Resumo: Nas últimas décadas, a cibercultura alavancou práticas sociais e estéticas, inaugurando formatos, linguagens e possibilidades diversas de apropriação material e simbólica do espaço-tempo. Seus pressupostos alargaram brechas de expressão e desenharam horizontes outrora impensáveis de compartilhamento de subjetividades, afirmação de diversidades e mobilidade de autorrepresentações. O artigo analisa estratégias de compartilhamento de territorialidades urbanas em ciberculturas plurais, no contexto das suas relações com sujeitos e territórios, especialmente com os jovens de favelas e periferias urbanas brasileiras. A prática do rolezinho é estudada em suas qualidades de invenção/vivência de territorialidades de encontro e celebração, assim como de enfrentamento de invisibilidades e interdições sociais, tendo como pano de fundo as limitações de espaços comuns e públicos nas condições atuais de urbanidade desigual nas metrópoles.
Palavras-chave: cultura; território; territorialidade; cibercultura.
Abstract: In recent decades, cyber-culture leveraged social and aesthetic practices, emerging with formats, languages and various possibilities of material and symbolic appropriation of space-time. Its assumptions widened expression gaps and drew up unthought-of scenarios of subjectivity sharing, diversity affirmation and mobility of self-representations. The article analyzes urban territoriality sharing strategies in plural cybercultures, in the context of its relations with individuals and territories, especially with young Brazilians from slums and outlying ghettos. The practice of Rolezinho (flashmobs) is, hereby, studied in terms of its invention / experience of get-together and celebration territoriality, as well as confronting social invisibility and interdiction, having as the backdrop the limitations of common and public spaces in the current conditions of unequal urban conditions in cities.
Keywords: culture; territory; territoriality; cyber-culture.
Introdução
O debate contemporâneo sobre a relação território e cultura vem trazendo provocações significativas: primeiro, no modo de localizar criativamente esses conceitos como experiências socialmente construídas e, segundo, como apresentação de formas e processos sensíveis do fazer o mundo da vida. Dito em outras palavras, o renovado debate sobre a relação território e cultura funda uma cartografia da expressão dos saberes e fazeres de sujeitos sociais no movimento de realização de si como afirmação de diferenças.
As questões se multiplicam quando se incorpora à discussão o cenário da cibercultura. Sendo estrutural o diálogo entre território e espaço, é de se esperar que a compreensão do ciberespaço, dimensão ubíqua da vida (real) contemporânea, não apenas como dispositivo midiático, mas como espaço socialmente construído, venha agregar novas provocações ao conceito de território e ao seu diálogo com a cultura.
Nas últimas décadas, a cibercultura alavancou práticas sociais e estéticas, inaugurando formatos, linguagens e possibilidades diversas de apropriação material e simbólica do espaço-tempo. Seus pressupostos alargaram brechas de expressão e desenharam horizontes outrora impensáveis de compartilhamento de subjetividades, afirmação de diversidades e mobilidade de autorrepresentações.
Central nesse cenário, a comunicação horizontal e “de muitos para muitos” instigou a invenção de estratégias originais de manifestação de presença, no âmbito da disputa do imaginário (e das espacialidades) da cidade. É nesse sentido que, no contexto contemporâneo de hiperconexão, potencializado pelas tecnologias digitais móveis, entendemos o upload de narrativas não hegemônicas e sua circulação no ciberespaço como processos de criação, afirmação e compartilhamento de territorialidades urbanas em ciberculturas plurais.
Neste artigo, discutimos os rolezinhos: encontros que reúnem milhares de jovens de favelas e periferias urbanas em shopping centers, postos de gasolina e estacionamentos de supermercados em eventos gestados e convocados pelo Facebook. Na maior parte de suas ocorrências, no Rio de Janeiro e em São Paulo, essas manifestações despertaram reações de medo e truculência por parte dos frequentadores habituais desses espaços e da polícia.
A prática do rolezinho é aqui analisada em suas qualidades de invenção/vivência de territorialidades de encontro e celebração, assim como de enfrentamento de invisibilidades e interdições sociais, tendo como pano de fundo as limitações de espaços comuns e públicos nas condições atuais de urbanidade desigual.
O Território na perspectiva da cultura como narrativa estética
O território é uma experiência prático-sensível que responde, em uma primeira mirada, às necessidades de existência da sociedade. Não é sem razão que o território é concebido como um recurso sustentado por relações sociais que nos oferece uma condição fundamental para a vida material em conjunto. Todavia, como informam Bonnemaison & Cambrèzy (1996, p. 10), o território é também domínio de valores éticos, espirituais, simbólicos e afetivos por meio dos quais inventamos nossos abrigos do ser-no-mundo.
