Resumo: A partir do diálogo entre dois retratos de Murilo Rubião e de dois manuscritos desse escritor, este ensaio tem como objetivo a leitura do arquivo literário desse autor. Com isso, esse trabalho visa a sugerir tanto um procedimento de escrita como de escuta da memória literária custodiada e materializada nos arquivos.
Palavras-chave: Murilo Rubião; arquivos literários; crítica biográfica; ficções do arquivo.
Abstract: Based on the dialogue between two portraits of Murilo Rubião and two manuscripts written by this writer, this paper suggests an essay, which has as a goal the “reading” of this author literary archive. In this matter, this work proposes both a procedure of writing and of listening of the literary memory subsided and materialized in the archives.
Keywords: Murilo Rubião; literary archives; biographic criticism; archive fictions.
Proposta – onde o autor se indaga: como “ouver” o arquivo?
(…) sobretudo, tentei evidenciar o fato de que todo livro nasce na presença de outros livros, em relação e em confronto com outros livros (Calvino, 2003, p. 266).
Quando se pensa em pesquisas a partir de fontes documentais, indaga-se, sobretudo, acerca das táticas de abordagens do corpus adotadas pelos pesquisadores. De imediato, uma questão se impõe: “como trabalhar os indícios ou traços que chegaram desde o passado (…), como torná-los legíveis, de maneira a fazê-los falar”? (Pesavento, 2008, p. 63). Na busca por modos de leitura dos arquivos literários, os seguintes versos de Quevedo colocam o problema sob os signos da conversa e da escuta: “Vivo en conversación con los difuntos, / Y escucho con mis ojos a los muertos” (Quevedo apud Rocha, 2011, p. 17). Nestas poucas linhas, perscruta-se a sugestão da leitura como forma de escuta. Assim, o pesquisador, ao ler e manusear registros presentes em arquivos, encontra-se investido não só na condição de ouvinte e intérprete que se põe a “ouver” histórias alheias – mas também como narrador que ficcionaliza corpos, vozes e narrativas acerca dos habitantes que povoam os arquivos.
Tomando como corpus as representações da leitura presentes nas narrativas “O documento” e “O mistério”, de Murilo Rubião, bem como em um retrato do escritor feito por Aurélia Rubião, pretende-se pensar o gesto do pesquisador de ler o arquivo para escrever a partir dele, sobre ele e contra ele. Nesse percurso do ler ao escrever, concebe-se o arquivo de um escritor não apenas como palimpsesto de tempos, valores e vozes culturais a decifrar – mas, sobretudo, como local propício à elaboração de ficções, quer de ordem teórica ou não. De espaço de preservação, ordem discursiva composta por traços da memória literária, o arquivo literário desdobra-se em lugar de questionamento e an-arquia das imagens de pensamento instituídas a propósito da literatura.
As proposições acima servem de corolário para o texto que se segue: uma encenação crítico-ficcional das relações entre escrever e ler. O mote da abordagem advém do seguinte comentário: “Como todo scriptor é leitor antes de pegar da pena, todo leitor que procura compreender e interpretar um processo escrito enfia-se, sem perceber, na roupa do scriptor a fim de melhor reconstruir os caminhos e a direção da escrita” (Grésillon, 2011, p. 08). A partir desta sugestão, compôs-se um “quase roteiro”, no qual a leitura (ou sua incapacidade) é tema que se desdobra, simultaneamente, em narrador e personagem – a figura do pesquisador, apresentado como lector a sondar as estratégias de escrita de um scriptor. Para tanto, o pesquisador se apropria de vários discursos do e sobre o escritor e o arquivo,[1] deslocando-os e os expandindo mediante a elaboração de narrativas teóricas. Assim, da tentativa de fixar a poética implícita de uma obra, delineiam-se traços de uma poética da leitura – que poderia ser vista, também, como poética dos rastros.
Antes de passar a este exercício de escuta, gostaria de fazer dois comentários. O primeiro concerne ao jogo de vozes que se poderá perceber ao confrontar a primeira com a segunda e a terceira cenas. Buscou-se criar um atrito entre a voz distanciada, própria ao discurso científico, em contraponto à proximidade do sujeito afetado pelo objeto de sua pesquisa. Já o outro comentário diz respeito ao tom descritivo da narrativa que se segue. Não se trata de “dar a ouver” o arquivo literário pesquisado em sua totalidade; pelo contrário, intenta-se mostrar não só a impossibilidade de um mapa definitivo, mas, sobretudo, de aludir aos inúmeros percursos de leitura – seja da teoria literária, da história da literatura, da obra de um escritor, de sua fortuna crítica etc. O que se propõe, no experimento a seguir, consiste em sugerir mais de uma figuração do (i)legível que se insinua no (mal de) arquivo literário.
