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Dispositivos móveis: Dimensões e espacialidades do corpoespaço | de Luisa Paraguai

Resumo

O texto aborda o contexto de dispositivos móveis, vestíveis ou não, enquanto artefatos multisensoriais que atualizam, de forma complexa, nossas construções perceptivas e ações. Ao assumir a fisicalidade corpórea dos usuários e a materialidade de objetos e do espaço como dados de entrada em sistemas computacionais, questiona-se a possibilidade de reconfiguração do corpo na sua própria apresentação e percepção a partir das interações mediadas neste contexto. Essa condição híbrida e processual apontam modos específicos de apreensão e de comunicação, que interessam discutir neste trabalho. Após as abordagens teóricas sobre interfaces enactives, alguns trabalhos artísticos serão apresentados, diante das específicas propostas de construção e experimentação de estados sensórios. Estas propostas artísticas potencializam o corpo e o espaço nas suas condições matéricas e dimensionais, na medida em que a percepção dos mesmos articula elementos interdependentes para a construção sensível da realidade como uma experiência estética e fenomenológica.

Palavras-chave
Design, Arte e tecnologia, Espacialidades, Dispositivo móvel, Computador vestivel.

 

Introdução

Os dispositivos móveis, vestíveis ou não, vêm promovendo uma mediação humano/máquina peculiar aos usuários, marcadamente em suas atividades diárias, de forma que a gestualidade e/ou contato físico dos mesmos com as interfaces transformam-se literalmente em informação para os sistemas computacionais. Assim, o que parece diferenciá-los de outros dispositivos, não apenas como sistemas de representação, é a forma determinante com que o corpo em movimento do usuário são atuantes e constituem-se enquanto dados de entrada e de saída. Os usuários apresentam-se reconfigurados na sua gestualidade e terminam por construir uma compreensão corpórea e espacial peculiares, dinâmicas, que se estendem e contraem, diante da movimentação dos mesmos. Os limites territoriais da relação corpoespaço reorganizam-se dinamicamente a partir de uma negociação do sensível, em constantes remediações entre o local e o remoto, o pessoal e o coletivo, o físico e o digital, e apresentam-se como tema para reflexão neste texto.

Os dispositivos tecnológicos são abordados como artefatos multisensoriais na medida em que suas específicas interconexões promovem interferências na percepção dos usuários tanto pela visualidade (forma) como nas articulações dimensionais do espaço (comunicação); reforça-se o entendimento de um corpo agente e determinante na relação humano/máquina. O processo do fazer, entre o pensamento e a ação, contém o corpo como elemento articulador e organizador e essa condição processual, bem como a dinâmica baseada na circularidade entre a ação do usuário sobre aquilo que ele constituiu como objeto e, reflexivamente, a ação desse objeto sobre o mesmo, parecem apontar um modo específico de operar e estabelecer relações entre usuário e interface.

O cotidiano de todo indivíduo está repleto de objetos, cujas funções, texturas e formas, determinam maneiras específicas de pegar, carregar, acionar, jogar, e constroem assim práticas que passam a ser recuperadas em outras situações de ressignificação. As relações entre operação e função, assim recuperadas, apontam para o estudo da interfaces enactive, a ser desenvolvido a seguir. Como afirma MOLES (apud SANTOS, 1999, p.77) “os objetos são duplamente mediadores, porque colocam-se entre o homem e a sociedade e entre o homem e sua situação material”. A construção de conhecimento apresenta-se assim, dependente da condição de existência no mundo, e portanto, intrinsecamente relacionada com o entendimento de corpo, com a linguagem e com a história política e social de cada indivíduo.

I. Enaction: corpoespaço em constante construção

No contexto das interfaces tecnológicas recentes, cada vez mais a ação e percepção dos usuários imbricam-se em formas complexas que traçam dependências e interferências dependentes do meio onde acontecem. Isto vale dizer que das relações estabelecidas por um fluxo dinâmico de informações e trocas emergem espacialidades presentes, articuladas entre o físico e o virtual, ambas reais. O corpo, ao articular infinitas apropriações estéticas e vivenciais com os seus desdobramentos e experimentações expande os limites territoriais físicos e manifesta um acontecimento subjetivo. Para contextualizar estas articulações e apontar a relação multimodal e situada no corpo apresenta-se a interface enactive, objetivo central deste texto.