Abre-se, portanto, a possibilidade para pensar a relação da cultura e do território de modo abrangente e plural, tendo como referência as práticas sociais compartilhadas. É nesse sentido que podemos compreender que o território encarna uma grafia que combina maneiras de fazer e invenções do saber em estilos de existência diferentes uns dos outros. Revela-se, então, o território como uma experiência de relações entre sujeitos sociais em múltiplas demarcações espaço-temporais. Ou, como nos relembra Souza (2004, p. 86), uma “teia ou rede de relações sociais que, a par de sua complexidade interna, define, ao mesmo tempo, um limite, uma alteridade”.
A relação com o território é, portanto, uma prática criativa não exclusivamente associada à produção de bens e objetos, mas também aos estilos de existência que conferem significado à vida de indivíduos e coletivos sociais. Agora podemos convocar o debate da cultura para além do seu sentido de linguagem de representações imagéticas, buscando trilhar seu entendimento como uma escrita de sujeitos sociais para a apresentação de si com o outro no mundo da vida. Assumimos, então, o desafio de tratar a cultura como produção de significados espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam o ethos de uma sociedade ou grupo social, implicando o reconhecimento de conflitos, contradições e confrontos nos atos de apropriação e nas intencionalidades de uso do território como configuração de compartilhamentos que criam renovadas sociabilidades.
A relação território e cultura constitui mais do que um campo disciplinar ou intelectual, pois significa uma expressão de tensões e disputas de imaginários sobre o sentido do real. Estas se constituem como formas de linguagem de corpos, vivências, paixões e imaginações que pluralizam as concepções e percepções de horizontes de sentidos. Em outras palavras, estamos diante de narrativas que constituem a posição ocupada e respondem pela disposição de relações dos sujeitos na cena social em construções simbólico-expressivas. E, na sequência desta construção conceitual, indicamos a possibilidade de compreensão dos sujeitos sociais a partir dos territórios forjados nas narrativas prático-sensíveis de suas existências.
Denominaremos, para um abreviamento da descrição excessivamente teórica, a apropriação prático-sensível do território como corporeidade estética. Trata-se da produção grafada de uma narrativa de si como experiência corpórea de figuração do sujeito social diante de outros diferentes e desiguais sujeitos. Na perspectiva em causa, a estética deixa de ser algo exclusivo dos objetos de arte, para assumir uma dimensão das vivências entre sujeitos e territórios, portanto, solenemente distinta da concepção recorrente de juízo do gosto (regime operador de classificações, de classificados e classificadores que definem sobre o que é digno de pertencer à cultura) conferida à concepção recorrente de estética. É Milton Santos (2002) quem nos oferece a possibilidade deste entendimento amplo do sentido do território:
O território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações de sua existência (Santos, 2002, p. 13).
Marcamos, guardamos e habitamos territórios como corporeidades estéticas que manifestam os significados complexos do exercício de vida, mesmo que suas fronteiras sejam difusas e voláteis. Afinal, como recurso e abrigo das relações e vivências sociais, o território é sempre permeável às transformações da sociedade. E, quando se trata das condições do contemporâneo, delimitamos nossos territórios em comunicação com outros existentes. Assim, mergulhamos nossas vidas em múltiplas relações de intersubjetividade, sobretudo no atual contexto técnico científico[1], com sua força de transposição de fronteiras espaço-temporais.
De fato, os meios de produção, circulação e consumo simbólico têm se expandido consideravelmente a partir da difusão de tecnologias de informação e comunicação, provocando novas condições de recepção, percepção e experimentação que anulam fronteiras físicas mais ou menos rígidas do passado. Encontros, tensões e colagens culturais passaram a fazer parte de nosso cotidiano de modo intenso e plural, tornando as fronteiras espaço-temporais cada vez mais porosas, permeáveis e não menos conflitivas (Barbosa, 2015). É sob a égide destas novas condições de manifestação da existência que narrativas estéticas rompem clausuras e provocam fissuras, mobilizando sujeitos e atos em projetos de ser-no-mundo.
Não é sem assombro, portanto, que jovens das periferias urbanas inventam, por si mesmos, suas imagens (sonoras, visuais, tácteis) corporificadas e, com elas, movem os desafios sociopolíticos atualmente postos em nossa sociedade. A composição e a difusão de músicas, vídeos, fotografias e bailados por parte das juventudes das favelas e periferias são narrativas de si e de seus territórios que ganham mobilizações muitas vezes inesperadas nas mídias virtuais, fazendo a superação de fronteiras outrora mais rígidas (pela distância física e/ou pelos poderes discricionários estabelecidos) e limitadoras de processos de comunicação e de reconhecimentos com outros.
Queremos afirmar que, cada vez mais, as narrativas estéticas criadas em territórios específicos ganham fluxos de cruzamento de experiências manifestas em dispositivos de sensibilidades, sobretudo quando são apropriados por jovens desapropriados das condições de autoapresentação. Sujeitos e territórios mobilizam dispositivos de produção e comunicação desafiadores das condições de tempo e espaço fixadas por poderes discricionários para proclamarem, a seu modo, a sua inserção no movimento provocado pela nova condição de urbanidade[2] configurada pelos meios tecnológicos.
