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Novos mapas da pós-humanidade: a ideia de personalidades ciberneticamente compartilhadas em Emissaries from the dead e Embassytown | Fábio Fernandes*

Microfísica da pós-humanidade

O que define a pós-humanidade? Somos capazes de dizer que existe uma pós-humanidade no mesmo sentido de humanidade, isto é, uma espécie única, étnica e culturalmente diversa, mas sem diferenças genéticas entre seus membros?

Quinze anos depois da publicação do clássico How we became posthuman, de N. Katharine Hayles, estamos sendo confrontados com novas formas e sabores da pós-humanidade – não novas raças, pois o conceito de raça é obsoleto, mas certamente novos modos, novas maneiras de viver a condição pós-humana.

E, como parece ser o caso na maioria das vezes, a ficção científica é o meio escolhido para essa exibição pós-humana; é a ficção científica que nos mostra o caminho, oferecendo soluções para problemas que sequer sabíamos que tínhamos – ou, às vezes, na melhor tradição das fábulas, cautionary tales, histórias que nos pedem cautela (no caso da ficção científica, como é bastante comum, relacionadas ao mau uso da tecnologia – vide Frankenstein, por exemplo).

Como escrevemos antes em outro artigo, ser pós-humano é viver em um estado constante de mudança. Portanto, segundo uma visão canguilhemiana, do ponto-de-vista do “normal”, o pós-humano é sempre crítico: o pós-humano é sempre patológico.

Devemos nos lembrar, entretanto, que esse tipo de suposição está sujeito a mudanças – e o que é mais mutante que o futuro? Se estivermos dispostos a aceitar sem discussão a definição de pós-humanidade de Hayles (uma construção diferente que, em suas palavras, “pensa no corpo como a prótese original que todos nós aprendemos a manipular, de forma que estender ou substituir o corpo com outras próteses se torna uma continuação de um processo que começou antes de nascermos”), rapidamente nos vemos aprisionados por uma rede que já pode estar ficando pequena e restrita para o século 21, uma rede de conceitos que abrange em sua grande parte espaços virtuais, dando menos atenção a ciborgues, corpos com DNA alterado ou aprimoramentos de nanotecnologia, na qual a ficção científica recente tem nos levado a crer.

Steven Shaviro aborda essa questão indiretamente em seu ensaio The singularity is here, comparando a singularidade através das obras de Ray Kurzweil e Charles Stross. The singularity is near, de Kurzweil, e Accelerando, de Stross, tratam ambos da singularidade (Figura 1), embora o primeiro a considere garantida como algo que acontecerá com certeza até 2049 (!) e o segundo seja pura ficção científica. Ambos concordam que este evento será um momento interessante e empolgante para a espécie humana, e não seu momento mais difícil, ainda que Kurzweil seja bem mais otimista que Stross. Para ele, segundo Shaviro,

Após a Singularidade, Kurzweil nos assegura, saúde, riqueza e imortalidade – isso para não mencionar os mais incríveis games de computador e simulações – estarão disponíveis para todos de graça. Escassez será coisa do passado. Todas as barreiras e oposições binárias cairão: não haverá distinção, pós-Singularidade, entre humano e máquina ou entre realidade física e virtual (Bould, 2009).

Figura 1 – The singularity is here, de Ray Kurtzweill, e Accelerando, de Charles Stross.
Figura 1The singularity is here, de Ray Kurtzweill, e Accelerando, de Charles Stross.

Kurzweil partilha essa mesma visão de mundo otimista com Hans Moravec, que talvez seja ainda mais radical que seu colega e amigo. Moravec, em seu livro Mind children, propôs o download da consciência de corpos para computadores como a chave para a imortalidade.

Mas uma coisa que tanto Moravec quanto Kurzweil parecem ter ignorado em suas obras é o que chamarei aqui de possibilidade remix, isto é, a possibilidade de que você pode não só fazer o download de sua própria mente para um dispositivo, como também misturar sua mente com outra (ou outras) em uma espécie de caldeirão, onde você poderá preservar sua personalidade e ao mesmo tempo se misturar com outras, tornando-se, na verdade, uma espécie de terceira margem do rio, uma entidade inteiramente diversa, que não existia até então.

