Em Um teto todo seu, ensaio de Virginia Woolf publicado em 1929, a escritora britânica faz a seguinte pergunta: “Será que o sexo interferiria de alguma forma na integridade da mulher romancista – essa integridade que considero ser a espinha dorsal do escritor?” (Woolf, 2014, p. 106).
Para a ensaísta, que estudava o estado de espírito mais propício para o trabalho criativo, a mente precisava “consumir todos os impedimentos e se tornar incandescente” (idem, p. 87), como o foi a mente de Shakespeare, artista que conseguiu expressar inteiramente o seu trabalho porque a poesia fluía desimpedida, livre de obstáculos. Interessante destacar, em sua observação, principalmente na época em que vivemos, de intensa exposição nas redes sociais, que sabemos muito pouco sobre a vida do dramaturgo. Não conhecemos as antipatias de Shakespeare, nem seus rancores ou malevolências acumuladas. O desejo de protestar e de acertar contas “foi expelido de dentro dele e consumido”. Desse modo, a sua obra pôde realizar-se de forma integral.
A integridade de que fala Woolf significa, no caso do romancista, “a convicção com que ele convence o outro de que aquilo é verdade” (idem, p. 104) e tem relação com esgotar todos os assuntos externos e tirar qualquer obstáculo do caminho para que o trabalho criativo se realize. Uma mente incandescente é capaz de “alcançar o esforço prodigioso de libertar completa e inteiramente o trabalho que está dentro do artista” (idem, p. 83). Por outro lado, uma mente perturbada por ódio e mágoas terminaria por dividir os seres humanos em posições opostas, e poderiam tornar os homens “as vozes oponentes” – em referência àqueles que obstruem o caminho da escritora, os que detêm o poder. O romance é um gênero que desperta emoções contraditórias e ambíguas e um escritor que sufoca as personagens com seus medos e opressões talvez impeça as descobertas imprevisíveis provocadas pelo ato da escrita.
Todavia, como seria possível para uma mulher escritora (não apenas daquela época, mas do século XIX – quando surgiram as primeiras romancistas – e mesmo as do século XX e do XXI) não deixar que as críticas, os constrangimentos diários e constantes, os ressentimentos mais do que justificáveis envenenem a sua obra ficcional?
Ao propor um diálogo entre pensadoras, escritoras e feministas para refletir sobre novas formas de narrar na atualidade, em uma perspectiva transdisciplinar, convocamos para a cena a bióloga e filósofa Donna Haraway, as escritoras Virginia Woolf, Virginie Despentes e Rosa Montero, e a antropóloga Anna Tsing.
No capítulo quarto do ensaio de Woolf, ao discorrer sobre como a interferência externa na escrita literária de Jane Austen, George Eliot, Emily e Charlotte Brontë pode alterar e até distorcer as narrativas dessas escritoras, a ensaísta exalta a capacidade de Austen de permanecer fiel ao seu talento e à sua visão de mundo, apesar de toda a adversidade.
Esse talvez fosse o maior milagre de todos. Aqui está uma mulher dos anos 1800 que escrevia sem ódio, sem amargura, sem medo, sem revolta, sem sermão. Era assim que Shakespeare escrevia, pensei, olhando para Antônio e Cleópatra; e, quando as pessoas comparam Shakespeare e Jane Austen, talvez queiram dizer que a mente dos dois consumira qualquer impedimento, e por essa razão não conhecemos Jane Austen nem Shakespeare, e por essa razão Jane Austen permeia cada palavra que escreveu, assim como Shakespeare (Woolf, 2014, p. 99).
Para Woolf, as únicas escritoras do século XIX que conseguiram escrever desconsiderando todas as críticas, repreensões e promessas de recompensa, sem se encolherem diante da sociedade patriarcal da época, mantendo a genialidade e a integridade diante de toda crítica, foram Jane Austen e Emily Brontë.
Elas escreviam como escrevem as mulheres, não como os homens o fazem. De todas as milhares de mulheres que escreviam romances naquele tempo, elas eram as únicas que ignoravam as admoestações perpétuas do eterno professor – escreva assim, pense assado. Elas eram as únicas surdas àquela voz persistente, ora um rosnado, ora condescendente, ora benevolente, ora angustiada, ora chocada, ora brava, ora tolerante, aquela voz que não deixa as mulheres em paz, que precisa ficar em cima delas, como uma governanta supercuidadosa, implorando a elas, como Sir Egerton Brydges, que sejam refinadas; até arrastando para a crítica da poesia a crítica do sexo (idem, p.108).
Segundo Woolf, mesmo possuindo uma capacidade superior para a escrita literária, superando em muito o talento de Jane Austen, Charlotte Brontë deixou que a ira e a indignação interrompessem o fluxo de seu romance, Jane Eyre (1847). Esses sentimentos, vindos da autora, criavam cortes abruptos na narrativa, impedindo que o seu talento se expressasse por inteiro e por completo. Charlotte abandonou a sua trama para cuidar de mágoas pessoais, deformando e deturpando os seus livros. “Ela escreve com leviandade quando deveria escrever com sabedoria. Ela escreve sobre si mesma quando deveria escrever sobre seus personagens” (idem, p.101).