O termo “enaction” foi introduzido pela primeira vez por Jerome Bruner, na Psicologia Cognitiva, (PASQUINELLI, 2007, p.93), quando afirmou que o conhecimento “enactive” é construído a partir de competências que requisitam habilidades motoras durante o processo do fazer, como por exemplo dançar, tocar um instrumento musical, manipular objetos, andar de bicicleta. Diferentemente do conhecimento elaborado de forma icônica ou metafórica, este paradigma da cognição está centrado em dinâmicas sensório-motoras, atividades corpóreas, e coloca as mediações entre o indivíduo e seu ambiente como fundamentais e determinantes para a produção de significados; este conhecimento apresenta-se assim constituído por padrões de experiência incorporada, que necessariamente precisam ser cultural e socialmente compartilhados. A ação é considerada como pré-requisito para percepção; assim, os inputs sensórios, como o reconhecimento do entorno, apenas passam a significar na medida em que ações são realizadas. Como afirma STEWART (2007, p.90) “sem ação não existe mundo e nem percepção”.

Para validar esta afirmação recuperam-se os trabalhos de vários artistas, Lygia Clark, Hélio Oiticica e Robert Morris, que em diferentes momentos da história e com distintas tecnologias procuraram validar a construção da relação corpoespaço no campo do poético. Lygia Clark com a experiência sensória do corpo no trabalho “Nostalgia do corpo – corpo coletivo” (figura 1) apresenta os corpos totalmente envolvidos na fronteira do vestir e de certa forma aprisionados pelo limite físico do corpo; a condição apresentada reconstrói a relação corpo/espaço ao estimular uma ação e percepção diferenciadas diante do acontecimento – corpos atravessados que se opõem e compõem de forma inusitadas. Hoje, com as tecnologias móveis reelabora-se a percepção do corpo, que se apresenta constantemente detectado e monitorado na sua ação e deslocamento espacial. As chamadas via celular e as trocas de arquivo via bluetooth rastreiam o usuário no ambiente físico e requisitam sua atenção, momentaneamente alterada para uma condição multi-tarefa.

Figura 1: "Nostalgia do corpo-corpo coletivo", Lygia Clark, 1965-88. Fonte: http://www.sbi.org.br/sbinarede/SBInarede63/ LygiaClarkNostalgiadoCorpoaCorpo1986.jpg

Hélio Oiticica com seus “parangolés” (figura 2) propõe uma aproximação estética com o cotidiano onde o corpo apresenta-se como um receptáculo de informações que se expande no comportamento e na aparência que transita no espaço. Nesta vivência do corpo-e-o-vestir, o espaço concreto articula com o espaço sensório e revela sentidos. A ação/movimento proporcionada pelo parangolé é extraída da visceralidade do corpo, da sua realidade concreta, da compreensão da arte/vida que ultrapassa o território de ocupação. A expansão sem limites do mundo íntimo do corpo está no cotidiano da conectividade.

 

Figura 2: Nildo da Mangueira com Parangolé, Hélio Oiticica, 1964. Fonte: http://www.digestivocultural.com/upload/ jardeldiascavalcanti/parangole1.jpg.

O artista Robert Morris em seu trabalho “untitled” (figura 3) impõe ao visitante uma relação de encontro e definição do espaço, ora determinado pela construção de diferentes ângulos e pontos de vista, ora determinado pela inclusão visual da sua própria existência. A obra em si espelha o infinito pela regra simples de reflexão da física, mas com a presença dos visitantes, corpos em movimento, vê-se o espaço emergir.

Figura 3: “Untitled”, Robert Morris, Tate Modern, 1965-71. Fonte: http://www.tate.org.uk/collection/T/T01/T01532_9.jpg.

Como afirma NOË (2000, p.132) “uma experiência perceptiva como um modo de exploração ativa do mundo”. Antes de qualquer movimentação das pessoas em torno, este trabalho só existe na sua própria reflexão, mas que gradativamente ganha compreensão e estabelece relações com outros espaços na medida em que os deslocamentos dos espectadores revelam e desnudam outras dimensões. A leitura não se dá por inteiro, em momento algum, mas a sua existência no tempo permite a reconstituição do todo enquanto fruímos partes.