Essa possibilidade remix não é de minha invenção, mas é o que a ficção científica com o passar do tempo veio a chamar de mente-colmeia, em obras seminais como Last and first men, de Olaf Stapledon, The green brain, de Frank Herbert, ou The midwich cuckoos, de John Wyndham. Ao invés de uma terra de ninguém, este território está sendo mapeado já há um bom tempo, desde o mais famoso dos subgêneros da ficção científica, a space opera.

Essa “terra de muitos alguéns” vem sendo apresentada em uma ampla variedade de mentes grupais, seja no formato de diversas personalidades ocupando um único corpo, como o caso de Alia Atreides em Filhos de Duna, ou muitos corpos conectados para compor o que poderíamos considerar uma supramente (como no caso dos indivíduos que acabam se fundindo na obra clássica de Theodore Sturgeon, Além do humano).

No século 21, dois romances se destacam até o momento apresentando versões ligeiramente diferentes desse conceito de personalidades compartilhadas, acrescentando a ele a cibernética (e, portanto, um novo tipo de pós-humanidade, mais “incorporado” que a variedade mais virtualizada proposta por Hayles): Emissaries from the dead, de Adam-Troy Castro, e Embassytown, de China Miéville.

Como essas personagens vivem e progridem (ou não) nas histórias de Castro e Miéville? Qual é a natureza da relação entre ele e com outros seres humanos “normais” – mesmo se levando em conta que diversos desses ditos humanos normais seriam eles próprios considerados pós-humanos pelos padrões de hoje?

Dois humanos são um humano

Em Emissaries from the dead, somos apresentados a Andrea Cort, agente do Dip Corps (Diplomatic Corps, Corpo Diplomático em português) da humanidade, que, nesse futuro distante, é mais conhecida por uma forma abreviada de sua espécie, Hom. Sap.

Figura 2 – Emissaries from the dead, de Adam-Troy Castro.
Figura 2Emissaries from the dead, de Adam-Troy Castro.

A história acontece no mundo artificial de One One One, criado pela AIsource, que é a coisa mais alienígena que podemos ter, porque não só é uma inteligência artificial como também é um consórcio de diversas inteligências artificiais realmente alienígenas que decidiram se reunir sob sua própria agenda insondável, provavelmente milhões de anos antes que a humanidade sequer surgisse sobre a face da Terra. Então aqui somos apresentados não ao pós-humano, mas ao seu exato oposto (se tal coisa pode ser dita), uma entidade pós-alienígena.

Cort, que está nesse local para solucionar um assassinato, acaba sendo obrigada a ter de lidar com um casal de agentes de segurança cylinkados, Skye e Oscin Porrinyard. Conforme eles deixam bem claro para ela desde o começo, o fato de que são dois é um mero detalhe físico, mas irrelevante:

A mulher falou sozinha. “Nasci apenas Skye. Ele nasceu apenas Oscin.” Então os dois voltaram a falar juntos, naquela voz compartilhada que era musical, porém incômoda. “Fomos linkados aos quinze anos, e assumimos o sobrenome Porrinyard” (Castro, 2008).

Conforme eles continuam em sua explicação, uma parceria cylinkada indica que os parceiros abriram mão por complete de suas personas anteriores para criar uma terceira, que é a soma de suas partes.

Cort está intrigada, pois nunca havia visto um casal cylinkado antes. Personalidades cylinkadas são algo do qual se ouve falar e não são exatamente incomuns (“Havia, até onde eu sabia”, Cort diz a si mesma durante esse primeiro contato com os Porrinyards, “menos de três mil pares vivos”), mas também não são considerados a norma na sociedade Hom. Sap.:

Cylinking, uma operação ilegal na maioria dos mundos humanos, era um dos serviços mais desagradáveis que a AIsource Medical oferecia a outras raças sencientes. Em troca de uma percentagem de ganhos futuros, a AIsource podia conectar as personalidades de dois indivíduos separados, através de uma matriz de transmissão intangível. O processo substituía os dois indivíduos com uma gestalt maior que experimentava a vida como uma pessoa combinada. Em teoria, isso aumentava sua inteligência compartilhada diminuindo a necessidade de dedicar precioso espaço craniano com informação redundante que não precisava mais ser conhecida por ambos (Castro, 2008).

