Ano XIV 01
dossiê
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COR E LETRAMENTO NOS CENSOS: RECIFE E CERCANIAS, 1872-1890

Resumo: O artigo discute questões educacionais e suas implicações políticas, étnicas e sociais no Recife e suas cercanias, no século XIX. Tomando como base de análise os Censos produzidos em 1872 e 1890, procuramos compreender como era o acesso à instrução primária e os níveis de letramento da população naquele referido espaço. Documentos públicos, petições de populares, jornais e outros tipos de fontes nos ajudam a adensar as análises. Ao final, demonstramos o recorte étnico-social que perpassou a escolarização básica na capital pernambucana e região.

Palavras-chave: escolarização; censos; instrução primária; Recife.

Abstract: This article discusses educational issues and their political, ethnic and social implications in Recife and its surroundings in the 19th century. Based on the analysis of the Censuses produced in 1872 and 1890, we sought to understand the access to primary education and the literacy levels of the population in that space. Public documents, popular petitions, newspapers and other types of sources help us thickening the analysis. In the end, we show the ethnic-social dimension that permeated primary schooling in Pernambuco’s capital and region.

Keywords: schooling; census; primary education; Recife.

O artigo que entregamos aos leitores é um ensaio que se ancora nos Censos de 1872 e 1890. O primeiro deles foi o mais amplo, geral e de caráter científico realizado no Império do Brasil. Apesar disso, o governo subestimou os problemas que enfrentaria para contabilizar uma população que habitava um território com dimensões continentais. Os prazos curtos, que foram estipulados para a difícil empreitada, ainda esbarraram na precariedade dos transportes e das comunicações. Foram tantos os problemas técnicos que precisavam ser superados, no registro das informações e na tabulação dos dados, que os resultados da missão estatística somente foram publicados em 1877. O Censo de 1890, por sua vez, que foi a segunda grande contagem da população brasileira, realizada no alvorecer do período republicano, também encontrou grandes problemas em seu processamento. Entre eles, as desconfianças que foram suscitadas nos recenseados e a demorada publicação dos resultados finais, feita em 1898, por causa irregularidade no envio de dados (Rodarte e Santos Júnior, 2008, p. 3; Gouvêa e Xavier, 2013, p. 104-105). Por tudo isso, ambos os documentos possuem imperfeições, mas são excelentes bússolas para compreendermos o Brasil oitocentista.

Ainda do ponto de vista empírico, para complementar o trabalho analítico que foi feito a partir dos Censos de 1872 e 1890, utilizamos as mais diversas fontes que podem ser encontradas em arquivos pernambucanos. Especial atenção mereceram as que foram produzidas pelos poderes públicos locais, como os relatórios da Instrução Pública, as correspondências trocadas entre os diretores desse órgão e os chefes do Poder Executivo e as leis que foram aprovadas para regular a escolarização. As petições de populares, que foram enviadas ao Poder Legislativo por meio de abaixo-assinados, solicitando a criação e/ou manutenção de aulas noturnas, também compõem com relevância o nosso corpus documental. Das entidades da sociedade civil recifense, compulsamos os estatutos e os manifestos de organizações voltadas para o fomento da instrução primária e os livros de matrículas dos alunos que estudaram no Liceu de Artes e Ofícios, estabelecimento de ensino criado por artesãos e professores pretos e pardos filiados a Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais. Os jornais pernambucanos, sejam eles de grande ou pequena circulação, finalizam o material que fundamental nossas análises.

Em todas as fontes que compulsamos, buscamos compreender as relações entre cor, condição jurídica, instrução e classe social na cidade do Recife e suas cercanias, tendo como recorte temporal os anos 1870 e 1880. Esse período é de vital importância não somente por causa dos censos de 1872 e 1890, que nos ajudam a aferi-lo, mas porque foi uma época em que se fortaleceu, no Império do Brasil, o debate sobre a escolarização popular em tempos de desagregação do escravismo e da criação de critérios educacionais para o exercício dos direitos políticos. Para apoiar nossas escolhas temática e temporal, a nova historiografia da educação tem absoluta importância, pois há muito tempo seus pesquisadores desconstruíram o mito de que os escravos e seus descendentes, trabalhadores livres ou libertos, pretos ou mestiços, no século XIX, passaram ao largo dos bancos escolares, estivessem eles em estabelecimentos de ensino públicos ou particulares (Fonseca, 2002 e 2007; Barros, 2005; Silva, 2000; Veiga, 2008). Sem dúvida, tal contribuição, cujos textos mais seminais foram publicados na década de 2000, dialoga com a renovação das pesquisas em história social da escravidão, iniciada nos anos 1980.

Apesar dos rigores e dos critérios acima descritos, há uma série de lacunas nesse artigo. Sem dúvida, elas são fruto da complexidade do período estudado, das análises mais panorâmicas que foram empreendidas e do fato de a pesquisa estar em processo de maturação. As limitações editoriais de um texto dessa natureza, que toca em tantos assuntos diacronicamente sensíveis, também nos impõem escolhas. Por exemplo, aqui não realizamos recortes de gênero, mas sabemos que a escolarização das mulheres é assunto de extrema importância epistemológica e política. Oportunamente, priorizaremos o debate da temática. Como último alerta, talvez o leitor sinta falta de algumas comparações entre os Censos de 1872 e 1890, mas, nem sempre isso é possível para o pesquisador. Apesar de ambas as contagens populacionais possuírem questionamentos comuns, outros são bastante específicos. Por exemplo, a realizada no período imperial faz um levantamento dos menores em idade escolar, indica sua cor e mensura os que frequentam estabelecimentos de ensino. A outra nada nos informa sobre o assunto.

A cor, a condição jurídica e a instrução da população recifense segundo o Censo de 1872

Em 11 de janeiro de 1873, o Diário de Pernambuco informava aos seus leitores que a cidade do Recife era composta por onze paróquias.[1] Orientado pela matéria que revelava alguns números do Censo de 1872, e também apoiado pela bibliografia especializada, sabemos que entre as paróquias mais centrais, pujantes e movimentadas estavam São Frei Pedro Gonçalves, onde estava localizado o porto e as principais casas de grosso trato da capital pernambucana, Santo Antonio, lugar onde se concentrava as vidas pública e administrativa provinciais, São José do Ribamar, região mais precarizada onde residiam muitos artesãos de pele escura, e Boa Vista, seio das camadas médias urbanas e espaço do comércio sofisticado. Graça da Capunga, Afogados, Poço da Panela, Várzea, São Lourenço da Mata, Jaboatão e Muribeca, cada qual com suas especificidades sociais, econômicas e demográficas, estavam entre as paróquias que compunham as chamadas zonas suburbana e rural da cidade. O rio Capibaribe era um vetor de comunicação e de transporte entre boa parte dessas freguesias quer entre si quer com o interior pernambucano (Carvalho, 1997, 1988; Arrais, 2004; Mac Cord, 2005, 2012).

