Resumo: O texto discute os limites e possibilidades do diálogo intercultural entre Europa e África. Para isso busca uma aproximação através de um exercício de escuta a vozes de um filosofar africano e suas implicações teológico-políticas. A contemporaneidade da obra de Mogobe Ramose, African Philosophy through Ubuntu, ganha destaque.
Palavras-chave: diálogo intercultural, filosofia africana, ubuntu, teologia política.
Abstract: The text discusses the limits and possibilities of intercultural dialogue between Europe and Africa. For this, it seeks an approach through an exercise of listening to the voices of an African philosophy and its theological-political implications. The contemporaneity of Mogobe Ramose’s work, African Philosophy through Ubuntu, is highlighted.
Keywords: intercultural dialogue, African philosophy, ubuntu, political theology.
1. Aprica, Aphrique, Afriga
Jahnheinz Jahn (1958) começa seu livro clássico Muntu: Umrisse der neoafrikanischen Kultur com uma questão e um ponto de interrogação: Skokiaan? Podemos abordar skokiaan como o enigma de uma esfinge e a dúvida de Jahn como uma ponte preciosa para o difícil diálogo entre Europa e África.
Na África do Sul do apartheid, skokiaan era uma bebida alcoólica proibida de produção doméstica feita de levedura, açúcar e água. Consultando o Oxford Dictionaries podemos ler que esta palavra se origina talvez do Zulu isikokeyana, que pode ser traduzido livremente como “cercadinho”, numa referência à prática de esconder a bebida proibida em buracos cavados no chão[1]. Skokiaan, a bebida fermentada sob a opressão é um produto da “invenção da cultura” ensinada por Roy Wagner (1975). E Skokiaan é também uma música popular, originalmente composta pelo músico natural do Zimbábue August Musarurwa (comumente identificado como August Msarurgwa)[2]. Louis Armstrong[3], Bill Halley e Herb Albert são alguns dos artistas com interpretações próprias de skokiaan.
Os versos de Skokiaan cantam uma “África” do imaginário ocidental nas palavras de Louis Armstrong:
Oh, Far away in Africa
Happy happy Africa
They sing a-bing-a-bang-a-bingo
They have a ball and really go
Skokiaan, Skokiaan, Skokiaan, Skokiaan
Oh, Take a trip to Africa
Take any ship to Africa
Come on along and learn the lingo
Inside a jungle bungalow
Skokiaan, Skokiaan, Skokiaan, Skokiaan
Hot drums are drummin’, the
Hot strings are strummin’, and
Warm lips are blissful, they’re
Kissful of Skokiaan
Oh, When you go to Africa
Happy, happy, Africa
You live along like a king-o
Right in the jungle “all alone? on the low?”
(Hokey-Skoki) Skoki-oki-aan
(Okey-Dokey) Anybody can
(Skoki-Skoki) Man, oh man, oh man
You sing a-bing-a-bang-a-bingo
In hokey-pokey Skokiaan
Skoi-aa-aa-aa–ann
Oh, Far away in Africa
Happy, happy Africa
They sing a-bing-a-bang-a-bingo
They have a ball and really go, go, go
A denominação “africano” não é uma designação geográfica inocente. As questões a não ser esquecidas são: por quê? como? e quando? o continente recebeu o nome “Africa”.
Na Encyclopedia Britannica podemos ler que na Antiguidade os Romanos designaram a costa mais ao norte do continente Africa, provavelmente com origem no latim aprica (ensolarado) ou no grego aphrike (sem frio). Assim Africa denominou uma extensão territorial mais ao sul da Europa, descrevendo experiências climáticas gregas e romanas. O uso da palavra como denominação de todo o continente foi baseado nas conquistas romanas do “norte da África”. Os romanos chamaram Afriga, ou a terra dos Afrighs, uma comunidade bérbere do sul de Cartago. Ou ainda assim designaram uma região produtiva de “espigas de trigo” situada na atual Tunísia[4].
Em síntese: europeus, não africanos, deram o nome “Africa”. A história da “África” é principalmente a história da experiência europeia-ocidental da “África”. Apenas incidentalmente ela considera as narrativas que os povos do continente contam sobre si mesmos. A conquista colonial de territórios “africanos” ignorou a cultura dos povos conquistados. Para os conquistadores, seu clima quente e ensolarado era bem mais importante.
Dois livros de Albert Memmi (1957, 2004) testemunham a desilusão contemporânea que marca as relações entre Europa e África. Eles são como marcos de um caminho de uma jornada que começa com o anseio por uma “nova cidadania” e termina com a criminalizada “liberdade dos migrantes”. Essa jornada de desencontros encontra expressão estética na epígrafe da bela novela Partir de Tahar ben Jalloun (2006): “meu amigo camaronês Flaubert diz ‘estou vindo’ quando ele parte e ‘estamos juntos’ quando se separa de alguém”. E Jahnheinz Jahn (1958) já nos advertiu há décadas sobre os riscos dessa jornada, afirmando que a questão-chave para o futuro da África é a existência de uma cultura neo-africana, uma vez que “somente onde alguém se sente ser herdeiro e sucessor, tem poder para um novo começo”[5] (Jahn, 1958, p. 18). E a cultura neo-africana não deve ser meramente skokiaan, “não apenas autoengano, intoxicação e falácia”[6] (Jahn, 1958, p. 16).
