Ano XI 0201
1º semestre de 2016
artigo
Tempo de leitura estimado: 36 minutos

A AUTOFICÇÃO E AS FRONTEIRAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO

Resumo: O presente ensaio busca examinar a construção do conceito de autoficção enquanto uma espécie de sintoma da diluição das fronteiras entre o público e o privado. Além disso, o ensaio também tem como objetivo observar que a autoficção, enquanto experimento literário, permite a construção de uma lúcida representação política da contemporaneidade, conforme demonstra a obra de Ricardo Lísias.

Palavras-chave: autoficção; contemporaneidade; Ricardo Lísias.

Abstract: This essay seeks to examine the construction of the concept of autofiction as a kind of manifestation of the blurring of boundaries between the public and private sectors. In addition, the essay also aims at observing how autofiction as a literary experiment allows the construction of a lucid political representation of contemporaneity as evidenced in the work of Ricardo Lísias.

Keywords: self-fiction; contemporaneity; Ricardo Lísias.

O tempo transcorrido e, sobretudo, as transformações políticas das últimas décadas, o novo traçado mundial e o desdobramento incessante das tecnologias, que foi além de qualquer previsão, transformaram definitivamente o sentido clássico do público e do privado na modernidade a ponto de essa distinção se tornar frequentemente indecidível.
Leonor Arfuch, O espaço biográfico.

 

Na contemporaneidade, as fronteiras entre o público e o privado têm se tornado cada vez mais fluidas e fugidias. Tal assertiva não é minha, ela habita o senso comum e pode ser entreouvida aos quatro cantos, sendo revestida por uma certa aura de verdade unívoca e espelhamento de um sintoma próprio daquilo que se convencionou nomear como pós-modernidade[i]. A construção da imagem de um cotidiano marcado pela incessante quebra e vazamento desses limites provoca de forma imediata a busca por novos modelos de compreensão dos arranjos sociais que favoreceram o fenômeno e, por outra perspectiva, resultaram dele.

Contudo, talvez a expressão que melhor sintetize o fenômeno não seja o rompimento e a invasão das outrora rígidas fronteiras entre público e o privado, e, sim, a definição de uma possível inversão destes dois espaços. Foi em busca de um conceito que pudesse abarcar as especificidades dos fenômenos contemporâneos que o psicanalista francês Serge Tisseron  revisita a expressão “extimidade”, em francês: extimité, formulada inicialmente por Jacques Lacan. Segundo nos relata Eurídice Figueiredo, no livro Mulheres ao espelho: autobiografias, ficção e autoficção, o psicanalista utiliza o conceito como operador de uma reflexão acerca do programa televisivo Loft Story, um reality show francês, e busca compreender os contornos do “movimento que leva cada um a desvelar uma parte de sua vida íntima, tanto física quanto psíquica” (Figueiredo, 2013, p. 68). Em outras palavras, o termo pode ser empregado para nomear os atos de evasão de intimidade. É possível aplicar o termo cunhado por Lacan e ressignificado por Serge para analisar não apenas o reality show em questão, como também um amplo elenco de produtos culturais contemporâneos, que começa nas inúmeras redes sociais virtuais e alcança as modernas câmeras digitais que possibilitam a captura instantânea de flashes do cotidiano. Nos três exemplos citados a extimidade é performatizada devido ao reconhecimento do outro, cuja atuação é fundamental na validação da vida exposta e para a própria alimentação do desejo de apresentar a intimidade. Nas palavras do próprio Serge Tisseron:

Para validar minha percepção de mim, autentificar o que mostro, tenho justamente necessidade do outro. E quando me desvelo, ele se desvela por sua vez. O desejo de extimidade é inseparável da busca relacional. Sua valorização está organizando novas regras sociais, que não são mais perigosas que as precedentes. Apenas devemos aprender a conhecê-las[ii] (Tisseron apud Figueiredo, 2012, p. 69).

É na reivindicação do outro que se fixa o gesto primeiro deste desejo de expor a intimidade. Não se trata de um exibicionismo, mas de uma formulação consciente do que será exposto a outrem, na qual se determina qual a identidade que será oferecida e esta é reconstruída pelo outro que a recebe e a desvela.

A oferta da imagem de uma nova relação entre público e privado na abertura de meu ensaio é útil para compreendermos uma espécie de sintoma da produção literária contemporânea, a autoficção. Claro está que a construção do neologismo autoficção não está relacionada de modo claro e objetivo ao cenário apresentado anteriormente, afinal são outras a contingências que impulsionam a edificação do conceito. No entanto, é possível localizar traços de extimidade para recuperar o conceito de Serge Tisseron, na elaboração do termo autoficção, proporcionando uma nova leitura da questão.

