Resumo: A informação tem assumido importância crescente na sociedade contemporânea, na qual está reconhecidamente associada ao poder econômico e cultural, o que ajuda a entender, em linhas gerais, como a entidade informação adquiriu o status que conhecemos atualmente. É justamente neste cenário global que a informação se tornou cada vez mais difundida, produzida e ressignificada no que Gilles Lipovetsky intitulou “ecranocracia”. Nossas formas de perceber o mundo, de interagir nele e por ele, de se comunicar mudaram em face da cultura digital. No tocante à produção do conhecimento, buscamos, aqui, refletir sobre os aspectos críticos, técnicos e práticos de um movimento transdisciplinar que se convencionou chamar de Humanidades Digitais (HD) e como este se adere à Ciência da Informação. Tal fenômeno parece ser expressão e impressão da estética informacional vigente cuja aplicabilidade de ferramentas digitais, entre outros recursos computacionais, vem redesenhando a “forma” como o conhecimento das humanidades vem sendo produzido e comunicado.
Palavras-chave: Humanidades Digitais, visibilidade, informação, ciência da informação, crítica.
Abstract: Information has assumed increasing importance in contemporary society, in which it is admittedly associated with economic and cultural power, which helps to understand, in general terms, how the information entity has acquired the status that we all recognize nowadays. It is indeed in this global scenario that information became increasingly widespread, produced, and resignified in what Gilles Lipovetsky called “ecranocracy.” Our ways of perceiving the world, of interacting in and through it, and also communicating have changed in the face of digital culture, and in terms of the production of knowledge, we seek here to reflect on the critical, technical and practical aspects of a transdisciplinary movement that is conventionally called of Digital Humanities (DH) and how it adheres to Information Science. This phenomenon seems to be expression and impression of the current informational aesthetics whose applicability of digital tools among other computational resources has been redesigning the “form” as the knowledge of the humanities has been produced and communicated.
Keywords: Digital Humanities, visibility, information, information science, criticism.
Introdução
A informação tem assumido importância crescente na sociedade contemporânea, na qual está reconhecidamente associada ao poder econômico e cultural, o que ajuda a entender, em linhas gerais, como a entidade informação adquiriu o status que conhecemos atualmente. Sua projeção como uma engrenagem fundamental tanto quanto o próprio capital, criou as bases para o que hoje podemos denominar como sociedade da informação. Na visão de Capurro (2007), a sociedade atual atinge esse patamar ao estar caracterizada pela convergência desses fatores com as tecnologias da informação e seus impactos globais.
É justamente nesse cenário global que a informação se tornou cada vez mais difundida, produzida e ressignificada, no que Gilles Lipovetsky intitulou “ecranocracia” (2009). Nossas formas de perceber o mundo, de interagir nele e por ele, de se comunicar e produzir conhecimento jamais foram tão devedoras das telas. Sejam elas smartscreens, ou touchscreens, dados e mais dados trafegam exponencialmente em um volume como nunca antes imaginado. Dados diferentes, advindos de bases heterogêneas, encontram por mediações tecnológicas possibilidades de produzir informações intercruzadas. Esse fenômeno aparentemente banal é claramente visível quando observamos campos do conhecimento e suas respectivas pesquisas, cuja configuração tradicional de suas práxis parecia ainda distante de recursos tecnológicos de ponta.
Esse fenômeno se verifica até mesmo nos campos do conhecimento mais tradicionalmente dissociados dos usos e métodos tecnológicos de ponta no tocante à informação e à comunicação: história, filosofia, ciências sociais, letras entre outros. Seus processos reflexivos nunca foram completamente subordinados aos recursos tecnológicos – senão pelo básico que é a escrita e sua impressão no suporte papel –, principalmente os oriundos de nossa contemporaneidade digital; mas, hoje, têm encontrado através desses os meios e possibilidades de não somente atingir públicos mais extensos e variados em uma flexibilidade temporal característica de nossa era, como têm construído questionamentos, problemas e erigido olhares críticos a fenômenos antes inexistentes e que se apresentam como novos em face da cultura digital e do mundo social que se desenvolve na chamada hipermodernidade (Lipovetsky, 2004).