Dois livros se destacam na configuração do diálogo intercultural entre Europa e África na segunda metade do século XX. O primeiro deles registra as conversações entre Ogotommêli, um sábio caçador do povo Dogon, que ficou cego por acidente, e Marcel Griaule, um antropólogo francês. Após muitos anos de estudo em meio aos Dogon, Griaule veio num dia de outubro de 1956 a ser chamado para uma visita na casa de Ogotommêli. Durante trinta e três dias, novos encontros e conversações aconteceram que vieram a ser publicados no livro Dieu d’Eau. Entretiens avec Ogotommêli (1948). No prefácio da primeira edição francesa Griaule escreveu que o livro era uma homenagem “ao primeiro negro da Fédération Occidentale que revelou ao mundo branco uma cosmogonia tão rica quanto à de Hesíodo, poeta de um mundo morto, e uma metafísica que oferece a vantagem de se projetar em mil ritos e gestos numa cena onde a multidão de homens viventes se move (…) colocando a nu a ossatura de um sistema de mundo cujo conhecimento vai revolucionar de cima abaixo as idéias relativas à mentalidade negra como mentalidade primitiva em geral”[7].
O segundo é a tese de doutorado de Alexis Kagame, La Philosophie Bantu-Rwandaise de l’Être (1956), defendida e aprovada junto à Universidade Gregoriana de Roma, seguida por um estudo comparativo mais amplo do mesmo autor: La Philosophie Bantu Comparée (Kagame, 1976). Kagame retornou a Ruanda em 1958. Foi professor no seminário católico, membro proeminente do movimento de independência e forte defensor da africanização da cristandade.
A tese de doutorado de Kagame foi um trabalho acadêmico pioneiro na Europa sobre elementos da filosofia africana como uma filosofia-ntu. Ou seja, como uma filosofia de conexões e relações vitais que dá ênfase especial à raiz comum de quatro palavras: muntu (ser humano, plural bantu), kintu (coisa, plural bintu), hantu (lugar e tempo) e kuntu (modalidade). Ntu designa relações vinculantes que expressam não apenas o que bantu, kintu, hantu e kuntu conjuntamente efetuam, mas também, e primordialmente, o que conjuntamente são.
Dieu d’Eau inaugurou, desde uma perspectiva europeia, o reconhecimento da existência de uma filosofia propriamente africana. La Philosophie Bantu-Rwandaise de l’Être expressa o empenho comprometido por traduzi-la numa linguagem ocidental, suposta universal. Considerando as relações assimétricas de poder do colonialismo, não deve ser surpreendente que estes trabalhos pioneiros tenham tido diferentes recepções nos dois lados da fronteira.
Construir pontes dialogais entre as culturas africana e europeia não é tarefa fácil. Requer a aplicação do que Heinz Kimmerle designa como “metodologia da escuta”, que nos ensina que “temos que escutar, escutar por muito tempo, como na filosofia de uma cultura diferente são articuladas respostas para certas questões e reações para alguns de nossos argumentos. A escuta tem que ser aprendida; isso exige abertura, concentração, disciplina e técnica metódica. A escuta é arte, assim como a compreensão que vem muito mais tarde”[8] (Kimmerle, 2001, p. 293). A adoção dessa metodologia tem dois corolários: (i) não há nenhuma garantia de que tudo numa cultura diferente possa ser plenamente compreendido mesmo após trabalho longo, árduo e paciente e (ii) a compreensão mútua é uma atitude crítica.
Uma primeira coisa a ser escutada é que “África” poderia ter um significado muito diferente se os “Afrighs” fossem responsáveis pela denominação do continente. Mas, para Mogobe Ramose, isso não deve ser motivo ou pretexto para se abolir a designação, uma vez que “… podemos declarar confiantemente que eu duvido, portanto a filosofia africana existe“[9] (Ramose 2003a, p. 118).
2. Cognatus sum, ergo sumus
A abordagem de Kagame buscou decodificar a filosofia-ntu usando como chave a linguagem (supostamente universal) do aristotelismo. Ele tentou mostrar como para a filosofia-ntu todas as coisas do mundo (animais, minerais ou plantas) são vazias de qualquer inteligência humana ativa. E essa inteligência, por sua vez, tem dois níveis: (i) o dos serviços efetivos e (ii) o dos hábitos e propósitos. Os serviços efetivos são domínio da astúcia, da esperteza e da destreza. Hábitos e propósitos são domínio do conhecimento e da sabedoria. A ativa inteligência humana age sobre as coisas do mundo através de nommo, a palavra-ato que lhes nomeia e conduz no caminho de um fazer significativo. Assim, as coisas do mundo são como vasos vazios a serem preenchidos com palavras-atos humanas.
