Diversos saraus habitam as grandes cidades brasileiras, onde a poesia é servida quente, trocada no calor das relações humanas presenciais. A poesia falada e corporalmente compartilhada nunca foi tão popular, no Brasil. Nunca o foi tanto quanto ao número de pessoas envolvidas em eventos espalhados por todo o país; quanto à origem delas, oriundas das classes populares, em sua maior parte. E popular também porque algo que se destaca nestas cenas é a centralidade cultural das periferias, onde a maioria destes recitais se encontra.
É possível perceber que a poesia compartilhada e, especialmente, a produzida nos ambientes destes eventos, tem uma relação muito especial com o suporte em que é trocada – o corpo – e com o local onde se dá essa troca – o território. São eventos cuja própria existência, muitas vezes, é um manifesto cultural, de intervenção e apropriação urbana. E eventos onde o ato de falar é performativo em sua própria condição de recriador do mundo.
Esta edição da Revista Z Cultural vem observar a confluência de dois temas muito comuns na produção e no pensamento cultural contemporâneos, Corpo e Território, em suas relações com a poesia corporalmente compartilhada hoje.
De um lado, os estudos de performance, e das dinâmicas de oralidade e letramento, aplicados à poesia usufruída coletivamente. A busca de entendimentos mais profundos sobre as estruturas, e estratégias, destes recitais. Como a corporalidade da poesia se manifesta diferentemente em cada lugar, e quais as constantes que se podem retirar de observações distintas entre si.
Por outro lado, os estudos de geografia cultural, as identidades envolvidas no uso dos territórios. A realização dos saraus como um gesto ousado de autonomia e independência cultural de alguns específicos lugares dentro de específicas cidades. Pontos de aglutinação de pessoas e troca de conhecimentos. Centros coletivos de produção de discursos políticos identitários, tanto dentro das comunidades quanto para fora delas – reflexão e projeção.
Para buscar renovadas leituras críticas sobre tais corpoeticidades – onde a poesia vira habitação; e a cidade, linguagem – a Revista Z Cultural propõe a presente reflexão sobre Corporalidade e Territorialidade na Poesia Falada contemporânea.
André Telles do Rosário (Organizador)