Para Virginia Woolf, nada deveria abalar a integridade de uma escritora, ainda mais uma escritora brilhante como Charlotte Brontë. A imaginação não deveria turvar uma visão límpida a favor ou contra uma crítica externa, nem se desviar por qualquer outra influência; o tom de voz não deveria responder a certas provocações, apenas seguir o seu curso narrativo. Ao se afastar desse curso, a criadora se afasta da literatura em si. Sua indignação não só é fruto da raiva, mas também da ignorância. O rancor e a opressão, por exemplo, que marcam o retrato de Rochester, maculam o livro com um espasmo de dor, segundo Woolf.
Seria o óbvio ululante dizer que, para a mulher escritora de todas as épocas, a crítica literária sempre se inclinou aos valores masculinos, até porque estes são os valores da cultura ocidental há séculos e os assuntos desse universo são os que prevalecem, enquanto os assuntos do universo feminino são vistos como “triviais”. A guerra, os esportes, o futebol são importantes e estão acima dos outros, enquanto os sentimentos das mulheres em relação ao casamento, à maternidade, suas conversas nas salas e nos interiores são irrelevantes. Além disso, existe a preferência pela estrutura linear, o pensamento reto, com propostas claras e objetivas, em direção a um propósito claro, definido, muitas vezes fálico, um lugar a se chegar, uma meta a se cumprir. A narrativa que não obedece a certos preceitos e critérios básicos de estrutura – preceitos e regras essas criadas pelos homens, diga-se de passagem, e quase nunca questionadas – será excluída, banalizada ou simplesmente não será considerada como narrativa. A linearidade está relacionada à marcha do progresso, com o sentido de hierarquia, com a lógica dos quartéis, dos soldados, da ordem. Foi assim que o homem cresceu e se formou, cumprindo etapas rígidas para conquistar o mundo, um mundo que gira ao redor dele. Se essa dinâmica inspira até os menos ajustados e os mais transgressores, também comanda a vida, a escrita e o julgamento das mulheres.
Essa lógica não se desfaz de uma hora para a outra. A busca pelo Santo Graal, o desejo de recompensa, o triunfo como ponto de chegada, a divisão da humanidade entre ganhadores e perdedores, ainda são o retrato destes tempos. Esse esquema, introjetado em cada sujeito, não permite escapatória. A mola propulsora do mundo ainda é vencer, ainda que ninguém saiba direito o quê e nem para quê. E informar. E opinar. E dar seu juízo. O pensamento que incorpora curvas, sobressaltos, hesitações, tons múltiplos, intensidades, reverberações, cores, ritmos, e empurra para o proscênio personagens sem metas definidas, sem ganhos extraordinários (ou mesmo nenhum ganho), que não miram a recompensa, que ignoram o auge e a jornada para a frente. Ainda assim, não se pode perder de vista que a escrita ficcional não precisa atender às demandas dos czares da narrativa, não precisa adentrar no salão nobre das grandes figuras, não aspira ao panteão, nem o desfile na ala dos bem-aventurados. A criação artística se faz e se consulta na solidão, nos mares imprevisíveis da noite, nos interstícios e na inadequação, no “entre”. Responder às críticas a partir das personagens, agradar aos poderosos a partir do enredo, seja com docilidade e reverência, seja com raiva e ênfase, seria o pior golpe para a construção de um universo próprio.
Então, qual a desobediência necessária para dar continuidade ao ofício de escritora sem se render a um esquema geral? Talvez o caminho mais profícuo seja persistir na trilha da linguagem, arrancar da pena a exatidão da palavra, encontrar o erotismo particular que ronda o feminino, até arrancar novos códigos e novas músicas de uma história narrada.
A escritora e cineasta francesa Virginie Despentes, que já trabalhou como empregada doméstica, prostituta e jornalista de rock, nascida em Lyon e autora, entre outros, do ensaio autobiográfico Teoria King Kong, publicado em 2006, acredita que a maioria das mulheres ainda pede licença para os homens. No ensaio, Despentes revela a importância do punk rock, que considera um exercício de explosão dos códigos estabelecidos, especialmente no que se refere aos gêneros, para não deixar morrer o monstro que há em cada mulher.
Na literatura feminina, os exemplos de afrontamento ou de hostilidade contra os homens são raríssimos. Censurados. Eu, bem, eu sou desse sexo aí, que não tem o direito de não compactuar. Colette, Duras, Beauvoir, Yourcenar, Sagan, toda uma geração de mulheres escritoras que não se cansam de pedir licença para entrar, de tranquilizar os homens, de pedir desculpas por escreverem repetindo o tanto que elas os amam os respeitam os adoram, e não desejam sobretudo – seja o que for que escrevam – atrapalhar muito. Sabemos todas que, caso contrário, o resto da tribo se ocupará do seu caso” (Despentes, 2016, p.114-115).