O processo em causa é criador de territorialidades, aqui definida como marcações móveis que se estabelecem como assinaturas autorais, estilos de produção e mobilização de subjetividades dos sujeitos. É esse o papel assumido das territorialidades como “locais de encontro” que fazem a diferença emergir como potência de mudança e disposição contrapontística aos regimes de hierarquização sociocultural.
Isto não significa concluir que os laços de identidade não se manifestam na convivência em territórios de pertença. Ou afirmar que as relações entre sujeitos e seus territórios se esfumam ou se liquidificam no nomadismo errante de signos autorreferentes. Embora os significados dos laços entre sujeitos e territórios não sejam mais marcados pela unicidade de concepções e de práticas socializadas, as relações de enlace são construídas e se renovam com a multiplicidade de trocas simbólicas realizadas em territorialidades cada vez mais diferenciadas.
É nesse sentido que os ambientes virtuais passam a configurar territorialidades de co-presença e coexistência para multiplicação de narrativas sensíveis e não exclusivamente para aceleração do consumo de sensações e banalização de individualismos. Estamos diante de tensões de recodificação de autores e reconfiguração de conteúdos nas mídias virtuais, fazendo desta um campo de disputas de imaginários.
Para Canevacci (2009), as representações plurais inovam a comunicação digital justamente porque são compostas por sujeitos que refletem de dentro de suas próprias culturas. Todavia, esta inovação da comunicação só se faz possível devido aos sujeitos que criam culturas a partir de seus territórios de existência, uma vez que mobilizam experiências inscritas no cotidiano de construção de seus atos simbólico-expressivos. O sentido de “dentro da cultura” deve ser traduzido como corporeidade estética que vibra em encontros presenciais e virtuais de criação e afirmação de pertenças cujo fundamento é a vivência de apropriação e uso do território. É nesta via que os conteúdos de downloads e uploads podem ser tomados como materiais fundamentais para compreender os repertórios manejados pelos jovens, suas vontades de potência na cena pública e sua condição de ser no/do mundo.
As mídias virtuais assumem a condição contraditória de provocar espetáculos de sensações para o consumo e de serem fissuradas por atos de jovens que exercitam suas potências. É a partir destes cenários de conflitividades que adentramos ao debate da cibercultura e das suas relações com sujeitos e territórios, especialmente com os jovens de favelas e periferias urbanas brasileiras.
Sujeitos e territorialidades da cibercultura: desafios ao compartilhamento de territórios em redes sociais
As redes sociais não nasceram com a internet ou com a era digital: elas sempre existiram. Na história da Humanidade, elas são o fundamento da sociabilidade, a essência das interações entre pessoas e das trocas de mercadorias, bens materiais, informações e bens simbólicos. Aditivadas pelos avanços tecnológicos nas comunicações e nos transportes, no quadro comumente identificado como globalização, essas trocas econômicas e culturais passaram a ocorrer em escala planetária, extrapolando os limites espaço-temporais que até então conhecíamos. As redes que revolucionam o nosso cotidiano – mais propriamente identificadas como redes sociotécnicas – são as redes sociais de sempre, agora inter/mediadas pelas técnicas do tempo presente[3].
Nas últimas décadas, os chips, as redes e tecnologias digitais de informação e comunicação transbordaram por todos os terrenos do cotidiano, tornando possíveis outros horizontes de expressão e diálogo, de produção de significados e intersubjetividade, de circulação e mobilização de narrativas plurais, de acesso ao conhecimento, de generosidade intelectual e valorização do comum, de compartilhamento e colaboração no sentido da construção da inteligência coletiva desenhada por Pierre Lévy, um dos pesquisadores seminais da cibercultura, que nada mais é que a cultura do século XXI.
Em 1999, P. Lévy já registrava a emergência de uma nova cultura e sinalizava sua potência transformadora de amplo espectro: “longe de ser uma subcultura dos fanáticos pela rede, a cibercultura expressa uma mutação fundamental da própria essência da cultura” (Levy, 1999, p. 247). Trata-se, segundo o autor, de um conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com as tecnologias de informação e comunicação.
Na mesma perspectiva, o sociólogo catalão Manuel Castells, em Sociedade em Rede (1999) chamava a atenção para a interferência das mudanças tecnológicas nas estruturas sociais e nos diversos campos das relações humanas. Para este autor, integramos uma estrutura social construída em torno de (mas não determinada por) redes digitais globais de comunicação, contexto que incide diretamente sobre o processo de formação e o exercício das relações de poder, especialmente no campo da cultura. Como nos alertava Castells:
Nossos meios de comunicação são nossas metáforas. Nossas metáforas criam o conteúdo da nossa cultura. Como a cultura é mediada e determinada pela comunicação, as próprias culturas, isto é, nossos sistemas de crenças e códigos historicamente produzidos, são transformados de maneira fundamental pelo novo sistema tecnológico e o serão ainda mais com o passar do tempo. (Castells, 1999, p. 414).