Demograficamente, ao lançarmos nosso olhar para as onze paróquias que compunham a capital pernambucana, percebemos que nelas residiam 116.671 pessoas – aproximadamente 13,86% de toda a população provincial, segundo o Censo de 1872. Obviamente, esses indivíduos estavam distribuídos de forma bastante heterogênea no território recifense, sendo que 54,06% concentravam-se nas paróquias mais centrais. Impressionava a densidade populacional nas localidades de São Frei Pedro Gonçalves, Santo Antonio e São José, visto que eram insulares e somente poderiam crescer por meio de aterros – que foram sendo feitos no transcorrer do século XIX. Apesar de contar com muitos moradores, Boa Vista era continental e ainda suportava novos arruamentos no período em quadro, pois compunha o complexo “rurbano” da cidade e possuía relações de vizinhança com algumas paróquias suburbanas e rurais (Carvalho, 1997, 1988; Arrais, 2004; Mac Cord, 2005, 2012). O Gráfico 1 ainda oferece outro importante dado mais geral, para compreendermos o perfil populacional do Recife: 87,03% de seus moradores eram juridicamente livres, por mais que muitos deles conhecessem uma liberdade absolutamente precária.

Fonte: (BRASIL, [1874?]).
Fonte: (BRASIL, [1874?]).

Para compreendermos os dados do Gráfico 1, e suas peculiaridades conjunturais, precisamos saber que, no transcorrer do terceiro quartel do século XIX, o contingente populacional do Recife mais que duplicou. O crescimento do número de pessoas juridicamente livres pode ser explicado por dois fatores. O primeiro deles nos remete para o significativo montante de trabalhadores livres que migrou do interior da província, por causa da chamada “crise na lavoura” açucareira registrada entre os anos de 1850 e de 1870. O deslocamento espacial pode ser justificado, portanto, pela busca de condições de vida e de emprego menos precários possíveis, já que as “modernizações” no plantio da cana de açúcar desempregaram e expulsaram um sem número de trabalhadores dos engenhos (Eisenberg, 1977; Marson, 2008). O outro fator nos remete para o tráfico interprovincial de escravos, comércio que se tornou uma alternativa ao fim do tráfico transatlântico de africanos escravizados, algo que somente se efetivou com a lei de 1850. Motivado pela expansão das lavouras localizadas no sul do Império do Brasil, muitos senhores recifenses, em busca de lucros, venderam seus cativos em função da nova demanda (Slenes, 1976).

A maior parte dessa gente juridicamente livre que viveu no Recife, e que representava 87,03% de sua população, era composta por matizes de cores as mais diversas. Pessoas com a pela escura, que se identificavam ou eram identificadas, entre outros etnônimos, como pardos, caiados, mulatos, pardos, pretos e cabras, fossem livres ou libertos, abundam na documentação. O Censo de 1872, que padronizou, em nível nacional, os habitantes do país como brancos, pardos, pretos e caboclos, fez com que perdêssemos essas nuances. Apesar disso, atentos ao Gráfico 2, observamos que 59,21% dos moradores da capital pernambucana se declararam ou foram declarados como não-brancos. A atribuição da cor sempre foi um dado sensível em nossa sociedade escravista (Mattos, 1998). Na primeira metade do século XIX, Pedro Pedroso, reconhecido publicamente como mestiço, se dizia preto ou mulato de acordo com suas conveniências (Pereira da Costa, 1984, p. 62). Os artesãos da família Ferreira Barros, pernambucanos livres da cor preta, no transcorrer do século retrasado, também passaram a se declarar pardos na medida em que conquistavam mobilidade social por meio da escolarização e do trabalho qualificado (Mac Cord, 2010).

Fonte: (BRASIL, [1874?]).
Fonte: (BRASIL, [1874?]).

Estrategicamente, da mesma forma que os não-brancos ressignificavam os tons de suas peles a partir de uma plêiade de tonalidades escuras, o Gráfico 2 também permite que levantemos alguns problemas sobre a significativa presença de pessoas brancas no Recife – 40,79%. No Censo de 1872, observamos que a capital pernambucana contava com 8.038 estrangeiros, sendo que a maior parte deles, 6.110, era europeia – 5.288 portugueses e 822 indivíduos registrados com outras nacionalidades.[2] Africanos escravizados e livres contavam 1.859. Sul-americanos e asiáticos, 69. Aquele pequeno contingente de europeus, quase sempre associado à branquitude, representava apenas 5,23% da população recifense. A cidade não recebeu, no século XIX, e nem mesmo no final desse período, grandes levas de imigrantes vindos da Europa (Araújo, 1997, p. 209). Filhos e netos de portugueses, nascidos no seio da própria comunidade instalada na capital pernambucana, poderiam até ser fenotipicamente brancos. Da mesma forma, os outros europeus. Contudo, eram demograficamente irrelevantes. Creio que a maior parte dos brancos tabulados no Censo de 1872 tenha se declarado assim ou foi dessa forma declarado por razões sociais, políticas e econômicas.

A partir dos dados até aqui analisados, podemos afirmar que a maior parte da população recifense era composta por gente juridicamente livre, pobre e com a pele escura. O Gráfico 3 permite que adicionemos mais uma característica a esse contingente populacional. Na tabulação, observamos que 68,89% dos moradores da capital pernambucana eram analfabetos. A média nacional era um pouco maior, em torno de 82,3% (Ferraro, 2002, p. 34). Certamente, esses números geraram muitos debates entre aqueles que, desde meados dos anos 1860, se envolveram com dois temas relacionais: a instrução popular e o direito de voto. As elites letradas e proprietárias brasileiras queriam que a base da sociedade, em tempos de desagregação do escravismo, fortalecesse suas “moralidade” e “civilidade” por meio da instrução primária e da aprendizagem de ofícios (Martinez, 1997, P. 8-11, 50, 83; Kuhlmann Junior, 2001; Fonseca, 2002; Chalhoub, 2003, p. 282). Ao mesmo tempo, também queriam promover a exclusão eleitoral de uma massa de libertos e de livres pobres que não comprovasse renda e fosse desprovida de uma ferramenta básica: ler e escrever (Graham, 1997; Rosas, 2002; Dias, 2005; Souza, 2014).

Fonte: (BRASIL, [1874?]).
Fonte: (BRASIL, [1874?]).

No Censo de 1872, apesar de não anunciada, há uma fronteira muito tênue entre os que foram considerados analfabetos e os que foram registrados como sujeitos que sabiam ler e escrever. O que chamamos de “alfabetização” é uma categoria espinhosa, que precisa ser problematizada no espaço-tempo. Historicamente, nos censos ocidentais e brasileiros, o simples fato de se assinar/desenhar o nome era parâmetro para que alguém fosse considerado alfabetizado para fins estatísticos (Ferraro, 2002, p. 31). Por si só, esse dado diminuiria, e muito, a percentagem dos que efetivamente soubessem ler e escrever. Outro problema surge quando “saber ler e escrever” é compreendido acriticamente, enquanto competências que são adquiridas simultaneamente. Pelo menos até a segunda metade do século XIX, de forma ideal, caso não existissem grandes percalços, primeiramente se aprendia a técnica da leitura em um prazo de até dois anos. Depois, caso fosse possível financiar o restante da instrução primária, o estudante poderia iniciar sua aprendizagem da escrita. Realizar as quatro operações matemáticas seria o último estágio dessa caminhada pedagógica (Morais, 2016, p. 98; Gouvêa e Xavier, 2013, p. 111).

Fonte: (BRASIL, [1874?]).
Fonte: (BRASIL, [1874?]).

