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Laboratório de Tipografia do Agreste: sua pertinência e implicações no contexto da tipografia brasileira | Buggy e Lia Alcântara*

O Laboratório de Tipografia do Agreste (LTA) é um espaço concebido para conjugar atividades de ensino e pesquisa tipográficas no Centro Acadêmico do Agreste (CAA) – o campus da Universidade Federal de Pernambuco, em Caruaru, no interior do estado. Por meio da mobilização de professores e alunos de design envolvidos no processo de interiorização do ensino proposto pelo governo federal, esse laboratório tem trazido para a região discussões sobre desenho de tipos, emprego de fontes e famílias tipográficas, impressão com tipos móveis, produção e encadernação de livros, caligrafia e história da escrita.

Para compreender melhor essa iniciativa e suas implicações no contexto local do ensino superior de design é preciso trazer à luz alguns aspectos que nortearam a sua constituição e outros que dirigem o seu atual funcionamento.

Figura 1: Espaço físico e equipamentos gráficos do LTA. Foto: Buggy.
Figura 1: Espaço físico e equipamentos gráficos do LTA. Foto: Buggy.

Sobre a criação do LTA

Ao atentar para as atividades cotidianas normais com as quais as pessoas ocupam suas vidas hoje, logo se torna evidente que a tipografia é inevitável, quase onipresente (Jury, 2007). Seus níveis de compreensão são parte essencial da cultura do Ocidente e estão intrinsecamente associados ao saber, à literatura e à enorme quantidade de informações alfanuméricas que cercam todos diariamente, ou seja, a história e a civilização (Fontana, 1996).

O surgimento da imprensa é um proeminente marco na trajetória que culmina nesse panorama. A fundição dos tipos móveis e a invenção de todo aparato necessário a seu uso repercutiu de tal maneira na formação do entendimento comum sobre o que é design gráfico que, mesmo hoje, numerosos cursos de design dos mais diversos níveis de aprofundamento não prescindem de disciplinas inteiramente dedicadas à história, ao uso e/ou ao desenho tipográfico em suas grades curriculares.

No âmbito local, a preocupação com a tipografia é percebida de forma peculiar, conectada a esse momento histórico. Três das seis instituições de ensino superior pernambucanas que formam designers gráficos – UFPE, IFPE e AESO – vão além da manutenção de disciplinas e conservam gráficas tipográficas para fins didáticos em seus campi há pelo menos sete anos. Contudo, as duas estruturas mantidas pela UFPE (o espólio de Aloísio Magalhães e a tipografia da Editora Universitária) concentram-se no Campus de Recife, que abriga apenas um dos seus dois cursos de design. Com isso, até 2011, ano de inauguração da tipografia do LTA, o curso instalado no CAA (o campus localizado em Caruaru) permaneceu desprivilegiado, à conta dos cento e vinte quilômetros que separam essas cidades.

Agreste e Sertão são o berço da literatura de cordel, expressão cultural impulsionada pela impressão tipográfica. A esse respeito, Carvalho (2001) destaca a vitalidade dos folhetos populares no Nordeste brasileiro, atrelada ao processo de interiorização das máquinas tipográficas – que se tornavam obsoletas para os grandes centros por volta de 1926. Mais enfático, Lopes afirma: “A literatura de cordel, obviamente, só surgiria após o aparecimento das pequenas tipografias avulsas, espalhadas por várias cidades interioranas” (Lopes, 1994, p. 12).

O movimento de interiorização do ensino superior público realizado em Pernambuco na metade da última década trouxe em 2006 o design para o ambiente acadêmico agrestino. Somente em 2009, com a fundação do LTA, foi proposto aos alunos que experimentavam essa formação uma aproximação direta ao universo tipográfico. A realização de oficinas e exposições estimulou a inserção de disciplinas eletivas na grade do curso da UFPE, em Caruaru.