O horizonte da filosofia-ntu engloba os vivos e os mortos-vivos (ancestrais). Os ancestrais influenciam sua descendência, protegendo e reforçando sua vitalidade. No mundo da filosofia-ntu os nascimentos humanos são duplos. O primeiro nascimento é corpóreo. O segundo nascimento é a recepção de um nome. Por seus dois nascimentos a pessoa humana se torna um ser completo. O primeiro nascimento é a “união de um corpo com uma sombra” (buzima). O segundo nascimento possibilita através de nommo a “união de uma nova pessoa com o poder dos ancestrais” (magara).
A vida tem duração, concretude e imaterialidade. Os viventes possuem simultaneamente concretude e imaterialidade. Um vivente não tem (nem mais nem menos) buzima. Ele ou ela só podem ser buzima. Um vivente nunca pode ser magara. Ele ou ela só podem ter (mais ou menos) magara. Somente mortos-vivos (ancestrais) são magara.
Kagame se apoia na linguagem do aristotelismo e aceita que a presença de uma afinidade de linguagem seja de caráter similar a uma mesma disposição de visão de mundo. Moses Makinde (2007) questiona essa suposição como problemática. A suposta semelhança entre as filosofias grega e bantu que Kagame quer afirmar pode incorrer no que Theophilus Okere (2005) chama de falácia da comparação nas relações interculturais, a saber, uma tendência a intercambiar e entrelaçar culturas, tomando uma delas (usualmente nossa própria) como padrão.
Samuel Imbo (1998) afirma que Kagame transplanta para a culture bantu-rwandaise suas próprias (fortes) crenças tomistas, como uma expressão de unidade da racionalidade nas tradições e culturas humanas. Nelson Ukwamedua (2011) aponta que a armadilha é assumir a profecia que se realiza a si mesma: ‘se isso é suficientemente bom para o aristotelismo, é suficientemente bom para Kagame’.
A filosofia tout court não é o mero esforço por adaptar para condições e necessidades locais conhecimento gerado em outra parte, como aponta Akilagpa Sawyerr (1998). Um autêntico filosofar, como argumenta Olesegun Oladipo (2000), só é possível através da inclusão daquilo que foi deliberadamente ignorado e omitido. Esta questão, crítica para qualquer filósofo africano, é denominada Ibuanyadanda por Innocent Asouzu (2007), afirmando ser tarefa crítica para a filosofia africana superar o individualismo ocidental. Acreditamos que o livro de Mogobe Ramose, African Philosophy through Ubuntu (1999), é um notável passo nessa direção.
Para Ubuntu, o “eu” de um vivente humano é um nó contingente numa rede de conexões em fluxo, onde o “nós” tem um papel central. Esta rede relacional se dá em três dimensões, incluindo os viventes, os ancestrais e os descendentes ainda por nascer. Como coloca Bénézet Bujo “… para a África negra não é o cogito ergo sum cartesiano, mas sim um existencial cognatus sum, ergo sumus [eu estou em relação, logo nós somos] que é decisivo”[10] (Bujo, 2001, p. 22). Assim, a ética do Ubuntu expressa uma “… solidariedade anamnética que recorda o dever de continuamente realizar de novo a amizade tridimensional”[11] (Bujo 1997, p. 72). Para Ubuntu cada palavra-ato é uma palavra de ligação, uma palavra vinculante. Assim, o compromisso pelas palavras empenhadas é uma marca da cultura africana tradicional, enquanto, em contraposição, as palavras coloniais podem ser proferidas irresponsavelmente e permanecer desconexas e soltas, sofrendo pseudomorfoses e mesmo se tornando vazias do significado que lhes atribuíam originariamente os europeus.
