísticos, temos de esquecê-los por algum tempo, para retornar em outro momento e reconectá-los às condições normais da experiência”[27]. Ele prossegue afirmando que “essa experiência se torna consciente, como forma de percepção, somente quando seus significados são derivados de experiências anteriores”[28].

Seguindo com esses argumentos para compreender os movimentos dos olhos, é crucial entendê-los como uma capacidade global na produção de significados corporalizados através de ações. Nesse sentido, para compreender o olho-afecção, temos de compreender os “aumentos e diminuições” do corpo em seus estados afetivos[26]. O dinamismo dos olhos, então, é crucial para a compreensão da experiência estética; qualquer tipo de tentativa de representar essa ação dinâmica pode levar a uma redução de suas características. Portanto, no âmbito dessa pesquisa, sugere-se que o olhar na interação estética deve ser entendido como um dado em tempo real em vez de um valor estático. Como tal, esta investigação desconsidera os métodos de escaneamento com base na análise do movimento dos olhos e introduz a “interação estética” para a criação do sentido estético.

Interação estética, aqui, se afasta das concepções correntes das interfaces homem-computador que elegem a “invisibilidade” da interface como o aspecto mais relevante da relação homem-computador. Em vez disso, a interação estética requer uma visão na qual o sistema é uma estrutura facilitadora da expressão e da interpretação do usuário, promovendo serendipity[1], provocação, surpresa ou, como Umberto Eco a nomeia, “deslumbramento”[29]. Assim, a interação estética reconhece a capacidade do usuário de se apropriar da tecnologia e, em vez da invisibilidade imediata, oferece um processo de reflexão intelectual, onde as interpretações do usuário são fundamentais para o sistema. Como Graves Petersen et al explica, a interação estética “promove improvisando para ser a modalidade chave na forma como o usuário explora os mundos ao seu redor e apreende novos aspectos”[30].

De maneira semelhante à abordagem apresentada neste artigo, eles seguem o modelo pragmático de Dewey para explicar a experiência corporal como um aspecto significativo da interação, acrescentando que “temos de ir além dos ideais de reunir habilidades sensório-motoras e somático-sensíveis dos humanos, para incluir, entre outras, a capacidade intelectual humana de compreender e dar sentido a sistemas complexos, contraditórios e até mesmo sistemas e situações ambíguos”[30]. Em resumo, em tempo real, processos dinâmicos permitem uma significativa exploração do movimento dos olhos para uma produção estética específica. Como resultado, um sistema aberto se configura e o significado é estabelecido através de um mecanismo de resposta indireta em que a curiosidade e a imaginação do usuário dirigem a interação para estados imersivos. O objetivo de tal interação não é ganhar o controle total ou a invisibilidade total da tecnologia, mas envolver o espectador em um processo autoexplicativo de interação através do movimento dos olhos. Como resultado estético, o sistema interativo é projetado para responder aos “aumentos e diminuições” do corpo[26] (neste caso, o olho) e produz respostas ao modo como é afetado, emergindo o significado através de circuito cognitivo contínuo (loop) entre olho e sistema.

O olhar como condutor da visualização afetiva e comportamento encorpado

Tendo explorado o sentido estético do movimento dos olhos, esta seção apresenta o conceito de visualização afetiva; um dispositivo visual que facilita a experiência estética através do olhar. A visualização de dados é geralmente descrita como “apoiada por computadores, interativas, representações visuais de dados abstratos usados ??para ampliar o conhecimento” etc.[31]. Uma visualização afetiva é um sistema interativo onde informações em tempo real são coletadas e devolvidas ao usuário após avaliação da forma como ele foi afetado. O mecanismo de retorno da informação ou resposta é crucial para que a interação com o fluxo de dados em tempo real seja visualizada provocando uma experiência estética. Nesse sentido, a visualização não tem como objetivo específico representar dados, mas sim refletir sobre as qualidades dinâmicas do fluxo de dados.