O Gráfico 4 permite que esmiucemos um pouco mais o anterior, revelando o elevado percentual de escravos que não dominavam o saber ler e/ou escrever. A legislação pernambucana pode ser um bom indicador para compreendermos o alto índice de analfabetismo entre os cativos. Aprovada em 14 de maio de 1855, a Lei n. 369, que dava nova organização à instrução primária provincial, proibia a matrícula de escravos em escolas públicas. Eles também estavam proibidos de cursar o Ginásio Provincial, estabelecimento público de ensino secundário. Só as escolas particulares poderiam aceitá-los em suas instalações (Collecção, 1855, p. 43, 47 e 51). Sem sombra de dúvidas, a Lei n. 369 tinha sua inspiração nas chamadas “Reformas Couto Ferraz”, ocorridas na Corte. Os legisladores pernambucanos foram inspirados pelo Decreto Imperial n. 1.221, de 17 de fevereiro de 1854. Ao proibir a matrícula de escravos em escolas públicas do município neutro, o governo central procurou reforçar hierarquias na sociedade escravista, frisar que o direito à instrução pública era prerrogativa constitucional do cidadão brasileiro e criar uma normatização que fosse seguida por todas as províncias imperiais (Silva, 2014, p. 91).

Apesar de os escravos serem proibidos de frequentar oficialmente a instrução pública pernambucana, na época do Censo de 1872, muitos travaram contato com o mundo letrado. Entre outras formas, quando necessitavam conhecer certos registros e códigos no mundo do trabalho ou ouviam leituras de textos feitas em voz alta. Tal ato de publicidade era feito pelos mais diversos tipos de gente, inclusive por escravos que aprenderam a ler e/ou escrever com seus senhores, malungos ou até mesmo em escolas particulares (Wissembach, 2002, P. 108, 110 E 119; Morais, 2016, p. 108 e 113; Machado e Gomes, 2017). Há vários exemplos de escravos letrados no Recife oitocentista, o que pode nos ajudar a compreender o percentual de 0,07% de cativos que, em algum nível, eram considerados alfabetizados. Nos jornais recifenses da primeira metade do século XIX, encontramos algumas notícias de venda e de fuga de artesãos escravizados que liam e escreviam (Luz, 2014, p. 169 e 243-244). Em mesmo período, Agostinho, o Divino Mestre, tinha mais de 300 seguidores entre livres, libertos e escravos. O profeta alfabetizava muitos deles utilizando-se de um ABC que condenava a escravidão com base na Bíblia (Carvalho e Ferreira, 2017).

Atentos ainda ao Gráfico 4, dentre os 31,04% de moradores livres do Recife que, em diversos níveis, sabiam ler e/ou escrever, podemos incluir muita gente de pele escura que conseguiu se capacitar por meio de processos pedagógicos formais, matriculando-se em escolas públicas ou particulares. Na primeira metade do século XIX, alguns meninos de cor, livres e libertos, tiveram a chance de frequentar a ainda pouco organizada instrução pública pernambucana. Eles eram oriundos de famílias nucleares chefiadas por homens. Nos poucos mapas disponíveis para análises, tais menores sempre foram registrados com suas famílias declaradas. Por causa desta regularidade, eles alcançavam algum grau de escolarização na medida em que fizessem parte de núcleos familiares organizados (Silva, 2007, p. 298-341). Entre os anos 1841, quando foi fundada, e 1872, quando foi feito o Censo, a Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais, grupo mutualista formado por artesãos pretos e pardos, livres e libertos, ofereceu aulas noturnas para seus sócios, e para trabalhadores em geral, em locais como a Igreja de São José do Ribamar, um sobrado na Rua Direita e uma espaçosa casa na Rua da Imperatriz (Mac Cord, 2012).

FIGURA 1 – Litografia aquarelada de Guesdon. Panorama da freguesia de São José por Frederick Hagedorn (1856). Diretoria de Documentação/CEHIBRA, Acervo da Fundação Joaquim Nabuco-Recife. Detalhe da obra que destaca a Igreja de São José do Ribamar.
FIGURA 1 – Litografia aquarelada de Guesdon. Panorama da freguesia de São José por Frederick Hagedorn (1856). Diretoria de Documentação/CEHIBRA, Acervo da Fundação Joaquim Nabuco-Recife. Detalhe da obra que destaca a Igreja de São José do Ribamar.

Não era nada fácil para os trabalhadores pobres e de pele escura aprender a ler e a escrever quer de forma insuficiente quer de forma plena. Os que conseguiram frequentar alguma aula noturna enfrentavam imensos problemas para manter sua regularidade discente e o interesse pelos estudos. A Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais costumava afirmar que seus alunos precisavam de mais tempo que o habitual para fazer os devidos exames de habilitação. Segundo a entidade mutualista recifense, isso ocorria porque eles estavam em precário patamar sociocultural e ainda sentavam em seus bancos escolares muito cansados, logo após uma exaustiva jornada de trabalho (Mac Cord, 2012, p. 205-206). Junto disso, das dificuldades advindas do cansaço após a labuta diária, existiram outros entraves para a instrução formal da classe trabalhadora no período em quadro, como, por exemplo, a falta de professores dispostos a lecionar à noite em bairros mais distantes, a própria distância entre a residência do estudante e a escola, o cancelamento oficial de cadeiras de instrução primária por falta de público e a inexistência de boas condições materiais nos estabelecimentos de ensino noturno (Costa, 2012).

Sobre os 55,99% que era composto por gente livre e analfabeta (entre eles, certamente, uma imensa maioria de trabalhadores de pele escura), vários motivos podem ser arrolados para a compreensão da magnitude do dado estatístico recifense. Vejamos duas justificativas bastante representativas. A primeira delas nos remete para o parágrafo anterior, ou seja, para os problemas enfrentados pela classe trabalhadora, inclusive para garantir sua subsistência, o que afetava sensivelmente suas possibilidades de escolarização. De forma complementar, em inícios da década de 1870, existiram poucas aulas noturnas na província, como atestavam as próprias autoridades públicas (Lima, 2014, p. 62). Para tentar mudar o quadro, abaixo-assinados foram produzidos por setores mais pobres da população recifense, exigindo-as. Em 1871, os moradores dos povoados de Areias, Barro, Peres e Tejipió, em Afogados, peticionaram às autoridades a escolarização de seus filhos, impedidos de frequentarem as aulas diurnas porque trabalhavam.[3] Em mesmo ano, o professor da cadeira diurna da Graça da Capunga solicitou sua contratação na recém-aberta cadeira noturna da mesma localidade, ainda vaga, porque havia vinte interessados em aprender a ler e escrever.[4]

Os morados do Recife entre 6 e 15 anos: sua relação com a escola no Censo de 1872

No quesito “população considerada em relação às idades”, o Censo de 1872 organizou as pessoas de forma bastante criteriosa: “meses”, “anos completos”, “quinquênios”, “decênios”, “maiores de cem anos” e “não determinadas”. Nessa seção, voltaremos nosso olhar para dois “quinquênios” bastante específicos, listados naquele documento estatístico: dos 6 aos 10 anos e dos 11 aos 15 anos. Metodologicamente, nossa escolha é justificada quando observamos o próprio Censo de 1872, que, em seu quesito “instrução”, indica que a população em idade escolar era aquela que estava entre 6 e 15 anos. Ao estudarmos a Lei n. 369 de 14 de maio de 1855, que dava nova organização à instrução primária pernambucana, percebemos que sua compreensão sobre a idade escolar era praticamente a mesma. Em seu Capítulo 3, mais precisamente no Artigo 71, os legisladores indicaram que as escolas provinciais não poderiam admitir “alunos menores de cinco anos, nem maiores de quinze” (Collecção, 1855, p. 43-44). Tal regularidade vai ao encontro da construção de um tempo de vida associado ao aprendizado formal, que, no Ocidente, instituiu parâmetros sobre o que seria a mais adequada idade para se frequentar a escola (Gouveia, 2004, p. 278).

