Ano X 0201
1° semestre de 2015
editorial
Tempo de leitura estimado: 4 minutos

Antropologia em tempos digitais

Desafio. Essa palavra e o sentimento que ela agrega foram recorrentes durante a feitura desta edição da revista. Tratava-se de mapear o estado da arte dos estudos sobre o digital a partir do viés da Antropologia. Não sendo esse meu campo de estudos par excellence, estava instigada a delimitar o mapa enquanto conhecia mais desse território recentemente “descoberto”, porém já bastante povoado por indagações, vertentes e abordagens. Sem dúvida, nesse sentido, “desafio” era ao mesmo tempo um aviso – eu teria que sair de terrenos mais confortáveis e conhecidos – e um estímulo.

Esta edição é o resultado disso e é a partir daí que pode ser pensada e lida: um aviso de que temos mais a conhecer a respeito e um estímulo à produção e ao pensamento sobre os impactos e relações do digital sobre e com as Ciências Sociais e a Antropologia, de forma mais restrita, e sobre – e com – os mais diversos segmentos sociais.

Sem pretender esgotar o assunto, então, mas com a ambição de traçar um pequeno panorama que aponte para buscas mais aprofundadas, a edição apresenta o esforço de percorrer alguns dos caminhos já trilhados nesse campo. Assim, dois olhares principais e complementares serão reconhecíveis ao longo dos trabalhos aqui expostos.

O primeiro privilegia a análise dos sentidos atribuídos pelos grupos sociais às suas práticas digitais, e as conexões destas com suas vidas cotidianas. Nessa direção, por exemplo, podemos considerar o conceito de polymedia, proposto e explicado pelo antropólogo inglês Daniel Miller (coordenador do Instituto de Pesquisas Digitais da Universidade de Londres) em sua entrevista, como uma forma de dar conta dos diversos usos e tipos de meios de comunicação e de seu entrecruzamento nas práticas sociais. Suas próprias pesquisas sobre a relação entre os contextos culturais e os modos de pensar e agir sobre o digital são mostras do rendimento do conceito. Também os artigos sobre o Museu da Favela, de Monica Machado (ECO-UFRJ), e sobre o consumo de smartphones por jovens da periferia de Santa Maria (RS), de Sandra Rúbia da Silva e Camila Rodrigues Pereira (UFSM), indagam sobre tais sentidos e conexões.

Uma segunda trilha de aproximação ao universo virtual enfatiza as possibilidades teórico-metodológicas abertas pelos novos meios e seus usos. Para dar conta desta perspectiva, uma boa ferramenta conceitual é a teoria do ator-rede, sugerida, entre outros, por Bruno Latour. Nessa teoria, os pressupostos da própria pesquisa científica – e, no caso presente, antropológica – se encontram em foco e os estudos se concentram em rastrear as maneiras pelas quais os desempenhos dos atores repercutem e são delineados a partir da interação em rede. Essa é a proposta desenvolvida, por exemplo, no artigo de Jean Segata (UFRN) sobre as novas configurações que pode assumir a etnografia a partir de suas pesquisas efetuadas online.

A partir de indagações teórico-metodológicas também se pode entender melhor as contribuições do artigo de Myriam Sepúlveda dos Santos (PPCIS-UERJ) sobre os limites e fascinações da criação de um museu virtual (o Museu Afrodigital) e as questões que suscita para a elaboração da memória coletiva de um grupo social. Ainda com o mesmo impulso se pode entender melhor o artigo sobre as relações entre o uso do virtual e o espaço público como vértice de uma nova discussão sobre a esfera pública e a atuação política, de Patrícia Silveira de Farias (ESS-UFRJ) e Margarida Mussa Tavares Gomes (IFF-Campos/PROURB- UFRJ). Também as possibilidades de novos caminhos de expressão e divulgação das pesquisas, como as revistas científicas virtuais, são exploradas nesta edição por meio da entrevista com o editor da Virtual Brazilian Anthropology (Vibrant), o antropólogo Peter Fry (UFRJ).

Enfim, compartilhamos da afirmação de Miller de que a Antropologia é um ótimo caminho para se entender o que representa o novo contexto do expressivo uso do virtual, no que ele tem de desafio, de aviso e de estímulo para a vida nas sociedades complexas. Assim, resta-me fazer um convite para um mergulho nesse campo do conhecimento que, espero, seja prazeroso, tanto quanto produtivo.

Patrícia Silveira de Farias
Organizadora desta edição