Coletânea que reúne treze contos, O sol na cabeça (2018), de Geovani Martins, apresenta temáticas relativas às experiências comuns à subjetividade humana, trazendo à tona contextos que remetem às relações amorosas, infância, medo, opressão, perda e liberdade. Aclamado pela crítica, nascido em Bangu, no Rio de Janeiro, Geovani Martins aborda essas temáticas enfocando perspectivas que referenciam seu lugar enquanto escritor oriundo da periferia. Notadamente de teor autobiográfico, sua obra ficcionaliza suas vivências pessoais e coletivas, estilizando uma escrita cuja sofisticada elaboração linguística é constantemente incorporada pela linguagem popular e coloquial. Essa singular construção textual implica uma produção híbrida que salienta a capacidade narrativa do autor que, ao intercalar abordagens universais às perspectivas locais, rompe fronteiras para estabelecer uma escrita marginal-periférica que desponta no cenário literário contemporâneo.
Em O sol na cabeça, nota-se que os sujeitos da periferia experienciam cotidianamente os conflitos decorrentes de uma organização socioespacial excludente que relega às periferias coletivos marginalizados, atestando a premissa do espaço urbano enquanto território permeado de conflitos e tensões sociais (Gomes, 1999; Pesavento, 2002). Nesse sentido, o morador da favela se estabelece enquanto elemento estranho nas localidades não-periféricas, acarretando experiências que desvelam a discriminação opressiva do racismo estrutural vigente. Os contos do livro, ao abordarem diferentes temáticas, enfocam sempre a condição de subjetividades que foram colocadas à margem da estrutura social, de modo que esses sujeitos adquirem protagonismo ao serem descritos como indivíduos em constante processo de conflito pessoal e social.
Em alguns contos nota-se que subjetividades periferizadas antagonizam a cidade em contraposição à periferia, o que elucida os mecanismos segregacionistas que reforçam a discriminação nos palcos da experiência citadina. A favela, nesse contexto, é referenciada enquanto localidade apartada, não pertencente à cidade, de modo que seus moradores, igualmente, são vistos como indivíduos abjetos cuja presença em determinados locais é constantemente interditada. Ao tematizar o cotidiano conflitante de personagens da periferia, a obra de Geovani Martins pode ser entendida no campo expressivo da Literatura marginal-periférica[1], pois enfoca personagens e situações alocadas em conjunturas à margem da estrutura social, abordando temas que referenciam a favela, a violência e as condições de precariedade oriundas de um sistema segregacionista. Nesse sentido, com o objetivo de relacionar as noções de espaço urbano e espaço biográfico, a análise em discussão pauta-se em expressões oriundas de sujeitos dissidentes e discute como o autor se utiliza de linguagem politicamente engajada para descrever seu cotidiano como morador da periferia, escancarando as malhas de uma sociedade desigual.
Pretende-se discutir a representação do espaço urbano ao analisar o conto Rolézim, narrativas que compõem a coletânea O sol na cabeça, de Geovani Martins. A obra do autor carioca traz interessantes visões contemporâneas acerca de sujeitos que vivenciam condições de marginalidade, descaso social, dor e alegria, atualizando temas importantes comumente abordados na literatura periférica. Enquanto produção literária que privilegia o lócus subalternizado da espacialidade urbana, a literatura marginal-periférica não apenas denuncia a desigualdade pertinente nas zonas marginais da cidade, mas também reivindica direitos ao expressar vivências calcadas na luta e na resistência.
Sendo o campo literário que enuncia perspectivas historicamente sulcadas por influências hegemônicas, essa modalidade de escrita é produzida por autores que moram e experenciam a favela enquanto espaço de legitimação, reflexão e questionamentos. Desses autores, destacam-se, dentre outros, Ferréz, autor de Capão pecado, Sacolinha, autor de Graduado na marginalidade, e Sérgio Vaz, autor de Colecionador de pedras, obra cuja poética encena a periferia em sua pujante pluralidade.
A obra desses escritores figura no seio da literatura marginal-periférica por abranger a periferia enquanto espaço de significação, inserindo no cenário literário temáticas até então pouco privilegiadas pela tradição canônica vigente. É por intermédio da acepção de Ferréz, nesse sentido, que compreendemos a definição de literatura marginal-periférica:
Eu sempre fui chamado de marginal pela polícia e quis fazer como o pessoal do hip hop que se apropriou de termos que ninguém queria usar. Já que eu ia fazer a minha revista maloqueira, quis me autodenominar marginal. Eu fiz como os rappers, que para se defenderem da sociedade, aceitam e usam os termos ‘preto’ e ‘favelado’ como motivos de orgulho. Depois surgiu a revista, porque eu já colaborava com a Caros Amigos e fiz a proposta de trazer outros escritores em um número especial, mas tinha que ser da periferia, disso eu não abri mão. Eu ia para as palestras e as pessoas vinham conversar comigo e se identificavam com o que eu fazia e com a minha denominação marginal – desde a D. Laura, que é uma líder comunitária de uma colônia de pescadores, até os rappers que eu já conhecia (Ferréz apud Nascimento, 2006, p. 15).