Na faixa etária entre 6 e 15 anos, portanto, segundo o quesito “população considerada em relação às idades” do Censo de 1872, o Recife contava com 27.801 habitantes. Os menores livres somavam 24.644 indivíduos, enquanto os escravos chegavam ao total de 3.157. Por sua vez, ao atentarmos para o quesito “instrução”, o referido documento estatístico demonstra que somente os menores livres (entre 6 e 15 anos) foram tabulados como sujeitos que estavam dentro (“frequentam escolas”) ou fora (“não frequentam escolas”) dos estabelecimentos de ensino da capital da província. Não há referências, infelizmente, se eles eram públicos ou particulares. Com esse critério demográfico, os censores somente consideraram em seus cálculos escolares os 24.644 menores livres, excluindo assim os 3.157 escravos. Em vista disso, ao retomarmos a Lei n. 369, de 1855, que dava nova organização à instrução primária pernambucana, notamos que, além de manter os escravos excluídos da instrução pública, a estrutura social não permitiu que eles estivessem em estabelecimentos particulares de ensino. Ou, na melhor das hipóteses, podemos sugerir que se deixou de fazer o registro oficial dos estudantes cativos que eram crianças e jovens.

Fonte: (BRASIL, [1874?]).
Fonte: (BRASIL, [1874?]).

Em números absolutos, os 27.801 moradores do Recife que estavam em idade escolar correspondiam a 23,92% de sua população. Ou seja, quase ¼ das pessoas que habitavam a cidade, número superlativo, poderiam estar em escolas públicas ou particulares, segundo a Lei n. 369 de 1855. Ao observarmos o Gráfico 5, contudo, notamos que somente 19,24% dos menores, ou seja, 5.349 indivíduos livres, tinham real acesso à escolarização formal. Número bastante inexpressivo. Em outro momento, demonstramos que não era nada fácil para a classe trabalhadora conseguir instrução para seus familiares e agregados. Recordemos da petição que foi feita pelos moradores de Afogados, que não conseguiram matricular seus filhos nas aulas diurnas porque trabalhavam. E mesmo que os menores pobres, livres e trabalhadores conseguissem sentar nos bancos escolares, tinham frequência irregular porque lhes faltavam recursos e tempo (Veiga, 2008, p. 507-508; Barros, 2005, p. 80, 81 e 130). De uma forma geral, seus responsáveis buscavam escolas em que, junto do ler e escrever, se pudesse também aprender um ofício, receber roupas, abrigo, algum pecúlio e alimentação, como nos arsenais de Guerra e de Marinha (Silva, 2013, p. 27-61; Cunha, 2005, p.109-113).

Como podemos facilmente concluir, a precariedade cotidiana quase impedia que os menores pobres, livres e trabalhadores (matriculados em escolas públicas e particulares) continuassem seus estudos. Não por acaso, a estrutura social afastava por completo a maior parte deles das lições que eram oferecidas pelos professores primários da capital pernambucana. No Recife de 29 de outubro de 1875, em relatório para o presidente da província, a Inspetoria Geral da Instrução Pública corrobora nossa análise. O referido departamento governamental informava ao chefe do Poder Executivo que o público escolar era pequeno em toda a província por causa de circunstâncias conjunturais, como a disseminação da varíola e os tumultos causados por movimentos sediciosos (talvez estivesse fazendo referência ao “Quebra-Quilos”), e de problemas estruturais, como a pobreza e a miséria em que estavam mergulhadas as crianças pernambucanas, cujos pais não podiam mandá-las para as escolas por causa de tantas mazelas. O documento ainda afirma, por fim, que faltavam asilos para amparar a infância desvalida, o que contribuía para o baixo rendimento da instrução pública provincial.[5]

Fonte: (BRASIL, [1874?]).
Fonte: (BRASIL, [1874?]).

O Gráfico 6 permite que encerremos essa seção com conjecturas muito semelhantes àquelas que fizemos quando discutimos a percepção social da cor, sensibilidade que dependia dos condicionantes socioculturais, das conveniências cotidianas, das relações políticas e da capacidade de negociação simbólica dos sujeitos. O dado novo, contudo, aparece quando comparamos os Gráficos 6 e 2, que apresentou o total da população do Recife definida pela cor. Do ponto de vista estatístico, se os brancos compunham 40,70% dos moradores da capital pernambucana, nas escolas públicas e particulares seus menores abocanharam 50,48% das matrículas. Uma desproporção considerável em seu favor. Os pardos estavam bem representados, pois a cidade era composta por 40,40% deles e suas crianças e seus jovens livres compunham 39,88% do corpo discente recifense. Da mesma forma os caboclos, que no primeiro caso eram 0,48% e no outro 0,53%. Os pretos, entretanto, experimentaram a maior perda de representatividade na comunidade escolar, pois, mesmo compondo 18,33% da população local, somente 9,11% dos estudantes (que tinham entre 6 e 15 anos e eram livres) foram daquela forma registrados pelos censores.

Salvas as imprecisões objetivas e subjetivas do Censo de 1872, parece evidente que os censores e as famílias (ou tutores e curadores) dos menores recifenses livres, pobres ou não, que estavam matriculados em escolas públicas e particulares, tendiam a mudar sua cor na medida em que entendiam a escolarização como instrumento de mobilidade social. Nesse jogo intrincado, as motivações de cada um daqueles sujeitos poderiam ou não convergir. Para os que nasceram com a pele escura, os sentidos de liberdade e de cidadania estavam em disputa quando da desagregação do escravismo (Albuquerque, 2009). Para os pretos, poderia ser estratégico se tornar pardo. Da mesma forma, para esses últimos também seria vantajoso ser reconhecido como gente branca. Concomitantemente, não podemos perder de vista que a instrução pública e particular pernambucana possa ter sido mais discriminatória com as pessoas livres que apresentassem fortes marcas fenotípicas de africanidade. Até o início dos anos 1870, recaía sobre essas pessoas a suspeita de serem escravas, mesmo que fossem livres ou libertas (Chalhoub, 2012). Sem dúvida, estamos diante de duas situações que não se excluem mutuamente, tendo em vista as complexidades da sociedade recifense.

Propostas e ações em torno da instrução pública e particular nos anos 1870

No início dos anos 1870, diante de um quadro aterrador no âmbito da instrução pública e particular, especialmente revelado no processamento do Censo de 1872, a sociedade pernambucana buscou criar novos parâmetros que a aproximasse da “civilização” e do “progresso”. Na esfera pública, uma das mais importantes iniciativas nesse sentido foi a elaboração de uma nova norma que regulasse a escolarização provincial. Depois de muitos debates legislativos, os deputados pernambucanos aprovaram a Lei n. 1.143, aos 8 de junho de 1874, que tinha por objetivo reorganizar o ensino primário e secundário local. Na esfera privada, em 1871, com o apoio da Associação Comercial Beneficente e de importantes figuras públicas, a Imperial Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais, entidade fundada e administrada por artífices pretos e pardos, ganhava o benefício de criar e manter o Liceu de Artes e Ofícios do Recife (Mac Cord, 2012). Outra entidade particular pernambucana, de vital importância nesse emergente processo de valorização do ensino escolar, foi a Sociedade Propagadora da Instrução Pública. O grupo foi fundado em 1872 por professores, médicos, cônegos e demais gente que desfrutava de respeitabilidade (Santos, 2014).