1ª cena – quando o leitor narra sua leitura
Aqui, uma voz, adentrando territórios de silêncio, tenta ser mais de uma (Brandão, 2005, p. 03).
Atraído pelos rumores das páginas, aventuro-me em meio à ordem de um arquivo literário. Antes de iniciar minha jornada, lembro que, certa vez, elaborei um mapa do local. Consulto as anotações e encontro um esboço.
Mesmo que o desenho não coincida exatamente com a geografia atual do espaço, ao menos irá auxiliar em sua visualização. Por instantes, leio os traços na folha à minha frente, até que escolho uma dentre as várias entradas do labirinto. Enquanto caminho, penso que a organização das salas por vizinhanças confere ao lugar o aspecto de uma pequena cidade de vidro habitada por espectros. Não demora até que chego à encenação de como poderia ter sido o laboratório daquele escritor por quem me interesso.
Examino à minha volta, em busca de algo na montagem que capture meu olhar, até que percebo, ao fundo da sala, um quadro parcialmente oculto pela porta aberta de um armário. Dirijo-me a ele e me coloco a observá-lo.
Neste retrato, vê-se um homem com o olhar voltado para o livro em suas mãos. O terno escuro, a calvície acentuada, o bigode bem talhado, somados ao cinza esfumaçado que compõe o plano de fundo, contribuem para atribuir certo ar de solenidade à composição. Apesar de tantos elementos, os traços e a fisionomia indicam que ainda se trata de um jovem. Sua expressão, aparentemente tranquila, pouco contrasta com a tensão insinuada pelas sobrancelhas arqueadas. Os olhos semicerrados e a cabeça ligeiramente inclinada para baixo apontam para o foco do olhar: um livro, do qual não se nota título ou autor. A pose do leitor e a expressão compenetrada do retratado me remetem a outra imagem, “Jovem moça lendo”, de Jean-Honoré Fragonard. No entanto, diferente da tematização pitoresca de uma cena doméstica de leitura, feita pelo pintor francês, a cena de leitura do retrato de Rubião parece dramatizar (ou talvez buscasse fixar) um instante decisivo – o contato do indivíduo com uma herança, uma prática e um objeto que irão modelar as condições de narração de sua história futura: a tradição letrada, a leitura, o livro.
Continuo a ler a tela. Noto que, abaixo de uma das mãos, há uma assinatura e uma data: Aurélia Rubião, 1937. As informações fazem com que me lembre de alguns dados e do vínculo entre a retratista e o retratado. Por este período, ela, com seus 36 anos, tinha certo reconhecimento no meio artístico como pintora; ele, jovem nascido em uma família de escritores e letrados, era um estudante de Direito que contava entre 20 e 21 anos, mas já tateava sua poética, ora atuando como jornalista, ora publicando narrativas e poemas em jornais e revistas locais. Se um retrato é como um espelho, ele deve refletir, ainda que de maneira estilizada, aspectos daquele que se encontra diante dele. Isso me faz pensar: teria sido o quadro feito apenas para representar a paixão de Murilo pelo livro e pela leitura? Ou a ideia de Aurélia teria sido construir uma imagem do primo como homem de letras, a fim de que, pelo efeito da contemplação diária da tela, ele afivelasse ao rosto a máscara do escritor? Caso não tivesse título, ele poderia ser “Retrato do escritor quando jovem”.
Após tomar minhas notas, lembro-me de que ainda há mais locais para percorrer. Olho ao redor, a fim de prosseguir a busca, e sou atraído por um corredor, espécie de galeria em que arranjos de retratos e fotografias compõem uma narrativa visual, semelhante a um “túnel do tempo”, sobre a vida do escritor retratado. Outra vez, um retrato do escritor convoca a atenção não só pela imagem, mas pela repercussão que há entre a tela lida antes e estas que se apresentam, agora, ao olhar.