É importante dizer que Andrea Cort também não é considerada um ser humano normal, nem pelos padrões de outros humanos, nem mesmo pelos seus próprios. Após participar ativamente de um massacre em seu mundo natal ainda criança, matando tomada de fúria cega um membro de sua família, ela passou metade da vida internada em instituições até que o Dip Corps concluiu que ela poderia ser mais bem aproveitada como uma agente trabalhando para eles em regime vitalício de servidão.

Ela se considera um monstro sem sombra de dúvida, e, sendo uma espécie de detetive hardboiled à moda antiga (pensem em Sam Spade, de Dashiell Hammett, ou Philip Marlowe, de Raymond Chandler), ela é cínica mas não julga os outros – entretanto, mesmo eles levam um tempo para parar e entender uns aos outros, como na cena em que ela acabou de ter uma entrevista com a misteriosa AIsource e encontra apenas Oscin Porrinyard esperando por ela do lado de fora da sala de reuniões:

Murmurei: “Onde está sua outra metade?”
“Por quê, Conselheira? Ficaria mais à vontade com ela?”
“Não preciso estar à vontade. Só estou surpresa por ver vocês dois separados.”
O próximo sorriso dele veio completo com olhos fechados. “Meus componentes nunca estão separados, Conselheira, mas não precisamos necessariamente estar fisicamente próximos um ao outro para estarmos juntos” (Castro, 2008).

Essa explicação e várias outras ao longo da narrativa não só farão Andrea compreender mais esse ser pós-humano (e, por um breve momento no meio da narrativa, até mesmo se perguntar como seria ser um componente de uma personalidade cylinkada), como eles acabarão por se envolver romântica e sexualmente.

Até que ponto um monstro e uma personalidade cylinkada podem se relacionar? Um segundo romance de Andrea Cort lançado em 2009, The third claw of God, começou a se aprofundar mais nas questões de amor pós-humano e no desejo de ser outro, já que Andrea Cort ainda se pergunta se o procedimento de cylinking poderia ser a resposta para o que, acredita ela, é uma doença que a corrói por dentro. Ela seria o terceiro componente na personalidade cylinkada Porrinyard, o que daria origem a mais um ser. Na matemática da pós-humanidade, onde dois eram um, três continuarão sendo um. Se este um é mais que a soma de suas partes, cabe aos seus componentes responder.

Um humano é menos que humano

Em Embassytown, de China Miéville, o leitor vê o reverso da medalha.

Esse romance também apresenta duplas aprimoradas, mas no caso são gêmeos alterados geneticamente que também estão conectados ciberneticamente mas permanecem cada qual com sua própria identidade. Esses gêmeos são criados para serem Embaixadores no mundo dos Anfitriões, ou Ariekei, seres cuja linguagem é tão complexa que precisa ser falada por dois seres ao mesmo tempo, cada qual pronunciando uma palavra diferente em uma entonação diferente.

Figura 3 – Embassytown, de China Miéville.
Figura 3Embassytown, de China Miéville.

A protagonista, Avice Benner Cho, é uma Imersora – uma humana dotada de habilidades que lhe permitem viajar pelo espaço (os limites dessa habilidade nunca são explicados em detalhes, o que deixa o leitor concluir que pode ser uma característica genética – uma pós-humana em um futuro distante em que a humanidade sequer se lembra onde fica a Terra), mas que antes, em sua infância, executou uma símile para os Embaixadores.

Esse ato, difícil de descrever (e até mesmo de compreender segundo os hábitos e costumes do século 21) significa basicamente que um humano é recrutado para servir como uma função da linguagem para uma espécie alienígena cuja ideia de comunicação é tão diferente da nossa que precisa ter uma analogia física da função (um exemplo tosco seria ter um mapa do tamanho do território disposto sobre este para que uma pessoa que jamais tivesse visto um mapa em sua vida pudesse entender o conceito – o que não funcionaria de todo, embora pudesse ajudar). Após o ato ritual, no qual os Embaixadores não falaram com Avice na linguagem de seus Anfitriões mas a falaram, Avice veio a saber que sua símile foi “Havia uma garota humana que, sentindo dor, comeu o que lhe foi dado em um quarto velho construído para comer no qual há algum tempo já não se comia”.