Em síntese:
1. Para a tradição cultural africana “no princípio era o fluxo vital de relações e conexões“, como belamente expressam versos de Aimé Césaire, em Corps perdu (coleção de dez poemas publicada em 1950, em edição ilustrada com trinta e duas gravuras de Pablo Picasso):
Fora no lugar da atmosfera uma bela bruma sem mancha Cada gota de água formando um sol Cujo nome, o mesmo para todas coisas Seria ENCONTRO BEM TOTAL Ainda que não se saiba mais que passou – uma estrela ou uma esperança Uma pétala da árvore exuberante Ou um abrigo submarino Atravessado por tochas flamejantes de medusas-da-lua Então a vida, imagino, me banharia por inteiro Melhor eu a sentiria me tocar ou morder Deitado eu veria virem a mim os cheiros enfim livres como mãos que socorrem e fariam passagem por mim para ali balançar longos cabelos mais longos que ESTE passado que não posso alcançar |
Dehors une belle brume au lieu d’atmosphère serait point sale chaque goutte d’eau y faisant un soleil dont le nom le même pour toutes choses serait RENCONTRE BIEN TOTALE si bien que l’on ne saurait plus qui passé ou d’une étoile ou d’un espoir ou d’un pétale de l’arbre flamboyant ou d’une retraite sous-marine courue par les flambeaux des méduses-aurélies alors la vie j’imagine me baignerait tout entier mieux je la sentirais qui me palpe ou me mord couché je verrai venir à moi les odeurs enfin libres comme des mains secourables qui se feraient passage en moi pour y balancer de longs cheveux plus longs que CE passé que je ne peux atteindre. |
2. A morte aniquiladora é alheia à tradição cultural africana, como belamente expressam os versos de Léopold Senghor (2006) In Memoriam:
Ontem era Dia de Todos os Santos, aniversário solene do sol E sem qualquer lembrança em nenhum cemitério Ó mortos, que sempre se recusaram a morrer, que souberam Resistir à morte Atéo Sine até o Sena, e nas minhas veias frágeis, Meu sangue irredutível Protegei meus sonhos como fizestes vossos filhos, os migrantes de pernas finas. Ó mortos! Defendei os telhados de Paris na bruma dominical Os telhados que protegem meus mortos. |
C’était hier la Toussaint, l’anniversaire solennel du soleil Et nul souvenir dans aucun cimetière. O Morts, qui avez toujours refusé de mourir, qui avez su Résister à la mort Jusqu’en Sine jusqu’en Seine, et dans mes veines fragiles, Mon sang irréductible Protégez mês rêves comme vous avez fait vos fils, les migrateurs aux jambes minces. O morts! Défendez les toits de Paris dans la brume dominicale les toits qui protègent mes morts |
E nos versos de Birago Diop Souffles encontramos uma soberba síntese de ambas perspectivas:
Escute mais frequentemente as coisas que os seres A voz do fogo se ouve, Ouça a voz da água Escute no vento Os arbustos aos soluços É o Sopro dos ancestrais. |
Écoute plus souvent Les choses que les Êtres La voix du Feu s’entend, Entends la voix de l’Eau. Écoute dans le Vent Le Buisson en sanglots C’est le Souffle des ancêtres |
Poemas africanos são artesanias de nommo (a palavra-ato). Poetas africanos criam e recriam mundos pelo poder mágico de palavras, como fez Aimé Césaire em seu Cahier d’un Retour au Pays Natal:
Eu redescobriria o segredo das grandes comunicações e das grandes combustões. Eu diria tempestade. Eu diria rio. Eu diria tornado. Eu diria folha. Eu diria árvore. Eu seria encharcado por todas as chuvas, umedecido por todos orvalhos. Eu iria rolar como sangue frenético sobre a lenta corrente do olho palavras em cavalos loucos em crianças frescas em coágulos em toque de recolher em vestígios de templo em pedras preciosas longe o bastante para desencorajar os mineradores. Quem não me compreendesse, tampouco compreenderia o rugido do tigre. |
Je retrouverais le secret des grandes communications et des grandes combustions. Je dirais orage. Je dirais fleuve. Je dirais tornade. Je dirais feuille. Je dirais arbre. Je serais mouillé de toutes les pluies, humecté de toutes les rosées. Je roulerais comme du sang frénétique sur le courant lent de l’oeil des mots en chevaux fous en enfants frais en caillots en couvre-feu en vestiges de temple en pierres précieuses assez loin pour décourager les mineurs. Qui ne me comprendrait pas ne comprendrait pas davantage le rugissement du tigre. |
3. Ubu-ntu, democracy, timocracy
Para Claude Lefort a análise da política está baseada em “…um conjunto de princípios gerando relações que [seres humanos] têm uns com outros e com o mundo”[12] (1986, p. 8). Para ele “…somente haverá política se ocorre a diferenciação de um espaço, onde os homens reconheçam a si mesmos nos horizontes de um mundo comum como cidadãos”[13] (Lefort, 1986, p. 64). Como apontado por Joseph Yvon Thériault, a invenção da democracia é um processo que, “…situando o lugar do poder como um ‘lugar vazio’, introduz um questionamento sem fim de sua ocupação”[14] (Thériault, 1994, p. 138).
Nas próprias palavras de Lefort (1981), a democracia introduz “…o hiato entre simbólico e real com a noção de um poder que nenhum, príncipe ou pequeno número, possa tomar para si; sua verdade é trazer a sociedade ao teste de sua instituição; lá onde se perfila um lugar vazio não há nenhuma conjunção de poder, lei e conhecimento, nenhuma enunciação possível de sua fundamentação conjunta, o ser social se revela a si mesmo, ou dizendo melhor, se dá na forma de um questionamento interminável”[15] (Lefort, 1981, p. 286). A mais distintiva característica da democracia é que “…ela combina estes dois princípios aparentemente contraditórios: um, que o poder emana do povo, o outro que não é poder de ninguém. Mas ela vive dessa contradição”[16] (Lefort, 1981, p. 92). Como diz Thériault: “…não há, portanto, nenhuma negação de que democracias sejam sistemas imperfeitos onde interesses particulares estão tomando um poder suposto pertencer ao povo. Devemos mesmo empurrar mais além essa afirmativa. A democracia se alimenta de sua incompletude”[17] (Thiérault, 1994, p. 139).
Em síntese: A democracia lefortiana é vinculada a un questionnement interminable entre um lugar vazio e a sua ocupação contingente em concordância com regras constitucionais.