Antes de iniciar tal protocolo de leitura, é necessário narrar como o conceito de autoficção foi construído e quais seriam os seus elementos constituintes. Podemos afirmar que foi Serge Doubrovsky o criador não apenas do termo, como também do primeiro romance considerado autoficcional. A narrativa é conhecida, mas isso não nos impede de apresentar essa história: a ideia de criação de um texto que apresentasse a convergência de identidade entre autor, personagem e narrador surgiu para Doubrovsky a partir da leitura que realizou do estudo de Philipe Lejeune sobre textos autobiográficos. De forma mais precisa, foi a busca da oferta de uma resposta positiva para o questionamento de Lejeune acerca da existência de um texto que possuísse a característica citada acima que impulsionou Serge Doubrovsky para a criação do romance Fils, tido como a primeira obra autoficcional. Diana Klinger, em Escritas de si, escritas do outro, recupera os principais questionamentos teóricos que moveram Doubrovsky em sua teorização, observando que foi a apresentação de uma pequena dúvida de Lejeune sobre a existência ou não de “um romance no qual houvesse identidade de nomes entre autor, narrador e personagem” (Klinger, 2007, p. 42) que mobilizou Doubrovsky a redigir uma carta a Phillipe Lejeune e principalmente para a publicação de Fils. Segundo a leitura de Diana Klinger, o romance foi escrito “com a intenção premeditada de preencher essa “caixa vazia” (p. 42) localizada no quadro teórico de Lejeune. Com a publicação do romance, o autor não apenas oferece a Phillipe Lejeune a oportunidade de lidar com um novo objeto de estudo – um romance que apresenta em sua estrutura uma identidade entre autor, narrador e personagem – como também inaugura um conceito crítico. Com o objetivo de alcançar uma possível definição do conceito, cito a definição de autoficção dada pelo próprio autor: Ficção de acontecimentos e de fatos estritamente reais; se se quer, autoficção. E conclui: “nem é autobiografia nem romance, e sim, no sentido estrito do termo, funciona entre os dois, em um reenvio incessante, em um lugar impossível e inacessível fora da operação do texto” (p. 43). Na oferta desta singular definição para o conceito, é perceptível uma certa imprecisão, que é construída em oposição a conceitos basilares da teoria literária, que passam a ser visitados com o desejo de propor um novo arranjo que permita a convergência de estruturas anteriormente antagônicas e não associáveis. Não se trata de uma negação a esses conceitos, a intenção é edificar um difícil espaço fronteiriço, delimitado a partir do acionamento de determinados pactos de leitura que desvirtuam alguns modelos de interpretação da escrita ficcional. O resultado dessa operação crítica é a tentativa de acentuar o caráter inédito da proposta construída por Doubrovsky e oferecer os contornos de um possível novo gênero literário. Afinal, ao propormos um exame crítico sobre a autoficção, além de acompanharmos o processo de elaboração de um conceito, estamos igualmente observando a formação de um gênero literário, conforme sublinhou Jean-Louis Jeannelle, no ensaio A quantas anda a reflexão sobre a autoficção?, quando afirma que: “É raro poder assistir às diferentes etapas da vida de um gênero, colhidas em menos de três décadas, de seu nascimento até a sua legitimação. Sob esse ponto de vista, a autoficção parece um verdadeiro caso de escola” (Jeannelle, 2014, p. 130). Por estarmos diante do nascimento de um gênero, estamos igualmente diante de um terreno a ser construído e consolidado, seja em uma perspectiva normativa ou descritiva. E será Philippe Lejeune um personagem fundamental nesse processo, ao propor a escrita da trajetória da autoficção em texto apresentado num colóquio realizado na Universidade de Nanterre, no ano de 1992. Com o sugestivo título de Autofictions & cie, o colóquio reuniu alguns dos principais pesquisadores especializados no tema e pode ser lido como o gesto final do processo de formação do gênero. O texto de Lejeune apresenta a estrutura de uma peça teatral dividida em cinco atos que aludem a datas fundadoras da autoficção. Jovita Maria Gerheim, na apresentação do volume de textos Ensaios sobre a autoficção, define o ensaio do crítico francês como um dos primeiros a examinar o percurso de construção conceitual da autoficção e também por antecipar “as questões e divergências que se revelarão mais tarde na discussão sobre o conceito em sua apropriação” (Jovita, 2014, p. 09). A antecipação saudada por Jovita Gerheim repousa na observação de que Lejeune identificou uma possível fragilidade na estrutura normativa oferecida por Doubrovsky. Tal fragilidade permite que seja problematizada a própria concepção de gênero proposta pelo criador do neologismo. Pois, seguindo os passos de Doubrovsky, a autoficção é a convergência de identidade entre autor, personagem e narrador. No entanto, Lejeune problematiza tal definição e a coloca em xeque quando questiona a real possibilidade de agrupamento sob uma mesma égide de textos que, ao contrário de Doubrovsky, assumem a ficção como norte referencial mesmo mantendo a convergência de identidade entre autor, personagem e narrador: “Mas seria de fato um gênero? Como poderia ela englobar sob um mesmo nome os que prometem dizer toda a verdade (como Doubrovsky) e os que se entregam livremente à invenção?” (Lejeune, 2014, p. 27).