Ao se espelhar em movimentos da contracultura, Ferréz reproduz os meios de subversão e apropriação dos lugares, transformando noções pejorativas em conceitos apreciativos que identificam um coletivo. Para o autor, reformular o estigma do termo marginal implica ressignificar seu lugar e reconhecer sua posição social enquanto cidadão, conclamando direito à cidade por melhores condições de vida. Enunciar a favela e o lócus periférico significa reapropriação dos espaços – materiais e simbólicos – como estratégia de autenticação de realidades consideradas marginais, relegadas por influências excludentes. Em O sol na cabeça, nota-se que Geovani Martins põe em pauta personagens que transitam em ambientes periféricos e não-periféricos, encenando situações que privilegiam identidades recalcadas por discursos hegemônicos. Assim, das trezes histórias que compõem o livro, será aqui discutida a primeira, a saber: Rolézim, conto escolhido e destacado da coletânea, por ser uma narrativa que bem exemplifica as relações antagônicas da urbe.
Em Rolézim, primeiro conto de sua coletânea, Geovani Martins estiliza uma escrita cuja centralidade representa a subjetividade periférica em suas angústias, medos e esperanças. Nesse conto, o personagem narrador descreve seu dia ao sair de casa para ir à praia, ressaltando o clima ensolarado como motivação para sair, encontrar os amigos e aproveitar o dia de sol. O primeiro obstáculo nesse percurso é o financeiro: “Tinha dois conto em cima da mesa, que minha coroa deixou pro pão. Arrumasse mais um e oitenta, já garantia pelo menos uma passagem, só precisava meter o calote na ida, que é mais tranquilo” (Martins, 2018, p. 9). Deslocar-se a praia, nesse sentido, implica abrir mão da alimentação matinal, o que evidencia a conjuntura desigual das camadas periferizadas no ambiente urbano. Depois de longos percalços, o personagem narrador, ao chegar à praia, encontra mais obstáculos, conforme exemplifica o trecho a seguir:
Chegamo na praia com o sol estalando, várias novinha pegando uma cor com a rabeta pro alto, mó lazer. Saí voado pra água, mandando vários mergulho neurótico, furando as onda. A água tava gostosinha. Nem acreditei quando voltei e vi o bonde todo com mó cara de cu. O bagulho era que tinha uns cana ali parado, escoltando nós. Tava geral na intenção de apertar o baseado, e os cana ali. Esses polícia de praia é foda. Tem dia que eles fica sufocando legal. Eu acho que das duas uma: ou é tudo maconheiro querendo pegar a maconha dos outros pra fazer a cabeça, ou então é tudo traficante querendo vender a erva pra gringo, pros playboy, sei lá. Sei é que quando eu vejo cana querendo muito trabalhar fico logo bolado. Coisa boa num é! (Martins, 2018, p. 12).
A polícia, nesse entender, se estabelece como instância que interdita e sufoca a expressão de subjetividades oriundas dos espaços periféricos da cidade, de modo que andar pela urbe, para essas camadas, atesta a configuração desigual, conflituosa e antagônica do espaço urbano (Gomes, 1999; Pesavento, 2002). No dizer de Érica Peçanha Nascimento, a literatura marginal legitima seus produtores numa “classificação representativa do contexto social nos quais estariam inseridos: à margem da produção e do consumo de bens econômicos e culturais, do centro geográfico das cidades e da participação político-social” (2006, p. 15). Ao problematizar os embates pertinentes aos centros geográficos das cidades, por exemplo, a literatura marginal-periférica atesta a segregação social dos espaços e protagoniza expressões oriundas de localidades estigmatizadas da metrópole, de modo a incorporar no panorama literário nacional perspectivas dissonantes do cânone predominantemente branco e economicamente elitista. Em sendo narrativa cuja ficção referencia o cotidiano do autor, o conto Rolézim adquire notações autobiográficas ao remeter às vivências de sujeitos periféricos, reforçando o caráter testemunhal politicamente engajado da escrita marginal-periférica, conforme ressalta Patrocínio (2016, p. 155): “a produção discursiva marginal seria tomada não apenas como um discurso ficcional, mas como um texto político que apresenta o relato de uma experiência que aciona nos leitores, sejam esses críticos ou não, uma práxis solidária.”.