Se o primeiro apresentava um jovem em 1937, neste vemos um homem 50 anos depois. Aqui, o pintor não só dá vida à figura de Murilo Rubião como escritor, vemos o criador em meio a suas criaturas, imerso numa atmosfera que busca remeter o espectador a seu universo ficcional. Posicionado no centro da tela, o escritor tem a cabeça coroada por uma espuma semelhante a nuvens (seria uma alusão a certo aspecto onírico de alguns de seus contos?) Circundando-o, há elementos que figuram sua profissão e que também dão título a alguns de seus textos mais conhecidos. À esquerda, na altura do rosto, alguns livros, nos quais se leem os títulos de sua obra, mesclam-se a um girassol vermelho quase translúcido. Logo abaixo, uma flor (de vidro?), um tinteiro e uma caneta, na qual se lê o nome do escritor. À direita, a cartola, ícone que caracteriza o personagem de seu conto mais emblemático (“O ex-mágico da taberna minhota”), que também é o título de seu primeiro livro. Sem dúvida, este retrato fixa a imagem de um escritor canonizado.
Após a pausa motivada pelo retrato poético de Bax, retomo a caminhada e chego ao local que procurava: a biblioteca e o arquivo construídos pelo escritor ao longo de sua vida. Por um instante, observo o lugar. Livros, cerâmicas, garrafas, fotografias e estantes de madeira dividem espaço com móveis de metal. Resisto a consultar o índice de documentos que tenho comigo e me lanço à procura de alguns fios para esta narrativa.
Percorro prateleiras, passando de uma estante a outra. Abro gavetas, repletas de pastas meticulosamente organizadas, das quais retiro e folheio numerosos documentos sem, contudo, encontrar nenhum traço que testemunhe possíveis segredos da escrita dele. Após percorrer quase todo o cômodo, olho para o único lugar que não investiguei ainda: um armário de metal. Ao abri-lo vejo, em seu interior, várias pastas, dispostas de maneira caótica, sem ordem aparente. Observo o conjunto e, sem saber por onde começar, decido consultar todas, uma a uma. Recortes de jornal repetidos, agendas antigas, cadernetas, recibos, carteiras de trabalho, diplomas… Sei que um arquivo se compõe de restos, mas a certeza não afasta a impressão de buscar vestígios de sobreviventes (o escritor? A escrita? A “vida escrita”?) em meio a destroços. Neste momento, deparo-me com algo que provoca minha atenção. Trata-se de uma pasta cinza, de fecho elástico, marcada pela ação dos tempos. Em sua capa, há um pedaço de papel fixado com fita adesiva, no qual se lê “Anotações Antigas para Contos Improváveis 08”.
Enquanto olho para a pasta, imagino os conteúdos que estariam em seu interior, à espera de minha leitura. Por um instante, divago: e se as anotações que se encontram ali forem as necessárias para comprovar minhas hipóteses sobre o improvável dos contos do escritor? Movido pela possibilidade de desvendar esse e outros mistérios, abro a pasta.
Dentro, folhas de tamanhos variados, dispostas sem ordem aparente, exibem manuscritos e datiloscritos que se assemelham a rascunhos de narrativas. Alguns estão “limpos”, outros possuem rasuras. No conjunto, os textos (já seriam documentos?) apresentam datas que vão de 1937 a 1957; no entanto, também há outros, sem data. Estranho, penso, as outras pastas, as que se localizam nos arquivos, encontram-se organizadas cronologicamente. Já esta, escapa à regra – como o tempo fragmentado, oscilante e fora dos eixos que se manifesta nos contos do escritor.