No século XX se fez dominante o modelo comunicacional de broadcast, no qual um emissor único transmite suas mensagens para um grande número de receptores, como acontece no rádio, na televisão e nos jornais. Um modelo em que “um” fala para “muitos”. Na virada do milênio, no entanto, a popularização da internet, do correio eletrônico, dos blogs e das comunidades virtuais propiciou a descentralização da emissão de mensagens, permitindo que “muitos” pudessem falar para “muitos” – o que certamente não é pouco:
A internet é um espaço privilegiado para a mobilização e para as lutas sociais contemporâneas, em função de sua capacitação de agregação de pessoas em diferentes pontos do planeta em torno de uma causa comum, local, transnacional ou global. É na própria internet que se desenvolvem, também, os debates e militâncias sobre o seu futuro (Costa, 2011, p. 110).
Sob esse novo contexto comunicacional, também fortemente dinamizado pela popularização dos aparelhos celulares – que logo agregaram recursos digitais para produção e troca de textos, fotografias, músicas e vídeos – e mais ainda pelas tecnologias móveis, os leitores passivos da comunicação de massas tornaram-se capazes de prover suas próprias narrativas, e colocá-las, eles mesmos, em circulação. Configura-se assim um novo universo de pontos de vista, versões, linguagens, repertórios culturais, experiências afetivas, existenciais e estéticas, agora com outras vozes, cores, sotaques de diferentes territórios que ganham cenas de envolvimento em/com dispositivos de comunicação:
A mediação digital remodela certas atividades cognitivas fundamentais que envolvem a linguagem, a sensibilidade, o conhecimento e a imaginação inventiva. A escrita, a leitura, a escuta, o jogo e a composição musical, a visão e a elaboração das imagens, a concepção, a perícia, o ensino e o aprendizado, reestruturados por dispositivos técnicos inéditos, estão ingressando em novas configurações sociais (Lévy, 1998, p. 17).
As novas práticas, atitudes, modos de pensar e valores que se desenvolvem nesse contexto informacional transcendem, em muito, sua infraestrutura tecnológica material, para mobilizar novas experiências territoriais e, no seu desdobramento de realização, a construção de territorialidades de diferentes manifestações de existências de sujeitos sociais. Emergem assim marcações de pertencimentos para proclamar outras existências e outros territórios contrapontísticos ao regime hegemônico de representações.
É nesse sentido que redes horizontais de produção de informação configuram um poder de comunicação que até então estava concentrado apenas nas grandes corporações de mídia. Cidadãos até então destinados à “invisibilidade social” ousam circular invenções e repertórios que ultrapassam as práticas culturais hegemônicas da cidade. “A rua encontra seus próprios usos para as coisas”, como registra William Gibson em “Burning Chrome”, seu conto cyberpunk publicado em 1982.
A comunicação livre e horizontal, de muitos para muitos, configura essas redes como instrumentos de ação coletiva e construção de significado, envolvendo territórios e territorialidades em rede. Vivenciamos, assim, a complexificação das relações mediadas pela tecnologia e a ressignificação da experiência coletiva – e da própria esfera pública – através de novos modos de comunicação em territorialidades intersubjetivas e comunitárias. É nesta perspectiva que as redes sociotécnicas contribuem para superar os limites dos sistemas informáticos comunicacionais e ganham amplitude na vida cotidiana dos sujeitos, projetando-os em outro lugar social (Mendonça e Castro, 1999, p. 158).
Desenvolvendo formas de organização social através da mediação tecnológica de comunicação, as redes contemporâneas possibilitam a emergência de novas tipologias de laços comunitários, ilustrados pelas comunidades no Facebook e pelos canais no YouTube, ao lado de processos de baixo para cima constituintes de uma instância política alternativa (Costa, 2014, p. 6).
A essa disputa de narrativas, Castells (2007, p. 238) dá o nome de “autocomunicação de massas”, uma forma de comunicação que é específica da sociedade informacional, centrada na articulação de redes horizontais de produção de mensagens e de conhecimento. A capacidade de desenvolver formas de autocomunicação de massa e de construir redes configuram, para o autor, uma nova “capacidade dos atores sociais de confrontarem e, eventualmente, mudarem as relações institucionalizadas de poder em uma sociedade”.
Mídias virtuais, território e territorialidades envolvem experiências prático-sensíveis que abrigam e exteriorizam existências individuais e coletivas. São, portanto, investimentos simbólicos, éticos e estéticos que promovem a visibilidade de sujeitos na disputa de imaginários sobre o significado da sociedade. É justamente tendo esta cena em perspectiva que situamos as práticas populares como o passinho, o tecnobrega e os rolezinhos, por exemplo – forjadas ao largo da indústria cultural e inscritas na interseção de cultura, arte e tecnologia – como sociabilidades que renovam experiências estéticas urbanas e afirmam a pluralidade cultural da cidade, interpelando com vigor os debates sobre democracia, cidadania, direitos culturais e políticas públicas.