Ao representar o lócus periférico que se embrenha por entre localidades centrais da cidade, Geovani Martins atesta que a separação dos espaços não é estanque, tampouco definitiva, haja vista que sujeitos periferizados não se restringem aos limites espaciais que lhe foram impostos, transgredindo as fronteiras da cidade para circular pela urbe e legitimar suas existências. O termo rolezinho, aliás, remete aos passeios e caminhadas que jovens da periferia empreendem nos lugares públicos da metrópole, desafiando as normas que delimitam a circulação dessas camadas apenas aos espaços suburbanos da cidade. No conto, transitar pelos locais centrais da urbe implica diversão, entretenimento e lazer, mas também suscita momentos imbuídos por situações regradas a preconceito e discriminação:
Ninguém queria pedir pros maconheiro playboy lá da praia, tudo mandadão, cheio de marra. […] O que me deixa mais puto é isso, menó. Tava os dois lá, de bobeira. Aí, quando chegou o Tico mais o Poca Telha pra pedir um bagulho pra eles, na humilde, ficaram de neurose, meio que protegendo a mochila, olhando em volta pra ver se num vinha polícia. Num fode! Tem mais é que ser roubado mermo, esses filho da puta. Não fosse minha mãe eu ia meter várias paradas na pista, sem neurose, só de raiva. Foda é que a coroa é neurótica. Ainda mais depois do bagulho que aconteceu com meu irmão. Ela sempre me manda o papo de que se eu for parar no Padre Severino ela nunca mais olha na minha cara. Bagulho é doido! (Martins, 2018, p. 13).
Transitar pelos espaços públicos implica não apenas repressão policial, mas também embates com outras subjetividades oriundas de classes sociais abastadas. Nesse trecho, jovens brancos da classe média/alta discriminam moradores da favela, constatando o racismo estrutural que, além de ser institucionalizado, se revela em diversos âmbitos da espacialidade urbana. Ressentido com o preconceito sofrido, o personagem narrador reitera os conflitos sociais que nutrem os antagonismos de classe e etnia. Oriundo de um contexto violento, a voz narrativa do conto menciona seus familiares como forma de resistir às influências que o empurrariam para a criminalidade. A mãe e o irmão – cuja morte reforça o histórico de violência nas favelas – se estabelecem como vínculos que mantêm o personagem em constante processo de autocuidado.
Nesse sentido, considerando o local de produção do autor, nota-se que a presença do espaço biográfico, enquanto expressão íntima e vivencial presente em diversos gêneros de comunicação (Arfuch, 2010), se firma em Rolézim, tendo em vista que esse espaço abrange desde escritas de teor testemunhal às produções ficcionais. Ao representar perspectivas e visões que protagonizam a periferia, Geovani Martins estiliza uma escrita cuja temática possibilita pensar a respeito de possíveis autobiografias urbanas, pois a relação “entre ficção e testemunho, além da própria interrogação acerca dos limites da crítica literária frente a este objeto discursivo, tem como origem e fundamento o exato lugar, ou território, que o sujeito da enunciação ocupa.” (Patrocínio, 2016, p. 156). Assim, enquanto sujeito da enunciação, Martins tece uma narrativa legítima que pauta o cotidiano de camadas segregadas:
Quando nós viu já era quase de noite. Uma larica que, sem neurose, era papo de quarenta mendigo mais vinte crente. Tava na hora de meter o pé. E foi aí que rolou o caô. Nós tava tranquilão andando, quase chegando no ponto já, aí escoltamos os canas dando dura nuns menó. A merda é que um dos cana viu nós também, dava nem pra voltar e pegar outra rua. […] Quando nós tava quase passando pela fila que eles armaram com os menó de cara pro muro, o filho da puta manda nós encostar também. Aí veio com um papo de que quem tivesse sem dinheiro de passagem ia pra delegacia, quem tivesse com muito mais que o da passagem ia pra delegacia, quem tivesse sem identidade ia pra delegacia. Porra, meu sangue ferveu na hora, sem neurose. Pensei, tô fodido; até explicar pra coroa que focinho de porco não é tomada, ela já me engoliu na porrada (Martins, 2018, p. 15).
