Processos e métodos
O que avaliamos não é um tipo de obra, mas um tipo de processo,
uma maneira de relacionar-se; em outras palavras,
o dinamismo ou a dialética interna de uma situação cultural
na qual a obra que estudamos (se ela é de fato o que pensamos ser)
se insere naturalmente, liga-se a um contexto, funciona (Argan, 1993, p. 22).
Em propostas que envolvem criação em seu fundamento, o processo que rege e implica conceber, projetar e realizar algo não é linear. Muitos fatores interferem no percurso processual, que apresenta um ir e vir de estímulos e respostas imprevisíveis que carregam em si a condição intrínseca de possibilidades de transformação. A revista on-line 2die4 não foge dessa lógica, que é aqui analisada em diferentes níveis de processos criativos. Em primeiro lugar, tratamos do nascimento da revista e as peculiaridades de sua linguagem. Em seguida, examinamos o processo de produção coletiva, figurado em cada edição como um único produto. O terceiro nível de análise diz respeito à repercussão que projeta a revista e a transforma a cada edição, com um foco na décima quarta edição, a mais recente.
Estamos conscientes de que não temos acesso direto ao fenômeno mental que os registros de um processo criativo materializam, mas esses podem ser considerados a forma física através da qual esse fenômeno se manifesta, “são vestígios vistos como testemunho material de uma criação em processo” (Salles, 1998, p. 17). Observar esse fenômeno por um fundamento semiótico permite compreender uma produção sígnica em diversas linguagens vistas em continuidade: ora observando as conexões entre a criação e a realização da revista, ora como um instrumento de avaliação do produto, que é multimídia.
Lúcia Santaella (1996) apresenta três níveis de mensagens das mídias, de acordo com o esquema de Charles Morris. O nível sintático, representado na relação entre os signos, aqui corresponde ao processo de geração da revista, seu nascimento, que pressupõe a coexistência de várias linguagens e sistemas de signos que interagem entre si.
O nível semântico, a relação do signo com seu significado, no caso de uma produção coletiva, implica na observação de cada obra, original e traduzida no processo de edição, mas também no conjunto das obras inter-relacionadas em uma única edição. Afinal, cada edição possui sua característica e significado particular, como o conjunto de peças que forma um mosaico.
A relação do signo com o usuário é analisada pelos efeitos que cada edição repercute, que é o terceiro nível de mensagem, o pragmático. Ainda que esses efeitos sejam imponderáveis em sua abrangência de aferição e julgamento, fazem com que a edição seguinte seja, de certa forma, uma somatória de experiências acumuladas e um novo desafio. Nada é estático no processo, até mesmo quando chegamos à obra, que de algum ponto de vista pode ser tomada como um fim.
Do quintal (sem categoria) para o mundo (imponderável)
Em janeiro de 2003, dois amigos que se conheceram na faculdade – design e fotografia – começam a se encontrar no quintal dos fundos da casa de um deles. O andar de cima, sobre um depósito “quase loft”, foi o espaço que localizaram, longe dos ruídos urbanos, para confabular e elaborar o que viria a ser um trabalho sem precedentes. Vanessa e Amarilio Junior são os editores da revista on-line www.2die4.com.br, nada mais que isso os identifica. Uma das justificativas é que a proposta da revista é de um trabalho coletivo, ainda que o processo de edição singularize o conjunto de trabalhos dos colaboradores em um único produto, a revista.
Do quintal e on-line, pediram para amigos e conhecidos que enviassem trabalhos de produção pessoal para que fossem publicados on-line, e deixaram claro que haveria modificações dos originais, no mínimo por adequação de linguagem, mas, mais do que esse fator, por um gozo de brincar com a obra alheia, em um processo de recriação e recreação.
