“Nós que não somos como as outras”. Clarah Averbuck tem o título do livro da escritora espanhola, Lucía Etxebarria, tatuado no corpo. E definitivamente ela é diferente: é uma mulher de personalidade forte.Talvez por isso uns a adorem e outros a detestem.
Se todos somos personagens de nós mesmos, eu diria que Clarah se diferencia por assumir esse papel. Com tudo isso, misturado com sua literatura, ela também atraiu a atenção do diretor de cinema Murilo Salles, que adaptou sua obra para o cinema. Em “Nome Próprio” sua história é vivida pela atriz Leandra Leal.
Máquina de pinball (Editora Conrad ); Das coisas esquecidas atrás da estante(Editora 7 Letras) e Vida de gato (Editora Planeta) são seus livros publicados. Ela prefere o último! E já está com outros três no prelo: Toreando o diabo; Delírio de ruína (em parceria com a estilista Rita Wainer); Eu quero ser eu (contemplada pelo Programa Petrobrás Cultural).
Quando não está escrevendo, ela está “cuidando da filha, fuçando pela Internet ou bebendo pelas ruas…” Li sua obra recentemente, depois de assistir à pré-estreia do filme, no Odeon BR, no Rio de Janeiro, local onde aconteceu essa conversa. Realizei a entrevista em companhia da poeta Maria Rezende e do músico, escritor e cineasta Rodrigo Bittencourt – que está produzindo um documentário sobre a Clarah para o Canal Brasil. Espero que aproveitem!
Click(IN)VERSOS – O que achou do filme “Nome Próprio”, de Murilo Sales?
Clara Averbuck: Gostei, mas fiquei chateada com a modificação que fizeram no meu texto que aparece na tela. Eu escrevi o texto, reescreveram no meu lugar, eu escrevi novamente e acabou ficando uma coisa diluída. As pessoas sabem que é baseado na minha obra e o que aparece escrito no filme não é meu. Isso incomoda.
Click(IN)VERSOS – Seu livro Máquina de Pinball (Editora Conrad) ganhou adaptação para o teatro, roteirizado por Antônio Abujamra e Alan Castelo, em 2003…
CA: Eu odiei muito. Eu estava grávida e quase pari de desgosto. Juro por Deus! Acabou que o Abujamra não teve muita participação na montagem, foi montado por outra pessoa. E atriz também não era boa, ficava dando piruetas no monólogo. Tudo com a entonação errada: quando era pra ser blasé ela gritava, e quando era pra gritar ela era blasé. Eles não mexeram no texto, nada, tudo estava lá. É o inverso do que aconteceu no cinema, que tem a Leandra (Leal) com uma interpretação maravilhosa.
Click(IN)VERSOS – Como a escrita chegou até você? A família influenciou?
CA: Eu lembro que sempre escrevi. Eu me divertia escrevendo, assim como me divirto hoje. É um grande prazer. Não teve um dia em que decidi me tornar escritora. Só me dei conta que estava indo para esse caminho. A minha mãe sempre leu muito, ela escrevia também. Sou filha de artista, meu pai é músico e ator. Tive isso tudo muito forte em casa.
Click(IN)VERSOS – Quando você percebeu que queria apenas escrever?
CA: Quando me mudei para São Paulo. Antes eu trabalhava numa agência de publicidade em Porto Alegre, mas não queria ser redatora publicitária. Meu chefe dizia que eu tinha grande potencial, mas eu não queria. Teve a ver muito com o (John) Fante isso. Tenho um ciúme do Fante! Todo mundo chega falando dele como se conhecesse. Teve a ver com o (Arturo) Bandini, na verdade. Achei que estava saindo do Colorado para ser uma escritora em Los Angeles… (risos) Cheguei a cursar letras e jornalismo. Mas, sou vagabunda, não gosto de estudar, de trabalhar…
Click(IN)VERSOS – Foi assim que surgiu o pseudônimo Camila?
CA: Camila já meio que existia. Eu publicava com outro nome quando eu namorava. Usava o nome da Camila. Já era um alter ego meu, depois eu assumi. As pessoas que estiverem perto de mim vão entrar na minha literatura…
Click(IN)VERSOS – Dá para traçar um paralelo com o pseudônimo do Bukowski?
CA: Acho que dá para traçar um paralelo com várias pessoas que escrevem usando um alter ego. Ou que escrevem usando a vida como matéria prima. Não necessariamente o (Henry) Chinasky.
Click(IN)VERSOS – Esse alter ego da literatura se infiltra na sua vida?
CA: Sou eu. Não tem o que se infiltrar. Sou eu e é uma ficção. A partir do momento que está escrito não interessa se é verdade ou não. As pessoas se preocupam muito com isso. Aconteceu ou não? As pessoas sabem o que eu deixo elas saberem. Eu só quero escrever e que não me incomodem muito. Elas deviam ler e não se importar tanto. Mas também tenho essa curiosidade: fui pra Los Angeles para ver onde o Fante morava. Há três anos, também fui visitar o túmulo do Bukowski e deixei uma garrafa de Ipioca lá.
Click(IN)VERSOS – Como é a relação da música e da literatura?
CA: Sou 50% música e 50% literatura. Fiz outra banda agora, não tem nome ainda. Quero um nome em português. Gosto muito de ouvir Vanguart, uma banda de Cuiabá ótima! Porcas Borboletas, uma banda de Uberlândia excelente! Ainda pouco eu estava ouvindo Rolling Stones. Gosto de Velvet Undergound, Fiona Apple, Bob Dylan…
Click(IN)VERSOS – E música brasileira? Você quase não tem referência brasileira.
