Toda arte contém, em sua composição, partículas de outra arte – seja resíduo, seja manancial. Quando não, ela, uma certa arte, é conjunção de outras, líquidos de coração miscível, água com água formando rios singulares. Rios que têm suas próprias águas molhadas com as da chuva (vindas de outros céus) e das grotas fluviais (vindas de subterrâneas nascentes). Pois a vocação de toda arte é a sua impureza, o seu escoamento pluridimensional. Toda arte contamina com sua mina oculta, um dia relevada até suas profundezas, outras tantas artes. Sua matriz é o remix. De si mesma ela tem somente a alma, o corpo nem sempre é só seu. A arte compartilha os trilhos com quem não é unicamente ela, mas nela também se palmilha. A arte é, sozinha, múltiplas alternativas. Autêntica ela tem apenas o seu ser, porque o seu existir é parte de outras teias. Ela é originalmente combinatória. Daí porque, igualmente, encantatória. Um canto é canto pela convergência de linhas, de vozes, de silêncios.
E eis que aqui, nesta edição da revista Z Cultural, a arte mostra mesmo o que é ela, além de ser outra, em artigos de importantes pesquisadores, nos quais a poesia se imbrica com as artes plásticas, a literatura com a filosofia, o cinema com a narrativa urbana e interativa, a prosa com a publicidade, a pintura com a poesia. Há também o que não é artigo, mas ficção, depoimento ou a escrita de uma fala. Porque o texto também é o que ultrapassa os gêneros, flui entre fala e escrita, entre academia e vivência, entre ensaio e ficção.
O leitor é também o fazedor de sentidos, o consumidor produz e ganha o status de prossumidor – e o resultado dessa geleia geral lembra a matéria da qual toda arte é feita: mesclas. Por mais rudes que sejam os seus ingredientes, o que sobra é delicadeza. Mistura fina.
Boa leitura!
Os organizadores desta edição
Beatriz Resende, João Anzanelo Carrascoza e Ieda Magri