Uma possível fuga dessa querela conceitual seria assumir de modo claro e objetivo que a autoficção é um gênero próprio da pós-modernidade, conforme leitura realizada pelo próprio Doubrovsky, segundo nos informa Eurídice Figueiredo a partir das contribuições de Philippe Vilain:

A autoficção, tal como concebida por Doubrovsky, seria uma variante pós-moderna da autobiografia na medida em que ela não acredita mais numa verdade literal, numa referência indubitável, num discurso histórico coerente e se sabe reconstrução arbitrária e literária de fragmentos esparsos da memória (Figueiredo, 2012, p. 63).

Se a inventiva criação conceitual de Doubrovsky pode ser saudada como uma espécie de marca sintomática da pós-modernidade, a que forma fixa ela busca se opor e produzir alguma forma de ressignificação senão à matriz dos textos biográficos que marcam a modernidade e o apogeu da noção de sujeito? Claro está que tal equação assume a feição de uma leitura evolutiva e, principalmente, baseada em uma teoria dos reflexos, que pode ser resumida em uma pequena sentença: na modernidade temos a autobiografia e para a pós-modernidade localizamos a autoficção. O binarismo da análise também oferece certa rigidez, que pode denotar a estruturação de um quadro fixo que coloca em lados diametralmente opostos a autobiografia e a autoficção. Contudo, ainda que ciente da precariedade de tal exercício comparativo, faz-se necessário observar que a emergência de textos autoficcionais – por problematizarem a noção de verdade e colocam em xeque a autoridade do discurso autotélico – dialoga de forma direta com as novas configurações do sujeito contemporâneo, cindido em sua identidade fragmentada e contraditória. E, por outro turno, analisando o processo de construção da noção de indivíduo na modernidade, conforme nos recorda a crítica argentina Leonor Arfuch, não podemos esquecer que “confissões, autobiografias, memórias, diários íntimos, correspondências, traçariam, para além de seu valor literário intrínseco, um espaço de autorreflexão decisivo para a consolidação do individualismo como um dos traços típicos do Ocidente” (Arfuch, 2010, p. 36). Nesta chave de leitura, de um lado estaríamos diante do que se convencionou nomear como um “espaço da interioridade”, que foi produzido por uma nova configuração do lar burguês que possibilitou a obtenção de uma privacidade própria à construção da subjetividade e criação de formas de escrita de si, e por outro lado acompanhamos na contemporaneidade a emergência de uma escrita que problematiza a própria identidade do sujeito na pós-modernidade.

Se um dos elementos normativos de um texto autoficcional é a intenção explícita de promover uma convergência entre as identidades do autor, personagem e narrador, o escritor paulistano Ricardo Lísias é por excelência um dos mais profícuos nomes desse gênero literário pós-moderno. Ao menos dois de seus romances oferecem tal homonímia, sem falar em uma série de contos assinados pelo autor que igualmente traz em seu bojo tal característica.

No conjunto da obra de Lísias, de imediato um conto em especial merece a nossa atenção, a começar pelo sugestivo título que o autor oferece à narrativa: “Autoficção”. Trata-se do único título inédito no volume de contos Concentração e outros, lançado pelo autor em 2015. Na abertura do conto, o narrador nos oferece uma nota no mínimo inusitada:

O começo dessa história é conhecido: no final do ano passado, em um manifesto quase incompreensível divulgado pelo Facebook, Ricardo Lísias anunciou que desistia de escrever para, por fim, dedicar-se às artes plásticas. O golpe publicitário funcionou e, cinco dias depois, a Galeria Fortes Vilaça, em uma exposição que durou apenas três horas, vendeu oito dos dozes trabalhos que Lísias apresentou (Lísias, 2015, p. 79).

De imediato, no início do conto, nos é apresentado um importante índice exploratório da narrativa. Refiro-me à forma depreciativa com que o narrador retrata o personagem Ricardo Lísias, classificando seu gesto de abandono da literatura e ingresso no mundo das artes como um golpe publicitário. O tom empregado pelo narrador é próprio de uma linguagem jornalística que relata os episódios a partir de um ponto de vista parcial que não se exime de emitir julgamentos e conduzir os leitores em um terreno formado por uma única versão. Tal aspecto é importante, pois transforma o conto em um verdadeiro pastiche de um texto jornalístico que aciona Lísias como personagem para a elaboração de um perfil. A estrutura da narrativa é simples e dotada de um humor peculiar ao promover uma leitura irônica de uma matéria jornalística que investiga o fato de Ricardo Lísias ter abandonado a literatura após ganhar uma grande quantia com a venda de suas obras em uma galeria de São Paulo e se refugiar em Berna, capital da Suíça. A descoberta do paradeiro do escritor é uma façanha realizada pelo narrador da matéria: “Depois de longa investigação, a reportagem conseguiu localizá-lo vivendo em um subúrbio elegante de Berna, capital da Suíça” (p. 80).  É esse sujeito indefinido, que somente próximo ao término conseguimos identificar como uma mulher, que conduz os leitores na apresentação de um perfil de Ricardo Lísias, buscando desvelar as reais motivações do autor ao deixar o campo literário e passar a atuar nas artes plásticas.