Para Despentes, confrontar-se com o novo é a verdadeira coragem. Difícil saber se a francesa concordaria com a noção de integridade e pensamento incandescente de Woolf, dessa crítica da interrupção do enredo a favor de uma reclamação pessoal. Virginie considera o feminismo ainda comportado demais, decoroso demais. Por sua vez, para Despentes, a potência do novo não deve se ocultar.
Questão de atitude, de coragem, de insubmissão. Existe uma forma de força que não é nem masculina nem feminina, que impressiona, que enlouquece, que tranquiliza. Uma faculdade de dizer não, de impor seus pontos de vista, de não se ocultar. Não estou nem aí se o herói veste saias e tem peitões ou se tem ereções como um touro e fuma charutos (Despentes, 2016, p. 121).
Essa atitude e coragem que existe em uma forma não determinada, nem masculina e nem feminina, também pode ser a forma de uma escrita outra, uma narrativa desejante e não desejada, uma narrativa receptiva em disparar traços ativos, em aceitar trajetórias e linhas não estanques.
2. Escrita Matsutake
Para se pensar nas escritas híbridas de uma “forma mais livre”, que se baseie numa proliferação de vozes, o encontro com o pensamento da bióloga, antropóloga e filósofa Donna Haraway (professora emérita de história da consciência e estudos feministas da Universidade da Califórnia) traz à tona processos que priorizam a recusa em consagrar uma visão de mundo, fazendo a unidade do ponto de vista desaparecer em prol de uma estrutura polifônica.
Donna Haraway já afirmou, algumas vezes, ter se tornado feminista por causa da ficção científica, por este ser um gênero especulativo, de mundos possíveis. A ficção científica, marcou a revolução no gênero, na década de 70, impulsionado por mulheres escritoras como Marge Piercy, autora de Women on the Edge of Time, romance de 1976 que se tornou um clássico do gênero especulativo utópico e feminista.
Na conversa com sua tradutora para o espanhol, Helen Torres, em maio de 2020, Donna Haraway, autora do livro Ficar com o problema,[1] relata que “Histórias de Camille” é sua primeira tentativa de escrever uma ficção especulativa, uma ficção científica. A fábula surgiu de uma oficina de narração junto a Vinciane Despret e Fabrizio Terranova.
As histórias de Camille funcionam como um esboço de histórias possíveis, um tipo de revezamento, como um jogo de cordas entre histórias entrelaçadas. Segundo Haraway, as alianças feitas por Camille consistem em trabalhar com e para os humanos e os não-humanos. No ensaio “The Carrier Bag Theory of Fiction”, de Ursula Le Guin, citado por Haraway na conversa com Torres, Le Guin discorre sobre:
(…) a necessidade de deixar de contar o conto fálico, o conto do herói com as armas, o conto de viagens fálicas que regressam com a recompensa… basta de histórias fálicas! Precisamos contar as histórias dos detalhes minuciosos de como viver e morrer juntxs, as histórias de colecionar e compartilhar e pegar e dar que não são, de forma alguma, histórias inocentes, mas são histórias de viver e morrer como uma sacola de rede, como uma mochila, como uma espécie de coleção. Essas são as histórias que Le Guin pensa como a forma da ficção. Então, não se trata do espaço da matriz com o significante privilegiado que se desloca através do relato, senão algo mais parecido com essa mochila portadora feita por um coletivo de mulheres (…) (Haraway, 2020).
Quando Haraway declara que nossas práticas de contação de histórias estão repletas de formas de imaginar e performar mundos que façam mais sentido, alguns conceitos de Anna Tsing parecem ecoar das profundezas do bosque, clamando por modos alternativos de uma nova escrita, onde habitar um devir-com seja não só possível, mas almejado. Essa nova forma de ficcionalizar clama por uma comunicação transespecífica, feita de encontros imprevisíveis, a partir da floresta de cogumelos Matsutake. Ao descobrir iguarias nascidas das ruínas, poderemos – quem sabe – expandir os limites do narrar.
Em seus livros, Tsing se afasta da etnografia e se aproxima do texto literário em uma perspectiva dialógica. Em The Mushroom at the End of the World: On the Possibility of Life in Capitalist Ruins, por exemplo, Tsing mostra que o trabalho com fungos é capaz de atravessar os limites entre as ciências naturais e os estudos culturais e revelar, assim, um conhecimento não apenas crítico, mas criador de mundos.
O que está em jogo é construir narrativas mais densas sobre os fenômenos com os quais nos deparamos. E para isso não apenas são necessárias outras formas de ver o mundo, como também ter a capacidade de escutá-lo, de pressenti-lo, de aguardá-lo e de compreender que não apenas há um mundo, mas variações dele, em planos distintos. É necessário deslocar as bordas indisciplinares para o centro das coisas.