Dois anos mais tarde, foi possível promover o encontro desse público com a mais legítima expressão gráfica produzida pelo povo nordestino. A inauguração da gráfica tipográfica do LTA tratou, entre outros fatores, de favorecer o estudo de aspectos visuais da identidade de um grupo através da análise e interpretação da linguagem plástica da poesia narrativa popular e impressa disseminada pelo sistema de impressão com tipos móveis.

Essa perspectiva foi alimentada pela convicção de que o processo estruturado de formação profissional pode ser enriquecido pelo estímulo à interação dinâmica e potencial do indivíduo e do grupo trabalhado, bem como do respeito e valorização de diferenças, visando o cultivo de um horizonte mais amplo de produção, no qual haja liberdade para experimentar e errar.

Se por um lado tal proposição fundamentou-se no empirismo, enaltecendo a diversidade, a criatividade e a colaboração, por outro, apoiou-se em teorias que defendem o fato de o ensino do design poder ser percebido como uma instância essencial para a própria existência e renovação do campo.

De acordo com esse ideário, é nos processos de aprendizado que o designer em formação adquire consciência discursiva, capacidade de refletir, pensamento crítico e, consequentemente, capacidade de inovar. E inovação em design não é tanto uma questão de tecnologia ou estética (Longinotti in Ordoñez, 2010, p. 6-7). É uma condição fundamental que estrutura os pilares de sua epistemologia, conforme atenta Bonsiepe: “O design está relacionado à inovação. O ato projetual introduz algo novo no mundo” (1997, p.15).

O pensamento de Lozano (2009) corrobora a importância do ensino do design ressaltando o valor da confluência entre a teoria e a prática nesse processo. Segundo o autor, para formar designers críticos que trabalhem de forma ativa no mercado, interagindo com seus pares, questionando seu trabalho e propondo novos limites, é preciso aproximar essas duas perspectivas. Aproximar-se da prática é ir além do subjetivo e complexo campo teórico da educação, que tem como base de seus princípios uma lógica de construção linear. A prática permite compreender o funcionamento do que se aprende tornando tangível o conhecimento. Com isso, o trabalho de aprender implica entender o teórico com sua aplicação no mundo da prática. Lozano (2009, p. 10) ainda discorre sobre a importância dos aprendizes. Para ele, o ímpeto inovador de um estudante, fresco por excelência, pode outorgar diferentes pontos de solução em relação ao elaborado por um profissional de destaque numa dada matéria.

Aspirando tornar isso possível, o instrumento de manobra escolhido pelo LTA foi a criatividade. Porque o papel do pensamento criativo é de fundamental importância, tendo em vista que a criatividade constitui-se no elemento-chave para que organizações inseridas em cenários marcados por transformações, riscos e incertezas possam propor soluções imediatas e originais diante de problemas novos (Obregon e Vanzin, 2010). E no que tange ao cenário, diga-se de passagem, essa escolha não poderia ser mais adequada.

Figura 2: Principal acesso ao Campus Acadêmico do Agreste (CAA) usado até 2012. Foto: Buggy.
Figura 2: Principal acesso ao Campus Acadêmico do Agreste (CAA) usado até 2012. Foto: Buggy.

O LTA incorpora a ideia de integrar diversas dimensões do pensar tipográfico, ele revê e atualiza a proposta da Escola de Ulm que, segundo Cardoso (2012), incitava seus alunos a refletir sobre o fazer e se aprofundarem em estudos correlatos. O sistema letterpress – tipográfico – é usado como um instrumento de ensino na medida em que se “mostra como um inestimável método de raciocínio visual” (OTSP, 2007), permitindo aos alunos aplicarem os princípios fundamentais da tipografia e, consequentemente, da comunicação visual, unidos às novas tecnologias e, ao fim, obterem um resultado de inquestionável originalidade.