É nesse sentido que muitas experiências e experimentações de territorialidades afirmam identidades, promovem a circulação interterritorial de narrativas, desenham um novo campo de inovação cidadã e, a seu modo, retomam para si o diálogo entre virtual e potência anunciado por Lévy (1999). Portanto, compreender a potência de ressignificação de sujeitos sociais e de territórios a partir da formação e afirmação de redes de afeto e intersubjetividades é ratificar a dimensão política desse processo, na busca de enfrentamento à invisibilidade social que incide diretamente sobre os sujeitos dessas vozes.
Rolezinhos como virtualidade e potência para compartilhamentos plurais
Rolés e rolezinhos são expressões que passaram a definir encontros marcados por jovens para invenção de territorialidades de celebração. Atribuídos geralmente aos jovens de favelas e periferias urbanas, notadamente aos vinculados às estéticas do funk, os rolés ganham a dimensão de insurgências diante da proibição e criminalização de bailes e festas por eles protagonizados. Os rolés e rolezinhos passam então a se constituir como marcações de corporeidades estéticas que, embora de duração efêmera, tornam-se emblemáticas porque definem presenças que enfrentam invisibilidades e interdições impostas.
Dar um rolé não é andar a esmo, muito menos fazer errâncias ou perambulações pela cidade. O rolé significa passear para visitar, para conhecer, para encontrar. Praças, esquinas, ruas, praias e estacionamentos de supermercados e de postos de gasolinas demarcaram as cartografias de localização de eventos que passam não só a questionar normativas autoritárias que recorrentemente são dirigidas às expressões populares, com toda a carga de racialização que lhes convém, mas operam também um modo de ser visível na cidade em um processo de des-guetificação de jovens marcados pela distinção corpórea-territorial de direitos.
Se rolés e rolezinhos se constituíram por encontros de indivíduos e grupos a partir de sua identidade de narrativas e da localização de proximidade de seus territórios de morada e circulação, sem demora passaram a ganhar maior densidade e ampliar sua presença em diferentes espaços das cidades, sobretudo pela força adquirida pelos fluxos de suas narrativas estéticas nas mídias virtuais. Facebook, Twitter e WhatsApp construíram trilhas para seguidores colocando em evidência a capacidade individual e coletiva de reconhecimentos de si e para si dos jovens, a partir de suas próprias narrativas simbólicas e de toda carga de possibilidades de mobilização de centenas e milhares de outros jovens para invenção de territorialidades de celebração.
A autocomunicação de massa centrada na articulação horizontalizada de produção de narrativas se tornou um recurso singular para a amplificação de pertencimentos entre jovens de territórios populares, cujas marcações fizeram do rolé, inicialmente, um momento de celebração em seus espaços mais cotidianos de circulação para, em seguida, constituir os rolezinhos, em um movimento de fissuras de fronteiras socioespaciais demarcadas na cidade.
As interações de manifestações de existências do território em comunidades virtuais passaram, assim, a ganhar corpo nas cidades, colocando em causa os constrangimentos provocados pelas fronteiras a que muitos jovens estão submetidos em seu cotidiano (das facções do tráfico, da polícia, da periferia/centro, da favela/asfalto) e, sem dúvida, resultando na não obediência aos códigos de restrição de circulação estabelecidos pelos recortes urbanos de classe social.
Uma das situações mais emblemáticas e de maior notoriedade nos meios de comunicação dessas fissuras de fronteiras foram os rolezinhos em shopping centers. Espaços comerciais privados abertos ao público consumidor, que foram marcados com as apresentações de si dos jovens de periferias e favelas. Tais manifestações, como é sabido, provocaram reações que explicitaram formas e processos contundentes de rejeição e apartação social em curso na sociedade brasileira, sobretudo em espaços de consumo de bens simbólicos distintivos.
Encontros marcados em shopping centers não são novidade para jovens de classe média. Cinemas, praças de alimentação e lanchonetes temáticas se tornaram triviais para namorar, azarar e se divertir[4]. Curiosamente, foram esses mesmos desejos que mobilizaram alguns jovens participantes dos rolezinhos em um shopping na cidade de Cascavel: “É apenas para reunir o povo, fazer novas amizades, dar risadas, cantar uma música, tocar violão, tomar um tereré”. Ou como declararam jovens que estiveram em rolezinhos no shopping Itaquera: “A gente só queria encontrar pessoas que a gente só conhecia pela internet”; “A gente está aqui para se conhecer, trocar ideias e tirar umas fotos”. Aqui se explicita a vontade de sociabilidade mobilizada pelas redes de cibercultura, onde as identidades simbólicas são corporeidades estéticas feitas de hinos, chapéus, bermudas, camisetas, cordões, óculos escuros, gestos, danças, gingas e falas de jovens de favelas e periferias[5].