Para Ramose (2003b), a invenção da democracia constitucional ocidental está profundamente embutida em características da teologia política ocidental, que permitem que o ofício democrático se torne um “lugar vazio”, acessível para qualquer ocupação em concordância com as regras constitucionais. A Constituição é um símbolo-chave transcendente, superior e acima de cada indivíduo, e “…nesse sentido a constituição é o deus do domínio político. Por essa razão todos devem respeitá-la e obedecê-la e ninguém pode se elevar por sobre o deus do domínio político. O deus do domínio político é único e disponível para todos”[18] (Ramose, 2003b, p. 407).
O ponto crucial da análise crítica de Ramose é a proposição que estes dogmas metafísicos estejam em desacordo com os subjacentes à filosofia política dos povos africanos originários (Ramose, 2003b, p. 407). E que uma importante razão para isso seja a presença generalizada, difusa e influente dos mortos-vivos (ancestrais), não permitindo espaço para nenhum “lugar vazio” lafortiano. Neste contexto cultural, espaços políticos constitucionais podem ser reconhecidos como simplesmente “mais altos”, “melhores” ou “maiores”, mas nunca como o deus do domínio político, maior, melhor ou mais alto do que tudo. E não havendo nenhum “… deus universal, transocial e transcendente do domínio político como um todo. Nestas bases, a constituição – escrita ou não – não pode ser o deus do domínio político”[19] (Ramose, 2003b, p. 407).
Na visão de mundo tradicional africana os mortos-vivos (ancestrais) pertencem a um domínio invisível do ser e fazem contato e interagem com os viventes. Mas não o fazem de uma maneira universal, acessível para toda a sociedade, uma vez que eles são membros de uma “família estendida” a quem protegem. Onde a orientação pelo vínculo aos mortos-vivos (ancestrais) é mais forte que a aderência ao constitucionalismo ocidental, a democracia pluralista de raiz liberal não é nenhuma condição necessária e suficiente para a emancipação política. Nas palavras de Ramose: “…meu argumento é que afirmar ser a democracia de estilo ocidental necessariamente a resposta para a questão da organização política na África contemporânea é uma posição fundamentalmente falha”[20] (Ramose, 2002, p. 108).
Nas aldeias de Botswana, a kgotla é um encontro público usualmente dirigido pelo chefe tribal, com decisões comunitárias tomadas por consenso. Sua pedra angular é um aforismo tradicional: ntwa kgolo ke ya molomo (possível tradução portuguesa: o diálogo é a forma mais alta de combate). Toda pessoa na kgotla tem direito a falar sem interrupção enquanto tiver o que dizer. Para Ramose (2002, p. 121-122), a kgotla é um paradigma democrático nitidamente diverso – mesmo contrário – ao princípio do contraditório da política democrática ocidental.
A perspectiva de Ramose é dupla: (i) uma luta contra a dimensão epistemicida da colonização e (ii) uma restauração crítica e modificação da política de consenso como base do processo político de tomada de decisão. Para ele, em África, a democracia de estilo ocidental é – e continuará a ser – inautêntica, enquanto negar o diálogo e recusar a busca do consenso (Ramose, 2002, p. 109-112). E neste contexto Kwasi Wiredu (2003) formula a questão mais crítica: o que então podemos aprender da filosofia tradicional de governo que possa ser de relevância para a busca contemporânea por democracia na África?
Max Weber (1904, 1905) argumentou que o Protestantismo teve influência decisiva na configuração do desenvolvimento do capitalismo através da generalização de uma neue asketische Berufsethik, uma nova ética ascética intramundana no seguimento de uma vocação. Ele cita Benjamin Franklin (Advice to a young tradesman[21], originalmente escrito em 1748, e também Necessary hints to those who would be rich[22], originalmente escrito em 1736:
Lembre-se que o tempo é dinheiro. Para aquele que pode ganhar dez shillings por dia pelo seu trabalho e vai passear ou fica ocioso metade do dia, apesar de não gastar mais que seis pence em sua vadiagem ou diversão, não deve ser computada apenas essa despesa; ele gastou, ou melhor, jogou fora mais cinco shillings[23].
Lembre-se que o dinheiro é de natureza prolífica e geradora. O dinheiro pode gerar dinheiro, e seu produto gerar mais, e assim por diante. Cinco
shillings circulando são seis; circulando de novo são sete e três pence e assim por diante, até se tornarem cem libras. Quanto mais dele houver, mais produz a cada aplicação, de modo que seus juros aumentam cada vez mais rapidamente. Aquele que mata uma porca prenhe, destrói sua descendência até a milésima geração. Aquele que “mata” uma coroa, destrói tudo aquilo que poderia ter produzido, até muitas libras[24].Aquele que perde cinco shillings, não perde apenas essa soma, mas também todas as vantagens que poderia obter investindo-a em negócios, e que durante o tempo em que um jovem se torna um velho, se tornaria uma soma considerável.