Especialmente sobre a Lei n. 1.143, aprovada em 1874, há um bom termo comparativo com a Lei n. 369, de 1855. Aquela primeira norma não faz mais qualquer menção à proibição da matrícula de escravos nas escolas públicas e no Ginásio Provincial, algo que era basilar na outra. Na Lei 1.143 também não encontramos qualquer autorização para que os cativos somente frequentassem as escolas particulares, como fazia a norma anterior. Em outras palavras, o escravo não é sequer citado na legislação dos anos 1870 (Collecção, 1874, p. 59-66). Ainda nos faltam pesquisas para afirmar os motivos dessa ausência, mas talvez possamos sugerir que, no período em quadro, o ler e escrever, base da instrução primária, começasse a ser pensado como um instrumento para qualificar o exercício da cidadania política (Chalhoub, 2007, p. 231). Nesse sentido, como o escravo não era cidadão, e com a acelerada (e em curso) desagregação do escravismo na província, parecia desnecessário aos legisladores reeditar o que era vital em meados dos anos 1850. Outra hipótese é que talvez fosse interessante permitir que alguns escravos tivessem a oportunidade de se “lapidar” por meio de aulas que os ensinassem a ler, escrever, contar e rezar.

Governo e sociedade pernambucanos participavam de um fenômeno mais geral, ocorrido no Império do Brasil desde finais dos anos 1860 e que se intensificou após a chamada “Guerra do Paraguai”. Nesse processo histórico, por exemplo, o ministro Paulino de Souza, do Partido Conservador, reforçava a necessidade de se ampliar a instrução básica da população brasileira por meio de escolas ambulantes, noturnas, de fábricas, de domingo, de verão e para a infância desvalida. Outro ministro, João Alfredo Correia de Oliveira, também daquele mesmo partido, propôs um projeto, em 1874, que ampliaria a instrução básica. Ele entendia que a população mais pobre, de qualquer faixa etária, deveria ter mais fácil acesso ao ensino profissional, pois era preciso responder às demandas por mão de obra em uma época de “transição” do trabalho escravo para o livre (Rocha, 2010). A própria Lei do Ventre Livre, de 1871, de caráter emancipacionista, que estava inserida no debate da referida “transição”, tinha por objetivo oferecer aos ingênuos um nível de instrução que os transformasse em trabalhadores morigerados, minimamente escolarizados e conhecedores dos princípios “morais” que norteavam a sociedade brasileira (Fonseca, 2002).

No começo dos anos 1870, apesar de todas essas articulações nacionais e pernambucanas para o aumento da oferta e da “qualidade” da instrução pública, o que de fato ocorreu na cidade do Recife (em sua vida cotidiana e mais comum) é o que sublinharemos nessa seção. Caso fiquemos apenas na ordem das leis educacionais e dos projetos político-pedagógicos, deixaremos de conhecer sua (in)efetividade na história social e na vida rotineira das pessoas. Portanto, para iniciarmos o exercício proposto, no final do ano de 1875, a Inspetoria Geral da Instrução Pública informou ao presidente de Pernambuco que existiam 11.309 menores matriculados em escolas públicas de toda a província. Desses, 8.312 assistiam efetivamente às lições que eram ministradas por seus professores primários. Na cidade do Recife, especificamente, foram contabilizadas 3.974 matrículas, sendo que, segundo o documento, apenas 2.554 discentes registravam assiduidade nas aulas de ensino básico. Justificando-se, o inspetor relatou ao chefe do poder executivo que muitas escolas públicas ainda não tinham enviado seus mapas à repartição, “por isso os algarismos supra são inferiores ao número real dos alunos”.[6]

Relativizemos ou não as alegações que foram feitas pela Inspetoria Geral da Instrução Publica, estamos diante de importantes problemas. Mesmo que o conjunto dos mapas estivesse incompleto e, por causa disso, o governo encontrasse dificuldades para conhecer o número de matrículas realizadas em escolas públicas recifenses, o total de 3.974 estudantes é bastante tímido para finais de 1875. Especialmente quando havia um consistente debate nacional e pernambucano sobre a necessidade de se fomentar a instrução popular. Talvez, o volume de matrículas se adensasse com os mapas atrasados e os enviados pelos estabelecimentos particulares. De qualquer forma, sugerimos que, apesar de todo o alarde quanto à disseminação da leitura e da escrita, não encontraríamos números muito superiores aos que foram computados pelo Censo de 1872, que afirmava que a capital da província possuía 5.349 indivíduos livres, entre 6 e 15 anos, em salas de aula – como comentamos anteriormente, não sabemos se públicas e/ou particulares. Bastante reveladora, contudo, é a irregularidade na frequência escolar de 35,73% dos menores, o que corrobora todo o debate em que sublinhamos os motivos para que a instrução fosse um privilégio para poucos.

Fonte: Livro de Matrículas no Francês, 1858-1878, fls. 1-18, Universidade Católica de Pernambuco (doravante UNICAP), Recife, Biblioteca/Coleções Especiais, Série Liceu de Artes e Ofícios; Livro de Matrícula das Aulas de Geometria, 1858-1878, fls. 1-21, UNICAP, Recife, Biblioteca/Coleções Especiais, Série Liceu de Artes e Ofícios; Livro de Matrículas de Primeiras Letras, 1858-1878, fls. 1-36, UNICAP, Recife, Biblioteca/Coleções Especiais, Série Liceu de Artes e Ofícios.
Fonte: Livro de Matrículas no Francês, 1858-1878, fls. 1-18, Universidade Católica de Pernambuco (doravante UNICAP), Recife, Biblioteca/Coleções Especiais, Série Liceu de Artes e Ofícios; Livro de Matrícula das Aulas de Geometria, 1858-1878, fls. 1-21, UNICAP, Recife, Biblioteca/Coleções Especiais, Série Liceu de Artes e Ofícios; Livro de Matrículas de Primeiras Letras, 1858-1878, fls. 1-36, UNICAP, Recife, Biblioteca/Coleções Especiais, Série Liceu de Artes e Ofícios.

Na falta de mapas das escolas particulares, que complementem o relatório da Inspetoria Geral da Instrução Publica, escrito em finais de 1875, o Gráfico 7 apresenta dados sobre as aulas noturnas que foram oferecidas pela Imperial Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais. Podemos comparar o período em que a entidade criou e manteve o Liceu de Artes e Ofícios do Recife, a partir de 1871, com o anterior. Existiram outras aulas noturnas além das tabuladas, mas foram os códices de francês, geometria e primeiras letras que sobreviveram ao tempo e chegaram até nós. Nos primeiros anos de existência da referida escola pernambucana, e no bojo dos debates sobre a necessidade de se fomentar a instrução popular, houve um aumento considerável de estudantes matriculados, especialmente nas lições de primeiras letras. Nessas, a média etária era de 16,22 anos, ou seja, acima da então chamada idade escolar (Mac Cord, 2012). O Gráfico 7 ainda informa que, apesar do aumento quantitativo de estudantes nos primeiros anos do Liceu de Artes e Ofícios do Recife, posteriormente houve uma queda, muito em função das históricas dificuldades enfrentadas pelas famílias trabalhadoras, como analisamos oportunamente.