À conta do que foi exposto até o momento, o LTA fez sua aposta no trabalho conjunto de professores e alunos implicados num processo de aprendizagem que sintonizou prática e teoria para colher material mais rico do que o obtido por um trabalho individual que explorasse em separado e/ou dicotomicamente essas duas searas. A experiência de ensino realizada sob a luz dessa confluência para formar profissionais proativos foi abraçada pelo LTA no intuito de valorizar o perfil do designer em processo de formação, conforme proposto por Lozano (2009), integrando-o ao convívio docente em ações de pesquisa e extensão. Por conseguinte, também se pretendeu eliminar o receio do erro apontado por Crisp (2004) e estimular a habilidade de questionar pressupostos, quebrar fronteiras, ultrapassar limites, reconhecer padrões, enxergar em novos ângulos, fazer novas conexões, assumir riscos e aproveitar oportunidades casuais.

Ao fazê-lo, não se deixou de considerar que o medo de transgredir involuntariamente algumas leis tidas como imutáveis no universo da tipografia poderia intimidar a ousadia dos estudantes no desenvolvimento de suas atribuições. Todavia, a convivência com designers mais experientes pôde respaldar ações nas quais essas leis assumiram um caráter mais relativo, já que temas como esses podem tratar de gostos e práticas tradicionalmente aplicadas que podem ser transgredidas ocasionalmente (Crisp, 2004). Mais do que isso, muitas vezes tais práticas devem ser transgredidas – se não para obtenção de uma resposta objetiva e prática, para privilegiar o experimento tão somente como instrumento de aprendizado.

Figura 3: Alunos trabalhando no LTA. Foto: Buggy.
Figura 3: Alunos trabalhando no LTA. Foto: Buggy.

Criado inicialmente como um projeto de extensão, o LTA esteve nos dois primeiros anos dedicado à preservação e à divulgação de tecnologias, geração de novas formas e fontes e apoio a pesquisas vinculadas ao universo tipográfico. Além disso, firmava-se como um espaço experimental com função de atender e estimular demandas relacionadas ao uso e à produção da tipografia em ambientes reais e virtuais, mobilizando docentes, discentes e profissionais da iniciativa privada.

Esse período também foi marcado pela organização do acervo pessoal do professor Leonardo Costa (Buggy) de tipos de metal, madeira e linóleo, além dos primeiros reparos nas prensas tipográficas. Primeiramente atrelado às demonstrações práticas do que era ministrado em disciplinas teóricas, o LTA transformou-se rapidamente em um laboratório de criação e experimentação, onde é possível conjugar aspectos da macro e microtipografia, computadores e prensas e as mais diversas técnicas e materiais de impressão.

Figura 4: Espaço físico e equipamentos gráficos do LTA. Foto: Buggy.
Figura 4: Espaço físico e equipamentos gráficos do LTA. Foto: Buggy.

A estrutura e o funcionamento do LTA

A oficina tipográfica instalada no LTA divide espaço com livros, computadores, scanners e impressoras a laser. Uma convivência harmônica que demanda mais espaço a cada dia que passa, dado o crescimento acelerado do interesse de alunos e professores em participar das atividades.

Figura 5: Detalhe de computador usado no LTA. Foto: Buggy.
Figura 5: Detalhe de computador usado no LTA. Foto: Buggy.
Figura 6: Detalhe de prelo usado no LTA. Foto: Buggy.
Figura 6: Detalhe de prelo usado no LTA. Foto: Buggy.

Esse processo de aquisição se dá graças à relação de comodato estabelecida entre a UFPE e o professor Leonardo Costa (Buggy). Grande parte do acervo pessoal desse pesquisador, formado por compras e doações, encontra-se atualmente nas instalações do Campus do Agreste, emprestado para fins educacionais. Quatro prensas, dois prelos e diversas galés, cavaletes e caixas de tipos possibilitam aos alunos experimentar e produzir artefatos gráficos que envolvem toda a logística e prática do antigo ofício tipográfico.

O espaço reduzido e a diversidade de horários disponíveis dos envolvidos distribui a equipe do Laboratório (atualmente são seis professores e vinte e quatro alunos) em três turnos diários de, em média, quatro horas cada. Cada membro deve cumprir vinte horas semanais, podendo encaixar-se em até dois turnos diários para tanto.

