Ano XIII 0201
dossiê
Tempo de leitura estimado: 40 minutos

PRÁTICAS ARTÍSTICAS E MUSICAIS: REVELAÇÕES E DESAFIOS

Resumo: Este artigo busca compartilhar os resultados de uma pesquisa realizada com crianças, em meio a práticas artísticas e musicais. As atividades de intervenção se sustentaram na pedagogia dialógica do educador brasileiro Paulo Freire. De natureza qualitativa e inspiração fenomenológica, os diários de campo foram o principal instrumento de coleta de dados, além de desenhos, textos escritos, fotografias e filmagens. De acordo com a análise dos dados coletados (análise ideográfica e análise nomotética) foram identificadas três categorias: A) Habilidades artístico-musicais e sociais; B) Aprendizagem e socialização: dificuldades e enfrentamentos e C) Envolvimento, participação e colaboração, permitindo-nos dizer que as práticas realizadas se desvelaram um campo fértil para estudos aprofundados em Educação, Arte e Psicologia.

Palavras-chave: Práticas sociais e processos educativos; práticas artísticas e musicais; interculturalidade; socialização.

Abstract: This article aims to bring out the results of a research that was performed among children involved in artistic and musical practices. The intervention activities were sustained according to the dialogical pedagogy – proposed by Paulo Freire, a Brazilian educator. Of qualitative nature and phenomenological inspiration, the main instruments to gather data were the field diaries, in addition to drawings, texts, photographs and filming. In accordance to the analysis of the data gathered (ideographic and nomothetic) three classes were identified: A) Social and artistic-musical abilities; B) Learning and sociability: challenges and confrontation; C) Engagement, participation and contribution. These categories allow us to say that the practices mentioned before revealed a fertile field to in-depth studies in Education, Art and Psychology.

Keywords: Social practices and educative processes; musical and artistic practices; interculturality; socialization.

 

Introdução

Este artigo busca compartilhar os resultados de uma pesquisa, intitulada Práticas artísticas e musicais como força potente na revelação de dificuldades de aprendizagem e socialização, realizada junto à comunidade participante (estudantes e professoras) de uma escola pública municipal localizada em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, por meio da realização de atividades artísticas e musicais envolvendo música, teatro e literatura, principalmente.

A escolha por tais práticas, constantes da metodologia de intervenção, justifica-se como uma forma de implementação da Lei n˚. 10.639 (BRASIL, 2003), que trata da obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas, complementada posteriormente pela Lei nº. 11.645 (BRASIL, 2008), que inclui a obrigatoriedade do ensino da história e cultura indígena na escola. E, ainda, a implementação da Lei n° 11.769 (BRASIL, 2008), que dá obrigatoriedade ao ensino de música nas escolas, o que nos permite considerar que este é um momento de preparação para abordar as diferentes culturas e modalidades artísticas a serem desenvolvidas também na escola, ou seja, além dos espaços do cotidiano em que vive o povo brasileiro.

É vasta a literatura que trata da importância e necessidade de se trabalhar arte nas escolas. Nogueira (2003) nos chama atenção em relação à quantidade de pesquisas realizadas no final do século XX, as quais constataram a importância da arte, nas suas diferentes modalidades, no processo de desenvolvimento da criança. Quanto maiores forem os estímulos recebidos por essa criança, maior será o seu desenvolvimento. Quando se trabalha com os sons, concebe-se o desenvolvimento das capacidades auditivas, cognitivas (concentração, memória, pensamento, atenção, associação, percepção, dentre outras) e de apreciação ou reprodução; trabalhando gestos e a dança, desenvolve-se principalmente a psicomotricidade, como  a coordenação motora, responsável pelas conexões entre o cérebro e os diversos músculos do corpo humano, e, com o canto, a criança estará descobrindo suas capacidades e estabelecendo relações com o meio em que vive.

Práticas como essas ajudam na ativação dos neurônios, promovendo desenvolvimento motor e social, assim como o processo de aquisição da linguagem. Para o autor (2003), é incontestável a compreensão deque práticas artísticas ampliam as redes neurais, ajudando no desenvolvimento da criança como um todo. E, quando se trata de música, Saviani observa:

(…) a música é um tipo de arte com imenso potencial educativo já que, a par de manifestações estéticas por excelência, explicitamente ela se vincula a conhecimentos científicos ligados à física e à matemática além de exigir habilidade motora e destreza que a colocam, sem dúvida, como um dos recursos mais eficazes na direção de uma educação voltada para o objetivo de se atingir o desenvolvimento integral do ser humano (2003, p. 40).

