Ano XVI 0201
editorial
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RACISMO/ANTIRRACISMO


Esperamos, com o conjunto de artigos e relatos desta edição, estimular reflexões e críticas que imprimam continuidade a mais um ciclo de reinterpretação da sociedade brasileira, a partir do movimento antirracista global.

A largada para esta tarefa, dada em 1922, apresentou o mestiço e o mulato como símbolos de arrefecimentos mediadores do racismo e indeléveis marcadores da excepcionalidade da raça brasileira, em oposição à ideia de mestiçagem como deficiência ungida pelo racismo científico e seu corolário, o projeto eugenista. Hoje, a agenda identitária é contrastante àquela. Neste 2021, antessala do centenário de 1922 e sua celebração da modernidade, expande-se, consistentemente, por toda porosidade social, um dilúvio de posicionamentos antirracistas a desconstruir dissimulações racializantes e a expor o arraigado e desavergonhado racismo sistêmico brasileiro.

Instalado em todas as esferas da vida social, o racismo no Brasil, desde a Conferência de Durban, em 2001, passa a solicitar inovadoras políticas institucionais, corporativas, públicas e estruturais no seu combate: no mundo corporativo, de onde saem promessas de rigorosas políticas reparadoras e não somente inclusivas; no universo da mídia, que sofre com as inúmeras críticas desde dentro da própria produção e dos elencos agentes e atores que a constituem; no campo do jornalismo, onde um permanente combate aponta na direção de um letramento racial de seus profissionais; no universo escolar, através de avançadas e permanentes desconstruções de atitudes racistas, até há bem pouco tempo naturalizadas. No campo acadêmico, assistimos à quebra da invisibilidade global das contribuições de cientistas negras e negros nas áreas duras, como matemática, física e biologia, e nas humanidades, como a sociologia, antropologia, psicologia, história, há pouco tempo exclusivamente canonizadas por imagens brancas. Ou ainda, a virada epistêmica estimulada pela massiva presença de alunos negros nos campi acadêmicos a induzir a de-colonialidade de professores (majoritariamente brancos), a reavaliação da natureza do conhecimento, no caso, incluindo as contribuições de pesquisadores africanos e asiáticos. Cabe reiterar o avassalador destaque na ficção nacional, que tem promovido uma profusão de novos autores a revitalizar as narrativas sob o modelo das escrevivências e o imaginário da espancada nação.

Assim, mesmo em face a este contexto contemporâneo diariamente ameaçado pelo autoritarismo e arrasado em suas conquistas sociais, com abundantes notícias de racismos e feminicídios, a resistência criadora se manteve. E é com esta motivação que  este dossiê se apresenta com o propósito de reforçar o combate ao racismo antinegro e a ampliação da rede de diálogos que expanda a percepção e interdição do Apartaide no Sul Global.

 

Julio Cesar de Tavares
Curador do dossiê

 

Além do dossiê temático, a Revista Z Cultural publica, nesta edição, textos que dialogam com o presente e com a temática do racismo e do antirracismo por meio da pesquisa sobre a literatura escrita e falada, as artes plásticas e a arte urbana. Outros ensaios e narrativas selecionados dialogam com o tema da Covid-19, já abordado em dossiês da revista (números 1 e 2/2020), mas que continua presente na vida de pesquisadores e leitores. Também publicamos uma entrevista com Jeferson Tenório, autor do romance O avesso da pele (2020), e, na seção “Vale a pena ler de novo”, uma conversa de 1979 com Lélia Gonzales, pioneira do feminismo negro no Brasil.

Este número da Revista Z Cultural marca o início do Laboratório de Estudos Negros criado no PACC/Letras/UFRJ e coordenado por Katia Costa-Santos e Julio Cesar de Tavares. Agradecemos ao Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-Brasileiros pela cessão da imagem que ilustra este número, Efraín Bocabalístico: Oxossi-Xangô-Ogum, de Abdias Nascimento. Esperamos, com este número, contribuir para a construção de uma constelação crítica sobre racismo e antirracismo e sobre sua relação com a produção e a vida cultural.

Revista Z Cultural