Em Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno, Anna Tsing (2019, p. 142) menciona que a “‘virada acadêmica’ para a multiplicidade se destaca com os múltiplos aparatos de conhecimento atuando simultaneamente”. A antropóloga se pergunta se poderia haver outros tipos de multiplicidades. Discutindo o conceito na fronteira entre a antropologia e os estudos da ciência, ela aborda o problema introduzindo a noção de assemblage. Uma de suas intervenções metodológicas foi fundamentar pesquisa e análise em uma paisagem, pois “uma paisagem pode existir em qualquer escala, mas sempre envolve uma diversidade de fragmentos. Pensar com paisagens abre a análise para uma multiplicidade entrelaçada” (idem, p.149). Esses métodos se juntam de modo a possibilitar o conceito de assemblage, que nada mais é do que uma ferramenta para investigar “como variadas espécies em um agregado de espécies influenciam umas às outras e nos mostram histórias potenciais em formação” (idem, p.150). O termo, usado como conjunto de coordenações através da diferença, ganha de Tsing o aditivo “polifônico” e assim pode apontar para uma nova dimensão da escrita narrativa. Escrita essa em que a percepção valora e valoriza os múltiplos ritmos temporais e as trajetórias do agenciamento, em contraposição ao ritmo do progresso.
Nesse sentido, a proposta de uma escrita Matsutake ou de uma multiespécie narrativa não tem uma unidade e nem é passiva. Ela obedece a uma via não cronológica e sua presença espacial é indefinida e dispersa, sua indeterminação faz parte da história. Colher a palavra como um apanhador de cogumelos, a recompensa sendo o grau mínimo: uma multiplicidade de cheiros vertiginosos nascida entre bons parceiros: plantas, animais e fungos. Nessa nova forma de narrar no contemporâneo, o verdadeiro ato criativo se revela numa zona de histórias conturbadas e contaminações ferozes. Nesta proposta de criação interessa investigar vazamentos, ranhuras, rachaduras, indeterminações, oposições contínuas sem sínteses, aquilo que escapa, aquilo que não é visível, explicável, fixo, porque não é mais possível acreditar em lugares estáveis ou falar de parentesco no capitalismo.
A partir da ruptura do ponto de vista do humano para o não humano ilumina-se a cidade esquecida, a cidade subterrânea, e o eixo se desloca. Cessam as buscas pelo Santo Graal, a meta na ponta do fuzil, um alvo a se abater, o símbolo fálico como medida de êxito. A conquista por algo exterior e imponente, pelo cálice de ouro, aos poucos, perde o sentido e esvanece. Em contrapartida, o objeto ermo, clandestino, gerado no útero do presente e no campo terreno, desponta como alternativa, inaugurando o submerso. Na floresta, o triunfo se dá no compromisso com a minúcia, no aprendizado nômade, fazendo-se em passo desacelerado, tendo o sabor como última consagração: o gosto raro, estranho e múltiplo do Matsutake.
Tanto Haraway com suas histórias de Camille quanto Tsing na floresta de Matsutake conseguem provocar cortes na marcha de progresso e possibilitar uma redefinição de arte, cultura e pensamento. Para além do multiculturalismo, as histórias de Camille permitem construir redes, entendendo que o entrelaçamento entre humanos e não humanos gera movimento.
A língua tem de alcançar desvios femininos, animais, moleculares, e todo desvio é um devir mortal. Não há linha reta, nem nas coisas nem na linguagem. A sintaxe é o conjunto dos desvios necessários criados a cada vez para revelar a vida nas coisas (Deleuze, 2011 p. 12).
As escritas de nossos dias seguem temporalidades múltiplas, revitalizando descrição e imaginação. Todos nós temos essas linhas de vida de caráter heterogêneo da comunidade, linhas étnicas, poéticas, narrativas, sexuais, de relatos da terra, dos corpos, para, quem sabe, “pôr em evidência no delírio essa criação de uma saúde, ou essa invenção de um povo, isto é, uma possibilidade de vida” (idem, p. 16).
3. A mulher na literatura e no cinema
Até hoje há uma enxurrada de filmes e séries em que as personagens femininas surgem apenas para salvar o protagonista de sua crise de identidade e melancolia. Conhecida pelo termo inglês Manic Pixie Dream Girl, a personagem é a boia de salvação brilhante, de uma alegria infantil, que rejuvenesce nosso herói tombado.
Mas o exercício de pensar criativamente origina deslocamentos e desarticula antigas crenças. Para ser atravessado pela multiplicidade de sentidos é preciso gerar novas possibilidades de enxergar o outro, nesse caso, a mulher real, longe dos estereótipos da: “enfermeira”, “salvadora”. “donzela em perigo” ou “bruxa má / manipuladora invejosa” e “objeto sexual”. Nunca é tarde para sair do piloto automático e entrar no maravilhoso mundo da contradição humana.