Dessa forma, pensar nas reais contribuições do fazer artístico em relação ao processo de formação e socialização de estudantes é algo que merece atenção nos dias de hoje, principalmente quando se trata de pessoas em processo de formação, crianças, as quais apresentam, em sua maioria, dificuldades de convivência e de aprendizagem. Por isso, nos colocamos a realizar práticas artísticas e musicais com crianças, de modo a verificar se tais práticas poderiam se constituir em força potente na revelação de dificuldades de aprendizagem e socialização. Ainda, oferecer a essas crianças acesso e oportunidade de vivenciar experiências artísticas e musicais, em convivência com estudantes e profissionais de escola de música e da universidade, contribuindo, também, com o processo de formação pessoal e profissional desses estudantes de graduação, muito especialmente em estudos e atividades envolvendo Arte, Educação e Psicologia.

Assim, passaremos à apresentação do referencial teórico, que sustenta nossas discussões, seguido da metodologia de pesquisa, de natureza qualitativa e inspiração fenomenológica, além da construção dos resultados e considerações.

Práticas sociais em educação musical

De acordo com Oliveira et al. (2014), práticas sociais “(…) se constroem em relações que se estabelecem entre pessoas, pessoas e comunidades nas quais se inserem, pessoas e grupos, grupos entre si, grupos e sociedade mais ampla, num contexto histórico de nação e, notadamente em nossos dias, de relações entre nações” (p. 33). Os objetivos pelos quais as pessoas se agrupam são dos mais diversos, dentre eles: necessidade de afirmações, representatividades e constituição identitárias, dentre outros, sejam de natureza política, social, econômica, cultural, educativa, ambiental, recreativa, religiosa etc.

Para Larrosa-Bondia (2002), “(…) a experiência [é] a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, (…) requer um gesto de interrupção” (p. 24). Pensada como território de passagem, lugar de chegada ou espaço do acontecer, “(…) o sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura”, (p. 24). A disponibilidade é fundamental e a abertura, essencial. Esse sujeito é então ex-posto. Mas, participar de uma prática social também não é garantia de ex-posição. Ex-por é empreender e tentar realizar. Porém, realizar e realizar-se não são um ato solitário; ao contrário, só nos realizamos na coletividade, sendo uns com os outros (Freire, 2005).

De tal forma que a convivência não é pura escolha e decisão, mas condição básica para compartilhar compreensões. Convivência e não conviver, porque esta última, dotada de sua forma de verbo, pressupõe a intenção; por isso convivência, que é o acontecimento em si, a experiência já acontecendo. E nesse sentido, Freire (2005) observa que o fundamento da convivência humanizadora e transformadora é saber lidar com as individualidades, as quais devem ser reconhecidas nas liberdades assumidas de cada um/a das pessoas em meio à coletividade.

Por isso é que se diz que o espírito de cooperação, colaboração, é a característica de toda ação onde há a predominância do diálogo entre as pessoas, as quais se encontram para a “(…) ‘pronúncia’ do mundo, (…) uma condição fundamental para a sua real humanização” (Freire, 2005, p. 156). Seres humanos que somos, seres lançados ao mundo da percepção, afeto e emoção, onde até mesmo nossa consciência é consciência perceptiva (Merleau-Ponty, 1994), nossas escolhas se baseiam na situação em que nos encontramos, em que estamos inseridos, numa tentativa de desvelar e compreender o que o mundo nos manifesta: os fenômenos.

Daí a compreensão do termo cultura não como a negação da natureza, do inato, mas o prolongamento deste e, sob esse aspecto e sob tais circunstâncias, há sempre sentidos atribuídos pelas pessoas envolvidas em práticas culturais, intrinsicamente sociais, como espaços de revelações e para a emergência dos modos de consciência de cada pessoa, envolvida consigo mesma ao mesmo tempo que com a sua prática. Pessoas de diferentes culturas que dialogam entre si, construindo e interferindo no mundo, transformando-o, modificando-o (Merleau-Ponty, 1994).