Algo que parece nada fora do comum se tornou ameaçador. Lojistas fechando portas com medo de furtos e saques. Seguranças agindo com truculência contra prováveis arrastões. Policiais militares plantados às portas de entrada para impedir a entrada de indesejáveis com cassetetes e bombas de gás lacrimogênio. São cenas descritas em muitas cidades e que ganharam o noticiário dos meios de comunicação em todo país. Pudera, cerca de seis mil jovens se encontraram no Shopping Metrô Itaquera (em oito de dezembro de 2013) para o assombro da administração do centro comercial e de seus frequentadores habituais. Logo depois, dia 14 de dezembro, novamente 2,5 mil jovens estavam presentes no Shopping Internacional de Guarulhos e, embora não tenha havido nenhum registro de roubos ou saques, 20 suspeitos foram detidos e levados para uma delegacia policial. Outros encontros marcados pelas redes sociais em shoppings, como os de Campo Limpo e JK Iguatemi, foram interditados por liminares da Justiça que autorizaram a segurança dos centros comerciais a restringir a entrada de jovens.
Os rolezinhos para conhecer “as minas, cantar e tirar uma foto com as fãs” foram tomados como perigosos, assustadores e ameaçadores o suficiente para provocar liminares judiciais e truculência policial voltadas a impedir e reprimir a presença de funkeiros[6] que quebram os códigos de conduta das classes médias em seus templos de consumo. Por outro lado, a reação autoritária e agressiva desmedida contra a presença de jovens convocados para “passear, cantar e azarar” revela não só uma intolerância contra os diferentes, mas também a força de corporeidades estéticas na disputa social sobre o significado da cidade como espaço social comum e público.
É certo que os rolés de jovens de periferia já existiam em shoppings, sobretudo pela limitada presença de equipamentos públicos de cultura e lazer de qualidade em seus bairros, tornando os shoppings um dos poucos espaços para seus encontros de sociabilidade[7]. Todavia, a novidade é quando eles se convertem em um movimento de apresentação em massa e passam a emergir em diferentes cidades do país, inclusive com apropriações da expressão em distintos perfis sociais, desde os dos “famosinhos” aos de causas políticas mais ou menos explícitas, incluindo entre elas os rolezinhos de universitários, os rolezões de trabalhadores sem teto e os rolés de movimentos de mulheres. Todavia, o que está em causa é um movimento das representações virtuais às apresentações corpóreas como potência de redes de intersubjetividades para enfrentamento à invisibilidade de sujeitos, para reivindicações políticas de grupos sociais e de manifestações advindas de territórios na ordem urbana da desigualdade.
É interessante também observar o retorno das apresentações corporificadas em dispositivos de comunicação em compartilhamentos e curtidas em comunidades de Facebook, em mensagens via Twitter e Whatsapp, assim como em postagens nos canais do YouTube. Neste último, ao digitarmos a palavras rolés e rolezinhos encontramos como resposta a indicação de centenas de postagens de vídeos, algumas delas com mais de 100 mil visualizações. A força simbólica de provocar tensões, questionamentos e provocações continua ativa, circulando imaginários e imaginações sobre a mobilização de subjetividades de jovens das periferias urbanas. Parafraseando W. Gibson: os sujeitos inventam seus próprios sentidos e usos para as coisas que desejam compartilhar.
Os rolés e rolezinhos continuam a existir como memória de atos que tensionaram espaços ordenados e estabelecidos para usos exclusivos de classe e como virtualidades de ações de jovens que desejam ser protagonistas de suas próprias representações e de seus territórios de existências. É nesse sentido que as chamadas “comunidades de internet” se colocam como mediações poderosas de sociabilidade que não substituem encontros presenciais, uma vez que ensejam e complementam relações de reconhecimento sociocultural para além de um âmbito geográfico específico.
Pode-se afirmar, então, que os rolezinhos se tornaram eventos que combinam o virtual à potência das redes sociotécnicas para a apropriação prático-sensível de espaços interditos e interditados da cidade. Se não podemos fazer uma métrica política das conquistas objetivas das territorialidades efêmeras como as dos rolés e rolezinhos, deve-se considerar, entretanto, que as trocas de subjetividades mobilizadas em redes da cibercultura correspondem às buscas cotidianas de legitimidade da presença corpórea de jovens de favelas e periferias em metrópoles profundamente desiguais. Nesse, sentido, os compartilhamentos virtuais são frutos e sementes de encontros em territórios e, a seu modo, revelam potências de afirmação de grupos subalternizados na cena cultural e política contemporânea.