FIGURA 2 – Palacete do Liceu de Artes e Ofícios do Recife. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, FOTOS, Armário 8.2.2. (7), negativo 04470; COSTA, Menna da [Liceu de Artes e Ofício, PE, 1880]. Observação: A fotografia foi tirada dias depois da inauguração do Palacete (IMPERIAL, 1881, p. 26-27).
FIGURA 2 – Palacete do Liceu de Artes e Ofícios do Recife. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, FOTOS, Armário 8.2.2. (7), negativo 04470; COSTA, Menna da [Liceu de Artes e Ofício, PE, 1880]. Observação: A fotografia foi tirada dias depois da inauguração do Palacete (IMPERIAL, 1881, p. 26-27).

A Sociedade Propagadora da Instrução Pública, fundada em 1872, por sua vez, também buscou fomentar a escolarização básica dos pernambucanos. Além de criar sua própria Escola Normal para a formação de professoras, muitos de seus estabelecimentos particulares de ensino aceitavam gratuitamente estudantes pobres e ainda subvencionavam suas roupas, sapatos e livros (Santos, 2014, p. 71 e 91). A entidade educacional sabia que essa era condição sine qua non para mantê-los em sala de aula, mesmo que encontrasse dificuldades para realizar seu objetivo. Junto disso, na documentação disponível, notamos, na década de 1870, o esforço de seus Conselhos Paroquiais, junto às autoridades provinciais, no sentido de criar (e também nomear professores para as) aulas noturnas de primeiras letras destinadas aos adultos. Na cidade do Recife, em 1873, por exemplo, o Conselho Paroquial da freguesia do Poço da Panela solicitou a abertura de uma escola noturna e outra diurna no povoado do Monteiro. Em mesmo ano, o Conselho Paroquial da freguesia da Graça da Capunga pediu que a escola diurna dos povoados de Cruz das Almas e da Encruzilhada do Rosarinho também pudessem oferecer aulas de primeiras letras à noite.[7]

Atentos aos discursos vindos de cima da pirâmide social e às iniciativas da sociedade civil em torno da instrução popular, setores populares não estiveram passivos nesse processo de redefinição da liberdade e da cidadania. Por meio de abaixo-assinados dirigidos às autoridades provinciais, eles reivindicaram o direito de aprender a ler e escrever, para que também, estrategicamente, fizessem parte da “civilização” e do “progresso” e pudessem usufruir de seu legado. Oportunamente, citamos um abaixo-assinado produzido em 1871 pelos moradores dos povoados de Areias, Barro, Peres e Tejipió, localizados na freguesia de Afogados. No documento dirigido aos deputados provinciais pernambucanos, recordemos, seus redatores solicitavam aulas noturnas de primeiras letras. A justificativa da petição é emblemática: “o conhecimento da arte de ler e escrever, único e precioso elemento sobre cujas bases assenta o edifício da civilização e traça o princípio da felicidade material e moral do homem, é ambicionado por todas as classes da sociedade”.[8] Os peticionários deixaram evidente sua compreensão das regras do jogo e foram além, na medida em que frisaram que a instrução era um direito e não um privilégio.

No final da década de 1870, um grupo de trabalhadores da Passagem da Madalena produziu um abaixo-assinado que solicitava aos deputados provinciais pernambucanos a oficialização de sua aula noturna destinada para o sexo masculino. Ele temia que seu caráter voluntário gerasse descontinuidades nas lições de primeiras letras. A insegurança era legítima, tendo em vista o perfil social dos peticionários e o fato de que a iniciativa instrucional existia há pouco mais de um mês. Eles eram operários de “um importante estabelecimento fabril” e acreditavam que sua escola noturna era um instrumento para que “um grande número de crianças e pessoas adultas [não] deixem de aprender a ler e escrever, por serem ocupadas em diversas profissões durante o dia”. Ainda segundo o documento, 32 estudantes frequentavam as lições de primeiras letras, “na sua maioria artistas”. Para que suas pretensões fossem atendidas, de forma muito apropriada e conveniente, nos moldes do paternalismo e da economia do favor, os redatores do abaixo-assinado finalizaram sua petição afirmando que estavam certos de seu deferimento, visto que o Poder Legislativo “sempre facilita o ensino primário naquelas localidades onda há uma população que conviera educar e instruir”.[9]

Os anos 1880, o problema da instrução pública e particular e o Censo de 1890

O início dos anos 1880 continuou pouco auspicioso para a instrução básica dos pernambucanos, especialmente daqueles que eram mais pobres. Seminal, um dos relatórios da Inspetoria Geral da Instrução Pública afirmava que “a situação do ensino não se pode transformar de improviso por atos regulamentares”.[10] Parece evidente que os debates e as normas que procuraram fomentar o aprendizado da leitura e da escrita não alcançaram seus objetivos, muito em função de a escolarização estar vinculada à perspectiva da cidadania, algo absolutamente problemático em uma sociedade pautada por privilégios, escravismo e racialização. Ainda sobre o alerta feito pelo referido órgão, sabemos que, por si só, a aprovação de leis não garante o respeito ao seu escopo, assim como não promove uma imediata mudança na percepção cotidiana de justiça e de direitos (Thompson, 1987). Ao mesmo tempo, os orçamentos provinciais também podem nos enganar, tendo em vista que muitos recursos eram destinados às escolas. Só que nem sempre o que foi previsto pelo erário era executado pelos governantes, pois alguns setores da administração pública gastavam mais e outros menos do que o programado, de acordo com os mais diversos interesses.

No Brasil, desde os anos 1870, o desejo por excluir a base da pirâmide social do processo político stricto sensu, utilizando para isso critérios educacionais, sobrepôs os projetos de inclusão por meio da escola. A Lei Saraiva, de 1881, que acabou com o voto indireto em todo o país, exigia a alfabetização e a efetiva comprovação de renda dos eleitores. No 2º Distrito do Recife, por exemplo, a norma que restringia a cidadania política eliminou os direitos de 60,3% daqueles que podiam ir às urnas. Entre os mais pobres, antes da reforma eleitoral, agricultores, jornaleiros e artesãos compunham 48,2% do eleitorado. Por sua vez, os mais ricos e as camadas médias urbanas, conjunto que incluía negociantes, funcionários públicos e proprietários, 25,7%. Depois de aprovada a Lei Saraiva, o primeiro grupo caiu para 10,6%. O outro subiu para 62%. Naquele referido distrito, para ratificarmos a nova relação entre posses, direitos políticos e escolarização, sonho acalentado por muitos membros da “boa sociedade”, nas eleições de 1876 os analfabetos compunham 40,4% das listas eleitorais, mas em 1884 foram reduzidos para 4,7% (Souza, 2014, p. 168-170 e 181). Esse último percentual tem relação com algumas exceções previstas pela Lei Saraiva.

A redução do número de eleitores acirrou a economia do favor, pois ficou mais fácil para as elites letradas e proprietárias controlarem a máquina eleitoral e suas redes de clientela. No final dos anos 1880, em artigo intitulado “A reforma da Instrução”, publicado no jornal A Epocha, seu articulista faz parecer que as mudanças na lei eleitoral tiveram graves consequências na seleção dos professores pernambucanos, pois teria aumentado o quantitativo daqueles “cujos títulos de habilitação são algumas vezes unicamente os seus títulos eleitorais”.[11] Certamente, esse quadro mantinha a instrução pública e particular no “improviso”, como havia denunciado anos antes a Inspetoria Geral. O próprio Liceu de Artes e Ofícios do Recife e a Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais, sua mantenedora, experimentaram mudanças depois da Lei Saraiva. Seus principais gestores e professores, artífices pretos e pardos escolarizados, conquistaram muitas vantagens porque foram habilitados como eleitores. Concomitantemente, com o passar do tempo, o fortalecimento da troca de favores com seus patronos fez com que muitos doutores reconhecidos como brancos começassem a fazer parte da diretoria e da sala de professores (Mac Cord, 2014).