Sendo assim, é mister que as ciências humanas sejam hoje o grande campo no qual a inserção da computação e de recursos diversos marcados pelo Big Data mais destacam tal inflexão multidisciplinar e que, talvez, mais demande da Ciência da Informação a necessidade de ser discutida, uma vez que informação, seu acesso, suportes, sistemas, usuários – tanto em aspecto público como privado – tornam-se elementos-chave para compreender o que se convencionou chamar de Humanidades Digitais (HD). Tal necessidade já é presente no cenário acadêmico científico internacional, como podemos averiguar em Robinson, Priego e Bawden (2015), Poole (2017) e Koltay (2016), por exemplo, mas ainda há muito a produzir nesse sentido no cenário brasileiro. Em linhas gerais, temos alicerçadas aí as bases para a consolidação de um cenário no qual a Ciência da Informação por vezes atravessada, por outras atualizada pelo digital, configura-se como um cenário imanente ao fenômeno discursivo, metodológico e estético das humanidades digitais.
Intimamente ligada a uma realidade interdisciplinar a Ciência da Informação (C.I.), em sua breve história, tem a “informação” (Souza, 2013) como seu principal objeto empírico e reflexivo. Desde meados dos anos 1960 a Ciência da Informação debruça-se sobre o estudo da informação, de sua gênese, passando por suas intermediações e estruturas, até seus processos de materialização/institucionalização na forma de discursos, sistemas, políticas e regimes capazes e responsáveis pelo que conhecemos como conhecimento. Apesar da área ser relativamente recente, a C.I. vem se consolidando fortemente com a reflexão de pensadores tradicionais e contemporâneos, mas, principalmente, por uma atuação empírica no campo informacional. Esse movimento deu corpo à abordagem matemática do estudo da informação, remodelou conceitos e marcou definitivamente a área informacional com uma ótica peculiar, própria de uma ciência nascida para dar conta desse fenômeno, a despeito de outras formas de trato informacional como a computação ou a comunicação.
Não se comportando indiferentemente ao seu gene interdisciplinar[1], a Ciência da Informação vem se desenvolvendo atenta a essa vocação e inspirando-se por essa natureza[2]. Amparados por essa função, a utilizamos como razão pela qual exploramos sua capacidade interdisciplinar e sua possível dialogia com as Humanidades Digitais. Ou seja, compreendemos que sua característica fundamental nos serve de mote para buscarmos tomar como objeto de análise a relação de caráter contributivo com a área das Humanidades Digitais (HD).
As HD detêm, em suas dimensões metodológicas e objetivas, uma razoável proximidade funcional com a Ciência da Informação e, mesmo assim, a relação entre as duas ainda é relativamente incipiente e praticamente nula[3] no contexto acadêmico brasileiro. Contudo, ao observarmos os grupos de pesquisa na base de dados do CNPq, identificamos que a maioria dos grupos com alguma ligação às HD é das ciências sociais aplicadas e, por sua vez, da Ciência da Informação. Muitos deles com pouco mais de três anos de existência, jovens portanto. Assim, parece ser acertado que falemos ou sugiramos que há uma tendência em andamento e de produção e construção de um “veio” produtivo das HD, possivelmente na C.I.
Com sete grupos de pesquisa das ciências sociais aplicadas, cinco da área da linguística, letras e artes, três oriundos das ciências humanas e um apenas da engenharia, o horizonte das HD no Brasil parece ser composto em maioria pela grande área das ciências sociais aplicadas onde a C.I. se insere, sendo esta, em todos os casos levantados, a responsável pela condução dos estudos nos grupos referidos.
Sendo assim, é plausível afirmar que as Humanidades Digitais vêm se projetando no mesmo contexto de sociedade da informação diante da realidade da “explosão informacional”, seguida do comumente conhecido “dilúvio de dados”, com foco nas fontes de informação digitais. De fato seriam elas, as HD, produto dessa mesma sociedade da informação. Ainda em questão sobre se é uma área ou campo, subárea, ou “comunidade de práticas” (Alves, 2016), as Humanidades Digitas já se desenvolvem muito rapidamente por meio da crescente criação de centros acadêmicos e projetos de Humanidades Digitais.
