Ano XII 0201
2º semestre de 2017
editorial
Tempo de leitura estimado: 4 minutos

Humanidades digitais e cultura tecnocientífica

Nas humanidades, o desenvolvimento e emprego intensivo das novas tecnologias de informação em análises de grandes volumes de dados e na produção de visualizações dos resultados das análises têm redesenhado não somente as formas de divulgação das pesquisas, como também os meios pelos quais o pesquisador se insere no campo, o inquire, disputa credibilidade e prestígio, escolhe temas, formula objetos, aprende novas técnicas e desenvolve metodologias. Esse quadro traz consigo a exigência epistemológica de se pensar criticamente sobre como a produção do conhecimento nas ciências humanas passa cada vez mais a vincular-se a uma cultura tecnocientífica altamente estetizada, em meio à qual os recursos computacionais, com sua propriedade não só de processamento acelerado de big data, mas também (e talvez principalmente) de produzir visualizações atraentes, arrisca por si só legitimar os resultados das pesquisas assim produzidas e postas em circulação. A consciência desse risco, por outro lado, não recusa o potencial de produção e divulgação de conhecimento relevante no universo das Humanidades Digitais. Pelo contrário, pretende contribuir para a sua máxima atualização.

Este dossiê demonstra, numa rica variedade de recortes temáticos, métodos e problemas de pesquisa, como as Humanidades Digitais têm ganhado mais e mais interessados em desenvolver suas investigações, por meio de uma práxis que se diz transdisciplinar, e que, de fato, contribui para a dialogia entre competências e disciplinas distintas em torno de objetos comuns.

Roberto Bartholo e Claudia Holanda, em “Sondando a cidade. Memória, cartografias e caminhadas”, propõem uma heurística sobre a zona portuária do Rio de Janeiro a partir do exercício de audição de uma cidade que se evidencia pela plataforma Sons do Porto (http://www.sonsdoporto.com).

Ainda em “sintonia” com a busca pelo desvelamento de uma “nova” cidade a partir da intermediação digital no campo de pesquisa, Maria Thereza Sotomayor e Vera Dodebei evidenciam, em “A vulnerabilidade social e as memórias subterrâneas: o fenômeno Rio Invisível”, as experiências e memórias de atores sociais em situação de vulnerabilidade na cidade do Rio de Janeiro, mediante uma abordagem netnográfica da página do Facebook “Rio Invisível”, na qual narrativas e demais relatos desses (e sobre) esses atores sociais ganham visibilidade.

Entre espaços físicos ou eletrônicos de sociabilidade, Mônica Machado traz uma rica contribuição em “A teoria da Antropologia Digital para as Humanidades Digitais”, ao nos apresentar o conceito de antropologia digital e como este está ligado à cultura digital vigente, cujas formas de sociabilidade são em grande parte mediadas pelas tecnologias digitais.

É com o olhar voltado para essas mesmas tecnologias que Renan Marinho de Castro e Ricardo Pimenta apontam para uma crescente cultura visuocêntrica imanente às diversas redes e plataformas existentes na internet, onde torna-se possível concatenar dados de bases diferentes com o intuito de gerar informação. Assim, com o emprego do software VOSViewer, o recorte escolhido por esses autores é o que se produz (e de onde se produz) sobre as próprias Humanidades Digitais no Brasil.

As mediações tecnológicas, com seu potencial estetizante de registro e comunicação, também compõem o repertório de produções ou problematizações sobre recursos e usos de smartphones nas humanidades, entre outros dispositivos. Exemplo disso são os artigos “Narrativas audiovisuais entre coletivos artísticos”, de Lara Lima Satler e Alice Fátima Martins, e “O smartphone nos trajetos cotidianos: refúgio, jogo e presença”, de Gabriel Bursztyn, Roberto Bartholo e Khaldoun Zreik.

Por fim, uma entrevista com Andreas Fickers, do Centro de História Contemporânea e Digital (C2DH) da Universidade de Luxemburgo, nos elucida mais algumas das características quanto aos recursos, à comunidade internacional, à questão da estética presente em suas atividades e produções, assim como ao panorama epistemológico geral das Humanidades Digitais e, mais particularmente, da História Digital.

Finalizando, este dossiê busca contribuir para o esclarecimento sobre o mais e mais presente campo das Humanidades Digitais brasileiras, com variedade temática e pluralidade disciplinar. Certos da qualidade dos artigos aqui publicados, desejamos uma ótima leitura, apostando em um contínuo, edificante e criativo processo reflexivo sobre o papel das humanidades, incluindo suas possíveis reestruturações, em meio à cultura digital.

 

Ricardo M. Pimenta e Marco Schneider

Organizadores