O LTA mobiliza seus participantes em seis grupos de trabalho, compostos por colaboradores, subgerentes e gerentes. Alunos mais experientes ocupam preferencialmente as gerências e subgerências, sempre orientados por professores. Cada grupo dedica-se a uma área de atuação específica de trabalho. A saber:

1 Projetos editoriais. O grupo desenvolve projetos gráficos para publicações que tratam de temas de interesse do LTA e que são de autoria de colaboradores e/ou ex-colaboradores. Ele explora linguagens não convencionais, tanto verbais quanto visuais, para sugerir a integração de diversas tecnologias de impressão na produção de pequenas tiragens de livros, jornais e revistas. Além disso, o grupo gerencia a avaliação dos livros a serem indexados pelo blog Bibliografia Tipográfica (em <http://tiposdoacaso.com.br/bibliografiatipografica/>) e formata os respectivos posts.

2 Impressão e produção gráfica. Esse grupo trata da catalogação e utilização do acervo tipográfico, bem como de sua organização e limpeza. Indica as demandas de restauro ou a necessidade de máquinas, ferramentas, móveis e peças, além de produzir livros, jornais, revistas, cartazes, cartões, panfletos e demais impressos integrando as tecnologias atuais a algumas em desuso comercial.

3 Design de produtos e restauro. Responsável pela restauração e produção de máquinas, ferramentas, móveis e peças tipográficas, além de estabelecer as políticas de uso do Laboratório e de seu aparato analógico e digital. Também propõe e desenvolve produtos a partir do acervo do LTA.

4 Mídias digitais. Desenvolve, edita e atualiza interfaces e conteúdos para sites, multimídias, filmes, animações, créditos e cartelas relacionados às diversas áreas de atuação do Laboratório.

5 Design de tipos. Desenha, gera e edita fontes digitais para atender às demandas do LTA e de outras entidades.

6 Comunicação e gestão. Planeja e executa ações, peças promocionais e eventos on-line ou off-line. Gerencia os prazos dos projetos conduzidos pelos demais grupos.

Figura 7: Sequencia de imagens da Equipe do LTA produzindo, com técnica mista, cartazes para oficina de impressão tipográfica. Fotos: Buggy.
Figura 7: Sequencia de imagens da Equipe do LTA produzindo, com técnica mista, cartazes para oficina de impressão tipográfica. Fotos: Buggy. Figura 7: Sequencia de imagens da Equipe do LTA produzindo, com técnica mista, cartazes para oficina de impressão tipográfica. Fotos: Buggy.

Cada um desses grupos se ocupa de um tema vital ao bom funcionamento dos projetos do laboratório. Nesse contexto, os professores atuam como agentes motivadores dos grupos e como consultores técnicos e organizacionais dos seus coordenadores. A proposição dos projetos a serem desenvolvidos é de responsabilidade de todos os integrantes do LTA, não cabendo nesse ponto distinção entre docentes e discentes.

Assim, os alunos são estimulados a vivenciar perfis diferentes do executor de projetos. Eles passam a propor e/ou gerenciar esses projetos assumindo papéis no universo do design que fogem do habitual posto de diretor de arte. Ao se colocarem em posição diversa daquela para a qual prioritariamente o sistema de ensino o prepara, esses alunos passam a questionar seu perfil, a empregar novas óticas para solução de problemas e a discutir a própria relevância de tais problemas. Com isso, sentem-se mais à vontade para considerar múltiplas ferramentas no seu dia a dia e abrem-se ao experimento, permitindo-se atuar de forma eficiente numa produção coletiva.

Figura 8: Gráfico da dinâmica produtiva aluno/professor no LTA.
Figura 8: Gráfico da dinâmica produtiva aluno/professor no LTA.

O professor propõe, orienta, motiva, reconhece e também interage em projetos, sem contudo se sobrepor à gerência da coordenação de cada grupo – o que constitui um grande desafio ao docente e pressupõe, em certos momentos, uma retração de sua natureza. O aluno, por sua vez, interage, se compromete, reflete, planeja e propõe projetos. Cabe destacar que o entendimento do termo “projeto”, aqui, pode compreender desde uma peça gráfica até uma pesquisa, passando por exposições, oficinas, palestras, ações promocionais, sites, fontes digitais etc.

