Existe a cultura de massa, com todas as típicas frivolidades e subtextos de dominação social e ideológicos, porém expressivos e eventualmente donos de um léxico original, e existem os guetos dentro dessa cultura, becos especializados que sofrem críticas tanto do chamado mainstream cultural quanto de sua versão mais, digamos, popularesca. Esses são os párias, os desonrados, os humilhados e ofendidos.
É nessa vila – sim, onde residem os “vilões” – que se localizam as histórias em quadrinhos e a ficção científica, dois filhotes da literatura (alguns diriam subliteratura) de gênero que despontou com a revolução industrial. A primeira, ao menos como a conhecemos no ocidente, descende dos panfletos irreverentes e críticos da sociedade impressos pelo holandês Rodolphe Töpffer e das cruéis narrativas infantis ilustradas pelo germânico Wilhelm Busch. A segunda nasce dos escritos da inglesa Mary Shelley e do norte-americano Edgar Allan Poe, onde a percepção das maravilhas da modernidade e o poético andavam de mãos dadas, provavelmente tremendo de medo, com o grotesco e o arabesco, e influenciando posteriormente autores como Júlio Verne e H. G. Wells.
Ambos os subgêneros sobreviveram aos pudicos anos de 1950 do século 20, durante os quais sofreram perseguições e censuras nos Estados Unidos e no Brasil, sedimentando a base do repúdio que até hoje persegue essas variantes culturais, desabonando suas claras qualidades artísticas e educacionais. Assim, se cada uma dessas manifestações – ou, melhor dizendo, “expressões” – sofre seu quinhão de preconceito, que se reflete até em termos econômicos, muitas vezes dificultando a sobrevivência de seus entusiastas e especialistas, obrigados a diversificar suas atividades para reforçar a féria, não causaria surpresa que, quando irmanadas, o repúdio duplicasse, principalmente quando ousam angariar algum grau de respeitabilidade, seja no mercado seja na academia.
Não é de se estranhar que ainda hoje, mesmo quando analisadas por críticos especializados em uma ou outra encarnação, as HQ de FC (sempre é bom recordar que os aficionados e profissionais da área se referem a seus objetos de culto pelas iniciais ou apelidos e abreviaturas como “gibis” e “Sci-Fi”) sejam relegados ao mais baixo dos círculos infernais da subcultura. E se isso acontece com a produção internacional, imagine com a incipiente ficção científica literária ou, principalmente, em quadrinhos produzida no Brasil.
Eis porque a Revista Z Cultural vem com a intenção de reunir vozes de áreas distintas para analisar conceitualmente não apenas os produtos de todas as vertentes – sejam ficção científica, narrativas pulp ou histórias em quadrinhos –, como também seus meios de distribuição e construção comercial no Brasil e nos Estados Unidos.
Octavio Aragão
Organizador