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Economia da cultura e desenvolvimento | de Sérgio Sá Leitão

Do ponto de vista da economia, a expressão “economia da cultura” identifica o conjunto de atividades econômicas relacionadas à cultura. Do ponto de vista da cultura, trata-se do conjunto de atividades culturais com impacto econômico. Pode-se incluir neste conjunto qualquer prática direta ou indiretamente cultural que gere valor econômico, além do valor cultural. A economia é, portanto, uma das dimensões da cultura. E a “economia da cultura” constitui um campo da economia. A expressão serve para definir este campo.

Cultura é mercadoria. Mas mercadoria distinta, com duplo valor: econômico e cultural. Mensurar economicamente a cultura não é só possível, mas necessário. Análises econômicas ajudam a entender fenômenos culturais. E reforçam uma percepção positiva das atividades culturais, ao conferir a elas valor palpável. O comércio global de bens e serviços culturais movimentou US$ 1,3 trilhão em 2005, cerca de três vezes mais do que em 1998. Este dado afirma a importância econômica da cultura, alem da “cultural”.

As indústrias culturais e seus produtos e serviços são a vitrine deste campo. Refiro-me à indústria editorial, à indústria do audiovisual e à indústria da música, entre outras. Tais setores se estruturam como cadeias produtivas. Basicamente, dizem respeito à criação, produção, distribuição e consumo de conteúdos e experiências culturais. Mas há também as atividades econômicas relacionadas à cultura que se estruturam como arranjos ou sistemas produtivos locais. E as de caráter individual, associativo e institucional.

Há vários conceitos de “economia da cultura”. E mesmo outras expressões, com diferenças conceituais que muitas vezes têm fundo político. Os americanos, por exemplo, pensam em termos de “economia do copyright”. Os ingleses, de “indústrias criativas”. Os escandinavos, de “economia da experiência”. Há pesquisadores que falam em “economia do conteúdo”. A cultura está presente em várias atividades. Como separar o que é cultural, por exemplo, na operação de uma tele? Que atividades incluir no campo?

Para efeitos de reflexão acadêmica e de formulação de políticas públicas, prefiro usar a definição precisa estabelecida no estudo “A Economia da Cultura na Europa”, divulgado em 2006 pela Comissão Européia, talvez o mais abrangente e profundo já realizado. Segundo este estudo, a “economia da cultura” foi responsável, em 2003, por 2,6% do PIB e 3,1% dos postos de trabalho dos 25 países que então formavam a Comunidade Européia. Hoje são 27 países. A pesquisa está sendo atualizada.

O estudo aponta a existência de um “setor cultural e criativo” formado por segmentos industriais e não-industriais ligados diretamente à expressão cultural; e por atividades em que a cultura impacta criativamente a produção de bens não necessariamente culturais. As atividades geradoras de valor econômico deste “setor cultural e criativo” são as que constituem o campo da “economia da cultura”. Deve-se frisar ainda que tais atividades influenciam outros setores, como ciência e tecnologia e eletro-eletrônicos.

Além do setor industrial da cultura, que inclui os segmentos do audiovisual, da música e da publicação de livros, entre outros, o estudo inclui, no campo da “economia da cultura”, a indústria da mídia (imprensa, rádio e TV), a área criativa (moda, arquitetura, publicidade, design gráfico, design de produtos e design de interiores), o turismo cultural e as expressões artísticas e instituições culturais (artes cênicas, artes visuais, cultura popular, patrimônio material, museus, arquivos, bibliotecas, eventos, festas e exposições).

O conjunto de pesquisas recentes sobre este assunto indica que a “economia da cultura” é atualmente o setor que mais cresce, mais gera renda, mais exporta e mais emprega, e o que melhor remunera. Trata-se de um feito quantitativo e qualitativo. É ainda o setor que mais impacta positivamente outros setores igualmente vitais. E mais gera valor adicionado. Está baseado no uso de recursos inesgotáveis (como criatividade) e consome cada vez menos recursos naturais esgotáveis. Apresenta um uso intenso de inovações e impacta o desenvolvimento de novas tecnologias. Finalmente, seus produtos geram bem-estar, estimulam a formação do capital humano e reforçam vínculos sociais e identidade.