Para tanto, a verve crítica da equipe é continuamente inflamada por meio de debates internos, treinamentos e leitura. A leitura é uma atribuição permanente de todos os que integram o LTA. E para assegurar essa constante foi criado o citado blog Bibliografia Tipográfica, um canal no qual discentes comentam diversos aspectos de obras ligadas ao universo da tipografia. Nele, o conteúdo, a produção gráfica e o projeto gráfico de livros e periódicos são avaliados pelos seus leitores mais ávidos.

O LTA e o cenário brasileiro da tipografia

Segundo Buggy, Valadares e Vieira (2012), a produção gráfica de Pernambuco é de grande relevância para o Brasil. Impressos e litografias, ainda da fase colonial, atestam a efervescência ideológica e o protagonismo gráfico do Estado. Do mesmo modo, a produção de xilogravuras promoveu a literatura de cordel, firmando-se como um traço da identidade cultural da região. Algumas décadas antes, o sucesso da tecnologia de composição manual, verificado nas oficinas de impressão no interior do Nordeste, já apontava para essa popularização do fazer tipográfico.

O significado e o valor dessa produção são objetos de estudo de pesquisa acadêmica, como os de Edna Lúcia Cunha Lima (1999) sobre a litografia comercial em Pernambuco, que revelam os primórdios de uma relação do mercado de tabaco com a representação visual de costumes da sociedade da época. Da mesma forma, a tese sobre o grupo O Gráfico Amador, de Guilherme Cunha Lima (1997), discorre sobre a experiência da tipografia por um grupo do Recife, em meados dos anos 1950, trazendo esclarecimentos sobre a relação de uma classe intelectual com a produção gráfica. Aliás, esse grupo advogava contundentemente a favor da prática, chamando carinhosamente de “mãos sujas” aqueles que se propunham a trabalhar nos processos de impressão, e de “mãos limpas” aqueles que se dedicavam apenas ao estudo da teoria. Isso com claro favorecimento aos que se propunham à práxis gráfica. Esses são exemplos de trabalhos sobre a história do design pernambucano que respaldam uma tradição que precisa continuar ativa. Na intenção de contribuir para maiores esclarecimentos nesse campo, o LTA se propôs a compreender questões tipográficas e suas relações com identidades culturais da região.

Figura 9: Experimento tipográfico dos alunos do LTA. Foto: Paula Valadares.
Figura 9: Experimento tipográfico dos alunos do LTA. Foto: Paula Valadares.

A tipografia em discussão

A preservação da tipografia, tanto como processo gráfico, quanto como documento relacionado ao entendimento das características da identidade gráfica brasileira, está hoje em sintonia com pesquisas de outras instituições acadêmicas (PUC/RJ, ESDI, Senac/SP) que têm desenvolvido trabalhos com foco no imaginário e na Memória Gráfica Brasileira (MGB). Isso porque os artefatos informacionais, produto da cultura material, são reflexos de tempos e lugares e, dessa forma, retratam características e costumes da sociedade, tornando-se documentos de atestado histórico. Imagem e letra, conforme atestava Ferreira (1994), são expressões gráficas que representam o universo simbólico da cultura e isso é campo de entendimento do design. O resgate e a criação de uma memória gráfica dimensionada para destacar a importância da cultura material e visual ajudam a compor a identidade brasileira.

O conhecimento sobre a tipografia no Brasil está em constante entendimento e transformação. A tecnologia digital alterou a natureza dessa importante área de conhecimento para o design ao torná-la uma prática mais acessível (Jury, 2007).  Como muitas outras áreas do saber, a tipografia, nas últimas décadas, parece atravessar um momento de revisão de valores e redefinição de territórios, conforme atesta Farias (2001). O LTA possibilitou aos alunos e professores experimentar questões do universo tipográfico, mostrando-se em sintonia com essa nova redefinição de valores e territórios. Ainda nesse cenário de interesses, por meio de suas ações, o LTA tem tentado equalizar o diálogo com outras instituições de ensino superior que já exploram temas correlatos, além de aproximar-se do panorama tipográfico nacional e da cultura local.