Em meio às mudanças ainda mais excludentes em uma sociedade baseada em privilégios, escravismo e racialização, novos atores ligados à instrução pública e particular ganhavam visibilidade. Criado em 1878, o Grêmio dos Professores Primários em Pernambuco tinha por objetivo reunir docentes de ambos os sexos, no intuito de aperfeiçoar a instrução primária e o próprio magistério (Estatutos, 1878, p. 5 e 9). Em princípios de 1890, o Club Literário Ayres Gama, formado por jovens mais ou menos vinculados à escola primária, criou a Associação Pedagógica Pernambucana, que também buscava fomentar a escola básica e o aperfeiçoamento docente.[12] Junto dessas instituições, outras, que a priori tinham caráter diverso, criaram suas próprias aulas noturnas para “civilizar” o povo e qualificar eleitores. Entre os anos de 1889 e 1891, vinte clubes republicanos foram fundados no Recife e em Olinda. Alguns deles, que só aceitavam sócios alfabetizados, ofereciam lições de leitura e de escrita à comunidade (Souza, 2018, p. 86, 88 e 96). Em mesma época, organizações operárias e artesanais também foram criadas, para, entre outras metas, escolarizar a classe trabalhadora, conscientizá-la politicamente e qualificá-la eleitoralmente (Mac Cord, 2016).

Fonte: (BRASIL, 1898).
Fonte: (BRASIL, 1898).

Todos os esforços particulares e as tentativas de incremento da escola pública, contudo, obtiveram inexpressivos resultados quantitativos no intervalo de quase vinte anos, como podemos observar no Gráfico 8. Contudo, antes de analisarmos essa tabulação, que foi embasada no Censo de 1890, e apresenta os graus de instrução básica dos habitantes do Recife e suas cercanias, será preciso fazer um importante alerta. Na época em que a referida contagem populacional foi publicada, as localidades de Jaboatão, São Lourenço da Mata e Muribeca foram registradas como municípios pernambucanos. Portanto, o Recife perdera suas antigas dimensões espaciais e políticas, ficando circunscrito somente aos bairros de São Frei Pedro Gonçalves, Santo Antonio, São José, Boa Vista, Afogados, Graça da Capunga, Poço da Panela e Várzea. Com essa nova configuração político-administrativa, a capital do estado havia perdido parte de suas características mais rurais. Isso posto, por questões metodológicas que facilitaram nossas operações comparativas, decidimos juntar os dados demográficos do Recife com os das três outras cidades, para que tenhamos, a partir do Gráfico 8, parâmetros de análise mais precisos em relação ao Censo de 1872.

Feito o alerta, a primeira leitura do Gráfico 8 permite afirmar que, diferentemente do período compreendido entre os anos 1850 e 1870, que testemunhou uma explosão demográfica no Recife, o intervalo de tempo entre os Censos de 1872 e de 1890 registrou uma pequena curva ascendente no crescimento de sua população e de suas cercanias. Por sua vez, do ponto de vista do saber ler e escrever, a contagem feita pelo Império do Brasil informou que 31,11% dos moradores da capital pernambucana (pretensamente) dominavam essas competências. O de 1890, considerando aquela localidade mais ampla, 31,52%. Em termos percentuais, como podemos atestar, também houve um ínfimo aumento no quantitativo de pessoas consideradas alfabetizadas, segundo os critérios estatísticos dos censores oitocentistas. Entretanto, caso tomemos a cidade do Recife isoladamente, tendo como parâmetro o Censo de 1890, notamos que 37,38% dos seus habitantes brasileiros e estrangeiros sabiam ler e/ou escrever. O número um pouco maior deve refletir sua urbanidade, a maior presença de ações instrucionais e suas complexidades sociais, em relação às zonas rurais menos adensadas e mais empobrecidas de Jaboatão, Muribeca e São Lourenço da Mata.

No Gráfico 8, dentre os habitantes do Recife e suas cercanias, 1,78% dos que sabiam ler e/ou escrever eram estrangeiros – 2.587 indivíduos. Diferentemente do Censo de 1872, não há seus locais de origem. A maior parte deles deveria ser portuguesa, pois, além de abundarem na região, falavam nosso idioma. Ainda sobre os estrangeiros, no Censo de 1890, o item “população recenseada no estado de Pernambuco quanto à nacionalidade” apresenta uma inconsistência, pois somos informados que havia 2.227 na capital e suas cercanias. Desses, 2.125, maioria absoluta, vivia no Recife. Certamente existiram alguns mais, considerando-se o montante de considerados alfabetizados. Contudo, supomos que tenha diminuído o número de imigrantes na capital, que chegou a contar 8.038 no Censo de 1872. De certa forma, caso essa afirmativa seja verossímil, podemos sugerir que, nos primeiros anos da República, menos europeus (sujeitos fenotipicamente brancos) viveram no espaço em foco. O Gráfico 8 também permite concluir que a maior parte dos ditos alfabetizados era composta por brasileiros, perfazendo um total de 29,74% da população. Parece evidente, pelo que já foi discutido, que, hegemonicamente, fosse gente de pele escura em seus mais variados tons.

Dentre os que não liam e/ou escreviam, há 68,89% no Censo de 1872 e 68,48% no outro, somando Recife e suas cercanias. Regularidade que acompanha as anteriormente analisadas. Em 1890, caso observemos somente a capital, 62,62% eram analfabetos, número um pouco menor. A explicação desse fenômeno vai ao encontro da que propomos no caso dos recifenses que sabiam ler e/ou escrever: existiam mais oportunidades de escolarização nas cidades, comparativamente ao campo. Apesar de expressivos, os percentuais acima eram menores que a média nacional, 82,6%. De qualquer forma, os analfabetos do Recife e região nos remetem para um perfil social bastante específico: gente com pele escura, pobre e sem empregos regulares. Ela sofreu os mais duros golpes após o fim da escravidão, pois teve que responder aos primeiros desafios do pós-abolição. Cativas ou não antes do 13 de maio, essas pessoas precisaram ensaiar novos espaços de liberdade em uma sociedade sem escravidão, mas marcada pelo racismo científico (Gomes e Machado, 2015, p. 36-40). Tal ensaio exigia que criassem pontes para uma efetiva cidadania, pois suas vidas não eram muito diferentes do tempo em que vigia o escravismo (Rios e Mattos, 2007, p. 55).

Fonte: (BRASIL, 1898).
Fonte: (BRASIL, 1898).

Para embasar nosso argumento sobre uma maioria de não-brancos analfabetos, o Gráfico 9 nos remete aos critérios de cor que balizaram a feitura do Censo de 1890. Eles foram tão homogeneizadores e impositivos quanto aqueles que pautaram a contagem realizada em 1872. Apesar disso, ainda observamos certas regularidades, em quase duas décadas, quando lançamos nosso olhar para a percepção étnica dos e sobre os moradores do Recife e suas cercanias. Na comparação com o Gráfico 2, notamos que, no início do período republicano, houve um aumento da percentagem de caboclos, que passaram de 0,48% para 2,02%. Da mesma forma, existe uma estabilidade entre aqueles que se declararam ou foram declarados brancos: de 40,79% para 40,37%. Tendo em vista as conjunturas excludentes do pós-abolição, muitos sujeitos que tinham a pele menos escura continuaram a achar conveniente se declararem brancos ou serem assim declarados. Os etnônimos pardo e mestiço merecem especial menção. O primeiro apareceu no Censo de 1872. O outro, no de 1890. Tendo em vista que os números são similares, 40,40% e 44,31% respectivamente, provável é que estejamos diante de um grupo étnica e socialmente semelhante.