Se em um primeiro momento já somos advertidos de que a ação de Ricardo Lísias foi um golpe publicitário, resta compreender o funcionamento desse golpe. Diversas versões são oferecidas. Dois dados tornam o percurso investigativo ainda mais nebuloso: o primeiro é o fato de que os nomes dos compradores dos trabalhos de Lísias serem mantidos em segredo e o segundo é a ausência de informações sobre os valores arrecadados pela venda das obras. Alguns críticos passam a acreditar que Lísias foi o comprador das próprias obras, um gesto deliberado para gerar publicidade, e outros avaliam que não é impossível imaginar esse valor para as obras, pois “no mundo da arte contemporânea tudo é possível” (p. 79). No entanto, a dose de maior ironia está dirigida não ao universo dos críticos de arte ou ao mercado de arte contemporânea, mas sim ao espaço restrito do meio literário. Pois, segundo nos relata o conto, apenas os visitantes da exposição, em sua maioria de pessoas ligadas ao mercado editorial e literário brasileiro, conheceram as obras de Ricardo Lísias, da qual só consta a existência de um único registro fotográfico de autoria de um visitante. A dose irônica repousa na forma como o autor dos registros fotográficos lida com as imagens: “Segundo ele, se os trabalhos nunca aparecerem, as fotos podem virar a própria obra e seu valor de mercado aumentará muito” (p. 80). De forma sucinta e com um humor peculiar, o autor problematiza diferentes campos da produção artística, examinando as suas relações com o mercado financeiro, oferecendo uma perspectiva crítica para observar o lugar da arte contemporânea, retratado como um setor destinado às grandes transações financeiras que possibilita o trânsito de alguns milhões, e o mercado literário, representado como um meio marcado pela falta de recursos e por sordidez. Além disso, o autor também recupera o debate sobre a aura da obra de arte em um contexto pós-aurático ao oferecer a percepção do personagem que busca preservar as imagens das obras, acreditando que elas irão se converter na própria obra caso ocorra o desaparecimento do trabalho original.

No tocante às obras, que são descritas a partir das imagens realizadas pelo personagem anônimo que espera enriquecer com elas, temos uma importante reflexão acerca dos limites da autorrepresentação, seja em uma perspectiva literária ou das artes plásticas, a partir de duas séries: “Autorretrato” e “Autoficções”. A primeira apresenta basicamente “o rosto de Lísias, em diferentes poses, com texto não identificado datilografado por cima e algum tipo de intervenção” (p.80). Já a outra série, “trata-se de uma colagem de todo tipo de papel que, em diferentes perspectivas, formaria a biografia de Lísias” (p. 80). A breve descrição das obras é um interessante campo de investigação teórica acerca dos limites da autorrepresentação. Ao colocar em evidência a convergência entre dois campos de experimentação artística específicos, a saber a literatura e as artes plásticas, nos é oferecido como resultado a própria incompletude da obra. Mesmo que em diálogo, as intervenções plásticas e o texto literário não acomodam uma imagem precisa e clara do próprio autor. Afinal, a texto datilografado por cima do rosto de Lísias não é identificado e a colagem dos mais variados tipos de papel propõe uma biografia imprecisa para o autor. Importa também observar um dado de grande relevância oferecido pelo narrador, as imagens não estão em perfeita qualidade, impedindo a obtenção de uma leitura legítima das obras. Em outras palavras, Ricardo Lísias também investe na estruturação de um importante debate acerca da verdade, resultando na apresentação de duas perspectivas. Primeiro alimentando a narração de uma reportagem jornalística assumidamente investigativa e, em segundo lugar, na constante problematização acerca da real existência de uma verdade a ser localizada. Afinal, como nos é relatado no próprio conto, “Se não fossem os processos na Receita Federal, a fuga do artista, a revolta muda da Galeria Fortes Vilaça e as testemunhas, poderíamos inclusive supor que tudo não passa de outro conto de Ricardo Lísias” (p. 80). É nessa clave que temos que nos colocar diante do texto de Lísias, lendo-o a partir dessa única verdade plausível e concreta: trata-se de um texto assinado por Ricardo Lísias. Tal constatação é simples, mas guarda uma importante abertura interpretativa que permite a construção de um protocolo de leitura próprio para os textos do autor e proporciona uma nova análise da presença de determinados pactos autoficcionais no conjunto da obra de Ricardo Lísias. Para tornar mais clara a proposta aqui engendrada, é possível equacioná-la na forma de uma questão: quais são os efeitos esperados por Ricardo Lísias no constante uso da homonímia entre escritor, personagem e narrador em seus romances e contos?