No campo da educação, especificamente da educação musical, trazemos os dizeres do educador Carlos Kater (2004), de que, enquanto fundamentos de planejamento, ação e reflexão, atividades em arte, música e cultura são produtos da construção humana conjunta, “(…) cuja conjugação pode resultar uma ferramenta original de formação, capaz de promover tanto processos de conhecimento como de autoconhecimento” (p. 44). Entretanto, mesmo quando não nos ocupamos das funções de socialização, integração e produção artesanal e artística da forma satisfatória que essas práticas podem oferecer e comportar, ainda há o sub aproveitamento do elemento formador e transformador dessas mesmas atividades.

Martins (2015), em seus estudos sobre processos educativos decorrentes de práticas artísticas e musicais realizadas com crianças, nos traz as compreensões de Koellreutter (1996), o qual acreditava que o ensino deveria ir além das possibilidades já estabelecidas, num ritmo constante de procura e abertura a novas possibilidades, em tempos e lugares onde a imaginação criativa ocupasse espaço primordial e os “vários ramos da educação artística” não fossem aprendidos e ensinados de forma independente, sem manter relações entre si. Esse autor advoga em favor de uma educação e ensino musical onde as pessoas que os representam e dão voz assumam a função da tarefa de transformar “[…] critérios e ideias artísticas numa nova realidade resultante de mudanças socais” (p. 3).

Cabe ressaltar que, ainda hoje, passados cerca de setenta anos, nos debatemos em relação a uma política educacional em música que faça jus aos escritos de Koellreutter (1996), que assegure a todos/as o direito de oportunidades (mesmo em face à implementação da Lei n° 11.769/2008, que dá obrigatoriedade ao ensino das Artes nas escolas), que considere, na efetividade das ações empreendidas e realizadas, a música como produto da vida social e expressão real da sociedade de uma época e sua cultura.

Estudos de criação devem fundamentalmente integrar a escrita musical, as artes visuais, o teatro, a dança e toda e qualquer atividade do fazer musical, oferecendo assim um amplo campo de autorrealização e aprendizagens. Podemos perceber, nos jogos das crianças, elementos sensórios, ritmo, mimetismo, competição individual e coletiva, e representação dramática influenciada por sua fantasia, e devido a todo esse envolvimento pessoal, é que se pode dizer que os jogos acompanham os seres humanos desde as primeiras fases do desenvolvimento. A criança é um organismo em desenvolvimento, portanto, cada fase do crescimento deve ser estimulada.

Por isso parafraseamos Kater (2004), ao observar o quanto é importante que os estudos musicais comecem pela experimentação de ideias e materiais e pela exploração dos órgãos perceptuais dos sentidos, ao contrário de simplesmente cumprir com regras já estabelecidas. Para o autor, isso incrementará nossa sensibilidade ao redor do mundo e educará parte de nossa inteligência, a qual tem a ver com a sensibilidade. Além de que, esta é uma maneira de integrar as pessoas envolvidas no ato da criação a outros modos que se relacionem com música. É o adentrar em outras áreas para só assim ser capaz de criar amplamente, de ir além da notação musical, almejar um fazer musical criativo com vistas à educação integral, ao estímulo das vivências musicais através da criação, execução, audição. Para Martins (2015), trata-se de educar a sensibilidade, a primeira de todas as educações, porque sem ela tudo o mais se torna vago e de escasso valor.

Interculturalidade

Conforme Castiano (2000), interculturalidade pode ser compreendida como sendo um “[…] conjunto de atitudes e predisposições necessárias para um envolvimento mútuo de dois ou mais sujeitos na troca das suas experiências subjetivas, críticas e por si vivenciadas (enquanto indivíduos ou grupos sociais) com os outros” (p. 221); compreensão em que não pode haver juízo nem ação que comportem a ideia de dominação e subjugação; debate entre culturas onde nenhum ser humano é portador de “declaração de inferioridade”. O confronto no diálogo é uma exigência, condição de aprendizados e trocas mútuas, individualização da fonte de elaboração de um determinado saber.

Castiano (2000) compreende ser a capacidade e disponibilidade de abrir-se para um diálogo cultural em busca de promover o enriquecimento conceitual mútuo. De toda forma, há duas tradições de práticas acadêmicas: a formal/moderna (predominantemente escrita) e local/tradicional (predominantemente oral). Quando tratamos de práticas em educação musical, por exemplo, muito se faz uso da prática local/tradicional, de reproduzir aquilo que se ouve, é a “cultura acústica” de que trata Lopes (2004).