Refletir sobre os padrões de percepção e ação – modos de aproximação e distanciamento, significa pensar sobre uma forma de corpo comprometida com a situação, que como diz BORGES (2006, p.31) “é um espaço significativo, um espaço como propriedade de acontecimentos” onde “as tensões musculares estão no corpo mas também no espaço. Os corpos se cruzam; o espaço é cheio”. Um corpo sempre na postura de relação – um corpo que caminha entre outros corpos e objetos, e que se ajusta aos mesmos pela dinâmica das tensões musculares que são operações de posição, postura, atitude, direção. (GAIARSA, 1988, p.66) O corpo ao movimentar-se implica na elaboração de configurações específicas de forças, que por sua vez implicam em maneiras próprias de apreciar, de agir e de reagir. Na articulação destas tensões o corpo existe e se reconhece no espaço.

Articular a fenomenologia para refletir sobre estas interfaces “enactive” implica em assumir o conceito de experiência como uma atividade de encontro com o mundo, determinada por contingências sensório-motoras. A relação com o mundo acontece dependente do estímulo sensório e dos movimentos em torno; por exemplo, um tomate é reconhecido pelas partes visíveis, enquanto a compreensão das não-visíveis pode depender de uma reorientação do leitor em torno do objeto e não somente de construções mentais. Vale reforçar que o conteúdo apresenta-se a partir de experiências perceptivas, atividades baseadas na exploração do ambiente, onde o conhecimento não se dá como um todo, mas “enacted”, estendido no tempo das ações. Em contraste, por exemplo, a relação com a torre Eiffel não está agora momentaneamente mediada pelas contingências sensório-motoras, mas dependente de um processo cognitivo de inferências sobre o objeto mediado por outros suportes ou mesmo até experienciado anteriormente. (NOË, 2002) Admite-se assim que a estrutura fisiológica do corpo e suas experiências sensórias com o ambiente, tanto quanto os processos neurais, assumem um papel determinante no desenvolvimento dos artefatos tecnológicos, cada vez mais estruturados, segundo nos parece, a partir deste conhecimento “enactive” para evocar a interação usuário/interface.

A ênfase nas qualidades da ação mais do que no conhecimento da representação, assegura interfaces onde a aprendizagem dá-se com o ato do fazer. Como conseqüência direta o desenvolvimento de interfaces tecnológicas tem procurado por características morfológicas e funcionais cada vez mais compatíveis com as estruturas humanas e numa dependência direta da experiência incorporada nas ações do cotidiano. As empresas de bens de consumo tecnológicos vêm assim investindo de forma clara e objetiva em acessórios que apresentam um alto grau de inserção na relação diária dos indivíduos com o mundo; diante desta demanda, cada vez mais os objetos/aparelhos demonstram a existência de estudos cognitivos para construir a relação usuário/interface e recuperar em parte o conhecimento corpóreo já culturalmente interiorizado.

Como exemplo, pontua-se o desenvolvimento da interface do iphone e iPad da Macintosh, no qual a ampliação ou redução de um texto ou imagem acontece por um pequeno movimento, já conhecido – o afastar e aproximar os dedos polegar e indicador, respectivamente. Outro movimento, já incorporado, que leva o dedo indicador para direita ou para esquerda enquanto os usuários lêem ou percorrem os conteúdos ou páginas também recupera em parte a idéia de interesse e/ou desinteresse por algo. Outro exemplo, também recente, é o Kinect para Xbox 360, que vem revolucionando o mundo do entretenimento diante do peculiar modo de jogar: o corpo como controle – todos os movimentos do jogador, braços, tronco, pernas, são reconhecidos para acionar funções e controlar as ações dos avatares nos jogos. As funções, comportamentos e gestualidades, não são pré-dadas mas sim resgatadas de referências em ações outras, contextualmente determinadas e significadas pelo senso comum. Assim, jogar tênis com o Kinect implica necessariamente em pular, girar, abaixar-se, levantar-se, com a intenção objetiva de bater na bolinha e resgatar qualquer outra experiência corpórea já vivenciada em uma quadra de tênis.