Antes de propor esse protocolo de leitura, torna-se rentável apresentar os outros textos do autor que visitam o complexo terreno da chamada autoficção. O céu dos suicidas, romance publicado em 2012, pode ser classificado como um texto formado a partir da “ficção de acontecimentos e de fatos estritamente reais”, para citar novamente a definição de Serge Doubrosvky, devido à forma como Ricardo Lísias narra o suicídio de André, um amigo de faculdade. O romance apresenta como protagonista um especialista em coleções que abandonou o hobby e passou a atuar como uma espécie de consultor de colecionadores, com as funções de avaliar coleções e orientar os iniciantes na prática. Alguns elementos permitem nomear e classificar O céu dos suicidas enquanto um texto de autoficção, o mais patente é localizado na página 119, no trecho em que narra a chegada do personagem ao Líbano. Em busca de informações sobre a origem de sua família, o narrador localiza um arquiteto que provavelmente seja um primo distante e vai ao encontro deste em um café:

Acordei com fome no meio da tarde. Antes de pedir um lanche, fui olhar os e-mails. Minha irmã mandava outro número de telefone e o arquiteto me pedia para procurá-lo no celular. Liguei imediatamente e ele, muito simpático, marcou um café para o final do dia “na região mais animada da cidade”.

Eu não via clima para badalação, mas aceitei. Logo avistei meu parente. Por trás de uma mesa, ele acenou e depois me chamou pelo nome: Ricardo Lísias (Lísias, 2012, p. 119).

A ausência de um romance que apresentasse em sua estrutura uma identidade de nomes entre autor, narrador e personagem, identificada por Phillipe Lejeune, na primeira edição de seu estudo O pacto autobiográfico, é novamente preenchida aqui, agora não mais por Serge Doubrovsky, mas, sim, por Ricardo Lísias. Não há como não se chocar com a presença do nome do autor enquanto forma de nomeação do personagem-narrador do romance. A presença do nome do autor cria uma fissura no tecido narrativo e produz um efeito de estranhamento que o lança a uma espécie de fronteira interpretativa. Trata-se, é claro, de um jogo no qual o próprio autor coordena e orienta as suas investidas no campo ficcional não apenas como sujeito autoral e produtor do discurso, mas, igualmente, como personagem e matéria da narrativa. O leitor é parte ativa desse jogo, sua leitura não é passiva e muito menos funciona apenas como um simples identificador das marcas biográficas do autor que corroboram para a classificação do romance enquanto um texto autoficcional. Resta ao leitor e à crítica construírem formas de compreensão dessas investidas e interrogar quais as ressonâncias desse ato de convergência entre duas formas em princípio antagônicas, a autobiográfica e a ficção.

No entanto, se em O céu dos suicidas, Ricardo Lísias havia provocado certo estranhamento ao construir como protagonista um personagem homônimo, o ápice desse experimento autoficcional será apresentado no romance Divórcio, publicado em 2013. Posso afirmar sem erro que o primeiro impulso de todo e qualquer leitor que se debruça sobre o livro de Lísias é o desejo de um mergulho no cotidiano privado ao autor e adentrar no relato do fim do casamento dele. Pois, o divórcio apresentado no título é o divórcio de um personagem homônimo ao autor, que também é escritor e publicou os livros O céu dos suicidas e O livro dos mandarins, títulos idênticos aos assinados pelo escritor Ricardo Lísias. Tal qual ocorre em outras narrativas do autor, o enredo é simples: casado há apenas quatro meses, o narrador do romance encontra por acidente o diário da mulher e se depara com frases pouco elogiosas a sua personalidade – “O Ricardo é patético, qualquer criança teria vergonha de ter um pai desse” e “Casei com um homem que não viveu. O Ricardo ficou trancado dentro de um quarto lendo a vida toda” – e com a descrição de uma relação extraconjugal da mulher durante o festival de cinema de Cannes, onde ela estava cobrindo jornalisticamente o evento. Atordoado com a descoberta, o personagem se separa da mulher e passa por uma violenta crise emocional que só é vencida com o uso quase terapêutico dos treinos de corrida, que culminam em uma participação na Corrida de São Silvestre. Esses dois elementos, a descoberta do diário e a descrição dos treinos de corrida, oferecem uma composição própria ao romance, que resulta em uma estrutura espiral – a cada novo quilômetro percorrido, um novo fragmento do diário é oferecido ao leitor. Para alcançar o fim do romance, o leitor terá que percorrer quinze capítulos, ou quilômetros, como o próprio autor nomeia as divisões internas da obra. Assim, ao término do romance temos a descrição da participação do personagem/narrador na Corrida de São Silvestre. O ato de concluir a prova representa não somente o desfecho do romance, mas igualmente a vitória sobre uma violenta crise depressiva que abalou o estado emocional do personagem. O uso terapêutico dos treinos de corrida reconstruiu a saúde emocional do personagem/narrador Ricardo Lísias e igualmente favoreceu a recomposição de sua própria pele, pois de forma recorrente o personagem afirma que a descoberta do diário e, consequentemente, da traição, o deixou sem pele – uma imagem que oferece a dimensão exata do estado de fragilidade que dominou o corpo do personagem durante a violenta crise de depressão que o atingiu.