Podemos afirmar que as Humanidades Digitais surgem para dar conta de uma realidade contemporânea de presença e intermediação tecnológica no âmbito das fontes tradicionais de informação, que antes eram usufruídas apenas em seu formato físico. Trata-se de um movimento que, ao impactar a área das ciências humanas e sociais, levam aos pares a percepção de que as pesquisas agora passam a ser mediadas pelas tecnologias. Amparadas pela digitalização, a tendência irreversível de criação de fontes digitais colocou às ciências humanas o desafio de incorporar novos métodos à sua tradicional metodologia de pesquisa. Uma “sedução” pelo techne que se consuma não apenas pelo apelo ao emprego das novas tecnologias da informação e comunicação em diferentes etapas da pesquisa científica em humanidades, como também pelo “canal” de busca por recursos para a pesquisa em ciências humanas. O uso da tecnologia digital, portanto, não deve ser considerada dissociada do aspecto político da luta por captação de recursos e disputa no campo científico por desenvolvimento de infraestrutura básica à pesquisa nas humanidades. Com efeito, é nesse cenário que o desafio das humanidades digitais nos convida a refletir sobre suas respectivas novas formas de trabalhar, tornando essencial sua reflexão pelos envolvidos nela.
Fica-nos evidente que a noção geral sobre as Humanidades Digitais possui vertentes implícitas na direção dos estudos informacionais tão característicos da Ciência da Informação. Essa ideia, somada à interdisciplinaridade, nos motiva a buscar relações entre as duas disciplinas. Assim, nossa proposta de aproximação pretende encontrar o(s) ponto(s) de interseção que podem ser trabalhados entre as duas temáticas.
Desafios em curso de uma proposta transdisciplinar
Buscamos aqui propor um mapeamento da relação entre a área das Humanidades Digitais com a Ciência da Informação, compreendendo tal relação como um espaço transversal entre as respectivas áreas. Dessa forma, é proposta uma análise inter, trans e multidisciplinar dos campos a partir da utilização do software VOSviewer para construção de redes de relacionamento dos termos mais recorrentes na literatura acadêmica indexada por digital humanities, visando encontrar uma proximidade peculiar gerada pelo cruzamento das respectivas fronteiras disciplinares. Com isso, seria possível não apenas estimular o debate sobre as Humanidades Digitais a partir de uma perspectiva da Ciência da Informação, como verificar a produção da C.I. relacionada a esse contexto disciplinar marcado pela cultura tecnocientífica digital. Essa tentativa viabilizaria não somente relacionar conceitos presentes na Ciência da Informação que se assemelham às propostas das Humanidades Digitais, como desvelar um panorama quantitativo sobre a produção em HD no âmbito da C.I.
Como um dos pontos de partida, tratamos da relação semântica-conceitual entre as Humanidades Digitais e a Ciência da Informação. Para tal, a aplicação do software como ferramenta nos permitiu enxergar uma rede de termos/conceitos com força representativa além de suas relações com demais outros termos. Assim, o VOSviewer, além de útil enquanto ferramenta metodológica, possibilitou, pelo apelo da visualização dos termos e de suas relações, uma espécie de legitimação da própria prática enquanto atividade familiar aos recursos metodológicos presentes nas atividades de pesquisa e de metodologia nas Humanidades Digitais. Esse conjunto de práticas se configura grosso modo como o trabalho de produção de conhecimentos no âmbito de uma pesquisa bibliométrica mediada pelo emprego de um software capaz de conjugar um volume de dados que tornaria a priori inviável a pesquisa, caso fosse realizada sem tal recurso computacional.
O apelo à visualidade presente no resultado entregue pelo VOSviewer, assim como tantos outros artefatos tecnodigitais acompanhados de suas respectivas linguagens e gramáticas imagéticas, tem redesenhado o cenário de produção do conhecimento e de comunicação e popularização da ciência. Esse fator, ademais, não deve ser tratado de maneira ingênua. Com efeito, nossa sociedade é pautada pelo visocentrismo (Zhao; Zhang, 2013). O apelo visual ocupa, portanto, o centro de nossos sentidos e, certamente, é levado em conta pela maior parte dos sistemas de informação e comunicação produzidos pelo homem. Nesse traçado, encontramos as Humanidades Digitais como um campo cujas práticas estão intimamente ligadas à inovação da forma de comunicar resultados e visualizar relações e demais análises por meio das tecnologias digitais como o VOSviewer, por exemplo.
O domínio desses softwares, contudo, não é conhecimento comum entre os cientistas da informação e aqueles provenientes das humanidades. Seu uso, assim como de outras ferramentas digitais, vem redefinindo os perímetros disciplinares e suas margens mais ou menos absorventes, além daqueles novos detentores de capital cultural (Bourdieu, 2008, p. 118-119) no campo científico das humanidades que possuem competências informacionais para tal.