Um trecho enviado por e-mail em maio de 2003 a uma das futuras colaboradoras demonstra:
(…) estou te escrevendo pq estou participando do desenvolvimento de uma screen magazine brasileira e gostaria de ter seu trabalho incluso no nosso 1o exemplar, vc pode escolher o q quiser, fotos, as aquarelas que te sustentam (eu adoraria) ou algum texto (curto!) vc q sabe (…) a quantidade fica a seu critério, vc deve ter feito sua visita a tiger magazine e entendido melhor como elas vão ficar, pode ter de 3 (acho que é o mínimo pra expor decentemente…) a X páginas se achar necessário, algumas pessoas vão contribuir periodicamente, se vc quiser ser uma delas (!)… estou enviando uma página vazia pra vc poder visualizar a proporção, pode ser (claro!) pq o meio nos permite (e nos exige!) q a gente desenvolva algumas interferências, como zoom de detalhes (qdo passa o mouse), som, animação, transparências etc, se vc quiser dar ideias ou até não quiser interferências avise, ah! diz o título, se tiver, e seu nome ou pseudônimo e e-mail pra contato, ufa!
Nesse momento ainda existe uma parcela de decisão dos colaboradores mais ativa, a revista não está formatada e o processo está aberto. De certa forma, os editores já demonstram saber o que querem: trabalhos artísticos para uma screen magazine. Entenda-se que a referência inicial é a Tiger e que o critério de “artístico” diz respeito exclusivo à eleição dos colaboradores por parte dos editores, como afirma Vanessa: “Buscamos desenhos escondidos de pessoas próximas que faziam suas obras para elas mesmas”.
Entre os colaboradores fixos há a ideia e a possibilidade de uma linguagem idiossincrática, conferida pela aproximação estética obtida na produção dos mesmos autores em diferentes edições. “A revista é nossa” é dito pelos editores para os colaboradores fixos. O trabalho é coletivo.
Um outro aspecto de decisão inicial é que a revista seria brasileira. A presença do “.br”, entre outros possíveis endereços sem a referência nacional, foi uma escolha enfática e consciente, ainda que o “.com” seja incoerente com a proposta absolutamente não comercial da revista. Mesmo com a atenção em relação à sua brasilidade, houve o cuidado de não desenvolver um estereótipo de Brasil, de modo que não há exclusividade para colaboradores brasileiros, e qualquer pessoa, de qualquer lugar, pode mandar trabalhos, mesmo que os selecionados sejam poucos. Os artistas e obras têm muitas nacionalidades. Não existem traduções para a quase totalidade das obras que utilizam a linguagem verbal, no entanto, como o domínio do artista é universal, a língua de suporte da revista é o inglês.
Em junho de 2003 foi lançada a primeira edição, com dezesseis trabalhos e nove colaboradores. Em três dias já havia mais de mil visitações de diversos países.
Revista on-line, matéria e luz em jogo
Somos fixados na imagem não porque tenhamos perdido a fé na realidade, mas porque as imagens têm agora enorme impacto sobre a realidade, a tal ponto que a antiga oposição imagem-realidade realmente não opera mais (Johnson, 2001, p. 28).
A principal diferença entre uma revista on-line e uma impressa é o meio, o canal. Como Marshall McLuhan (1974) enfatizou, a mensagem não se restringe ao conteúdo, mas está vinculada intrinsecamente ao meio no qual é transmitida.
Em uma plataforma on-line, a publicação parte dos paradigmas desenvolvidos, e já sedimentados, dos primeiros anos de uso da internet, da globalização, da interação e da interatividade. O usuário não possui um objeto-revista em mãos (mesmo que atualmente leve consigo um tablet) que pode livremente folhear, com um conteúdo exclusivamente imagético verbal. On-line, a capacidade de agregar diferentes linguagens possibilita a integração entre elas em um único trabalho, com a somatória das linguagens verbal, visual e sonora em um sistema sígnico híbrido. Cada mídia, devido à sua natureza, apresenta potenciais e limites que lhe são próprios. Esses não são nunca idênticos de uma mídia à outra, de modo que, na rede das mídias, cada uma terá funções diferenciais (Santaella, 1996).
Na 2die4, o usuário, além de um visitante do ciberespaço, é um potencial investigador. O andamento da revista não se restringe ao “clica aqui” frenético para a próxima página. Ele desliza, sinaliza, corre, fica parado. Cada trabalho sugere algum tipo de surpresa a ser revelada pela passagem do mouse na tela ou, outro exemplo, por um tempo específico de exposição da imagem, que a transforma, entre outras possibilidades de interação. O áudio não explica, comunica. O usuário apressado, acostumado com a informação imediata, certamente não apreende a totalidade de experiências que a revista oferece.