A modelagem do usuário na visualização afetiva explora esteticamente o retorno da informação entre o efeito tecnológico e a resposta afetiva. A união do fluxo dinâmico dos elementos visuais (efeito) com o movimento dos olhos, pela passagem dos estados experimentais do corpo (afetos), será  explicada  aqui como “resposta cognitiva contínua”[32]. Esse acoplamento implica aumento na capacidade de agir do corpo, promovendo o envolvimento do usuário em direção a estados inexplorados de imersão. No dispositivo, a resposta cognitiva contínua é um sistema aberto onde, em vez de valores distintos para estados afetivos, o sistema dá sentido às mudanças dos afetos do usuário. Essa abordagem é semelhante ao conceito de “ciclo afetivo[2][33] introduzido pela pesquisa HCI (Interface Humano-Computador), já que ambos os conceitos enfatizam a modalidade de entrada e saída afetiva, a fim de facilitar experiências únicas e individualizadas do usuário. No entanto, a resposta contínua cognitiva com base na dinâmica de interação em tempo real não representa estados afetivos, mas dispara afetos em tempo real; essa é uma distinção significativa, já que o sentido aqui está ligado a eventos dinâmicos em vez de qualidades passivas.

Um exemplo de aplicação do modelo descrito é o trabalho desenvolvido para a instalação com bio-resposta “Cúpula da Mente”[32]. O principal conceito estético da exposição é gerar um sistema aberto que organize as informações para o usuário enquanto acompanha o movimento dos seus olhos, de forma que reflita seu comportamento. O objetivo da visualização é guiar o usuário para um estado de equilíbrio no qual a interação se dá entre controle e satisfação estética visual. Não há meta específica no sistema senão explorar se esse processo de interação pode ativar as capacidades imaginativas na experiência do usuário pelo seu envolvimento na criação de sentido.

A modelagem afetiva do usuário se baseia em três características: engajamento estético com a tela (grau de envolvimento), interação em tarefas dirigidas (grau de atenção, envolvimento, performance) e medição de respostas involuntárias como movimentos de piscar de olhos (velocidade do movimento, duração do fechamento da pálpebra). O sistema incorpora todos os movimentos voluntários dos olhos, como saccades (movimentos rápidos), buscas suaves e fixações, medição do piscar de olhos involuntário, bem como a captura das respostas do usuário no tempo.

Figura 5: Esta é uma imagem conceitual do comportamento grupal na visualização afetiva da “Cúpula da Mente”. A simulação visual  do comportamento em grupo como cardumes de peixes (à esquerda) e bandos de pássaros (à direita) está ligada ao movimento dos olhos do usuário para gerar respostas do estado afetivo na experiência estética [33].
Figura 5: Esta é uma imagem conceitual do comportamento grupal na visualização afetiva da “Cúpula da Mente”. A simulação visual do comportamento em grupo como cardumes de peixes (à esquerda) e bandos de pássaros (à direita) está ligada ao movimento dos olhos do usuário para gerar respostas do estado afetivo na experiência estética [33].

A interface visual consiste em um sistema de partículas (coleção de objetos independentes) que responde ao movimento dos olhos do usuário de modo que represente três diferentes comportamentos inteligentes de acordo com suas respostas. Esse comportamento inteligente pode ser descrito como uma forma de “inteligência coletiva”[28], projetada para visualizar fenômenos naturais como cardumes de peixes, bandos de pássaros e enxames de insetos (Figura 5). Padrões específicos (de elipses a vórtices) com qualidades tais como densidade, velocidade e cor são organizados de forma dinâmica para avaliar as mudanças nos estados afetivos do usuário. Por exemplo, padrões  de cardumes de peixes são organizados como nível baixo de envolvimento, bandos de aves como ótimo desempenho e enxame de insetos como envolvimento normal. O sistema de partículas não só produz comportamentos de grupo, mas também forma mensagens simples, como textos ou formas identificáveis com significados afetivos. Eles servem como mecanismo de resposta para o participante, informando-o sobre seu desempenho ao longo do tempo e aumentando sua experiência. Como resultado, experiências estéticas são incentivadas através da qualidade dinâmica e afetiva dos padrões de  respostas sensíveis ao movimento dos olhos.