Para contribuir com a execução da pesquisa em questão, utilizamos uma revisão de literatura para mapear a produção acadêmica da área desejada como ponto de partida para o desenvolvimento deste artigo. O objetivo desta revisão foi recuperar artigos que tratem de Digital Humanities e suas possíveis inclinações para a Ciência da Informação. Na intenção de obter um esboço temático da relação que se espera, a expectativa de resultado da revisão de literatura foi visualizar as temáticas comuns a partir da análise promovida pelo software VOSviewer.
Partindo dessa proposta, elaboramos uma expressão de busca[4] para dar conta de levantar a publicação sobre Digital Humanities em inglês, espanhol e português para proceder à pesquisa nas bases de dados eleitas para esta revisão. Adotou-se como padrão o filtro “abstract” em todas elas e, naquelas em que essa opção não era fornecida, procurou-se utilizar o equivalente mais próximo desde que contemplasse o “abstract” em sua estratégia de recuperação. O resumo foi escolhido como foco da recuperação por ter maiores condições de reunir um maior número de termos utilizados na expressão de busca.
O primeiro desafio da pesquisa encampada se deu na expectativa de resultados reportados como resposta à expressão de busca aplicada. Grosso modo, a base que melhor atendeu às expectativas iniciais foi a Scopus por ter como estratégia de recuperação a restrição aos resumos, trazendo resultados que continham, efetivamente, as expressões propostas em seus resumos. No geral, as demais bases se utilizam de estratégias particulares para encontrar seus resultados.
No esquema a seguir apresentamos o quantitativo dos resultados recuperados em cada uma das bases, explicitando a forma de gerenciamento da expressão de busca em cada situação.
BASE DE DADOS UTILIZADA | RESULTADO |
GENERALISTAS | |
Web of Science | 732 |
Scopus | 1216 |
ESPECÍFICAS | |
Library, Information Science & Technology Abstracts – LISTA | 423 |
Information Science & Technology Abstracts – ISTA | 108 |
Library and Information Science Abstracts – LISA | 674 |
Artigos recuperados pela expressão de busca nas respectivas bases. Fonte: dos autores
Descortinando alguns resultados: as humanidades digitais e a C.I.
Os dados foram trabalhados em dois eixos. No primeiro, geramos as redes de relacionamentos nos resultados extraídos das bases consideradas específicas e, no segundo, foram trabalhados os dados das bases tidas como generalistas. No total, excluídas as duplicações de artigos, o corpus total compreendeu-se em 2.172 artigos. As repetições foram administradas e, consequentemente, desconsideradas, com o auxílio do software Mendeley. Dessa forma, as matrizes dos dados extraídos foram administradas de modo a produzir uma visualização para cada proveniência dos dados. Assim geramos o mapa a partir dos dados das bases mais relacionadas ao campo da C.I. como LISTA, LISA e ISTA, ao que denominamos aqui de específicas, além de outro, com dados provenientes de Web of Science e Scopus, ao que denominamos de bases generalistas.
Para as bases específicas, fizemos uso do recurso de criação de mapa embasado em dados bibliográficos, que, enquanto trabalhando com formato .ris, possibilita a análise por co-ocorrência de palavra-chave, com o método de full counting que atribui o mesmo peso para cada link em co-ocorrência. Dessa forma foram localizados com esses padrões 2.720 palavras-chave, que tiveram atribuídas à exigência de 10 como mínimo de repetições da co-ocorrência, o que gerou um grupo de 226 palavras-chave.
Como resultado, obtivemos o seguinte mapa de relações e densidade, sendo exibido abaixo o nível de 500 links de relacionamentos:
Na sequência, produzimos o mapa a partir dos dados extraídos das bases generalistas e nestas escolhemos os resumos como objeto para análise. Para esta análise, foi usada a função de criação de mapa embasado em dados textuais. Buscou-se, com essa modalidade, uma mineração dos termos mais recorrentes e seus relacionamentos no campo “resumo”, fugindo, portanto, de uma suposta obviedade das palavras-chave. Sendo contabilizadas, no total, 26.069 palavras, colocamos como critério de corte uma reincidência de 50 vezes por se tratar de um campo que possui muito mais palavras que aquele das palavras-chave. Ou seja, os termos que integram o mapa reincidiram, pelo menos, 50 vezes nos resumos. Atendendo a essa configuração, o resultado apresentado foi de 149 nós ou agrupamentos de termos que se relacionam entre si. Mais uma vez optamos pela visualização em dois modelos. O de “relacionamento de termos” e o de “densidade de termos”. A ideia foi, novamente, de tornar mais visível os “territórios” de maior relação seja pela conexão entre os termos, seja pela iluminação mais “quente”. As imagens que seguem mostram, portanto, o mesmo resultado, apesar de produzirem formas de leitura diferentes, tendo, na segunda, uma menor complexidade para identificação dos resultados.
