Ano XVII 01
1º semestre de 2022
editorial
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LITERATURA E FEMINISMO II

O número anterior dessa nossa Revista Z Cultural, lançado no segundo semestre de 2021, apresentou o Dossiê “Literatura e feminismo” sob a curadoria de Beatriz Resende, Carolina Correia dos Santos e Mariana Patrício. A chamada aberta a colaborações em torno do tema proposto despertou enorme interesse, resultando no envio de um número tão expressivo de artigos importantes que um só número não pôde dar conta do material recebido, todo de alta qualidade.

Diante da dificuldade que a seleção provocou, tomamos a decisão de publicar um outro número da Revista Z Cultural com o mesmo dossiê: “Literatura e Feminismo”. Reconhecemos, assim, a importância e a premência de se discutirem as relações entre a literatura e o feminismo, provocando o debate e trazendo a público novas perspectivas críticas sobre a literatura produzida por escritoras contemporâneas brasileiras, como propusemos em 2021.

No presente dossiê, publicamos quatro ensaios que tratam de diferentes aspectos da relação entre literatura e feminismo. Em “O que pode a literatura?”, Carolina Correia dos Santos parte de seu encontro com Cidadã: uma lírica americana, da poeta jamaicana Claudia Rankine, para elaborar uma possível ética da leitura, em especial da escrita biográfica, que nos “permite experimentar posições/identidades diversas”, no caso específico relacionadas ao racismo, tema do livro. “Contos, cantos e desencantos sobre a maternidade em romancistas do Brasil e da África”, escrito a quatro mãos por Mary Garcia Castro e Fernanda Leal, investiga “como a literatura escreve a maternidade e a mãe” a partir de quatro romancistas negras, as brasileiras Ana Maria Gonçalves e Conceição Evaristo, a ruandense Scholastique Mukasonga e a nigeriana Buchi Emecheta. Em um possível diálogo com o artigo de Correia dos Santos, aqui se trata de reconhecer na literatura o encontro com “subjetividades múltiplas”: “cada mulher é única, e consequentemente, cada mãe e cada maternidade que decola de materialidades inclusive simbólicas na economia política e cultura de cada tempo”. Em seguida, Juliana Gelmini analisa Risque esta palavra, de Ana Martins Marques, na qual discerne sinais de subversão do “lugar previsto para a escrita de autoria feminina”, com destaque para o recurso intertextual à memória literária, reescrevendo a história de Penélope, Ofélia e da Medusa. Por fim, Fabiana Carneiro descreve mais um encontro de leitura: a descoberta de As mulheres de Tijucopapo, de Marilene Felinto, no qual, escreve ela, “reconheci a minha herança”, fechando assim um itinerário de leituras que são também (re)conhecimento de identidades diversas.

Nas margens do literário, o dossiê publica dois relatos. Em “Uma escola para Alan”, Paul B. Preciado propõe, ao refletir sobre um caso de transfobia em Barcelona, na Espanha, uma escola que seja “mais atenta à singularidade do aluno do que à preservação da norma”. E, em “Ceci n’est pas une femme: a morte, o buraco negro e a donzela”, Pérola Milman parte de experiências pessoais para debater o lugar da mulher na ciência e como são construídas imagens conflitantes da mulher cientista. Fechando o dossiê, Mariana Meneguetti discorre sobre a construção do corpo – principalmente do corpo feminino – na arquitetura modernista por meio de análise contrapatriarcal da Casa das Canoas, residência do arquiteto Oscar Niemeyer entre 1953 e 1959.

Além do dossiê, reunimos neste volume poemas inéditos de Mar Becker e Julia de Souza, uma resenha de Bucareste-Budapeste: Budapeste-Bucareste, livro de Gonçalo Tavares, por Augusto Guimaraens Cavalcanti, e uma entrevista com a escritora angolana Yara Nakahanda Monteiro, autora de Essa dama bate bué!, romance que revisita a memória angolana da guerra civil e delineia seus rastros presentes na reconstrução do país.

Para reiterar a importância da relação entre literatura e artes visuais, identificada desde o número anterior, voltamos a pedir à artista Cristina Salgado uma de suas obras fortes, belas e provocativas centradas em figuras de mulheres.

A Cristina Salgado agradecemos por podermos usar na capa do presente número a obra Mulher fértil, 1986.

Revista Z Cultural