Um aspecto significativo da experiência estética é a relação entre esses padrões emergentes e os movimentos dos olhos em saccades. O enxame pode seguir ou evitar o foco do olhar, o que pode ser descrito como comportamento “predador” ou “amigo”. Isso é depois utilizado como um mecanismo de resposta para o usuário; em cada situação, o sistema começa a distribuir o enxame de tal forma que há um deslocamento para a visão parafoveal e o campo periférico. Isso retorna para o conceito de Von Helmholtz da atenção encoberta, que implica que o utilizador é convidado a mover sua atenção para fora da sua visão fóvea. Aspectos de interação em tarefas dirigidas acontecem quando o usuário é convidado a guiar um enxame. Movimentos de busca suave são aplicados aqui para seguir um determinado caminho, ou fixações quando os usuários são convidados a se concentrarem para manter o enxame em um determinado ponto da tela evitando, por exemplo, objetos com comportamento predador. Em equilíbrio, os padrões se tornam mais harmônicos, sem predadores, prevalecendo como objetivo a interação prazerosa com base no envolvimento estético dos movimentos.

Conclusão

O objetivo deste artigo foi discutir um modelo de experiência estética não redutível, que provoca um envolvimento afetivo do usuário através das informações do seu olhar. A semântica dessa interface de visualização tem por base os movimentos voluntários dos olhos, enquanto ambas as respostas, voluntárias e involuntárias, contribuem para gerar respostas cognitivas contínuas. Tem sido proposto que o comportamento coletivo de enxames pode simular estados da consciência. Como Johnson já demonstrou, qualidades estéticas têm o objetivo de desencadear novos sentidos através do corpo; com o uso de informação visual de relativa qualidade e da inteligência afetiva, o usuário reavalia sua experiência diária de visão e acrescenta novos sentidos às suas ações. A  avaliação crítica dessa pesquisa espera estimular novas formas de aplicação estética e teórica da experiência de visualização afetiva com o objetivo de gerar um sistema aberto para experiências imersivas singulares.

* Este texto é a versão mais completa do artigo apresentado inicialmente no Isea 2011 em Istambul: O olhar como um veículo para a interação estética: visualização afetiva na experiência imersiva. Em: 17° Simpósio Internacional sobre Electronic Arts (Isea). 2011, Istambul: Sabanci Universidade, Leonardo / ISAST e Goldsmiths College, Universidade de Londres.

* Brigitta Zics é artista e pesquisadora com base no Culture Lab, Newcastle University, Inglaterra. Seu principal interesse é a investigação do potencial da tecnologia como ferramenta para uma estética  ecológica e filosófica na relação com a experiência humana. Sua pesquisa recente inclui tópicos em estética computacional, experimentação na visualização de dados, interatividade afetiva e estéticas ecológicas como facilitadoras de experiências imersivas. Seus trabalhos como artista e pesquisadora têm sido amplamente apresentados e publicados em revistas como Leonardo (MIT) e Journal of Visual Arts Pratice (Intellect), em livros como o New Realities: Being Syncretic (Springer) e exibições como Siggraph (Los Angeles), Imagina (Monte Carlo) e Artes e Espaço (Budapeste). Foi professora visitante no Transtechnology Research, membro do painel de comentários da Leonardo e conselheira da Escola de Doutorado na Universidade Húngara de Artes.

Rita Lima é professora e pesquisadora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), no Curso de Cinema e Audiovisual, com o Projeto de Pesquisa Cinema Expandido, experimentação e novas formas de cinema: um diálogo com o Recôncavo Baiano. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde desenvolveu trabalho sobre a autoria na produção independente de vídeo no Brasil na década de 1980, e doutorado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com trabalho sobre a artista multimídia Sandra Kogut e reflexão sobre o lugar do artista no mundo atual. Tem experiência acadêmica nas áreas de Artes e Tecnologia, com ênfase em Cinema, novas tecnologias digitais. É também pesquisadora do PACC/UFRJ no grupo de pesquisa Polo Digital.

[1] Serendipity: a arte de reconhecer e aproveitar as descobertas acidentais (N.T).

[2] Affective loop (N.T).


Referências:

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