No último quartel do século XIX, os pretos foram os que conheceram e/ou construíram a maior queda de representatividade percentual no seio da população recifense e de suas cercanias. No espaço de quase vinte anos, segundo os censos até aqui estudados, eles passaram de 18,33% para 13,30% dos habitantes da referida região. Em 1890, exclusivamente na capital, eles somavam 12,17%. Talvez tenhamos aqui um fenômeno bastante parecido ao que ocorreu com os menores que eram estudantes, no ano de 1872. Recordemos que apesar de os pretos comporem quase ¼ dos habitantes da capital pernambucana, somente 9,11% das crianças e dos jovens entre 6 e 15 anos, livres e regularmente matriculados foram declarados dessa forma. Ao analisarmos esse caso, sugerimos que os números poderiam apontar para a exclusão daqueles com mais fortes sinais de africanidade e/ou para a conveniente manipulação da cor nas mais diversas situações cotidianas. Nos primeiros anos republicanos, essa última estratégia também continuava vinculada à mudança de status social dos indivíduos, ao afastamento do passado escravista e à própria proteção pessoal e/ou familiar em uma sociedade onde o racismo científico ganhava força.

Considerações finais

Há muito que se pesquisar, pensar e escrever sobre a instrução pública e particular brasileira, e pernambucana, no século XIX. Ainda existem muitas lacunas para sua melhor compreensão e nosso artigo não teve a pretensão de preenchê-las. Contudo, avanços fundamentais ocorreram nos últimos 30 anos. Especialmente quando a historiografia da educação demonstrou que o regime republicano não foi o “marco zero” das iniciativas governamentais e civis no campo da escolarização, os escravos e seus descendentes também estudavam em estabelecimentos imperiais de ensino e os trabalhadores pobres, livres e com a pele escura buscavam nas aulas noturnas um caminho para sua inserção social e respeitabilidade pública. No tempo presente, como desdobramento dessas investigações seminais e inovadoras, ganha cada vez mais espaço os estudos acadêmicos sobre intelectuais, doutores, políticos e professores, muitos deles pretos e pardos, oriundos da base da pirâmide social, que lutaram por mais acesso à instrução pública e à cidadania no Império do Brasil. Da mesma forma, os pesquisadores também estão mais atentos às entidades que, com os mesmos objetivos, foram criadas ou apropriadas por tais personagens.

Do ponto de vista historiográfico, no campo da educação, devemos nos cuidar para que não vivamos um movimento radicalmente pendular. No passado, os estudiosos ampliavam o ângulo de suas análises e negligenciavam as ditas “atipicidades” em suas explicações, mais estruturalizantes, sobre os problemas educacionais brasileiros. Por outro lado, neste momento, devemos ficar cada vez mais atentos para não reduzir acriticamente o ângulo de nossas análises, criando assim ilusões biográficas e desconsiderando os condicionantes sociais. Sem sombra de dúvidas, no Império do Brasil, existiram escravos e ex-escravos, e também seus descendentes libertos e livres, gente pobre, frequentando, mesmo que forma precária, espaços (in)formais de aprendizagem. Os poucos que conseguiram se tornar professores, doutores, intelectuais e políticos tiveram que lutar bravamente contra uma estrutura social que manteve a maior parte da população excluída dos direitos políticos, econômicos e sociais. E também da escola pública e particular, como demonstramos nesse artigo, já que os Censos de 1872 e 1890 indicaram que pouco mais de 82% da população brasileira não teve acesso aos mais básicos conhecimentos da instrução primária.

As fontes, nesse artigo, demonstraram que setores das classes populares reivindicaram o acesso ao ensino básico, seja para que seus filhos tivessem um futuro melhor, seja para votassem após a reforma eleitoral, seja para que alcançassem algum status social positivo. Contudo, não podemos superestimar a importância da escola para todos aqueles que estavam na base da pirâmide social. Talvez, muitos deles se sentissem desconfortáveis com a ideia de frequentar estabelecimentos oficiais de ensino. Como afirma E. P. Thompson, “o universo instruído estava tão saturado de reações de classe que exigia uma rejeição e desprezo vigorosos da linguagem, costumes e tradições da cultura popular tradicional” (2002, p. 32). Nesse sentido, apesar da pouca oferta pública e particular de instrução básica em Pernambuco, provavelmente também faltasse mais interesse e pressão vindos “de baixo” para aumentá-la. Poderia não ser atraente para os trabalhadores pobres e de pele escura estar em um espaço que lhes tratava “como grosseiro, imoral e ignorante” (Thompson, 2002, p. 32). E para “corrigi-los”, ou aos seus filhos, muitas vezes os professores utilizavam violência física e/ou moral, coisa que lhes fazia parecerem escravos. Isso, sem dúvida, não era algo por eles desejado.


* Marcelo Mac Cord é doutor em História Social pela Unicamp. Professor Adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Autor dos livros O rosário de d. Antonio: irmandades negras, alianças e conflitos na história social do Recife, 1848-1872 e Artífices da cidadania: mutualismo, educação e trabalho no Recife oitocentista. Coorganizador dos livros Rascunhos cativos: educação, escola e ensino no Brasil escravista e Organizar e proteger: trabalhadores, associações e mutualismo no Brasil (séculos XIX e XX).

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Notas

[1] Diário de Pernambuco, 11 de janeiro de 1873, Fundação Biblioteca Nacional (doravante FBN), Hemeroteca Digital Brasileira. Disponível em http://memoria.bn.br/hdb/uf.aspx. Acesso em 1º mar. 2019.

[2] Para saber mais sobre a comunidade portuguesa no Recife oitocentista, consultar (CÂMARA, 2013). Sobre os outros europeus, faltam pesquisas. Especificamente sobre os alemães, consultar (MAC CORD, 2019).

[3] Documento 04, Caixa P136, Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (doravante ALEPE), Recife, Divisão de Arquivo, Série Petições.

[4] Códice IP-25, fl. 459-460, Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (doravante APEJE), Recife, Setor de Documentos Manuscritos, Série Instrução Pública.

[5] Códice IP-30, fl. 354-355, APEJE, Recife, Setor de Documentos Manuscritos, Série Instrução Pública.

[6] Idem, ibidem.

[7] Códice IP-28, fl. 208, 213, 312 e 517, APEJE, Recife, Setor de Documentos Manuscritos, Série Instrução Pública.

[8] Documento 04, Caixa P136, ALEPE, Recife, Divisão de Arquivo, Série Petições.

[9] Tudo em Caixa P145B, ALEPE, Recife, Divisão de Arquivo, Série Petições.

[10] Códice IP-35, fl. 38, APEJE, Recife, Setor de Documentos Manuscritos, Série Instrução Pública.

[11] A Epocha, 20 de setembro de 1889, FBN, Hemeroteca Digital Brasileira. Disponível em http://memoria.bn.br/hdb/uf.aspx. Acesso em 1º maio. 2019.

[12] A Epocha, 1º de março de 1890, FBN, Hemeroteca Digital Brasileira. Disponível em http://memoria.bn.br/hdb/uf.aspx. Acesso em 1º maio. 2019.