Diante do breve quadro apresentado – que tem como principal imagem a existência de um escritor que intencionalmente busca fundir sua identidade à do seu próprio personagem – creio que pude justificar de modo preciso a minha afirmação em relação aos leitores que percorreram as páginas do romance em busca de um relato acerca da vida íntima do escritor. No entanto, acredito que a adoção da autoficção como gênero e, principalmente, a proposta de criação de uma homonímia entre escritor, personagem e narrador, não obedece ao desejo de expor e narrar aspectos da vida íntima do escritor. Ricardo Lísias não promove ou realiza nenhum gesto de extimidade ao construir uma narrativa que apresenta pactos autoficcionais. O efeito alcançando – para responder à pergunta oferecida anteriormente – é justamente a problematização do lugar da literatura na sociedade contemporânea, a partir do debate acerca da autonomia da arte literária, e a caracterização da classe média, visitada de maneira ácida por meio da representação crítica dos profissionais jornalistas. De posse desse referencial de leitura do romance Divórcio, a trama autoficcional se torna secundária, ressoando apenas como um indício inusitado da estrutura da obra. Nessa perspectiva, posso afirmar que recebe um vulto mais expressivo o exame da classe média brasileira, retratada de forma cáustica, fator que faz emergir a dicção política do autor. Cito uma passagem particularmente esclarecedora dessa percepção:

Ao encerrar o treinamento para a São Silvestre, já tinha percebido que na verdade minha ex-mulher é apenas uma versão malfeita e ansiosa da classe alta brasileira. Ela adora dizer que teve a infância pobre: subi na vida trabalhando (Lísias, 2013, p. 54).

A passagem deixa claro que a estrutura do romance está situada em um terreno movediço. Torna-se quase impossível desvincular os aspectos biográficos do autor de sua representação de setores específicos da sociedade brasileira. Em outras palavras, o ataque à classe média, na passagem acima, parece se resumir a um ataque à ex-mulher. O individualismo burguês e a confiança na força do próprio trabalho, que são em um primeiro momento características atribuídas à ex-mulher do narrador/personagem, surgem como elementos definidores de uma elite. Antes da publicação de Divórcio e O céu dos suicidas, o autor apresentava como elemento corrente de sua prosa ficcional uma “elogiada dicção política”, já presente em seu primeiro livro, Cobertor de estrelas, segundo observa Luciane de Azevedo, em ensaio publicado no livro O futuro pelo retrovisor. Ainda segundo a análise da crítica, alguns dos textos dessa possível primeira fase da carreira de Lísias – Cobertor de estrelas, Duas praças e O livro dos mandarins – apresentam um traço comum, pois são

Textos tramados a partir do entrelaçamento de duas linhas narrativas, a escolha de temas políticos (a questão dos sem teto, a referência à tortura e às ditaduras latino-americanas), a fala repetitiva e cortada por anacolutos, enfim, a escrita cuidadosamente trabalhada vai aparecer reiterada não apenas nos depoimentos do autor, mas também por outros comentários críticos sobre sua obra (Azevedo, 2013, p. 83).

Os elementos elencados por Luciane de Azevedo podem ser facilmente identificados no romance O livro dos mandarins, que narra com um inegável humor e em tons caricaturais o empenho do personagem Paulo na conquista de uma promoção no banco em que trabalha que lhe renderá a oportunidade de transferência para a China. É nesse romance que a dicção política de Lísias recebe maior impulso e envergadura. Tenho consciência de que a expressão dicção política é vazia e imprecisa, não definindo de modo claro o exercício de representação construído pelo autor. Para melhor esclarecer esse traço característico da prosa de Lísias, posso esclarecer que sua dicção política está diametralmente oposta a uma instrumentalização ou engajamento explícito. Nessa perspectiva, o exame do competitivo mundo dos executivos das instituições bancárias é conduzido por um olhar crítico que oferece o humor como mecanismo de ataque, resultando numa representação irônica e ácida do mundo coorporativo e do capital financeiro. Atados ao cotidiano do personagem Paulo, conhecemos as engrenagens de um grande banco internacional. Mas tal conhecimento é superficial. Não é possível visitar a fundo os mecanismos de poder, algumas barreiras são impossíveis de serem transpostas. O próprio resultado da transferência de Paulo revela esse importante dado. A dicção política, para retomar o elemento-chave da prosa de Lísias, pode ser localizada no simples gesto do autor nomear todos os personagens do romance como Paulo, marcando a perda da identidade como um elemento intrínseco ao universo do mundo corporativo. A ironia é sutil e altamente corrosiva.