Por ser, primordialmente, o espaço do conflito, a narrativa ficcional clama por singularidades paradoxais, vulneráveis, imperfeitas. Se as personagens são todas conscientes, generosas umas com as outras, não há drama. Imaginar uma narrativa de seres humanos satisfeitos em suas atribulações, apaziguados com suas decisões pessoais, repleta de vizinhos cordatos, arautos de um discurso coeso, legisladores uns dos outros, gentis em seus locais de trabalho, essas personagens conciliatórias podem render um belo panfleto, mas não uma obra ficcional.
A ficção literária, forma artística que se nutre de ambiguidades e polêmicas, resguarda, em seu jardim abrasivo, um inferno calculado, repleto de maldades e encantamentos. A ambiguidade pode não ser o campo do jornalismo, mas é o do romance. Censurar os desatinos, as violências e as imprevisibilidades seria o último cadafalso para a narrativa. Se a obra for capaz de instaurar processos múltiplos, estimular o nascimento de vozes dissonantes, de criar narradores que divergem do personagem central e vice-versa, um duvidando do argumento do outro e até de si mesmo, então há espaço para o risco. Afinal, só em terreno movediço a inventividade se prolifera. Assim como os fungos, assemblages e colaborações multiespecíficas se proliferam em solos perturbados. A terra da qual nascem os fabulosos Matsutakes não é pura, não é imaculada e nem está imune à intervenção humana: os fungos brotam justamente dessa intromissão.
Autora que escreve nesse lugar entre gêneros, Rosa Montero, jornalista e escritora espanhola, defende que já é hora dos homens se identificarem com as protagonistas mulheres e prefere, em vista disso, usar o termo antissexista – não por desvalorizar o termo “feminismo”, mas por conta de esta ser uma palavra que soa como oposta ao machismo, causando um sentido equívoco. Em A louca da casa, publicado em 2003, ela segue um pensamento similar ao de Virginia Woolf, defendendo a literatura como espaço único da criação.
Mas o fato de você considerar-se feminista não implica que seus romances o sejam. Detesto a narrativa utilitária e militante, os romances feministas, ecologistas, pacifistas ou qualquer outro ista que se possa pensar, porque escrever para passar uma mensagem trai a função primordial da narrativa, seu sentido essencial, que é o da busca do sentido. Escreve-se, então, para aprender, para saber; e não é possível empreender essa viagem de conhecimento levando previamente as respostas. Mais de um bom autor se perdeu por causa de sua ânsia doutrinária; mas às vezes acontece, em certos casos especiais, de o próprio talento salvar o escritor da cegueira de seus preconceitos (Montero, 2004, p. 148).
Montero ilustra seu argumento citando o caso de Tolstói, que se dispôs a escrever Ana Karenina (1877) tendo por premissa expor moralmente como a modernidade destruía a sociedade tradicional russa. Por conta do seu extraordinário talento, o romance mostrou exatamente o contrário do que pretendia. Na figura central de Ana, o livro revela a hipocrisia social e a injustiça do sexismo. O preconceito, a ideologia e a censura do escritor russo ao adultério, que considerava o exemplo maior de como o progresso poderia desarranjar a sociedade, não foram capazes de bloquear “a verdade das mentiras literárias”, para usar a expressão de Montero (idem, p. 148).
Construir uma trajetória que aceite as divergências e matizes de outras vozes, muitas vezes antíteses do próprio autor, exige sacrifício. A escrita é um ofício perigoso e implora por uma existência no umbral. A mulher escritora, por ter sido trancada e proibida de vivenciar seus talentos criativos por tanto tempo, se familiarizou com a borda das coisas, do pensamento, da rotina, se conluiou ao anonimato, sendo a margem o seu conhecido mais íntimo. Essa existência, sempre à beira de atingir o voo, mais doméstica e parceira dos recônditos da casa, de seu silêncio e de sua sujeira, visita outros tempos, mais indeterminados, porque ocultos em sua invisibilidade. Atravessar os tempos sendo esse ser do canto, essa figura não central por excelência, sem poder dizer muito, ou aparecer demais, acende uma outra espécie de chama no movimento do mundo. Nem pior, nem melhor – é vital limitar aqui a comparação que se faz entre as coisas, dando notas para tudo, outro legado da mentalidade masculina, atendendo à lógica da competição e aniquilação do outro, mentalidade bélica –, apenas diferente daquele fogo central.
Esses tempos narrativos ainda não se incorporaram à literatura, nem mesmo à literatura contemporânea, porque ainda é preciso que os homens e as mulheres acostumem os ouvidos e a visão aos ritmos e sonoridades outras. Talvez seja necessário que as escritoras mulheres não se limitem a escrever apenas narrativas engajadas ou de denúncia: ainda é preciso inserir muitas metáforas na literatura, como a do sangue, a do erotismo (um tempo novo de Eros) e seus infernos próprios, para além de um ponto de vista legislador ou moralizante de um pensamento patriarcal. As linhas emaranhadas no subterrâneo pedem histórias conturbadas, feitas de colaborações mútuas e encadeamentos imprevisíveis.