Assim, a experiência de existir e de gerar significados acontecem de forma inseparável e trazem, como afirma MERLEAU-PONTY (apud DOURISH, 2004, p.114) a relação sujeito/objeto focada em uma “teoria do corpo e conseqüentemente uma teoria da percepção”. Partindo-se desta premissa fenomenológica, pode-se pensar sobre a relação usuário/interface dependente de uma íntima relação entre percepção e ação (modos de apreensão), sendo que o indivíduo e o ambiente nas suas condições corporais e matéricas, respectivamente, estão implicitamente considerados na determinação destas interfaces tecnológicas. Em consonância com estas premissas cita-se ARMSTRONG (apud BENNET e O’MODHRAIN, 2007, p.38) e o critério de “interação incorporada” que descreve como “uma atividade incorporada de maneira a ser situada, em tempo real, multimodal, engajada, e com o sentido de incorporação como um fenômeno emergente”. Na medida em que a interface e seu funcionamento dependem diretamente das ações dos usuários, fica claro a noção de engajamento dos mesmos e não apenas considerações sobre os seus níveis de atenção; nesta condição a sincronização temporal das interações vem reforçar que o estado do sistema computacional altera-se dinâmica e diretamente relacionado com as trocas realizadas.

II. Experimentações artísticas

No processo contínuo e imbricado entre objetos e espaço, este deixa de ser representação, e assume-se enquanto processo de construção, e como afirma FERRARA (2007, p.12) um lugar fenomênico a ser preenchido pelas ações no qual se reconhece “a emergência do espaço como experiência sensível”. O espaço passa a ser explorado, construído, habitado, ocupado, enquanto movimentos de mediação, interação, percepção, entre sujeitos – corpos, objetos. O espaço é desafiado em seus limites físicos e simbólicos para ser apreendido pelas espacialidades híbridas, que compõem o digital no campo físico. Ao falar desta forma, justifica-se apresentar algumas pesquisas e produções em arte e tecnologia, que configuram-se como um local recorrente desta experimentação. As obras procuram, claramente, não afirmar a produção e os recorrentes usos da sociedade tecnológica, mas gerar como afirma MACHADO (2004, p.6) “instrumentos críticos para pensar o modo como as sociedades contemporâneas constituem-se, reproduzem-se e se mantêm”.

II.1. Redes vestiveis

O artista Cláudio Bueno propõe com seu projeto uma performance coletiva baseada numa rede virtual elástica, topograficamente localizada e graficamente representada nas telas dos celulares. Na medida em que, as pessoas conectam-se à rede tornam-se nós da mesma trama, que depende dos seus deslocamentos físicos no espaço físico para existir. Assim, o corpo em movimento estabelece e conecta o usuário na rede virtual, estimulando o movimento dos outros; estes, caso não se desloquem rompem a estrutura em rede, desconectando o usuário. Para o artista “a informação toma o corpo e o move”.

Figura 5: Redes vestiveis, Cláudio Bueno, 2010. Fonte: http://redesvestiveis.net/.

II.2. Cylindres

O artista Pierre-Guillaume Clos explora esteticamente um fenômeno cotidiano, mas que nem sempre é avaliado pelas pessoas: a nossa percepção do espaço depende diretamente da posição e interrelação dos objetos no mesmo. Esta experiência estética questiona o que acontece com a compreensão do espaço físico quando os objetos movem-se; a percepção do entorno sofre transformações nas suas dimensões básicas de largura, comprimento e profundidade, que passam a formalizar-se dinâmica e empiricamente. Na instalação, três cilindros [figura 6] rolam paralelos e independentemente sem que qualquer causa física produza tais deslocamentos. Estes deslocamentos dos cilindros foram criados através de uma simulação gerada no software MIMESIS e passam a ser controlados. Assim, os visitantes ali presentes constroem a percepção sensória do espaço a partir das relações com os cilindros e destes com o espaço, que se revela maior ou menor conforme a distribuição e localização dos mesmos.

Os visitantes da exposição, “Enaction in Arts”, Grenoble, Novembro de 2007, na medida em que precisam contornar, parar e pular os cilindros para evitar um choque, encontram-se em um processo dinâmico de construção e entendimento do espaço ocupado; este conhecimento acontece a cada momento que os participantes atualizam uma referência espacial dependente da relação corpo/objeto. Outros limites espaciais são determinados não mais dependentes de uma leitura inicial dada pelo participante, mas em consonância com as exigências pontuais, constantes readaptações para o equilíbrio biomecânico do corpo em movimento foram evocadas, aí sim, dependentes da capacidade de auto-organização. Assim, para cada disposição dos cilindros no espaço, os participantes reordenam-se, assumindo distintas posições e portanto reocupando-o; uma tentativa quase espontânea de dialogar com os objetos, promovendo um estado de equilíbrio ou de tensão e qualificando a própria existência no contexto físico.