Assim, tivemos o seguinte mapa de rede de relacionamento e densidade gerado pelo VOSviewer, que, para melhor visualização das relações, foi reproduzido com o nível de 300 links de relacionamentos:
Os mapas permitem visualizar com nitidez os termos/conceitos mais presentes no corpus e, consequentemente, possibilitam a clarificação da relação entre eles. Mais que isso, representa, grosso modo, um cenário da cultura tecnocientífica em desenvolvimento, na qual o recurso tecnológico e matemático para a comunicação científica e para a visualização de dados parece conferir legitimidade junto aos pares do campo.
Apesar da problematização colocada, é fato que para grandes volumes de dados, o recurso dos softwares como o utilizado aqui é, talvez, a melhor forma para se produzir a análise desejada. É possível identificar mais claramente, por exemplo, a partir da grande rede de relacionamento que os mapas exibem – mesmo quando interpretando apenas os clusters criados –, as áreas principais que interagem para formar tentativa de identificação de uma “topografia” sobre humanidades digitais na literatura científica lato sensu (generalista) e naquela familiar à Ciência da Informação (específica).
Uma constatação pertinente foi a impossibilidade de interpretação de toda a rede de relações mesmo se o tempo não fosse restrito. Como o programa gera uma minuciosa rede de dados relacionados, acreditamos ser profícuo o estabelecimento de um recorte dentro dela para ser privilegiado. Outro ponto importante é a ausência de uma forma de apresentação dinâmica dos mapas exatamente para possibilitar à audiência/leitor uma noção da profundidade do mapa, o que não pode ser viabilizado pela tela estática que o programa disponibiliza para exibição. De toda forma, os mapas nos revelam conceitos que nos permitem inferir sobreposições ou mesmo aproximações das temáticas presentes nas HDs com problemáticas próprias da C.I.
Considerações finais
O VOSviewer é uma ferramenta essencial para visualização semântica de grandes volumes de informação exportados de bases de dados bibliográficas; por essa razão, se apresenta como ferramenta apropriada para manuseio dos dados da pesquisa em curso. A importância do software de análise e construção de redes de relacionamento semântico se dá, principalmente, pela interoperabilidade dos padrões utilizados pelas grandes bases de dados bibliográficos que podem ser trabalhados na extensão .ris[5].
Os mapas de redes de inter-relação permitem identificar as temáticas propostas pela revisão de literatura e consecutivamente pelo objetivo da pesquisa. Dessa forma, com o VOSviewer, temos a possibilidade de aplicar uma lógica de análise automatizada a um processo da pesquisa tradicional que seria impossível por ação exclusivamente humana.
Ainda assim a aplicação desse método corrobora as práticas das humanidades digitais por corresponder às práxis desse novo campo que consiste, basicamente, na delegação ao automatismo tecnológico e à estética comunicacional científica das ações que outrora eram executadas manualmente.
Com efeito, o emprego de tais mapas e demais recursos computacionais calcados pela estética informacional vigente evidencia duas questões que são preponderantes para a compreensão do impacto que as Humanidades Digitais representarão no campo epistêmico da C.I.: (1) O fato de que as novas tecnologias de informação e comunicação, aliadas às novas linguagens computacionais representam um constante e visível desafio do ponto de vista das competências em informação necessárias àqueles atores outrora já possuidores deste capital. Há novas competências em curso e elas contribuirão para a reflexão não somente metodológica do campo da C.I., como igualmente epistemológica. (2) a cultura visuocêntrica, digital, informacional, na qual nos inserimos hoje estão nos levando a uma possibilidade/necessidade de desenvolver cada vez mais uma teoria crítica para a C.I. e para as Humanidades Digitais.
* Renan Marinho de Castro é doutorando em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação (PPGCI/IBICT-UFRJ), coordenador do Programa de Arquivos Pessoais do CPDOC, bibliotecário responsável pelo atendimento à pesquisa na Sala de Consulta e tratamento técnico do acervo de impressos dos arquivos do CPDOC.