Outro aspecto específico do formato da revista é a maneira de segui-la. Não existem atalhos óbvios além do next-back (próximo-anterior), que também pode ser reinterpretado, já que um trabalho localizado no meio, para ser revisto, necessita da sequência anterior ou posterior a ele. Não há um hiperlink do índice para a obra, crédito ou capa, como atalho direto. Não existe menu, existem caminhos sequenciais, como vemos em um trecho de e-mail, em resposta a um comentário de uma colaboradora, logo depois da primeira edição da revista.
(…) a ideia de mover-se por links na revista ainda está em pauta! … de um lado tem o fato de q não dá pra vc ir direto pra um certo ponto pq ela é digital mesmo (já q na revista impressa eu abro direto no índice e leio as colunas depois os editoriais e nem vejo o resto se eu não quiser) e isso é muito útil, por ex. gosto do fato dos “usuários” passearem pelos desenhos, ilustrações, fotos etc. para então lerem o seu texto… e outras tantas coisas neste sentido; e tem o outro lado q vc citou muito bem de q embaça na hora de rever, e é muuuuito chato… enfim, logo encontraremos um “meio termo do bem”…
As páginas, visualmente, remetem ao livro impresso, mas não funcionam como tal, e sim como moldura do espaço. Não há som nem simulação de página que vira. No espaço, velocidade, tempo e número de páginas variam de acordo com as intenções e sensações de cada obra e da unidade da edição. Nossa época realmente é a da tela. Aliás, é curioso que a mesma palavra se aplique a uma superfície que detém a luz (no cinema) e a uma interface sobre a qual se inscrevem informações (Bourriaud, 2009, p. 92).
Os aspectos materiais e virtuais da revista também se especificam quando examinamos o processo de formulação de uma edição, como veremos a seguir.
We could be begging but we’re robbing
Nos meios de transporte público de São Paulo, não raro, algum cidadão entra e chama a atenção dos demais com um discurso de mendicância ensaiado, no qual, em algum momento e por algum motivo, tornou-se padrão a frase: “a gente podia tá roubando, mas a gente tá pedindo…”.
Nos editoriais da revista, uma inversão apropriada e divertida denota o fundamento do processo criativo que se repete em todas as edições: “nós poderíamos estar pedindo, mas nós estamos roubando”.
A operação tradutora como trânsito criativo de linguagens nada tem a ver com a fidelidade, pois ela cria sua própria verdade e uma relação fortemente tramada entre seus diversos momentos, ou seja, entre presente-passado-futuro, lugar-tempo onde se processa o movimento de transformação de estruturas e eventos (Plaza, 1987, p. 1).
Sim, os editores na verdade não editam; eles se apropriam das obras dos colaboradores em um processo de transcriação. Julio Plaza (1987) compara os três tipos de tradução: a icônica, a indicial e a simbólica. A tradução icônica tende a aumentar a taxa de informação estética. Ocorre que as qualidades formais do resultado farão lembrar as daquele objeto traduzido, despertando sensações análogas, o que produzirá significados sob a forma de qualidades e de aparências entre ela própria e seu original. Será uma transcriação (Plaza, 1987, p. 93).
Os trabalhos originais são oferecidos pelos colaboradores aos editores. Estes traduzem as obras “roubadas” para a plataforma on-line, em um processo duplo de adaptação de linguagem para o suporte – especialmente porque nem todos os trabalhos são digitais – e de apropriação do próprio conteúdo, através de transformações, recriações, combinações e outras ações, não previamente acessíveis nem aos autores da obra original. Isso implica surpresa e expectativa dos próprios colaboradores pelo vir a ser de seus trabalhos.
Tal processo de apropriação das obras permite que técnicas se explicitem em sua materialidade, uma vez que a tecnologia pode ampliar o suporte material em uma escala invisível a olhos nus. O que entendemos como suporte digital tem o potencial de enfatizar a materialidade da obra ou do modo de produção. A técnica não é mera ferramenta, é fio condutor. Não há separação entre técnica e linguagem. As expressões das técnicas analógicas ou digitais são exploradas ao máximo. O grão da fotografia, o algodão do tecido, o rastro do pincel, velhos amigos dos artistas estão aqui, para todos, em alta resolução.