Segundo o “Global Entertainment & Media Outlook 2006-2010”, da Price Waterhouse Coopers, o setor passará de US$ 1,3 trilhão em 2005 a US$ 1,8 trilhão em 2010, crescendo 6,6% ao ano, bem acima da média da economia mundial (5%). Na América Latina, projeta-se um crescimento anual médio de 8,5%, com o mercado passando de US$ 40 bilhões em 2005 para US$ 60 bi em 2010.

O Brasil tem o maior potencial de crescimento no continente, por três fatores: mercado interno expressivo, políticas públicas diversificadas e eficientes e a riqueza e a diversidade da nossa cultura. Deve-se tratar a “economia da cultura” no Brasil pensando não apenas na situação existente, mas sobretudo no potencial não-realizado, assim como nas oportunidades que se colocam, em termos de geração de renda, emprego, exportação e inclusão, tanto nacionalmente quanto local ou regionalmente.

De acordo com o “Sistema de Informações e Indicadores Culturais” (IBGE/MinC, 2006), o “setor cultural e criativo” respondia em 2003 por 5,7% dos empregos formais, 6,2% do número de empresas, 6% do valor adicionado geral e 4,4% das despesas médias das famílias brasileiras. Estima-se que a participação no PIB seja de 5%. Uma família brasileira gasta em média cerca de R$ 67,00/mês no consumo de cultura.

O excelente trabalho do IBGE e do MinC, divulgado em 2006, mostra que as empresas culturais são responsáveis por 5% dos postos de trabalho da indústria do país, com um salário médio de 5,6 mínimos (para 4,6 de toda a indústria). No que toca aos serviços culturais, os dados são ainda mais significativos: 9% do total de empregos e 5,9 mínimos de salário médio (para 3,2 de todos os serviços).

O crescimento do setor no Brasil tem sido muito expressivo, ainda que os valores absolutos sejam modestos, se comparados ao que se verifica nos países desenvolvidos e em outros setores da economia brasileira. Segundo a Price Waterhouse Coopers, a “economia da cultura” no Brasil passou de US$ 11,55 bi em 2001 para US$ 14,65 bi em 2005. O estudo projeta que o setor atingirá a marca de US$ 21,92 bi em 2010, com uma taxa de crescimento anual estimada em 8,4%, ou quase o dobro da estimativa de crescimento do PIB brasileiro.

Pesquisa da Fundação João Pinheiro aponta que o setor gera no Brasil 160 postos de trabalho para cada R$ 1 milhão investido, mais do que a construção civil e o turismo, por exemplo. Há, portanto, um vasto potencial a ser trabalhado pelo poder público, pelo terceiro setor e pela iniciativa privada.

A sociedade brasileira manifesta uma óbvia vocação para a cultura. Poucos países apresentam um conjunto de expressões culturais tão amplo, diverso e intenso quanto o nosso. Trata-se de um diferencial competitivo. Este diferencial deve ser explorado. A “economia da cultura” é, assim, um novo front de desenvolvimento, por sua grande capacidade de geração de renda e emprego, por seu impacto na formação do capital humano e no desenvolvimento de novas tecnologias, e seus efeitos sociais positivos.

O poder público já acordou para a “economia da cultura” e o que ela pode representar em termos de desenvolvimento. Há, desde os anos 90, um sistema de financiamento público da cultura estruturado, com impactos positivos e negativos, que totaliza cerca de R$ 3 bilhões/ano (recursos federais, estaduais e municipais). As fontes são os orçamentos, fundos específicos e leis de incentivo.