Um ex-embaixador, Bren, dá a Avice uma certa orientação antes do ato, mas não pode fazer muito mais que isso, pois ele havia sido expulso não só das funções de embaixador como também de todo o convívio humano. Bren é um dividido, isto é, uma pessoa que um dia teve um gênero ciberneticamente conectado (ou um doppel, como o chamam), mas ele foi morto e Bren não pode sequer dizer mais seu nome completo (que era BrenDan – sendo Dan seu irmão gêmeo, obviamente) de modo correto.

Quando Bren finalmente conta sua história a Avice, anos mais tarde, ele lhe mostra uma caixa contendo os dois links que ele e seu doppel usavam. E explica porque ainda os conserva:

Se eu tivesse jogado o dele fora e guardado o meu, você acharia que eu estava me agarrando à minha identidade morta, ou lamentando a morte dele. Se eu jogasse ambos fora, você me veria agir em negação. Se eu guardasse o dele mas não o meu você diria que eu estava me recusando a deixá-lo partir. Não há nada que eu possa fazer que você não teria tentado. A culpa não é sua. Você não pode evitar, é o que nós fazemos. O que quer que eu faça, será uma história ou outra (Miéville, 2011).

Apesar da série de eventos que ainda se desdobrarão em Embassytown (em uma estranha mas talvez não surpreendente similaridade com Emissaries from the dead, Avice irá mais tarde ter um par de doppels, CalVin, como amantes), a citação acima pode nos servir por ora, especialmente a última frase de Bren: “O que quer que eu faça, será uma história ou outra”. Faria diferença qual história seria no fim? Se Bren tivesse morrido e Dan tivesse sido o sobrevivente, a história teria tomado um curso diferente? Talvez sim, pois eles tinham personalidades diferentes. Mas eles ainda compartilhavam uma vida mais intimamente do que qualquer tipo de casal casado poderia jamais ter imaginado. Por isso, Bren se sentia metade de um homem – e como tal era visto pela sociedade, tanto humana quanto Ariekei. O que quer que ele fizesse, não teria lugar para onde ir. Aqui, nesse cantinho matemático da pós-humanidade, onde dois eram um, um é apenas meio. E, se este um é ainda menos que a exata divisão da anterior soma de suas partes, talvez nem mesmo o componente que sobreviveu saiba a resposta.

Queremos saber a resposta?

Em ambos esses futuros, estar fora da norma culturalmente aceita não é visto como sendo algo saudável. O interessante é que os dois romances foram escritos por homens (um deles marxista, que chegou a tentar o caminho da política há algum tempo), e os dois apresentam personagens do sexo feminino, fortes e não-estereotipadas – não-estereotipadas a ponto de serem fora da curva, desequilibradas, no desvio (novamente, todos esses comentários precisam ser analisados em profundidade – quem pode dizer que elas são desequilibradas? O autor deste artigo, um homem branco ocidental que é, pelo menos em seu país natal, visto como parte do padrão de gênero e etnia dominante? Esta questão, infelizmente, não será respondida aqui – mas deveria [consulte Gayatri Spivak, Edward Said, Homi Bhabha em busca de respostas]).

Talvez o fato mais importante a se destacar seja o de que ainda existe uma norma a seguir no futuro. Isto é, existe uma maioria de seres humanos que, mesmo com uma grande quantidade de dispositivos implantados (no caso de Emissaries), ainda são morfologicamente reconhecíveis para o humano do começo do século 21 – nossa própria época, o que é apenas lógico, pois não temos meios de prever o futuro, e qualquer extrapolação só pode ser feita a partir do que existe aqui e agora, e o corpo do homo sapiens é o que temos como base sobre a qual construir qualquer coisa.