Não estamos suficientemente representadas nas academias ou nas enciclopédias, nem costumam nos encarregar das conferências sérias nos encontros internacionais. Os críticos quase sempre são terrivelmente paternalistas e têm uma inquietante tendência a confundir a vida da escritora com sua obra (coisa que não acontece com os escritores homens), a considerar todos os romances de mulheres uma literatura contemplativa e sem ação (mesmo que seja o thriller mais trepidante) e, naturalmente como dizíamos no princípio, a pensar que uma mulher escreve apenas de mulheres e é, portanto, material humano e literário de segunda. Felizmente essa retrógrada cultura oficial também está se feminizando; cada vez há mais eruditas, críticas e professoras universitárias, e isto está alterando a situação; mas algumas dessas profissionais teimam em fazer resenhas, antologias e estudos literários desenfreadamente feministas, isto é, ideologizados até o dogmatismo e, a meu ver, quase tão sexistas e contraproducentes quanto o preconceito machista. Embora partindo da margem contrária, elas também pensam que o que uma mulher escreve trata apenas de mulheres (Montero, 2004, p. 149).
Essa intimidade com a beirada da língua, com os cantos mais ermos, consequência da privação a que foi submetida ao longo dos séculos, fez com que a mulher desenvolvesse uma capacidade intrínseca de alteridade. Quando se habita o inominável, quando se assenta no contorno, nas bordas indisciplinares, aprende-se a enxergar no escuro com uma exatidão obscena. A posição de espectadora, de refém da casa e da coxia, provoca uma dilatação interna, e faz com que a mulher se coloque no lugar do outro com uma facilidade aterradora, quase sobrenatural. Não por bondade, servilismo ou compaixão, mas também por sobrevivência. E este é um ponto importante a se abordar na escrita das mulheres.
Evidente que não só a mulher é capaz desse olhar, mas há uma especificidade no seu campo de visão que merece destaque. Quem atua em posição adversa se aprimora em recolher fragmentos dos mais insignificantes e passageiros no meio da paisagem humana e reconhece o outro na mesma situação. Essa habilidade instintiva, ainda não valorizada, além de uma necessidade vital do humano também é uma particularidade do feminino. E tudo o que é vital é estruturalmente legítimo, pois aponta para novas formas de organização.
Como isso se revela na escrita? O príncipe Míchkin, personagem central do romance O idiota, de Dostoiévski, publicado inicialmente em folhetim, em 1868, revela-se como alguém capaz de concordar com todos os seus interlocutores por possuir uma capacidade inata de se colocar no lugar do outro. Essa capacidade também é a sua perdição, pois não é possível concordar com todos os pontos de vista, de todas as pessoas ao seu redor, e no final, o personagem enlouquece e termina internado em um manicômio.
A loucura, essa extrema lucidez, caminha lado a lado com a escrita por sua força inventiva, por sua propensão ao risco e por sua habilidade em abrir-se a uma infinidade de perspectivas e cenários, facilitando downloads intermitentes, escancarando janelas e arrombando portas, antes hermeticamente trancadas. Só o louco tem acesso ao indizível. Essa abertura é tão perigosa para o escritor quanto para o leitor. Como escreveu Nelson Rodrigues (1993, p. 43), em O óbvio ululante, “há livros que nos salvam e que nos perdem”, avisando sobre tal dimensão movediça da literatura. Tendo em vista que sem risco não há escrita inventiva, é preciso, ao menos, ler as autoras e os autores que criaram uma língua estrangeira e “arrastaram a língua para fora de seus sulcos costumeiros, levando-a a delirar”, nas palavras de Deleuze.
A pergunta que Peter Pál Pelbart (1993, p. 107) faz em A Nau do Tempo Rei, “o que significa, para o pensar, poder pensar loucamente, poder enfim desarrazoar?”, não pretende uma resposta direta, com novas palavras de ordem – “como por exemplo, Viva a Multiplicidade, ou Viva a Diferença, ou Viva o Devir, ou Abaixo a Metafísica. Isso tudo não muda absolutamente nada, pois a desrazão não é uma nova ideologia” (idem, p.107), mas o fim do “manicômio mental”, um acostumar o ouvido e a visão ao interstício do pensamento, ao instalar-se na defasagem, na inadequação. Como pensar à sombra da linguagem? Não seria a sombra a grande confidente da mulher? Talvez essa forma de pensar esteja mais próxima do que se imagina, o problema foi que o bisturi da racionalidade explicativa o recortou, aniquilando toda a sua força de expressão.