De onde podemos trazer as compreensões de Merleau-Ponty (1994), que nunca fala do corpo objeto, mas do corpo fenomenal, porque o nosso corpo é a potência no mundo através do qual percebemos e nos movimentamos, relacionamo-nos com as coisas, com o mundo. A motricidade é portadora da intencionalidade original, e a consciência é originariamente um “eu posso” e não um “eu penso”. A consciência é o ser para a coisa e um movimento só é aprendido quando incorporado ao corpo próprio. Para o autor, tudo o que possamos fazer exige a presença e participação do corpo, o qual contém o fardo da história, de tal forma que o corpo exige, assim como é exigido. De tal maneira que, não poderiam faltar nas escolas as práticas teatrais, que possibilitam a auto expressão através do corporal.

Ainda, apoiados em Castiano (2000), podemos dizer que os conhecimentos corpóreos por nós produzidos acontecem em espaços que são coabitados por múltiplas comunidades, muito além de puras individualidades, dentre epistêmicas, narradores/as e pesquisadores/as, tendo aí sua validade e legitimação. Os conhecimentos devem resultar dos atos de troca entre as pessoas, sem que umas sejam tratadas como fontes primárias para recolha de dados, e outras como “interlocutores válidos” no diálogo intercultural. Para o acontecimento da interculturalidade, cuja base é fundada nas trocas e aprendizados advindos das tantas possibilidades de diálogos abertos, críticos e autocríticos, mas, sobretudo, de respeito ao outro e sua cultura, a intersubjetivação e a criação de espaços para sua realização são fatores fundamentais.

Dessa maneira, considerando que o conceito de interculturalidade pode nos auxiliar na compreensão do fenômeno aqui estudado, consideramos as várias possibilidades de construção/criação/realização/elaboração de atividades musicais em diálogo com diferentes culturas. Em geral, seja nas escolas ou em outros espaços de educação, há sempre a escolha e decisão pelo estudo e tratamento de determinado tema em detrimento de outro, de modo que uma cultura se sobreponha a outra. Com base em nossas experiências e estudos, situações como essa são comuns de acontecer. Tal questão se justifica em razão de que tudo o que acontece ou possa acontecer envolve a participação do ser humano, que, assumindo ou não, tem uma posição política, social e cultural no mundo. E de modo geral, as decisões pouco ou quase nada atendem às pessoas que se encontram em posição de desfavorecimento social, político e cultural. Trabalhos nessa perspectiva, no campo da educação, mostram-se capazes de promover ações compartilhadas que, a partir da cooperação e crescimento mútuo, oferecem espaço para uma relação crítica e solidária.

As pessoas que participam de práticas sociais, na perspectiva da diversidade cultural e interação, podem fundir ideias, habilidades e experiências, essas já realizadas ou ainda por realizar, um verdadeiro caldeirão cultural, segundo Barbosa (2013), onde os componentes se interagem criando o novo a partir da convivência criativa e dialógica. Em Coppete seria “(…) um processo permanente e inacabado, fortemente marcado pela intenção de promover relações democráticas e dialógicas entre grupos e culturas diversas, (…) [sem se] isentar de sentido crítico, político, construtivo e de transformação” (2012, p. 241).

Aprender seria inventar um jeito de dar certo, dar certo naquilo que se propõe a fazer com quem se dispõe a realizar, pois, segundo Martins:

(…) processos educativos só acontecem em contextos educativos e de vontades mútuas, os quais precisam ser criados e desenvolvidos. Práticas interculturais lidam com a diversidade de pessoas e suas culturas, promovem diálogo entre essas pessoas numa atitude de cooperação e solidariedade, um exercício de ver pela própria ótica, ver pelas lentes do outro e depois voltar-se à sua visão, agora ampliada naquilo que o outro é, pensa, acredita, pode e deseja. Quando isso acontece, não há meio termo, mas “encontro”, possivelmente encontro criador e transformador, resultado da procura deliberada de cada um, e não de promessa descumprida (2015, p. 99).

Dessa forma, o compromisso de cada um é premissa básica em atividades interculturais, práticas pedagógicas como política cultural, e por isso seu caráter propositivo e não apenas denunciativo.