CA: Eu quase não ouço. Não me identifico com as coisas daqui. Não bate. Mas gosto muito da Márcia Denser, é minha irmã mais velha. Gosto muito do Leminski. Gosto muito da Cecília Giannetti, que é uma grande amiga. Gosto do (Daniel) Galera. E o cara que mais me identifico que é o Mário Bortolotto. Não li a Mayra (Dias Gomes), mas gosto bastante dela. Ela falou que leu meu livro aos 14 anos. Me sinto uma tia perto dela. Atualmente estou lendo o Guimarães Rosa.
Click(IN)VERSOS – Atualmente você escreve o blog Adiós Lounge. Por que você acabou com o seu primeiro blog, o Brazileira Preta?
CA: Enchi o saco, cansei e não tava mais a fim de escrever lá. Depois fiz um blog escondido. Eu casei e o casamento me consumiu, a gente se consumia muito. E para escrever se precisa de solidão. O que escrevo é muito visceral. Não posso esconder ou fugir. Eu fujo é das pessoas! De uma maneira geral as pessoas são muito chatas. Elas não têm muita coisa a dizer e isso me irrita bastante. Elas falam, falam e não falam nada. Antes eu até discutia com elas, mas agora não tenho mais paciência. Eu me retiro.
Click(IN)VERSOS – E existe literatura de blog? Você acha que você se encaixa em que lugar na literatura?
CA: Quem tem que saber disso são vocês…(risos) Não existe literatura de blog! Não existe! É apenas um meio de publicação com uma data em baixo. Por isso tem blog de receita de bolo, de resenha de discos, de política… É apenas um rótulo idiota. Eu quero escrever, não quero me inserir em nada. Literatura pop é outro termo que não gosto.
Click(IN)VERSOS – Como é seu processo criativo?
CA: Eu ando com um caderninho na bolsa, quando tenho vontade vou lá e escrevo. Não tenho regra pra nada! Nem pra comer, dormir ou escrever. Sou completamente desregrada.
Click(IN)VERSOS – A metrópole está muito presente na sua literatura. Tem vontade de sair de São Paulo? Voltar para Porto Alegre?
CA: Voltar para Porto Alegre nunca mais! Eu fugi de lá, pra que eu vou voltar? Eu gosto de lá para visitar as pessoas, mas nunca mais vou morar lá. Nem quando ficar velha e herdar a casa dos meus pais. Minha filha que vai cuidar disso! Eu gosto de cidade grande e de barulho. Só saio de São Paulo para ir embora do Brasil. Tenho uma relação de amor e ódio com São Paulo. Moro num lugar muito feio, na Praça Roosevelt. Feio, cheio de concreto, mas tem uma certa beleza naquilo tudo.
Click(IN)VERSOS – E o Rio de Janeiro te atrai?
CA: Ah, vou ser um pouco hippie: o Rio tem uma mágica, uma coisa no ar… Gosto muito da arquitetura, dos prédios antigos e do mar – sempre! Esses prédios brotando em meio das pedras, essas pedras brotando em meio aos prédios.
Click(IN)VERSOS – Você teve sua filha num parto normal, em casa. Depois que ela nasceu o que mudou na sua vida e na sua literatura?
CA:Na minha literatura não mudou nada. E as pessoas fazem muito alarde dizendo que filho muda tudo. Tem aquelas pessoas que deixam de ser elas mesmas: param de sair, engordam, não se penteiam mais. Eu sou a única mãe que posso ser. O que ela vai achar das coisas que escrevo? Espero que ela goste! Não tem muita putaria. Mas outro dia me chamaram de literatura erótica…
Click(IN)VERSOS – O que te atrai na vida?
CA: A paixão. O que me atrai é a paixão: por um homem, por livro, pelo Rio de Janeiro, por um filme, pela arte em geral. Coisas que fazem o coração bater mais rápido. Click(IN)VERSOS – Quantas tatuagens você tem?
CA: Não sei. Quer contar? Eu já tentei contar algumas vezes, mas me perco. Tenho umas vinte e poucas. Faço tatuagens com minhas amigas, tenho essa mania. É melhor do que fazer aliança com homem, né? Amizade, quando é de verdade, não acaba. Me interesso por moda, tenho muitos amigos do mundo da moda. Eu gosto de me ornar. A roupa também é uma maneira de se comunicar, se colocar. Sou muito vaidosa.Click(IN)VERSOS – Há leitores que acreditam que seus gatos são alter egos. Como é sua relação com os felinos?
CA: (risos) Eu convivo com gatos há muito tempo. Eu tenho três gatos e minha mãe tem uns cinquenta. Sem exageros! Claro que eles existem. Tem o Joo, a Gatinha e um outro que se chama Jimi Hendrix – mas minha filha mudou para Marcelo, nome do pai dela. Click(IN)VERSOS – O que diria para os jovens que querem escrever?
CA: Escrever não é brincadeira. Tem que levar a sério!Tem que colocar uma alma, porque senão fica apenas uma palavra depois da outra. A pessoa tem que dar um pouco do sangue dela para acreditar no que escreve. Não é para qualquer um.
* Ramon Mello (Araruama – RJ, 1984) é poeta, escritor, jornalista e ator. Formado em Comunicação Social (Jornalismo) pela UniverCidade e em Artes Cênicas pela Escola Estadual de Teatro Martins Pena. Mantém os blogs Sorriso do Gato de Alice, ClickInversos e Letras-Saraiva Conteúdo. É colaborador do Portal Literal e da revista O Grito! além de organizador da FL@P! RJ, junto ao coletivo riosemdiscurso. Finaliza, atualmente, o romance All star bom é All star sujo. Autor do livro de poemas Vinis mofados (Editora Língua Geral).