A escrita da criação ficcional implica a criação de um outro tempo. A “voz” está em função da construção do tempo poético, das ações simultâneas, do cruzamento de temporalidades e da vertigem do espaçamento, para “o exercício, no seio do próprio pensar, de uma nova forma de relacionar-se com o Acaso, com o Desconhecido, com a Força e com a Ruína” (idem, p.107). Busca-se, assim, procedimentos literários que atuem no umbral da existência, nesse “entre”, ou seja, no lugar em que a mulher foi repetidamente confinada: no seio da passagem. Em História da Loucura, Michel Foucault (2012, p.12) elabora a imagem com maestria dizendo que “o louco é o prisioneiro da passagem”:
A água e a navegação têm realmente esse papel. Fechado no navio, de onde não se escapa, o louco é entregue ao rio de mil braços, ao mar de mil caminhos, a essa grande incerteza exterior a tudo. É um prisioneiro no meio da mais livre, da mais aberta das estradas: solidamente acorrentado à infinita encruzilhada. É o Passageiro por excelência, isto é, o prisioneiro da passagem. E a terra à qual aportará não é conhecida, assim como não se sabe, quando desembarca, de que terra vem. Sua única verdade e sua única pátria são essa extensão estéril entre duas terras que não lhe podem pertencer.
Talvez esse modo de existência ilumine poéticas da incerteza e da passagem. O que seria essa poética? Seria o lusco-fusco. O ritmo da desintegração do dia pela noite, a mulher que parte para não mais voltar, a mulher que não é mãe, jamais foi. Um erotismo infindável, que não se esgota em uma sentença, que precisa das mil e uma noites para fecundar. Seria também não fecundar, nem permanecer, nem aceitar. Mas uma contínua selvageria da impermanência. Estamos prontos para esse novo ritmo da escrita, esse ritmo que adensa diferentes tempos porque nascido na contramão das benesses? Estamos prontos para submergir na corrente múltipla de uma libido aluada? Para aceitar outras fecundidades no espaço? Para não mais idolatrar a mãe, mas a mulher? Para não apenas aceitar a mulher, mas as vozes emaranhadas de fungos e raízes, o broto? Sim, é perigoso. A escrita dissonante é um lugar que não aceita mais uma única visão de mundo e isso pode ser enlouquecedor. Impossível prever.
Virginie Despentes aborda esse lugar de risco de uma perspectiva muito interessante. Ao afirmar que “a maternidade se tornou o aspecto mais glorioso da condição feminina” (Despentes, 2016, p. 20), ela sublinha que a figura da mãe atua como um poder assombroso, uma réplica doméstica daquilo que se organiza coletivamente: o Estado, que a tudo controla. Somente a mãe sabe punir, enquadrar e “manter a criança em estado de infância prolongada”. Ao exemplificar o perigo da propaganda pró-maternidade atual, o que Despentes revela é o quão assustador é ceder a uma vida não aprisionada.
O indivíduo está livre de sua autonomia, de sua capacidade de se enganar e de se colocar em perigo. É para isso que tende a nossa sociedade, talvez porque tenhamos deixado nossos tempos de glória para trás, tenhamos regressado a estágios de organização coletiva que infantilizam o indivíduo. Segundo a tradição, os valores viris são os valores da experimentação, do risco, da ruptura com o lar. (…) Quando o inconsciente coletivo supervaloriza a maternidade através da mídia e da indústria de entretenimento – esses instrumentos de poder –, não se trata de amor pelo feminismo ou de um ato de bondade global. A mãe portadora de todas essas virtudes nada mais é do que o corpo coletivo que se prepara para a regressão fascista. O poder outorgado por um Estado doente é forçosamente suspeito (Despentes, 2016, p. 21).
O medo das mulheres de que os homens as considerem loucas – e eles consideram qualquer mulher que fale mais alto, discorde, pense, escreva, se indigne, tenha muito apetite, seja enérgica, animada, sarcástica, erudita, boêmia, brava, calma, divergente, confiante, com gato, sem gato, com filho, sem filho – faz com que muitas se afastem de uma dimensão de delírio na linguagem e da selvageria como busca. Nada poderia ser mais nocivo para a escrita das mulheres do que se limitar à razão, valor este quase ditatorial, ainda mais tendo em vista uma razão das normas e dos bons costumes. É o medo dos homens que fala mais alto quando acusam uma mulher de maluca, pois a energia criativa é sempre transgressora e só resplandece em salões não convencionais, em corredores não assépticos, conluiados às euforias e disforias do sangue, aos apelos de alguma possível insânia. É de suma importância desejar o perigo. Que a partir de desatinos insalubres e musicalidades absurdas, finalmente, essas escritas possam florescer e levantar as suas vozes em prol de uma dimensão poética muito, mas muito perigosa. Uma escrita potente não se faz de forma arrazoada e com boas intenções. A reverência não parece um caminho profícuo para a literatura. As vozes de pensadoras e escritoras contemporâneas como Donna Haraway, Anna Tsing, Rosa Montero, Virginie Despentes e tantas outras mostram o quão divergente, múltipla, cheia de sangue, humana e não humana, e mesmo transespecífica pode ser a linguagem.