Coloco-me a folhear o material ali mesmo, de pé. Em meio aos papéis encontro uma lista manuscrita, espécie de índice em que se podem ler 15 títulos de estórias – se esboçadas ou se improváveis, ainda não tenho ideia. Ao lado de cada inscrição, há o que parecem ser os argumentos de cada uma das narrativas. Dentre todas, uma chama minha atenção, a de número 8: “‘O documento” (história de um homem que leva a vida toda decifrando um documento)’”. Ao ler estas linhas, sinto-me tomado pela febre do arquivo, volto a folhear freneticamente as páginas da pasta em busca desta narrativa. Após algum tempo, localizo uma folha sem data, na qual leio:
O DOCUMENTO
(Parábola)
Levou a vida toda decifrando um documento. Palavra por palavra. Cinquenta anos em cima do documento. Um dia, alguém [xxxxxxxxxxxx] lhe diz: — Sabes que levaste a vida toda em cima deste papel, que estás velho e morrerás dentro em pouco. O ancião olha o rosto no espelho, acaricia os cabelos brancos. Pega no documento, sacode-o[,] e volta a decifrá-lo.[3]
Neste texto curto, podemos observar algumas questões: não sabemos se o ancião sabe ler; não é mencionado em que língua o documento é escrito (ou mesmo se é um texto); a origem do documento não é revelada (não sabemos se é público ou privado), assim como seu teor (ou “segredo”) permanece insondável. Mas há duas imagens que despertam (minha) atenção e sobre as quais gostaria de me deter um instante. De um lado, o texto ilegível, que o leitor não consegue fazer falar, pesadelo materializado de todo leitor e pesquisador (principalmente o que lida com arquivos, literários ou não). De outro, um leitor não identificado que dedica sua vida a decifrar algo que lhe escapa à compreensão. Apesar dos esforços, o teor do documento permanece indevassável a seus (e nossos) olhos. Mesmo diante do fim próximo, ele persiste na tarefa de perscrutar, nos intervalos entre as palavras, os sentidos que se alojam no silêncio da página.
Quanto a mim, que estou com esta narrativa nas mãos, ocupo-me da relação entre o documento de escrita e a indicação “parábola”, colocada entre parênteses, abaixo do título. Lembro-me do que disse um crítico, de que “a parábola traz em si a relação com uma outra estória – quando não com a história em sentido estrito” (Alcides, 2008, p. 83). No entanto, a que narrativa este documento se vincularia? Será que o escritor estaria a questionar a decifração como modalidade de leitura? Ou, ao dramatizar o gesto da leitura no texto, estaria propondo uma teoria (ou alegoria) sobre sua própria escrita? Com receio de me esquecer de tantas questões, tomo nota de todas e prossigo com as explorações.
Diante das possibilidades interpretativas que a decifração deste mistério poderia abrir, leio a página outra vez, palavra por palavra. Ao passo que o olho se acomoda, as poucas rasuras presentes na folha me interpelam o olhar, sacudindo-o. Incomodado pelos abalos, que inquietam a leitura, viro a página. Para meu espanto, vejo que no avesso (trama do bordado?) há outra estória, manuscrita, com o título sugestivo de “O mistério”.
O mistério
Devia ser uma coisa sutil. Um mistério. Todos a entendiam e pouca importância [xxx] davam. [xxxxxx]. a ela. Somente a mim incomodava não decifrá-la. Não perguntaria a ninguém, como seria [ ] lógico, porque sabia, de ante-mão, que não me falariam. Tinha que ser mistério apenas para mim. [xxx] Pens[a?] em mil maneiras de descobrir o sentido daquilo tudo, sem [t?]ardar, ou melhor, indagando de tão sutil maneira que ninguém percebesse o que eu desejava[4]
Mais uma vez, um narrador-personagem a quem é vedado o entendimento de um segredo. Ao contrário da aparente resignação do personagem de “O documento”, o narrador de “O mistério” se mostra incomodado por não conseguir decifrar o oculto – que, paradoxalmente, é acessível a “todos os outros” que, estranhamente, não davam importância a tal situação. À medida que leio, outros pontos da narrativa convocam minha atenção: o aspecto sutil do mistério; o ardil de indagar “os outros” sobre o sentido sem que percebessem; o narrador ser o único membro de uma comunidade que não é iniciado nos ritos que permitem conhecer a revelação de que consiste o mistério; a constatação de que “tinha que ser mistério apenas para mim”.
Cada vez mais atordoado pelo mal do arquivo, passo em revista os indícios que coletei até o momento, a fim de organizar minhas reflexões. Em comum, estes textos apresentam duas cenas de leitura que têm, por objeto, algo ilegível. O personagem de “O documento” dedica sua vida à tarefa de ler um texto que, por sua vez, resiste à tradução. Já o narrador de “O mistério” busca “mil maneiras de descobrir o sentido daquilo” que, por algum motivo, escapa ao entendimento. No primeiro, a leitura se repete sem se concluir, como se a inscrição no papel fosse portadora de significados abertos e ocultos (ao modo das parábolas bíblicas, tão caras ao escritor) ou, ainda, como se a trama, aparentemente fechada e calculada, apenas indicasse, paradoxalmente, a lógica de um mundo precário – o nosso ou aquele das ficções de Rubião? No segundo, o mal-estar da personagem ocasionado pela dificuldade de acesso a um segredo pressuposto (o mistério), de ler “uma coisa sutil” partilhada pelos outros.