A proposta de leitura que busco construir para a análise de Divórcio é baseada neste elemento citado anteriormente: a dicção política de Ricardo Lísias. Nessa perspectiva, pretendo oferecer um modelo de interpretação do romance que não percorra a igualmente instigante leitura dos mecanismos criados pelo autor para a criação de um espaço autoficcional no interior de sua obra. Nessa perspectiva, a crise depressiva causada pela descoberta dos diários proporciona a construção de uma nova compreensão dos fatos e dos eventos, por meio de um olhar desnudo, livre da idealização de um laço amoroso, torna-se possível alcançar um dado oculto. “Por que não percebi antes?”, é a pergunta natural a ser construída pelo personagem. A resposta também a ser ofertada é igualmente natural e talvez a única plausível: “Não percebi antes porque estava apaixonado” (p. 209). Tal procedimento pode ser localizado em diferentes momentos, sobretudo quando o personagem/narrador do romance analisa a atuação profissional de jornalistas e oferece ao termo “fonte” um sentido dúbio. É possível afirmar que a leitura crítica do papel da imprensa tem como objetivo atingir sua ex-mulher, mas alcança toda uma classe profissional.

Ela foi didática na explicação que me deu: você nunca vai entrar em uma redação sem ser indicado. Alguém ali te conhece ou foi atrás de informações sobre você. É o mesmo sistema com as fontes. Jornalismo é fontes, repetiu a frase que eu já tinha ouvido. Jornalismo é fonte. Depois, se você precisa, ela te ajuda também. O jornalismo é uma rede (p. 63).

No trecho torna-se possível alcançar a imagem exata que Ricardo Lísias busca oferecer para a sua caracterização da classe média brasileira, baseada em uma atuação que deseja alcançar benefícios próprios a todo custo, principalmente quando lida com a coisa pública. O individualismo aqui ressurge como elemento passível de crítica e traço danoso de uma categoria profissional, a saber, os jornalistas. Novamente, as críticas lançadas à ex-mulher confundem-se com as dirigidas aos jornalistas e vice-versa. A indistinção é um dado proposital, busca-se transformar em uma trama política as questões que foram primeiramente examinadas em uma esfera privada. Além disso, é interessante notar que a explicação didática oferecida pela ex-mulher – lida e analisada como um traço natural e pertencente ao funcionamento da imprensa – assume uma outra dimensão quando apresentada pelo próprio narrador/personagem, recebendo uma feição crítica que a aproxima de uma denúncia. No entanto, a denúncia não repousa na constatação de que o jornalismo é uma rede formada por troca de interesses individuais, denuncia-se a própria naturalidade com que a rede é formada e mantida. O jogo de interesse revela a existência de uma trama promíscua:

Uns poucos anos antes de me dizer que queria ficar comigo para sempre, minha ex-mulher contou para uma porção de gente, rindo do jeito meigo e ao mesmo tempo espalhafatoso dela, que estava tendo um caso com o secretário de Cultura de São Paulo (não sei se o velhote ainda ocupa o cargo, não vou conferir). Claro que ele é casado. Outro caso foi com o dono de um cinema que depois ela colocou na capa do jornal. No jornalismo, aprendi, pessoas que dão informações privilegiadas chamam-se fontes (p. 37).

O fragmento que revela a maior acidez do discurso do personagem/narrador acerca da classe média é apresentado já próximo ao término do romance, no capítulo treze, quando o autor, através de um exercício de metalinguagem, apresenta ao leitor o processo de construção do romance e os possíveis problemas de estrutura do mesmo. Trata-se de uma leitura comentada do livro, semelhante a um processo de revisão da própria obra. No entanto, se há uma inesperada quebra da estrutura da narrativa, revelada pelo acionamento de uma nova voz do narrador, que agora passa a comentar trechos e elementos pregressos da narrativa, o capítulo também é assumidamente didático e tem como função organizar a estrutura do livro, definindo os elementos que o próprio narrador julga importantes e os aspectos excedentes e suplementares. Somos então orientados pelo narrador a problematizar a forma como a classe média é apresentada no romance:

Hoje, acho que outro defeito de Divórcio é a caracterização da classe média várias vezes citada no livro. É um conceito difícil porque com certeza não serve para todas as pessoas na mesma situação social. Em alguns momentos, coloca a classe alta junto. Talvez devesse ter englobado duas categorias no simples termo “elite brasileira” (p. 201).

O trecho é revelador do sentido crítico que o personagem/narrador deseja oferecer à caracterização de setores da sociedade. Seja lançando seu olhar para a classe média ou, de modo mais preciso, para a classe alta, não importa, o alvo é apenas um: a “elite brasileira”.

No entanto, a dicção política do autor não é acionada apenas para tematizar o Outro. Com o objetivo de construir um retrato crítico da classe média, o recurso alcança igualmente o próprio narrador/personagem Ricardo Lísias, que surge na narrativa autoficcional a partir das descrições e representações contidas nos diários da ex-mulher. Gostaria de chamar a atenção para uma sentença que se faz presente em parte significativa do romance: “E o Ricardo? Por um acaso o Ricardo foi para alguma guerra na África? O que ele sabe da vida?” e em outro trecho diz: “O Ricardo ficou trancado dentro de um quarto lendo a vida toda”. Esses dois trechos abrem uma importante fresta de leitura. Ambos fragmentos apresentam de forma subjacente um questionamento sobre a relação entre experiência e narrar. Nos diários da ex-mulher está posta uma lúcida chave de interpretação do romance. De uma forma ou de outra, nos diários está dito que o Ricardo nunca viveu, ficou trancado a vida toda lendo, nunca foi a uma guerra, é um sujeito patético e um quase autista. Resta então questionar, sobre o que, afinal, o Ricardo pode escrever? Eu respondo, sobre o seu próprio divórcio, a única experiência traumática que de fato vivenciou. Não é uma guerra, mas pode ser um evento dotado de muita violência.