O retorno para casa, nesse trecho, se configura como percurso que apresenta outros obstáculos, a exemplo da repressão policial explícita. Quando comenta as condições impostas pelos policiais para ser liberado, o personagem narrador constata que não há saída, pois todas as condições o levariam à delegacia, onde provavelmente outros processos de repressão seriam aplicados.
Ter pouco ou demais dinheiro, bem como não estar com a identidade, se estabelece como condição que criminaliza esses sujeitos e nega seus direitos enquanto cidadãos. Negar a cidadania de determinadas camadas implica recusar sua participação nos palcos de atuação social, obstando a circulação desses indivíduos em espaços públicos. No dizer de Dalcastagnè (2007, p. 20), os grupos marginalizados podem ser compreendidos “como todos aqueles que vivenciam uma identidade coletiva que recebe valoração negativa da cultura dominante, sejam definidos por sexo, etnia, cor, orientação sexual, posição nas relações de produção, condição física ou outro critério.”. Desse modo, enquanto identidades coletivas que recebem valorações depreciativas, esses grupos subalternizados representam a cidade em sua pujante constituição conflituosa, estranha e tensiva, conforme ressalta Gomes (1999).
Nesse contexto, enquanto tema de análise e reflexão, a representação da cidade pode ser entendida enquanto articulação de signos, na qual identidades sociais culturalmente construídas encontram-se em constante processo de significação (Pesavento, 2002). Em Rolézim, o personagem narrador, ao ficar ciente que será punido, mesmo sendo inocente, inicia uma fuga dos policiais, trecho que encerra o clímax do conto:
Não pensei duas vez, larguei o chinelo lá mermo e saí voado. O cana gritou na hora que ia aplicar. Passei mal, papo reto, fui correndo com o cu na mão, queria nem olhar pra ver qual ia ser. Meu corpo todo gelou, parecia que tava feito. Era minha vez. Minha coroa ia ficar sem filho nenhum, sozinha naquela casa. Mentalizei Seu Tranca Rua que protege minha avó, depois o Jesus das minhas tias. Eu não sei como conseguia correr, menó, papo reto, meu corpo todo parecia que tava travado, eu tava todo duro, tá ligado? Geral na rua me olhando. Virei a cara pra ver se ainda tava na mira do verme, mas ele já tinha dado as costas pra continuar revistando os menó. Passei batido! (Martins, 2018, p. 15-16).
Ao pôr em pauta situações e eventos comuns na vida dos moradores de favelas e periferias, Geovani Martins, enquanto escritor socialmente engajado, insere no cenário literário contemporâneo notações que antagonizam perspectivas unívocas que se pretendem universais. A universalidade nos contos do escritor carioca está calcada numa posição localmente definida, de maneira que a periferia adquire centralidade frente aos processos que reiteram a periferização dessas camadas subalternas. Questionar o centro a partir da periferia implica estabelecer novas centralidades, questionando normas e premissas sociais que engessam os lugares e perpetuam desigualdades. Enquanto escritor contemporâneo, Geovani Martins não se isenta dos processos de hibridização que transpassam as relações atuais, de modo que sua obra reitera o subúrbio não apenas enquanto elemento apartado da cidade, mas enquanto territorialidade que possui seus próprios núcleos e centros, fundando uma escrita que protagoniza a favela não em sua constituição periférica, mas em sua centralidade.
Nesse contexto, estabelecer relações entre obra e vida em Geovani Martins se configura enquanto processo de abordagem crítico-biográfica, considerando “o intrínseco ligamento da produção com a cultura do sujeito social: aquele mesmo sujeito que o estudo de biografia tradicional esqueceu que estava por detrás dos produtos artístico-culturais” (Bessa-Oliveira, 2014, p. 86). Assim, ao considerar o lugar de Geovani Martins enquanto escritor que elucida os mecanismos de desigualdade social a partir do olhar periférico, pauta-se a constituição biográfica desse escritor que, ao estilizar uma escrita a contrapelo, questiona as fronteiras socioespaciais que separam os lugares em centros e periferias.
Não esquecendo o sujeito que está por trás da escrita, uma abordagem crítico-biográfica da literatura marginal-periférica implica considerar o contexto atual em que o autor está inserido: numa conjuntura de constante hibridização das relações, dos contextos e dos espaços, superando conceitos estanques de centro e periferia, haja vista que “centros sempre tiveram suas periferias, e as periferias, por sua vez, sempre tiveram seus centros.” (Pelúcio, 2012, p. 412). Não relativizando a divisão dos espaços que perpetua desigualdades, considerar o intercâmbio entre favela e cidade implica conceber a periferia enquanto espaço de significação que dinamiza as relações sociais e estabelece centralidades, contrapondo-se à hegemonização dos espaços. Para Heloisa Buarque de Hollanda:
a perspectiva de examinar o conjunto urbano como um todo, – procurando perceber a real interdependência entre os diversos polos da cidade –, poderia oferecer um viés mais confortável para a reflexão. Por exemplo, basta um passeio nos teleféricos das favelas, especialmente no complexo do Alemão, onde se tem quase como que um plano aéreo da cidade, para que o observador veja, com a maior nitidez, a rede de articulações entre favela e asfalto, especialmente na cidade do Rio de Janeiro (2016, p. 103).