Max Weber (1904, 1905) argumenta que nas palavras de Benjamin Franklin o espírito do capitalismo prega sua própria sabedoria de vida: from cattle you make tallow, from people you make Money (do gado você faz sebo, das pessoas faz dinheiro). No seguimento metódico e calculado de uma vocação (em alemão: berufsmässig), o espírito do capitalismo empenha-se sistematicamente por lucros como um fim em si e constrói o moderno mundo da economia como “…um cosmos tremendo dentro do qual o indivíduo é feito nascer”[25] e cujas regras é compelido a seguir.
Em síntese: “O puritano queria trabalhar no seguimento a sua vocação, nós somos compelidos a fazê-lo”[26].
Ramose argumenta que tais ética e espírito são alheios aos povos africanos originários e “…certamente, uma vaca que dá nascimento a uma vitela desenvolvida todos os dias é tudo menos natural. O contraste e a tensão entre o dinheiro-natural e a vaca-artificial pode bem servir como base para a compreensão da atitude dos povos africanos originários conquistados com relação ao dinheiro“[27] (Ramose, 2003b, p. 409-410).
Três aforismos tradicionais da língua Sesotho são, para Ramose, pedras angulares de sua African Philosophy through Ubuntu (1999). São eles:
i. “motho ke motho kabatho” (a humanidade é atingida através dos outros) expressa a ideia central da antropologia filosófica Ubuntu. Ser humano é afirmar sua própria humanidade reconhecendo a humanidade de outros e estabelecendo com eles relações. O reconhecimento mútuo deve ser a base das relações interpessoais.
ii. “feta kgomo o tshware motho” (pastoreie o gado e agarre o ser humano) expressa um princípio central de filosofia social ubuntu, ao dizer que tendo que escolher entre a proteção da riqueza (gado) e a preservação da vida humana você deve escolher a última. Tendo que escolher entre a própria riqueza e a vida de uma outra pessoa humana, a vida humana deve ser o valor mais alto.
iii. “kgosi ke kgosi kabatho” (o rei é rei pela vontade dos outros) expressa um aspecto fundamental da filosofia política ubuntu: como um domínio específico de relações inter-humanas, a realeza deve se assentar sobre mútuo reconhecimento e respeito.
Ramose escreve ubu-ntu como uma palavra hifenizada. Nela ntu indica o processo da vida como um desdobramento do universo através de manifestações concretas em diferentes formas e modos de ser, onde se inclui a emergência dos seres humanos. E ubu expressa a existência de pessoas entrelaçada na comunidade e no universo como um todo, como um nó no fluxo de uma rede de relações. Ubuntu é então de fato duas palavras em uma: “…ubu evoca a ideia de ser em geral. Antes de se manifestar na forma concreta ou modo de existência de uma entidade particular, já é um ser envolvido. Nesse sentido, ubu está sempre orientado para ntu. (…) ubu como compreensão generalizada do ser pode ser dito distintivamente ontológico; ntu como o ponto nodal no qual o ente assume forma concreta ou um modo de ser no processo de continuado desdobramento pode ser dito distintivamente epistemológico“[28].
Heinz Kimmerle (2007) destaca que o hífen entre ubu e ntu significa que tenham que ser compreendidos como processos dinâmicos e não como um “-ismo” (como por exemplo no caso da palavra humanismo), enfatizando que o sufixo “-ismo” é indicativo da presença um “pensamento fragmentador”. Dito de outra forma: ubu-ntu deve ser compreendido simultaneamente como um substantivo e um verbo. Com a grafia hifenizada ubu-ntu, Ramose visa expressar uma “linguagem reomódica” (do grego rheo = fluxo), argumentando que a filosofia ubuntu experiencia uma instabilidade fundamental do existir, que leva ao imperativo ontológico e epistemológico de uma busca sem fim por harmonia em todas esferas da vida, especialmente nas relações interpessoais e intersubjetivas. Nesse movimento contingente de partilha e troca não vige nenhuma ‘ordem’ perene. E sua mais importante advertência é o cuidado por não fazer de ubuntu suporte para algum “ubuntismo”[29].
Ramose (2003b, p. 412) reconhece o diálogo como princípio da filosofia. E para facilitá-lo com a filosofia ocidental e fazer a filosofia ubuntu acessível a quem possa ter limitações linguísticas e culturais para acessá-la, faz referência nesse contexto da “linguagem reomódica” a autores como David Bohm (1980) e o Prêmio Nobel Ilya Prigogine et. al (1984). Mas adverte que proximidade não implica identidade.
Ubu-ntu evidencia mais alta estima pela comunidade do que pelo indivíduo, afirmando que uma pessoa é uma pessoa na comunidade através dos outros. Nessa perspectiva a vida pessoal está embutida na cultura comunalística da partilha e da ajuda mútua, onde quem estiver com problemas sérios deve contar com o apoio de alguém de sua família estendida. Ntu atravessa as gerações da família como cerne da vida comunal. O amor não é nem a única base da família nem necessariamente decisivo para sua formação. Famílias tradicionais africanas estão entrelaçadas em amplas conexões de ‘ajuda mútua e partilha’. Aspectos problemáticos e tensões das relações entre a África tradicional e o modo de vida ocidental – tais como a prática institucionalizada do casamento poligâmico ou as acusações de nepotismo – deveriam ser vistos desde essa perspectiva. A questão-chave para uma democracia africana é se a prioridade das relações familiares nega ou não direitos de outras pessoas que são independentes das obrigações familiares (Ramose, 2003a, p. 329). Ancestrais são protetores de uma família estendida específica. “Forasteiros” não podem buscar a proteção deles, mas isso não necessariamente significa excluir-lhes acesso à justiça no contexto comunal.