Esta combinação de tratamento e técnica se dá também com segundas intenções. Na edição número 6, ainda em tempos de acesso discado, a capa tem a animação de um aquário – peixes ilustrados a partir de fontes – e o usuário desfruta da sensação enquanto baixa os arquivos, sem perceber. A ideia não foi intencional, e só foi percebida quando a reclamação “demora pra carregar”, já esperada, não aconteceu. Nas últimas edições, esse assunto deixou de ser abordado. Bem-vinda, banda larga.
Na mais recente edição, de número 14, boa parte dos colaboradores fixos enviou seus trabalhos com grande antecedência. Já era sabido pelos editores que, por conta da edição 13 ter levado mais tempo de maturação, muita coisa estava acumulada. Essa edição foi um marco da necessidade de constância do círculo criativo, a troca, que não pode, não deve cessar. Na publicação, o processo de trabalho é tão importante, ou mais, que seu próprio resultado; a participação intensa de todos os envolvidos é alicerce, sustentação.
Dezessete trabalhos de dezesseis colaboradores são selecionados. Ingleses, poloneses, japoneses, italianos, brasileiros de diversos cantos. Individuais, em dupla, em trio. Acrílico, óleo sobre tela, fotografia, textos, ilustrações digitais, caneta sobre camiseta, lomografia (fotografia com as características peculiares de exposição de luz das máquinas russas Lomo), nanquim sobre papel, intervenções no espaço, colagem, técnica mista, silk sobre vegetal e a tipografia das aberturas foram o conjunto técnico da edição. O despertar, as sombras, os quartos, o pedido de ajuda, o jogo das possibilidades, o que restou daquela viagem, a quebra do padrão, o tempo, o pequeno médio grande, a mesma língua, a armadura, a crucificação encarnada, o café, os pontos, de ônibus e de prostituição, são os títulos, os temas, os desabafos da edição.
O texto de Raphael Gancz foi ilustrado, pós-leitura, em acrílico sobre tela por Andrea Lourenço, e as ilustrações, por sua vez, foram recortadas e animadas; o texto de Maria Ribeiro somado às ilustrações prontas em caneta sobre tecido de Bruno Vespucci foram fracionadas e sequenciadas; as fotografias de Felipe Bertarelli não foram cortadas e ganharam cores de contraponto; as fotografias de Piotr foram editadas, cortadas, legendadas, sequenciadas; as lomografias de Celia Ichinoseki foram animadas e ganharam cor de fundo; a ilustração em nanquim de Juliana Scernea foi recortada, animada, fracionada; as fotografias de celular de Marcy Tagawa foram selecionadas, editadas, numeradas, colorizadas; as ilustrações 3D de Liv Schlaeger foram selecionadas, coradas, animadas e sonorizadas por cortes de Hunter de Björk; a tela em óleo de Lilu foi recortada, montada, sequenciada; as colagens de Rogério Maciel foram editadas, fracionadas e sequenciadas; as fotografias de recortes colados em paredes de Eduardo Verderrame foram editadas, fracionadas, sequenciadas e condensadas em uma imagem final; as ilustrações em caneta sobre camiseta de Bruno Vespucci foram selecionadas, penduradas em cabides, que por sua vez foram pendurados em um ponto de rede na parede, fotografadas, recortadas, animadas e descolorizadas; as fotografias de Ding Musa foram selecionadas, cortadas, sequenciadas, sobrepostas e animadas; as ilustrações digitais de Vanessa foram editadas, animadas e sonorizadas por cortes de Depeche Mode; a técnica mista de Ernesto Boccara foi desfragmentada, editada, sobreposta e animada; o silk de tipografia sobre papel vegetal de Amanda Oliveira e Vanessa Rodrigues foi recortado e sequenciado.
As aberturas da edição foram feitas em tipografia pela editora Vanessa Rodrigues e a colaboradora Amanda Oliveira, na oficina da FAU-USP, sob orientação de professores da instituição. As placas com os títulos foram fotografadas, tratadas e editadas.