Pernambuco esteve inserido no roteiro das primeiras discussões sobre tipografia no Brasil, com participação em eventos internacionais (como o Tipos Latinos 2004 e 2008), nacionais (como a Bienal Brasileira de Design Gráfico e o DNA Tipográfico) e locais (como o tyPE: Tipografia em Recife, de 2004 e o TudoTemTipo: Encontro Tipográfico de Salvador, em 2007).

Por volta dos anos 1990, Tony de Marco e Cláudio Rocha produziam e distribuíam suas primeiras fontes, inspirando iniciativas coletivas como a Subvertaipe, no Rio de Janeiro, e a Tipos do aCASO, em Recife. O trabalho desse último grupo era caracterizado por fontes experimentais, ora de caráter desconstrutivista, geométrico, modular ora com traços regionais e vernaculares. Esteves (2010) inclui o grupo pernambucano Tipos do aCASO entre os pioneiros em produção de fontes no Brasil.

Essa mesma tônica experimentalista permeava os diversos coletivos de tipografia que se formavam pelo Brasil, como o Tipopótamo Fontes, de José Lessa e Cláudio Reston (ou Elesbão e Haroldinho), o Fontes Carambola, de Fábio Lopez e outros estudantes cariocas, inspirados pelo Professor Rodolfo Capeto, o Tipos Maléficos de Crystian Cruz, Beto Shibata e Marcus Colete e o Gemada Tipográfica, fundado por Rafael Dietzsch.

Alguns desses grupos se desfizeram, outros permaneceram, mas os que perseveraram amadureceram bastante suas relações com a tipografia. Nos anos 2000, a Tipos do aCASO converte-se em uma unidade de negócios dentro de um escritório de design, chegando a responder por 60% de seu faturamento e realizando projetos como o Manguebats e o Armoribats. Rodolfo Capeto produz a família tipográfica Houaiss para os dicionários Houaiss. Eduardo Omine projeta a família Beret, enquanto Fabio Haag faz a família Foco. Esses são apenas alguns exemplos e refletem alto nível de qualidade e complexidade em projetos tipográficos, que só vêm aumentando – o que se pode observar nas produções mais recentes de Fernando Mello, Eduilson Coan, Marconi Lima, entre outros (Esteves, 2010).

Dois dos participantes da Tipos do aCASO fazem parte do atual grupo de professores do LTA – Marcos Buccini e Leonardo Costa (Buggy) –, endossando os aspectos experimentais e empreendedores do Laboratório. Somam-se a eles professores envolvidos em projetos sobre história do design, semiótica, sinalização e caligrafia, que entendem a tipografia como elemento sine qua non para o design desenvolvido pelos alunos do Campus do Agreste. A multidisciplinaridade encontra terreno fértil no LTA, movida pela impetuosidade e pelo desejo de inovação de seus membros discentes. Apesar do grande volume de equipamentos e fontes ligadas a letterpress, o LTA abraça a tipografia como um todo e contempla projetos de fontes digitais, projetos editoriais em que a tipografia figura como elemento diferencial, além de técnicas de impressão mistas.

O LTA soma-se ao recente universo de estabelecimentos tipográficos brasileiros geridos ou influenciados por designers preocupados em preservar a linguagem visual resultante do sistema de composição e impressão com tipos móveis. Exemplos são o Tipô Tipografia (em Goiânia), o Laboratório de Impressos (Olinda), a Tipografia do CAC/UFPE e a Editora Universitária da UFPE (Recife), a Tipografia do Matias, a Tipografia do Zé e o Núcleo de Estudos da Cultura do Impresso (Belo Horizonte), a Oficina Tipográfica São Paulo / OTSP, a Letterpress Brasil, a Gráfica Fidalga, a Folita Press, a Pergam Press, a QStampa, a Currupiola, o Estúdio Carimbo, o Phatt Design e a Tipografia do Centro Universitário Senac, todos em São Paulo.