Metodologia de pesquisa

Nesta pesquisa, de caráter qualitativo e inspiração fenomenológica, entendemos, com base em Machado (1994) e Garnica (1997), que o pesquisador/a e pesquisado/a não explicam as coisas, apenas buscam a essência daquilo que aparece, acontece, interrogando a coisa mesma pelo o que ela apresenta naquilo que se faz visível.

Estruturada em dois momentos: metodologia de intervenção e metodologia de pesquisa, tratamos de realizar a investigação com base em nossa convivência dialógica e participação nos vinte encontros realizados, os quais foram registrados em diários de campo, principal instrumento de coleta de dados. Os diários de campo (os quais foram posteriormente analisados, análise ideográfica e nomotética), considerados um recurso metodológico básico e de extrema importância nessa modalidade de pesquisa, são compreendidos por Bogdan e Biklen (1994, p.150) como “(…) o relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso da recolha e refletindo sobre os dados de um estudo qualitativo”.

Além dos diários de campo, os registros foram feitos através de fotografias, filmagens, desenhos, textos escritos e situações-diálogo com os/as participantes da pesquisa, os quais foram convidados a colaborar com o estudo após autorização em termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), resguardados seus nomes[1], e termo de assentimento (TA), por se tratar de crianças em idade entre oito e dez anos. Na transcrição das falas e textos dos/as participantes mantivemos os dados na íntegra, inclusive com os erros de português, preservando os dados em sua originalidade conforme colhidos pelas pesquisadoras, em concordância com Gonçalves Junior (2008).

A metodologia de intervenção foi pautada na pedagogia dialógica do educador brasileiro Paulo Freire (2005), onde as pessoas não obedecem, mas em rodas de conversa, se colocam – pensam, discutem, planejam e executam conjuntamente as atividades a serem realizadas, assim: o quê, como, com quem, quando, para quê e por quê, a partir do mundo vida de cada pessoa. E, com a particularidade de se surpreenderem a todo momento, sejam por si mesmas e/ou pelo outro com os/a quais se convive, todos sujeitos ativos no processo de construção-reconstrução de performance envolvendo música, teatro e literatura. Ainda, abertos e disponíveis às novidades e insights que acontecem.

Essa pesquisa, com duração de dez meses (maio/2017– fevereiro/2018), constou de três momentos: 1) negociação das atividades entre as pessoas envolvidas; 2) realização dos encontros (música, teatro e literatura); 3) apresentações artístico-musicais.

Neste artigo, nos concentramos na análise dos dados coletados e registrados em diários de campo, referentes ao período de intervenção (segundo e terceiro momentos), entre os meses de agosto a novembro de 2017 (vinte ao todo), e construção dos resultados, com base nas atividades realizadas em uma escola pública municipal, com 38 estudantes regularmente matriculados na educação básica infantil (3º e 4º anos). Os encontros ocorreram semanalmente no período vespertino (13:00 às 14:30), conforme roteiros de ação previamente elaborados. A metodologia de intervenção, envolvendo música, teatro e literatura, teve como referência literária a obra intitulada O jardim de Liz[2], de Polyana Matumoto (2015), e as canções Menina Moleca – Paulo Tatit e Sandra Peres, Grupo Palavra Cantada (2005), Flor de Maracujá – Beatriz Bedran (2004) e Menina –  Cecília Cavalieri França (2003), sendo todas as obras selecionadas por sugestão, escolha e decisão da comunidade participante, ou seja, professoras e estudantes.

A análise dos dados coletados (diários de campo) constou de: identificação das unidades de significado; redução fenomenológica; organização das categorias; construção da matriz nomotética; construção dos resultados. Para Gonçalves Junior (2008), essa modalidade de análise envolve a transcrição pormenorizada dos acontecimentos percebidos e descritos pelo/a pesquisador/ar; a identificação das unidades de significado; a redução fenomenológica; a organização das categorias; a construção da matriz nomotética e a construção dos resultados.

Segundo Machado (1994, p. 41), análises ideográficas e nomotética contribuem com pesquisas de natureza qualitativa por possibilitarem que o tema seja circundado, em busca de compreender o fenômeno e não explicá-lo. Os mundos pesquisador/pesquisado (a) se interpenetram, possibilitando “acesso ao mundo-vida e ao pensar do sujeito”. Compreendendo-se as divergências e as convergências, sem universalizar, parte-se do individual para o geral, o que é mais que uma verificação de resultado, mas uma profunda reflexão sobre o fenômeno. Por isso as três etapas da metodologia de pesquisa aqui utilizadas: redução fenomenológica; matriz nomotética e construção dos resultados.