Mas nem todas as obras originais são transformadas na edição, ainda que o propósito de mostrar uma produção como reprodução ilustrativa da obra não exista, como nas revistas de arte convencionais. Existem trabalhos que vão para a rede quase como chegaram.
A unidade | todas as edições
O critério dos editores foi, e ainda é, o de que a produção dos colaboradores seja a mais autêntica possível. Eles conseguem isso ao eleger pessoas que produzem para si mesmas – não para o mundo nem para o mercado da arte nem mesmo para a própria revista.
Além dos editores, participam de todas as edições colaboradores fixos, que variam de cinco a oito. Eles são a estrutura das edições; caracterizam-se por uma manifestação de obras espontâneas e uma produção regida por um impulso pessoal, sem maiores intenções ulteriores. Caminhar pelas edições é também caminhar pela produção desses colaboradores que, assim como a publicação, possuem diversas formas de se expressar, por princípio e por prazer.
A cada edição, novos colaboradores, de diversas nacionalidades, formam e deformam a publicação. Boa parte expõe publicamente pela primeira vez por meio da revista, ou pelo menos pela primeira vez neste formato/plataforma.
As discussões e fluxo de criação gerados pelos colaboradores fixos e flutuantes é fundamental para a manutenção da linguagem e dos critérios de valores estéticos da 2die4. Os trabalhos chegam aos poucos, via troca de e-mails, indicações, acidentes. A preferência é para algo já feito, a que não se deu muita atenção. Aparecem nas conversas, no fundo das gavetas, no supetão. O processo é uma das características mais importantes da 2die4: o mito do artista que não permite que sua obra seja tocada dá lugar ao coletivo, ao transformar, ao compartilhar.
São expostos aspectos de forma, conteúdo, edição, criação, conceitos de autoria e coedição e alguns detalhes do processo aos novos colaboradores. Cada um responde e questiona, limita-se ou invade à sua maneira, mas sempre consciente de que a decisão final e imprevisível será dos editores.
Alguns elementos de linguagem que se repetem ou variam dentro de uma mesma gramática em todas as edições sedimentam uma identidade formal da revista: a imagem das aberturas de cada trabalho, o logo, a imagem da capa.
A imagem das aberturas, produzidas pelos editores e/ou colaboradores em técnicas analógicas ou digitais como bordado, fotografia, aquarela, pirografia, tipografia e pixel, é um ponto fundamental de amarração e identidade das 2die4. Além de conferir unidade, estes itens abrem e intercalam cada conteúdo com imagens sintéticas, poucos elementos, centradas na tipografia e no título de cada trabalho. Formam também um conjunto à parte, numa dimensão paralela de técnicas analógicas e digitais de expressão artística, emolduradas, redimensionadas pela revista. Muitas delas têm grande distância de tempo entre concepção e realização.
A imagem da capa é sempre a última a ser escolhida, a partir de uma visão do todo. Essa imagem conversa com o logo, que aparece sobre ela. Abrir e fechar a edição é a metáfora dessa imagem. Como se vê na capa da edição 13, o logotipo da publicação foi concebido para funcionar como signo, o título vira símbolo, desenho, imagem. Sobre a capa em transparência, aplicado em uma cor diferente a cada edição, o logotipo representa, simultaneamente, o todo e a parte.
As edições não têm quantidade de trabalhos definida. As obras chegam, são montadas, fluem algumas ideias entre os editores e colaboradores e, aos poucos, uma nova edição se forma intuitivamente.
Vista e revista, de edição a edição
A primeira edição foi ao ar em junho de 2003, com trabalhos experimentais, tanto em processo como em técnica, sendo a maior parte produzida pelos editores e colaboradores já envolvidos com o processo de criação da publicação. Na primeira, o único trabalho verbal, o texto “Autoria”, indica como esse tema será tratado nas edições seguintes.
Logo depois da segunda edição, Lee Carter, editor do conteúdo da revista Hint Mag – precursora em arte, moda e design na web, com mais de um milhão de cliques mensais – apresenta a 2die4 para o mundo e, em menos de uma semana, a revista brasileira recebe quase dez mil visitas, vindas de mais de sessenta países.