Se o pós-humano é visto como exótico em muitos casos, então dentro do pós-humano, com o tempo, foram surgindo diversos outros subgrupos que vieram a ser considerados inaceitáveis até mesmo pelos padrões pós-humanos – muito embora não exista em nenhum momento a dúvida do status humano em cada parte envolvida. Em Emissaries, a AIsource desempenha um papel que certamente não pode ser desprezado, pois eles parecem ser os criadores do procedimento de cylinking – assim como os Ariekei em Embassytown, o que provoca a pergunta: os monstrous são sempre uma maldição do Outro? Os aliens são o Outro; mas, ao executarem esses procedimentos “indizíveis”, para usarmos o adjetivo lovecraftiano, os humanos automaticamente se tornariam uma espécie diferente e anormal de pós-humanos, e portanto a espécie errada? Eles estão errados porque são tão diferentes, e mais em mente do que em corpo? A pós-humanidade, portanto, não cometeria os mesmos erros da humanidade, atribuindo valores às diferenças e segregando seus membros às categorias de seres normais e anormais?

Isso traz à memória o ensaio “Dos canibais”, de Michel de Montaigne, escrito em 1562, aproximadamente quinze anos apóso filósofo francês ter conhecido, em Rouen, um nativo da tribo dos Tupinambás que havia sido levado à França pelo explorador Villegagnon. Essa reflexão, que introduz uma nova visão multiculturalista na cultura europeia, e é em si mesma uma espécie de protoguia para a humanidade, no sentido de que Montaigne critica a visão que se tinha então, em sua sociedade, dos índios sul-americanos como sendo bárbaros, e volta sua lente de aumento para estudar seus compatriotas europeus:

Creio que não há nada de bárbaro ou de selvagem nessa nação, a julgar pelo que me foi referido; sucede, porém, que classificamos de barbárie o que é alheio aos nossos costumes; dir-se-ia que não temos da verdade e da razão outro ponto de referência que o exemplo e a ideia das opiniões e usos do país a que pertencemos. Neste, a religião é sempre perfeita, perfeito o governo, perfeito e irrepreensível o uso de todas as coisas. Aqueles povos são selvagens na medida em que chamamos selvagens aos frutos que a natureza germina e espontaneamente produz; na verdade, melhor deveríamos chamar selvagens aos que alteramos por nosso artifício e desviamos da ordem comum (Montaigne, 1993).

Lembrando Georges Canguilhem em O normal e o patológico, conforme mencionado em nosso artigo acima, “se ‘a norma para o corredor de longa distância não é a mesma para o de curta’, se ‘cada um de nós muda suas próprias normas de acordo com a idade e suas próprias normas anteriores’, logo as normas para o organismo pós-humano não podem ser as mesmas normas do organismo humano em razão de suas mudanças”.

Portanto, o diferente é apenas diferente, nem superior nem inferior – uma lição que Montaigne já havia inferido por observação e Canguilhem aprendido por estudo biológico e fisiológico. Só podemos torcer para que esses antigos pensadores, juntamente aos mais recentes “ficcionautas” apresentados neste artigo, possam se revelar verdadeiros cartógrafos, tanto para nos oferecer visões do que poderemos nos tornar no futuro quanto para desenvolver uma ética pós-humana atribuindo a cada indivíduo seus direitos de viver sob o status de normalidade – o que quer que esta palavra possa significar no futuro.


* Fábio Fernandes é doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e professor dos cursos de graduação em Jogos Digitais e Tecnologia e Mídias Digitais daquela universidade, além da pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD). Autor dos livros Interface com o vampiro (2000), A construção do imaginário cyber (2006), Wild mood swings (2008), Os dias da peste (2009) e No tempo das telas (2014). Membro do Steering Group de Visions of Humanity in Cyberculture, Cyberspace and Science Fiction, associado à University of Oxford, e membro do The Internet of Things Council (http://www.theinternetofthings.eu/). Formado pelo Clarion West Writers Workshop de Seattle em 2013.

Referências

BOULD, Mark & MIÉVILLE, China (eds.) Red planets: marxism and science fiction. London: Pluto Press, 2009.

CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

CASTRO, Adam-Troy. Emissaries from the dead. New York: Harper-Collins, 2008.

COPELAND, Jordan J. (ed.) The projected and prophetic. Oxford: Inter-Disciplinary Press, 2010.

HAYLES, N. Katharine. How we became posthuman: virtual bodies in cybernetics, literature, and informatics. Chicago: The University of Chicago Press, 1999.

MIÉVILLE, China. Embassytown. New York: Del Rey Books, 2011.

MONTAIGNE, Michel de. The complete essays. (ed. and translated by M. A. Screech.) London: Penguin Classics, 1993.