Tomado de assalto pelos enigmas de meu próprio texto, sinto algo se aproximar – seria o ilegível a partir do qual se move a poética do escritor? Súbito, hipóteses se esboçam. Poderíamos dizer que as parábolas configuram teorias sobre a leitura literária? Ou seriam estas narrativas rubianas figurações de sua escrita, um esforço de refletir acerca de sua linguagem por meio da própria ficção? Ao dramatizar as dificuldades de ler a memória cultural (o “documento”) ou o mundo (a “coisa sutil”), Rubião estaria refletindo acerca da capacidade de representação do texto ficcional, tal como fez em “Marina, a intangível”? E quanto ao protagonista d’“O documento”, leitor “que morrerá em pouco”, mas que persevera obstinado em sua experiência de leitura infinda; de que maneira ele se relaciona com a leitura (e com as ficções feitas a partir) dos arquivos literários? Qual seria a atualidade, para os estudos literários, destes fantasmas (do escritor, da obra, do leitor etc.) que rondam os acervos dos escritores? Talvez…
2ª cena – destinerrâncias, ou quando se mapeia a escuta
É provável que quanto mais avançarmos, menos teremos uma visão geral (Manguel; Guadalupi, 2003, p. VII).
Súbito, alguém interrompe o fluxo de pensamentos: “Senhor, infelizmente está na hora de fecharmos.” Peço um instante, a fim de guardar os papéis consultados e organizar os fragmentos que reuni para sair do texto. Enquanto caminho, reflito acerca da impossibilidade de solver os enigmas e espectros da criação que se insinuam nos arquivos literários. Mas outra dúvida penetra meus pensamentos: como dar a ler esta experiência de escrever a escuta? O mapa do início já não seria suficiente, pois apenas ofereceria uma representação sem vida do espaço literário, sugerindo algo semelhante a um mapa que poderia indicar, a quem o lesse, algo semelhante aos rumos de uma caça a tesouros (e não se trata disso). À medida que a saída da página se aproxima, uma imagem se esboça – a de uma carta náutica. Sim, um mapa destinado não a orientar, mas a conduzir à errância no labirinto de inscrições e vozes de que cada documento ou obra se faz. E com tais palavras, saio, tendo o cuidado de não cerrar as portas (do arquivo e do texto).
*Cleber Araújo Cabral é doutorando em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela UFMG. Pesquisador do Núcleo de Estudos dos Acervos de Escritores Mineiros, da FALE-UFMG. Publicou, como organizador, os livros Leite criôlo: edição fac-símile (2012), Em defesa do patrimônio: correspondência entre Manoel José de Paiva Júnior e Rodrigo Melo Franco de Andrade (2013).
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Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Iconografia – Subsérie Quadros. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.
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Fontes primárias consultadas
RUBIÃO, Murilo. “O documento (parábola).” [s.d.]. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Produção intelectual do titular. Pasta Anotações antigas para contos improváveis. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.
RUBIÃO, Murilo. “O mistério.” [s.d.]. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Produção intelectual do titular. Pasta Anotações antigas para contos improváveis. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.
Notas
[1] Para uma relação dos discursos (a partir dos quais se constrói e) com que este texto estabelece diálogos, consultar as referências, ao fim deste texto.
[2] Siglas de Acervo Murilo Rubão, Acervo de Escritores Mineiros, Centro de Estudos Literários e Culturais, Universidade Federal de Minas Gerais.
[3] RUBIÃO, Murilo. “O documento (parábola).” [s.d.]. Acervo Murilo Rubião. Série Produção intelectual do titular. Pasta Anotações antigas para contos improváveis. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG. Os trechos entre colchetes visam a transcrever as rasuras, tal como presentes no manuscrito. Quanto às marcações em itálico, estas são de minha autoria.
[4] RUBIÃO, Murilo. “O mistério.” [s.d.]. Acervo Murilo Rubião. Série Produção intelectual do titular. Pasta Anotações antigas para contos improváveis. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG. Os trechos entre colchetes que possuem interrogação, tais como “Pens[a?]” e “[t?]ardar” visam a informar quanto a dúvidas sobre a grafia dos trechos assinalados. Quanto às marcações em itálico, estas são de minha autoria.