Em seguida, mais precisamente na quarta edição, Ninette Murk, editora e fundadora do projeto de artes visuais on-line Beauty Without Irony (BWI), sediado em Antuérpia, na Bélgica, partilha ideias e ideais com a 2die4. Trocam-se e-mails, trabalhos, inspirações.
Na quinta, a 2die4 surpreende os próprios colaboradores fixos, lançando uma “não-edição” de carnaval, sem trabalhos, apenas com uma imagem e som. Com data prevista para fevereiro, ficou nítido para os editores que os colaboradores brasileiros estavam em “ritmo de carnaval” e que, organicamente, não aconteceria o esperado. Foi então colocada no ar uma ilustração de porta-bandeira e mestre-sala, com a canção “Carnaval desengano” de Chico Buarque, versão instrumental, por Milton Trio Banana, e os dizeres “It’s Carnival”. A edição, desde a publicação e até hoje, é curiosamente a mais visitada.
Entre a quinta e a sexta edição, a fundação Bec Zmiana (em www.bec.art.pl) começa a trocar trabalhos com a 2die4. Instituição criada para o desenvolvimento e o avanço da arte contemporânea na Polônia, seu site foi eleito por três anos seguidos – 2003/2004/2005 – como o melhor de arte independente da Europa. Em uma publicação, comenta: “Você conhece o Brasil do futebol, do carnaval, e da arte contemporânea? A resposta vale 100 pontos e ela se chama 2die4” (Bogna Swiatkowska, Notes Bec Zmiana).
A 2die4 segue sendo um periódico, mas sem período definido. Apenas as primeiras edições seguiram uma lógica bimestral. As edições 6 e 7 ainda mantiveram o período bimestral, com a particularidade da comemoração de um ano. São realizadas oficinas a partir de trabalhos publicados ou mesmo inéditos. Foram nessas oficinas que surgiram as aberturas da sétima edição e a caixa de cartões comemorativos de um ano.
Na oitava edição, a 2die4 foi convidada para participar de um evento internacional de revistas de tendências em Barcelona, o CMYK. Setenta e duas revistas foram convidadas, uma única participante brasileira.
Dois anos depois da primeira edição, a 2die4 participa de uma mesa redonda no Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona, durante o 1º Encontro Internacional de Revistas de Tendências, para discutir a publicação on-line, com a particularidade de ser a única sem fins lucrativos. Também em 2005, 2die4 é umas das publicações brasileiras selecionadas para ser exposta no Festival Internacional de Linguagem Eletrônica 2006 (File), que ocorreu no Centro Cultural do Sesi, junto à sede da Fiesp, na Avenida Paulista.
Com a passagem do tempo e os intervalos cada vez maiores entre as edições, a décima terceira 2die4 aparece depois de dois anos, apresentando-se com o dobro do tamanho na tela mas com a possibilidade de ser carregada no mesmo tempo das anteriores, graças à banda larga. O ciclo de produção volta com a mesma irregularidade, porque poucos meses depois a edição 14 está no ar, com tipos móveis e gigas de boa vontade.
*Anna Lúcia dos Santos Vieira e Silva é doutora em Espacio Público y Regeneración Urbana pela Universidade de Barcelona e professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC). Vanessa Rodrigues é especialista em Design e Humanidade pela USP e diretora da ADG Brasil desde 2009. É também coordenadora de Estratégia e Branding da Tátil Design de Ideias.
Referências
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
JOHNSON, Steven. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
DIEGO, Jesús. Graffiti. La palabra y la imagen. Un estudio de la expresión en las culturas urbanas en el fin del siglo XX. Barcelona: Amelia Romero, 2000.
LÉVY, Pierre. O que é o virtual. São Paulo: Editora 34, 1996.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1974.
PLAZA, Julio. Tradução intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 1987.
SALLES, Cecília A. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo, FAPESP / Annablume, 1998.
SALLES, Cecília A. Crítica genética, uma introdução. São Paulo: Educ, 1992.
SANTAELLA, Lúcia. Cultura das mídias. São Paulo: Experimento, 1996.