O Laboratório mantém contato constante com vários desses estabelecimentos, destacando-se o relacionamento estabelecido entre o LTA e a OTSP, que prevê a transferência de tecnologia e o desenvolvimento de projetos em parceria, como o já iniciado livro Conversas com o tipógrafo J. Borges. Esse projeto promove a troca de conhecimentos entre os designers, não só nos aspectos técnicos, mas também culturais e sociais, favorecendo a imersão em universos criativos por vezes distantes, como São Paulo e Caruaru.

Considerações finais

Após quatro anos de LTA, podemos observar que a proposição da tipografia como perspectiva para o estudo do design no CAA implicou no surgimento de seis novas disciplinas na graduação, nove acordos de cooperação técnica, uma série de livros e numerosos cursos de extensão/palestras com designers brasileiros e estrangeiros.

Figura 10: oficina <i>Latters as Forms II</i> organizada pelo LTA e ministrada pela professora Catherine Dixon. Foto: Buggy
Figura 10: oficina Latters as Forms II organizada pelo LTA e ministrada pela professora Catherine Dixon. Foto: Buggy
Figura 11: Palestra <i>Letras que flutuam</i>, organizada pelo LTA e ministrada pela professora Fernanda Martins. Foto: Buggy.
Figura 11: Palestra Letras que flutuam, organizada pelo LTA e ministrada pela professora Fernanda Martins. Foto: Buggy.

É certo que ainda há muito por fazer, sobretudo no que diz respeito à sustentabilidade a longo prazo dessa iniciativa, visto que os produtos resultantes de tal meio começam a proliferar apenas agora. A repercussão positiva do trabalho do LTA nas redes sociais e na formação dos discentes do CAA apresenta-se como uma estimulante oportunidade de expandir nossa rede de relacionamentos e fomentar um fluxo dinâmico de saberes, vivenciando algo novo, que ainda será projetado, e cujo delineamento nos é simpático em absoluto, pois é certo que aponta para a construção de um fazer coletivo de maior alcance.

À conta disso, a equipe do LTA aposta que a médio prazo sua disposição para geração de produtos/serviços culturais e tecnológicos encontre condições para se desenvolver. Em poucos anos, o Laboratório pretende extravasar seus limites e integrar um ambiente criativo capaz de prover possibilidades reais para propor e viabilizar ações que conjuguem arte e ciência implicando ganho social e econômico. Um ambiente inovador atento às formas de interação que determinam a distribuição de sua população, à seu patrimônio material e imaterial e ao sustento de sua produção.

Valorizando ideias e talentos locais no mesmo passo que se articulando com outras organizações semelhantes, o LTA pretende seguir estimulando um intercâmbio de saberes capaz de ampliar suas fronteiras.

Figura 12: Parte da equipe LTA decorando os espaços do Laboratório. Foto: Buggy.
Figura 12: Parte da equipe LTA decorando os espaços do Laboratório. Foto: Buggy.

*Buggy é mestre em design pela UFPE, professor do curso de Design da UFPE, em Caruaru e da Pós-graduação em Design Estratégico da Unifacs, em Salvador. Fundou a primeira digital type foundry nordestina, a Tipos do aCASO, e os cursos de design gráfico e design de produto da AESO. É coordenador do Laboratório de Tipografia do Agreste e vice-presidente da Comissão Editorial da Serifa Fina. Como músico, participou ativamente do Manguebeat tocando baixo no DMP & os Fulanos; como designer, conquistou prêmios nacionais e internacionais e como autor escreveu três livros – um deles, O MECOTipo, referência no ensino brasileiro de design de tipos. Lia Alcântara é mestre em Design pela UFPE e doutoranda em Design na mesma instituição. Atua no magistério superior desde 2006, tendo assumido o cargo de coordenadora do curso de Design Gráfico na AESO em 2011 e de Design de Produto em 2013. É gerente de produtos da Tipos do aCASO e da Nina Bookbinding e presidente do Conselho Editorial da Serifa Fina.


Referências

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