Em contraste, no mundo contemporâneo, o dinheiro se tornou a medida de todos os fins e a competição institucionaliza a exclusão do “outro” – atingindo até mesmo o cerne da família nuclear. Arnsperger (2011) afirma que isto não corresponde ao sentido originário de cum petere como uma busca conjunta por uma melhor solução para um problema no tempo e no espaço. No antigo cum petere latino não se visava a exclusão do “outro”, como um inimigo a ser eliminado. Essa é, no entanto, a compreensão contemporânea da competição “…é equivalente a negar a existência do ‘outro’ e, portanto, expressiva de um desejo de assassiná-lo”[30] (Ramose, 2010, 297). Ramose argumenta que a metafísica do assassinato em nome da competição propicia a substituição da democracia pela timocracia, que pode ser hoje compreendida como “…uma forma de governo baseada no dinheiro, ou, mais coloquialmente, the rule by money“[31] (Ramose, 2010, p. 293).
Em síntese: o empenho por democracia em África precisa se tornar uma reinvenção de valores sociais, que começa com o reconhecimento que “… a elevação da motivação pelo lucro a um princípio ético é uma aberração”[32] (Ramose, 2010, p. 297).
Para Ramose (2010), qualquer restauração crítica dos ensinamentos tradicionais de ubu-ntu deve seguir a advertência prévia do aforismo tradicional: le bona tsa bopudi kgakala, tsa bonku di bipilwe ke mesela, (o traseiro do bode é aberto à vista enquanto o do carneiro é encoberto por seu rabo), onde a visibilidade comparativa dos órgãos sexuais de bodes e carneiros é uma metáfora da dificuldade de se atingir justiça para o pobre ou para o rico. A riqueza não deve ser definidora da condição humana e portanto a timocracia não deve substituir a democracia, uma vez que “… independentemente das posses ou riqueza que se possa ter, o ponto primordial a se reconhecer é que se é um ser humano e que este status é preservado em relações com outros seres humanos”[33] (Ramose, 2010, p. 301).
Para Ramose (2001)[34], as leis de ubuntu são regras flexíveis de comportamento contidas no fluxo da vida. Não se pode decidir previamente que determinadas regras legais sejam perenes. As leis para ubuntu são uma experiência vivida interminável, uma incessante busca por justiça, onde, como aponta Kéba M’Baye, “… a prescrição é desconhecida(…)[uma vez que] a verdade tem que ser levada em consideração em cada tempo em que se torna conhecida, [e] também não se deve opor obstáculo no caminho de sua busca e descoberta. É por essa razão que decisões judiciais não são autoritativas. Elas devem ser sempre passíveis de serem confrontadas”[35] (M’Baye, 1974, p. 147).
Isso também significa, como aponta o Prêmio Nobel Wole Soyinka, que restituição e reparação possam ser “…uma necessidade para a credibilidade do historicismo eurocêntrico e um corretivo para sua visão de mundo excludente”[36] (Soyinka, 1999, p. 25).
* Roberto Bartholo é professor titular do Programa de Engenharia de Produção da COPPE e também colabora com o Programa de Ciência da Literatura da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Dirige o Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social (LTDS).
Referências
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Notas
[1] bit.ly/ItHYlv, acessado 2013-11-28.
[2] bit.ly/dcPBct, acessado 2013-11-28.
[3] bit.ly/1euLINU,acessado 2013-11-28.
[4] bit.ly/1eDX9n3, acessado 2013-11-28.
[5] Nur wo sich der Mensch als Erbe und Nachfolger fühlt, hat er die Kraft zu neuem Beginn.
[6] Kein Selbstbetrug, kein Rausch, keine Täuschung.
[7] Au premier noir de la Fédération occidentale qui ait révélé au monde blanc une cosmogonie aussi riche que celle d’Hésiode, poète d’un monde mort, et une métaphysique offrant l’avantage de se projeter en mille rites et gestes sur une scène où se meut une multitude d’hommes vivants (…) mettant à nu l’ossature d’un système du monde dont la connaissance bouleversera de fond en comble les idées reçues concernant la mentalité noire comme la mentalité primitive en general. Em bit.ly/1caPWdP, acessado 2013-11-28.
[8] Die Notwendigkeit zu hören, lange Zeit hindurch zu hören und das Gehörte sehr vorläufig in den Rahmen bestehender Kategorien anzuordnen. Auch Hören wird gelernt sein; es erfördert Offenheit, Konzentration, Disziplin und eine methodisch geleitete Technik. Wie das Verstehen, das erst viel spätter kommt, ist es eine Kunst.