Em 2005, coordenei no MinC a formulação do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Economia da Cultura (Prodec), que a partir de 2006 passou a integrar o Plano Plurianual da União e ganhou recursos próprios. Entre as ações do Prodec, destaca-se o apoio aos Programas de Exportação de Música, Cinema e Produção Independente de TV, Artes Visuais, Design e Instrumentos Musicais, realizados em parceria com a Apex, o Sebrae e entidades setoriais.

O ministro Gilberto Gil tem sido um apóstolo, ainda que por vezes o Ministério da Cultura apresente certa incapacidade de transformar discurso em prática. Ou não reconheça devidamente o que outros agentes fazem. Mas a causa tem cada vez mais adeptos.

O papel do poder público neste campo deve ser exercido através de cinco eixos principais:

> Formular e implementar políticas públicas, tendo em vista o grau de acesso ao consumo, a diversidade cultural, a capacitação de técnicos e empreendedores, a formação de públicos, o estímulo à criação, à produção e à distribuição, a promoção de exportações e a valorização da cultura nacional.

> Produzir e apoiar a produção e a disponibilização de levantamentos de dados, além de pesquisas e estudos sobre diversos aspectos relacionados ao tema, de modo a permitir uma melhor quantificação e também ajudar a qualificar o debate e as políticas públicas.

> Gerir instrumentos eficazes e diversificados de fomento a projetos, grupos, empresas e instituições culturais, levando em conta as dinâmicas da atividade, com recursos suficientes para estimular um processo de desenvolvimento.

> Disponibilizar crédito de longo prazo, com juros subsidiados, a empresas culturais.

> Regular as práticas econômicas, tendo em vista o equilíbrio dos mercados e a mediação entre o interesse das empresas e o interesse público.

Por serem baseados em criação, e portanto geradores de propriedade intelectual, os bens e serviços culturais se encontram no epicentro da chamada “economia do conhecimento”, constituindo um dos campos mais dinâmicos e atrativos da economia contemporânea. Na atual fase do capitalismo global o que está cada vez mais no centro das disputas competitivas são os ativos intangíveis, baseados em criatividade, idéias e valores. Vale dizer, ainda, que a economia é cada vez mais “cultural”, tendo em vista o impacto crescente de práticas e valores culturais em processo econômicos diversos. Basta pensar, por exemplo, na questão da inovação. Ou do design estratégico.

No Brasil, a “economia da cultura” tem um vasto potencial ainda não-realizado de produção e distribuição de riqueza de forma sustentável, com geração de emprego e renda, assim como de bem-estar, identidade e capacitação do capital humano. Trata-se de uma vocação da sociedade brasileira que, se devidamente aproveitada, pode contribuir decisivamente para o crescimento do Brasil, assim como para a qualificação deste crescimento. Ou seja: para um desenvolvimento pleno.

As políticas públicas voltadas para a “economia da cultura” constituem, na verdade, políticas de desenvolvimento, e assim devem ser pensadas. Mais recursos para a cultura, se bem aplicados, podem ser mais recursos para o desenvolvimento do país. A cultura, portanto, deve ser uma prioridade não apenas por seu papel “cultural” na vida social do Brasil, mas por seu papel econômico.

Formado em Jornalismo na Escola de Comunicação da UFRJ, com pós-graduação em Políticas Públicas (USP) e Marketing (IBMEC), *Sérgio Sá Leitão tem 40 anos e dirige a área de marketing e novas mídias da Vereda Filmes. Foi Assessor da Presidência do BNDES, onde coordenou a criação do Departamento de Economia da Cultura e do Programa de Apoio à Cadeia Produtiva do Audiovisual. Entre 2003 e 2006, foi Chefe de Gabinete e Secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura. É coordenador do módulo “Desenvolvimento e Ação Estratégica” e professor de Economia da Cultura da Pós-Graduação em Gestão Cultural da Universidade Candido Mendes.

 

NOTAS


1Trecho de palestra proferida no Seminário Internacional de Economia da Cultura promovido pela Fundação Joaquim Nabuco, Recife, em julho de 2007.