Considerações finais (para iniciar novas conversações)
Apesar da aparente sensação de que “todo mundo está na rede”, a Internet World Stats[8], entidade que monitora a difusão da rede mundial de computadores, mostra que somente 42,4% da população do planeta têm acesso à rede, o que corresponde a 3,08 bilhões de pessoas conectadas. Isso significa que a centralidade da internet em grande parte das áreas da atividade social, econômica e política significa marginalidade para quase 60% da Humanidade, que a ela não têm acesso, ou têm acesso limitado por algum motivo, seja político, econômico ou de outra ordem.
A desigualdade é mais gravemente percebida quando se leva em conta a distribuição dos internautas: enquanto na América do Norte o percentual da população conectada é de 86,9%, na África esse número cai para 27,5%, passando por 34,8% na Ásia (incluindo o Japão); 48,1% no Oriente Médio; 52,4% na América Latina e Caribe[9]; 70,4% na Europa e 72,1% na Oceania/Austrália.
Quando se considera todos os conectados do mundo, 75% deles estão em 20 países (o Brasil está em quinto lugar nesse ranking). Os 25% restantes estão distribuídos entre 178 países, cada um com penetração de menos de 1% de sua população. Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e Canadá têm mais de 80% de suas populações conectadas.
Esses números representam a chamada “divisão digital” ou “brecha digital” e traçam o mapa da exclusão digital no mundo. Manuel Castells (1999a) considera que a geração de riqueza, o exercício do poder e a criação de códigos culturais passaram a depender da capacidade tecnológica das sociedades e dos indivíduos. No quadro da desigualdade digital do planeta, aponta o que identifica como “o quarto mundo”:
Por intermédio da tecnologia, redes de capital, de trabalho, de informação e de mercados conectaram funções, pessoas e locais valiosos ao redor do mundo, ao mesmo tempo em que desconectaram as populações e territórios desprovidos de valor e interesse para a dinâmica do capitalismo global. Seguiram-se exclusão social e não-pertinência econômica de segmentos de sociedades, de áreas urbanas, de regiões e de países inteiros, constituindo o que eu chamo de “o quarto mundo” (Castells, 1999a, p. 412).
O autor alerta que a sociedade pode sufocar, incentivar ou priorizar caminhos para seu desenvolvimento tecnológico. Ganha ênfase, portanto, o papel fundamental do Estado de capitanear a formulação de políticas públicas que, ao incentivar a universalização da apropriação das tecnologias digitais e a prática de uma cultura das redes, exercitem seu papel maior, de contribuir para a efetivação de cidadania:
Sem dúvida, a habilidade ou inabilidade de as sociedades dominarem a tecnologia e, em especial, aquelas tecnologias que são estrategicamente decisivas em cada período histórico, traça seu destino a ponto de podermos dizer que, embora não determine a evolução histórica e a transformação social, a tecnologia (ou sua falta) incorpora a capacidade de transformação das sociedades, bem como os usos que as sociedades, sempre em um processo conflituoso, decidem dar ao seu potencial tecnológico (Castells, 1999a, p. 44).
O Brasil é considerado um fenômeno na assimilação das redes sociais e das tecnologias digitais. Em uma de suas várias visitas de observação sobre a apropriação dos paradigmas ciberculturais, no ano de 2007, John Perry Barlow, fundador da Electronic Frontier Foundation (EFF), uma das mais importantes organizações dedicadas à defesa das liberdades civis no mundo digital, registrou: “O Brasil é, naturalmente, uma sociedade em rede”[10].
Exemplo disso foi o Orkut que, pouco depois de chegar por aqui, teve seu perfil original de usuários inteiramente modificado: “ricos-brancos-com-diplomas-universitários perderam a maioria e o espaço foi ‘invadido’ por gente mais pobre, mais negra, de baixa escolaridade”[11], suscitando a criação do neologismo discricionário “orkutização”.
Tal singularidade é também ilustrada por inúmeras práticas culturais originais que aqui tiveram lugar, como o tecnobrega, o passinho, as batalhas de barbeiros e a cena dos saraus que se expandem pela cidade, articuladas e convocadas pelas redes, a explosão das lanhouses pelas periferias de todo o país, e o próprio rolezinho, abordado neste artigo.
Como fio inicial para novas conversações, podemos pensar os passinhos e rolezinhos em sua dimensão lúdica, que toma o espaço urbano como terreno de jogo, criando espaços e tempos diferenciados e conjugando mobilidades que se dão na relação entre o espaço tangível e o virtual, no contexto do que André Lemos (2008) identifica como “território informacional”. De acordo com J. Huizinga (1980), um dos mais reconhecidos estudiosos desse campo, é no e pelo jogo que as culturas nascem e se desenvolvem. Eles integram o patrimônio imaterial dos diferentes grupos sociais e são importantes operadores de espacialidades:
O jogo é um excelente operador de espacialidade. Produz socialmente o espaço pela criação de tempo e lugar próprios que “suspendem” as funções práticas e utilitárias do dia-a-dia (o que alguns autores chamam de “círculo mágico”), modificando o uso habitual do espaço-tempo pelo efeito lúdico (Lemos, 2008).