** Ricardo Pimenta é doutor em Memória Social, pesquisador 2 do CNPq (bolsa de produtividade) e Jovem Cientista do Nosso Estado FAPERJ (2018-2020), pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e professor permanente do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação (PPGCI/IBICT-UFRJ).
Referências
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BOURDIEU, Pierre. A Distinção: a crítica social do julgamento. São Paulo: EDUSP; Porto Alegre, RS: Zouk, 2008.
CAPURRO, Rafael. HJORLAND, Birger. Perspectivas em Ciência da Informação, v.12, n.1, jan./abr. 2007.
ECK, Nees Jan Van; WALTMAN, Ludo. VOSviewer Manual. Disponível em: <http://www.vosviewer.com/documentation/Manual_VOSviewer_1.6.5.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2017.
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LIPOVETSKY, Gilles & SERROY, Jean. A Tela Global: mídias culturais e cinema na era hipermoderna. Ed. Sulina, Porto Alegre: 2009.
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POOLE, Alex H. The conceptual ecology of digital humanities. Journal of Documentation, v. 73, n. 1, p. 91-122, 2017.
ROBINSON, Lyn; PRIEGO, Ernesto; BAWDEN, David. Library and information science and digital humanities: two disciplines, joint future? 14th International Symposium on Information Science, 19-21 May 2015, Zadar. Disponível em: <http://openaccess.city.ac.uk/11889/>. Acesso em: 01 dez. 2017.
SARACEVIC, Tefko. Ciência da informação: origem, evolução e relações. Perspec. Ci. Inf., Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 41-62, jan./jun. 1996. Disponível em: <http://portaldeperiodicos.eci.ufmg.br/index.php/pci/article/view/235>. Acesso em 01 dez. 2017.
SOUZA, Edivanio Duarte de. Configurações do campo da ciência da informação: pluralismo epistemológico e descentração interdisciplinar. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, v. 5, n. 1, 2013. Disponível em: <http://inseer.ibict.br/ancib/index.php/tpbci/article/view/63>. Acesso em: 20 nov. 2017.
ZHAO, L; ZHANG, S. Development of visual philosophy under impact of philosophy of technology. Journal of Educational Technology Development and Exchange, v. 6, n. 2, 29-38, 2013. Disponível em: <http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.655.910&rep=rep1&type=pdf>. Acesso em: 02 mar. 2017.
Notas
[1] Para Saracevic (1996, p.48) a interdisciplinaridade foi introduzida na CI pela própria variedade da formação de todas as pessoas que se ocuparam com os problemas descritos. Entre os pioneiros havia engenheiros, bibliotecários, químicos, linguistas, filósofos, psicólogos, matemáticos, cientistas da computação, homens de negócios e outros vindos de diferentes profissões ou ciências. Certamente, nem todas as disciplinas presentes na formação dessas pessoas tiveram uma contribuição igualmente relevante, mas essa multiplicidade foi responsável pela introdução e permanência do objetivo interdisciplinar na CI.
[2] Apropriamo-nos de uma segunda nuance para a ideia de interdisciplinaridade que Saracevic (1996) nomeia como campo comum. Para ele o campo comum entre a biblioteconomia e a CI, que é bastante forte, consiste no compartilhamento de seu papel social e sua preocupação comum com os problemas da efetiva utilização dos registros gráficos. Mas existem também diferenças significativas em alguns aspectos críticos. […] Todas estas diferenças comprovam a conclusão que biblioteconomia e CI são dois campos diferentes, com forte relação interdisciplinar e não um único campo, em que um consiste na manifestação especial do outro. (SARACEVIC, 1996, p.49)
[3] Baseando-se na BRAPCI – Base de Dados Referencial de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação, principal base de dados brasileira de artigos científicos da área, e ao se pesquisar o tema ‘Humanidades Digitais’ não se tem nenhuma resposta sobre artigos que se dediquem ao tema. Cenário apurado em jan/2016, atualmente esse número é de 6 artigos.
[4] A expressão de busca aplica às bases selecionadas pode ser representada pela string Digital Humanities OR Humanidades Digitales OR Humanidades Digitais.
[5] Mesmo com outros formatos de característica tabulada como .csv serem mais robustos, oferecendo outras possibilidades de métricas, no caso deste ensaio a opção pelo formato .ris foi a mais apropriada.