Onde pastam os minotauros (Todavia, 2023), de Joca Reiners Terron, se insere no conjunto de romances brasileiros que, desde 2021, têm tentado dar conta da experiência coletiva da pandemia da Covid-19. Misturando um thriller bem construído com elementos de fábula, produz uma alegoria sobre os efeitos da exploração da natureza, como a desigualdade social e o surgimento de desastres “naturais”.
O romance conta a história de três trabalhadores de um matadouro em Mato Grosso (“um Mato Grosso a um só tempo imaginário e perturbadoramente próximo da realidade”, conforme consta na orelha). A empresa domina a economia da cidade onde moram os protagonistas, Crente, Cão e Lucy. A narrativa acompanha os três desde as 5h26 da manhã até a meia-noite da última segunda-feira útil de 2021, dia em que planejam roubar o matadouro. O frigorífico tem se especializado em abate halal, e para isso os abatedores não muçulmanos foram despedidos ou rebaixados a cargos com salários menores. Interessados em vender também carne kosher, os proprietários vão receber naquele dia a visita de adidos da embaixada israelense e de um especialista nesse tipo de abate.
O enredo do thriller é entremeado pela história pregressa dos três personagens e pela história da região onde fica matadouro, que se afasta do realismo ao incluir a fábula de um Minotauro nascido no Centro-Oeste brasileiro. Além disso, cinco capítulos, os únicos narrados em primeira pessoa, assumem o ponto de vista de um touro que observa os trabalhadores.
Os capítulos narrados pelo touro reforçam a alegoria. Num recurso irônico ao naturalismo, o narrador-touro vê os trabalhadores do frigorífico como um sujeito coletivo, incapazes de transcender a condição de animais humanos, sujeitos ao determinismo do ambiente, da genética ou da história. Afinal, “desde o nascimento” esses humanos “estão acorrentados à paisagem invariável que se estende até o horizonte” e “seus dias são embrutecidos pela fadiga”. O touro-narrador, porém, sabe que a origem dessa tristeza e desse embrutecimento não está apenas na paisagem, mas no fato de que os donos da terra são também donos “do tempo que se esvai”, ou seja, do tempo dos trabalhadores.
A pandemia torna-se, assim, símbolo da autoimolação de uma sociedade que não sabe mais se alimentar sem produzir pobreza, como diz o touro-narrador. Há a tirania dos oprimidos pelos ricos e poderosos, no que se incluem as igrejas evangélicas, já que é numa delas que a mulher e a filha do Crente são contaminadas pelo vírus, o que causa a morte da primeira. Essa tirania produz um desastre civilizatório, assim como a crise da Covid-19. Como contraponto a essa tirania e a esse desastre, o romance nos oferece a revolta de alguns oprimidos.
Ao misturar convenções de gêneros literário como o thriller e a fábula, Joca Terron tenta dar conta das contradições que levaram a sociedade ao atual impasse que enfrentamos. Ao terminar a leitura, porém, o romance reforça o que o leitor já sabe: que não evitaremos o destino se não mudarmos nossa relação com o mundo que nos cerca.