[9] We may declare confidently that I doubt, therefore African philosophy exists.
[10] For Black Africa, it is not the Cartesian cogito ergo sum but an existential cognatus sum, ergo sumus [I am related, therefore we are] that is decisive.
[11] Anamnetic solidarity which recalls the duty of continually realizing the three dimensional fellowship anew.
[12] Un ensemble de principles générateurs des relations que les homes entretiennent entre eux et avec le monde.
[13] Il n’y a politique que là où se manifeste une différence entre un espace où les hommes se reconnaissent les uns et les autres comme citoyens, se situant ensemble dans les horizons d’un monde commun.
[14] En situant le lieu du pouvoir comme ‘lieu vide’ introduit un questionnement sans fin sur son occupation.
[15] L’écart du simbolique et du réel avec la notion d’un pouvoir dont nul, prince ou petit nombre, ne saurait s’emparer; as vérité est de ramener la societé à l’épreuve de son institution; là où se profile un lieu vide, il n’y a pas de conjonction possible entre le pouvoir, la loi et le savoir, pas d’énoncé possible de leur fondément, l’être sociale se dévoile, ou à mieux dire, se donne dans la forme d’un questionnement interminable.
[16] Allie ces deux príncipesapparement contradictoires: l’un que le pouvoir emane du peuple; l’autre que il n’est le pouvoir de personne. Or elle vit de cette contradiction.
[17] Il ne s’agit donc pas de nier que les démocraties sont des régimes imparfaits ou des interêts particuliers s’approprient un pouvouir censé appartenir du peuple. Il faut même pousser l’affirmation plus loin. La démocratie se nourrit de son inachèvement.
[18] In this sense the constitution is the god of the political domain. For this reason everyone must respect and obey the constitution as there cannot be anyone standing above the god of the political domain.The god of the political domain is the only one and is available to everyone.
[19] There is no universal, transsocial and transcendent god of the political domain as a whole. On this basis, the constitution – written or unwritten – cannot be the god of the political domain.
[20] My argument is that the necessitarian position that the Western-style democracy is the answer to the question of political organization in contemporary Africa is fundamentally flawed.
[21] Original alemão: bit.ly/JdxVF, acessado 2013-11-28.
[22] Original alemão: bit.ly/Io73xL, acessado 2013-11-28.
[23] Remember, that time is money. He that can earn ten shillings a day by his labor, and goes abroad, or sits idle, one half of that day, though he spends but six pence during his diversion or idleness, ought not to reckon that the only expense; he has really spent, or rather thrown away, five shillings besides. (Benjamin Franklin, 1748)
[24] Remember, that money is of the prolific, generating nature. Money can beget money, and its offspring can beget more, and so on. Five shillings turned is six, turned again it is seven and three-pence, and so on till it become an hundred pounds. The more there is of it, the more it produces every turning, so that the profits rise quicker and quicker, he that kills a breeding sow, destroy all her offspring to the thousandth generation. He that murders a crown, destroys all that it might have produced, even scores of pounds. (Benjamin Franklin, 1748)
[25] Ein ungeheurer Kosmos, in den der Einzelne hineingeboren wird. Em bit.ly/xEEz8, acessado 2013-11-28.
[26] Der Puritaner wollte Berufsmensch sein; wir müssen es sein. Em bit.ly/xEEz8, acessado 2013-11-28.
[27] Surely, a cow which gives birth to afully-fledged calf every day is anything but natural. The contrast and the tension between money as a natural and an artificial cow may well serve as the basis to understand the attitude of the indigenous conquered African peoples towards money.
[28] Ubu evokes the idea of being in general. It is enfolded being before it manifests itself in the concrete form or mode of existence of a particular entity. In this sense ubu is always oriented towards ntu. (…) Ubu as the generalized understanding of being may be said to be distinctly ontological; ntu as the nodal point at which being assumes concrete form or a mode of being in the process of continual enfoldment may be said to be distinctly epistemological. Em bit.ly/1ijkkYP, acessado 2013-11-28.
[29] postado em Setembro 7, 2011 em Rozenberg Quaterly – bit.ly/18a9dHQ, acessado 2013-11-28.
[30] Is tantamount to denying the existence of the ‘other’ and thus expressive of the willingness to kill the ‘other’.
[31] A money-based form of government or, more colloquially, the rule by money.
[32] The elevation of the profit motive into an ethical principle is an aberration.
[33] Regardless of whatever possessions or wealth one might have, the first and fundamental point to recognize is that one is a human being and this status is preserved in relations with other human beings.
[34] bit.ly/1ijkkYP, acessado 2013-11-28.
[35] Prescription is unknown (in African law. The African believes that time cannot change the truth. Just) as the truth must be taken into consideration each time it becomes known, so must no obstacle be placed in the way of the search for it and its discovery. It is for this reason that judicial decisions are not authoritative. They must always be able to be called into question.
[36] A necessity for the credibility of Eurocentric historicism, and a corrective for its exclusionist worldview.
Recebido em: 10 de outubro de 2017
Aprovado em: 10 de março de 2018