Figura 6: Três cilindros paralelos dispostos no chão do espaço expositivo. Fonte: Luisa Paraguai. Novembro de 2007.

 

II.3. Seven mile boots

Neste projeto, seven mile boots a artista Laura Beloff e seus colaboradores Erich Berger e Martin Pichlmair criaram um par de botas que permite incursões físicas através de espaços virtuais. Foram apresentadas no ISEA 2004 em Tallinn, Estonia, e no Ars Electronica 2004, em Linz, Áustria. Valendo-se da lenda folclórica, onde um par de botas era capaz de fazer a pessoa andar sete mil léguas em um passo, os artistas desenvolveram um par de botas vermelhas (figura 7) permitindo o usuário enquanto anda fisicamente atualizar conexões na Internet, navegando e escutando algumas específicas salas de bate-papo. Alguns teóricos vêm nomeando esta condição como híbrida, quando atuar significa coexistir em contextos distantes e atuais simultaneamente, na medida em que os limites entre espaços virtuais e físicos esvanecem-se. O usuário continua presente e atuante no seu espaço físico em torno enquanto as informações recebidas e transmitidas remotamente adicionam outras características a esta experiência fenomenológica. Para De Souza e Silva (2006, p.26) um espaço híbrido apresenta-se como um local de comunicação, “caracterizado por três perspectivas descritas como espaços conectados, espaços móveis e espaços sociais”.

 

Figura 6: Três cilindros paralelos dispostos no chão do espaço expositivo. Fonte: Luisa Paraguai. Novembro de 2007.

 

Considerações finais

O fato de atuar no mundo implica na construção da realidade do espaço, um contexto que se reconhece a partir da dinâmica dos movimentos e gestos corpóreos – comportamentos, que redefinem constantemente as relações espaciais. O conceito de “espaço incorporado” de LOW (2003, p.9) apresenta um modelo de compreensão para a criação do espaço através da “orientação espacial, movimento e linguagem” das pessoas, e cabe aqui neste trabalho perfeitamente para contextualizar as interferências sugeridas pelos dispositivos na relação participante/corpo/espaço.

A percepção do espaço é reconhecidamente dinâmica e fluída, diretamente relacionada com a ação, isto é, com o que pode ser feito em um determinado contexto. Segundo De Kerckhove (1997, p.24) “… Instalações Artísticas Interativas fazem o papel de conectores diante do fazer não mais preocupado em gerar objetos, mas produzir contextos. Eles convidam os usuários a interiorizar o que eles estão experienciando, fazer novas conexões, em outras palavras, remapear nossos sistema nervoso.” Os trabalhos redes vestiveis e cylindres apresentam esta condição onde os indivíduo e indivíduo-objeto no espaço físico, determinam-se um na existência possível do outro, isto é, constroem e significam na medida em que as relações usuário/rede e espectador/cilindros, respectivamente, acontecem diferentemente no tempo. O trabalho seven mile boots qualifica poeticamente e habilita a condição de coexistir simultaneamente no ciberespaço sonoro dos chats enquanto o usuário circula no ambiente físico. Estes trabalhos operam assim com as características emergentes de um conhecimento que depende do estar no mundo integrando corpos, percepção e consciência. A diluição dos limites e a possibilidade de compor espaços físicos e contextos informacionais vêm sugerir outras dimensões para a interação; a relação entre percepção e ação apresenta-se como uma experiência fenomenológica, onde o indivíduo e o ambiente estão midiaticamente incluídos. Como afirma VARELA (2000, p.149-150) o mundo não é dado a priori, independente do referente, mas seu conhecimento é um processo ativo, de recuperação e construção constantes por parte dos indivíduos reconhecidamente aculturados. Em outras palavras, apesar da capacidade de compreensão do mundo ser baseada nas estruturas biológicas de cada indivíduo, é experienciada e vivida no domínio da ação consensual e da história cultural. Portanto, não considerar as relações históricas – sociais, econômicas, políticas, envolvidas na leitura destes indivíduos implica em negar territórios, limites culturais, categorias do social, classes de poder.

 

Referências Bibliográficas

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Luisa Paraguai
luisaparaguai@gmail.com
Universidade Anhembi Morumbi