O ciberespaço inclui, de acordo com Lévy, não apenas a infraestrutura material da comunicação digital e o oceano de informações que ela abriga, mas também os seres humanos que nele navegam e o alimentam. Um universo que, incessantemente, se interroga com voz plural sobre sua identidade intangível: “Ao se autodescrever, a rede se autoproduz. Cada mapa invoca um território futuro e os territórios do ciberespaço são recobertos por mapas que retraçam outros mapas, em abismo” (Lévy, 1999, p. 17 e p. 208).
As novas cartografias de práticas inventivas ganham nas ciberculturas um portal de afirmação e comunicação de sujeitos autônomos, mas que se fazem coletivos ao expressar suas territorialidades de encontro. Estamos diante de exercícios cotidianos de (com)viver, sob pressupostos de igualdade que incorporam as diferenças nos mapas das existências. Compartilhar é habitar uma mesma morada de múltiplos desejos.
REFERÊNCIAS
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[1] No atual contexto técnico-científico, os meios e os objetos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais devido à extrema intencionalidade de sua produção social e de sua localização geográfica. A energia principal do funcionamento destes meios e objetos é informação, tornando seu controle e sua difusão um novo modo de poder. É nesta perspectiva que a ciência, a tecnologia e a informação passam a coordenar decisivamente os processos de produção, circulação e comunicação socioespaciais (Santos, 2014).
[2] Definimos como urbanidade um momento atual de generalização da sociedade urbana que estabelece e faz a extensão geográfica de valores, práticas, expectativas e perspectivas a partir de referências da vida urbana. Isto implica conceber o espaço urbano contemporâneo como uma experiência comunicacional, para além de seus atributos e conteúdos de forma e função objetivas e materiais.
[3] As técnicas têm forte influência na formação de novos comportamentos e novas culturas. Todavia, não é possível admitir-se que esta mesma técnica tenha se desenvolvido fora do contexto das transformações nas relações humanas que a presidem (Foucault, Rabinow, 1984).
[4] São 30,7 milhões de jovens de 16 a 24 anos no Brasil e pelo menos 50 % deles vai a shoppings uma vez ao ano (IBGE, 2010; Data Folha, 2013).
[5] Há um forte vínculo dessas incursões de massa em shoppings com a estética do funk de ostentação, cujo repertório evoca o consumo de bens como sensação de prazer e valor de distinção social. De certo modo, o imaginário da ostentação posiciona os jovens da periferia na cena de valores sobre os quais as classes médias e altas julgam ter exclusividade. “Vida é ter um Hyundai e uma Hornet / Dez mil pra gastar com Rolex e Juliet / Melhores kits, vários investimentos / Ah como é bom ser o top do momento” (MC Danado). A exaltação do luxo e do consumo, interpretada como adesão ao sistema, tornou o funk de ostentação objeto de muitas críticas e recriminações. Entretanto, os rolezinhos – e a repressão sofrida por seus protagonistas – deram a esta estética do funk uma “marca de resistência”, inclusive por parte de seus mais veementes críticos.
[6] Expressão que não é nada lisonjeira ou de reconhecimento de uma identidade. Funkeiros ganha uma forte conotação preconceituosa de jovens negros e sua presença coletiva criminalizada como arrastão. Na verdade, estamos diante da rejeição sem disfarce de indivíduos e grupos sociais em determinados espaços da cidade, preconizada no discurso de gerentes, lojistas e clientes de shoppings centers onde ocorreram os eventos de rolezinhos, e reverberado exaustivamente nas mensagens de mídias dos meios de comunicação de massa.
[7] Jefferson Luís, 20 anos, um dos organizadores do rolezinho do Shopping Internacional de Guarulhos, em entrevista ao jornal O Globo afirmou de modo contundente: “Não seria um protesto, seria uma resposta à opressão. Não dá para ficar em casa trancado”.
[8] http://www.internetworldstats.com/stats.htm, dados de 31/12/2014.
[9] A América Latina e Caribe têm 182,8 milhões de usuários conectados. A taxa de penetração em cada país (percentual da população conectada) é liderada pelo Chile, com 50,4%, seguido da Argentina, com 48,9%, Colombia, com 47,6%, e Brasil, com 36,2%. A média de crescimento na América Latina e Caribe, de 2000 a 2009 é de 927,2%, sendo que o crescimento do Brasil no período foi de 1.340,6%.
[10] Entrevista de Barlow ao blog Ecologia Digital em setembro de 2007 (http://ecodigital.blogspot.com.br/2008/02/john-barlow-explica-o-fenmeno-orkut-no.html)
[11] A constatação está no artigo “A orkutização do cotidiano brasileiro”, de autoria de Hermano Vianna, Ronaldo Lemos, Ale Youssef e José Marcelo Zacchi, que integrou a publicação Vozes da Classe Média (Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, setembro/12).