Considerando a discussão empreendida, nota-se que o espaço urbano é tematizado, na obra do autor carioca, enquanto território de conflitos e embates, porém também como lugar de resistência e legitimação de subjetividades dissidentes, pois o escritor resignifica a urbe com vias a se apropriar dos espaços e imprimir à cidade notações reivindicativas. Nesse sentido, ao enfocar os conflitos na urbe percebe-se que o autor carioca evidencia que “Nossas cidades literárias são feitas, na verdade, de muitas ausências: mulheres, pobres […], velhos, crianças, estão todos de algum modo excluídos das ruas e contornos urbanos que se delineiam nos textos contemporâneos” (Dalcastagnè, 2003, p. 49-50). É por meio dessa rede de articulações entre favela e asfalto que subjetividades periféricas intercambiam processos de troca cultural e dinamizam o ambiente urbano, contrariando sua feição aparentemente homogênea. A divisão dos espaços, nesse contexto, se estabelece como ação discursiva que apresenta lacunas por onde se embrenham expressões contrárias ao engessamento das identidades.
* Leandro Souza Borges Silva é mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagens e Representações (PPGL), da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Graduado em Letras com habilitação em Língua Portuguesa e suas Literaturas e Língua Inglesa e suas Literaturas, também pela UESC.
Ricardo Oliveira de Freitas é professor Titular Pleno da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Estudos das Linguagens – PPGEL/UNEB e do Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagens e Representações/UESC. E-mail: mailto:ricofrei@gmail.com
Referências
ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Trad. Paloma Vidal. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010.
BESSA-OLIVEIRA, Marcos Antônio. A natureza compósita da crítica biográfica Eneida Maria de Souza. In: Cadernos de Estudos Culturais: Eneida Maria de Souza: uma homenagem. v. 6, n. 12. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2014, p. 69-100.
DALCASTAGNÈ, Regina. A auto-representação de grupos marginalizados: tensões e estratégias na narrativa contemporânea, Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 42, n. 4, p. 18-31, 2007.
DALCASTAGNÈ, Regina. Sombras da cidade: o espaço na narrativa brasileira contemporânea. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 21, p. 33-53, 2003.
GOMES, Renato Cordeiro. A cidade, a literatura e os estudos culturais: do tema ao problema, Ipotesi: revista de estudos literários, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 19-30, 1999.
HOLLANDA, Heloisa Buarque. Práticas de leitura periféricas: experiências literárias e políticas. IN: LIMA, Elizabeth Gonzaga de. et al. Leitura e Literatura do Centro às Margens: Entre Vozes, Livros e Redes. São Paulo: Pontes, 2016, p. 101-109.
MARTINS, Geovani. O sol na cabeça. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
NASCIMENTO, Érica Peçanha. Literatura marginal: os escritores de periferia entram em cena, 2006. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
PATROCÍNIO, Paulo Roberto Tonani do. Subalterno, Periférico e Marginal: Os Novos Sujeitos da Enunciação no Cenário Cultural Brasileiro. In: ALMEIDA, Júlia. SIEGA, Paula (Orgs). Literatura e voz subalterna. Espírito Santo: Edufes, 2016, p. 149-170.
PELÚCIO, Larissa. Subalterno quem, cara-pálida? Apontamentos às margens sobre pós- -colonialismos, feminismos e estudos queer. Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar. São Carlos, v. 2, n. 2, 2012, p. 395-418.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano – Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002.
Notas
[1] Não é foco dessa discussão apresentar elaborado panorama conceitual acerca da literatura marginal/periférica. Por entender que essa literatura é referenciada tanto como literatura marginal quanto por literatura periférica, optou-se por utilizar ambos os termos, a fim de abranger produções que abarquem essas temáticas em comum, conforme endossa Patrocínio (2016): “a expressão periferia passa a ser elemento catalisador de uma proposta identitária baseada na diferença, que busca reunir sob uma mesma égide sujeitos oriundos de diferentes territórios marginais.” (p. 157-158).