Queremos ser mulheres adequadas. Se a fantasia aparece como um problema, impuro ou desprezível nós a escondemos. Menininhas-modelo, anjos do lar e boas mães, construídas para o bem-estar dos outros, não para investigar nossas próprias profundezas. Somos formatadas para evitar o contato com nossas selvagerias. De início, priorizar a satisfação alheia. Dane-se tudo que é calado em nós. Nossa sexualidade nos coloca em perigo, e reconhecê-la talvez signifique experimentá-la, e toda experiência sexual para uma mulher conduz à sua exclusão do grupo (idem, p.89).
Se a narrativa fálica, mencionada por Ursula Le Guin, tem uma direção única, a figura do cogumelo se contrapõe e se abre a perspectivas diversas. Na narrativa fálica, o clímax surge como ejaculação masculina, mas se pensarmos em uma escrita matsutake, no vegetal, na terra, nos fungos – miticamente associados ao feminino – podemos imaginar outra espécie de clímax, uma exaltação que não se dirija a um ponto único e exclusivo, mas que se abra à passagem e ao imprevisto.
A libertação de vozes múltiplas pode nascer tanto do diálogo com as diversas camadas sociais do tempo presente, da influência da arte, da poesia, do teatro, da música, dos sons da cidade, quanto das leituras de autores díspares, sejam eles da literatura, da antropologia, da biologia ou da filosofia. Para encontrar o acesso dialógico é preciso pôr em cena as vozes contraditórias de uma época, em permanente discordância. E ouvir as vozes subterrâneas da floresta perturbada.
* Priscila Gontijo é dramaturga, escritora e roteirista, mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa/FFLCH-USP. É autora de Soslaio, Funâmbulas, Deadline, entre outras peças teatrais, e de dois romances, Peixe cego e O som dos anéis de Saturno, ambos pela editora 7Letras.
Referências:
DELEUZE, Gilles. “A literatura e a vida.” In Crítica e clínica. Tradução Peter Pál Pelbart. São Paulo: Editora 34, 2011.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. “Micropolítica e segmentaridade.” In Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 3. Coordenação da tradução de Ana Lúcia de Oliveira. São Paulo: Editora 34, 2012.
DESPENTES, Virginie. Teoria King Kong. Tradução Márcia Bechara. São Paulo: n-1 edições, 2016.
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. O idiota. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2002.
FOUCAULT, Michel. História da loucura: na Idade clássica. Tradução José Teixeira Coelho Neto. 9 ed. São Paulo: Perspectiva, 2012.
HARAWAY, D. Staying with the Trouble: Making Kin in the Chthulhucene. Durham and London: Duke University Press, 2016.
HARAWAY, D. Ficar com o problema: gerar parentesco no Chthuluceno, a ser publicado pela n-1 edições em tradução de Ana Luiza Braga. Entrevista com Donna Haraway, feita por sua editora para o espanhol, Helen Torres. Tradução: Ana Luiza Braga, Caroline Betemps, Cristina Ribas, Damián Cabrera e Guilherme Altmayer. Revisão: Ana Luiza Braga. Disponível em: https://n-1edicoes.org/137 Acesso em: 27/11/20.
LE GUIN, U. K. “The Carrier Bag Theory of Fiction.” In Dancing at The Edge of The World. Thoughts on Words, Women, Places. New York: Harper & Row, 1990.
MONTERO, Rosa. A louca da casa. Tradução: Paulina Wacht, Ari Roitman. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
PELBART, Peter Pál. A nau do tempo-rei: sete ensaios sobre o tempo da loucura. Rio de Janeiro: Imago, 1993.
PIERCY, Marge. Woman on the Edge of Time. London: The Women’s Press, 1979.
RODRIGUES, Nelson. O óbvio ululante: primeiras confissões. Seleção Ruy Castro. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
TSING, Anne. The Mushroom at the End of the World: On the Possibility of Life in Capitalist Ruins, Princeton University Press, 2015.
TSING, Anne. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno. Tradução: Thiago Mota Cardoso et al. Brasília: IEB Multi Folhas, 2019.
WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. Tradução Bia Nunes de Sousa, Glauco Mattoso. São Paulo: Tordesilhas, 2014.
Notas
[1] Helen Torres, ao entrevistar Donna Haraway, faz perguntas em relação à situação atual em diálogo com citações do livro Ficar com o problema. A primeira citação é do capítulo Pensamento Tentacular: “Como podemos pensar em tempos de urgência sem os mitos autoindulgentes e autorrealizáveis do apocalipse quando cada fibra de nosso ser está entrelaçada, e é até mesmo cúmplice, das redes de processos nas quais, de alguma maneira, é preciso envolver-se e voltar a desenhar?” (Haraway, 2020).