Após esse breve percurso na obra autoficcional de Ricardo Lísias, podemos afirmar que a homonímia e o relato ficcional de episódios reais não são impulsionados pelo desejo do autor em tornar público aspectos e eventos de sua vida privada. A estrutura normativa proposta por Serge Doubrovsky está mantida, mas o resultado oferecido é potencialmente outro. A autoficção surge aqui enquanto suporte possível para a edificação de um exame crítico que aciona o humor como forma ácida de leitura de aspectos da vida pública. Seja enquanto conceito ou como um gênero próprio da pós-modernidade, a autoficção, principalmente a produzida por Ricardo Lísias, está em uma espécie de fronteira entre o público e o privado. No entanto, nos textos assinados pelo escritor paulistano, o público é retratado a partir de um experimento literário que se quer próximo ao espaço da privacidade do personagem/narrador/escritor Ricardo Lísias.


* Paulo Roberto Tonani do Patrocínio é professor adjunto do Departamento de Letras-Libras da Faculdade de Letras da UFRJ e autor dos livros Escritos à margem: a presença de autores de periferia na cena literária brasileira (7Letras/FAPERJ, 2013) e Cidade de lobos, a representação de territórios marginais na obra de Rubens Figueiredo (Ed. UFMG/FAPERJ, 2016), além de, junto com João Camillo Penna e Alexandre Faria, co-organizador do livro Modos da margem, figurações da marginalidade na literatura brasileira (Aeroplano, 2015).

REFERÊNCIAS

ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010.

AZEVEDO, Luciane. Ricardo Lísias: versões de autor. In: CHIARELLI, Stefania; DEALTRY, Giovanna e VIDAL, Paloma. (Orgs.). O futuro pelo retrovisor: inquietudes da literatura brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Rocco, 2013.

FIGUEIREDO, Eurídice. Mulheres ao espelho: autobiografia, ficção e autoficção. Rio de Janeiro: EdUERJ/FAPERJ, 2014.

JEANNELLE, Jean-Louis. A quantas anda a reflexão sobre autoficção? In: NORONHA, Jovita Maria Gerheim. (Org.) Ensaios sobre a autoficção. Belo Horizonte: UFMG, 2015.

LEJEUNE, Phillipe. O pacto autobiográfico: de Rousseau à Internet. Belo Horizonte: UFMG, 2008.

LEJEUNE, Phillipe. Autoficções & cia: Peça em cinco atos. In: NORONHA, Jovita Maria Gerheim. (Org.) Ensaios sobre a autoficção. Belo Horizonte: UFMG, 2015.

KLINGER, Diana. Escritas de si, escritas do outro: o retorno do autor e a virada etnográfica.  Rio de Janeiro: 7Letras, 2012.

LÍSIAS, Ricardo. O livro dos mandarins. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

LÍSIAS, Ricardo. O céu dos suicidas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

LÍSIAS, Ricardo. Divórcio. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

LÍSIAS, Ricardo. Concentração e outros. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

NORONHA, Jovita Maria Gerheim. (Org.) Ensaios sobre a autoficção. Belo Horizonte: UFMG, 2015.

NORONHA, Jovita Maria Gerheim. (Org.). Apresentação. In: NORONHA, Jovita Maria Gerheim. Ensaios sobre a autoficção. Belo Horizonte: UFMG, 2015.

Recebido em: 20/01/2016
Aprovado em: 18/02/2016

Notas

[i] Tal afirmação surge como um possível diagnóstico da contemporaneidade. Para uma melhor compreensão da questão, cito trabalhos que examinam a quebra das fronteiras entre o público e o privado e, principalmente, estudos que avaliam o impacto das novas redes sociais na produção dessa nova experiência de subjetividade que se coloca no espaço fronteiriço entre o público e o privado: DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997; SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008; LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio – ensaios sobre o individualismo contemporâneo. São Paulo: Manole, 2005, entre outros.

[ii] O trecho citado foi traduzido por Eurídice Figueiredo, no livro Mulheres ao espelho: autobiografia, ficção, autoficção. Apresento aqui o trecho no original: “Pour valider ma perception de moi, authentifier ce que je montre, j’ai justement besoin de l’autre. Et quand je me dévoile, il se dévoile à son tour. Le désir d’extimité est inséparable de la quête relationnelle. Ce valorisation est en train d’organiser de nouvelles règles sociales, qui ne sont pas plus dangereuses que les precedentes. Nous devrons juste apprendre à les connâitre” (Tisseron, 2012).