A redução fenomenológica refere-se à etapa em que realizamos uma leitura minuciosa dos diários de campo (DC)para levantamento das unidades de significado, as quais foram reduzidas e posteriormente agrupadas em categoriais, compondo assim a matriz nomotética. As unidades, assim como as reduções, foram organizadas em um quadro, a matriz nomotética, onde constam as categorias de análise e respectivos diários de campo (DC) e unidades de significados (US).

Construção dos resultados

Com base na metodologia de pesquisa e análise dos dados coletados, foram identificadas as seguintes categorias: A) Habilidades artístico-musicais e sociais; B) Aprendizagem e socialização: dificuldades e enfrentamentos e C) Envolvimento, participação e colaboração.

A categoria A, Habilidades artístico-musicais e sociais, refere-se à noção, decorrente do levantamento e interpretações das US e suas reduções, de como práticas artísticas e musicais realizadas em grupo, com base na colaboração e ajuda mútua, podem reforçar o aprendizado musical tanto individual como coletivo, agindo como elemento agregador e catalisador do estabelecimento de vínculos e fortalecimento das relações interpessoais, tendo em vista o nível e qualidade das produções decorrentes de tais atividades, cuja mola propulsora é o trabalho em grupo guiado pela dialogicidade entre as pessoas.

Segundo Del Prette (2011), a área das habilidades sociais vem sendo estudada por psicólogos, psiquiatras e educadores por ser considerada um identificador de ajustamento psicossocial e pela sua importância para a qualidade de vida de crianças e adolescentes. De tal modo que, possuir um repertório elaborado, construído com base em habilidades sociais, pode contribuir para a constituição de independência pessoal e responsabilidade social. De acordo com estudos recentes baseados em testes padrão e tarefas de empatia (Ilari, 2014), os resultados sugerem que a atividade e o aprendizado musical coletivo torna os/as estudantes mais empáticos, assim como influenciam positivamente nos comportamentos pró-sociais (ajuda, cooperação e altruísmo), tanto em bebês, como em crianças e adultos.

Visto que o desenvolvimento artístico e musical humano depende de diversos fatores – cognitivos, sociais, biológicos e culturais – esse é frequentemente motivado pela existência do “outro”, e nunca como um ato solitário. Tal assertiva confirma as realizações desenvolvidas e resultados evidenciados e obtidos no referido projeto de pesquisa, quando as práticas referentes às orientações teatrais e musicais foram construídas no decorrer do processo. Ou seja, juntos, estudantes e professoras, orientavam e sugeriam, construíam e descontruíam, em busca de um conjunto que atendesse às expectativas, mas também as condições e habilidades de cada pessoa envolvida. O fazer era sempre um fazer novamente, de modo a estimular a percepção de si e do outro, com o qual se encena, se canta, se toca.

De modo a ilustrar as atividades realizadas em meio à convivência entre as pessoas participantes nesse projeto de pesquisa, trazemos na Figura 1 uma mandala, figura geométrica que representa a busca de conexão entre as pessoas e o mundo, como representação de uma construção corporal coletiva. Essa atividade não foi de fácil realização, tendo em vista a dificuldade das crianças em encostar lado a lado seus pés, em posição de ponta de pés para cima e ângulo de 90 graus entre calcanhar e chão. Entretanto, promoveu interação entre os participantes, os quais se mostraram curiosos com a figura, novidade em seu cotidiano.

Figura 1: Estudantes participantes do projeto de pesquisa na representação de uma mandala, utilizando o próprio corpo / Fonte: acervo pessoal.
Figura 1: Estudantes participantes do projeto de pesquisa na representação de uma mandala, utilizando o próprio corpo / Fonte: acervo pessoal.

No convívio, nas atitudes, no zelo, na atenção, no cuidado, e até mesmo no respeito de uns pelos outros em meio aos conflitos vivenciados, inerentes a toda atividade humana em grupo, pode-se confirmar o desenvolvimento da criatividade, da percepção musical, dos conhecimentos musicais (letra, melodia, ritmo, instrumentação), da gesticulação e movimentação corporal, além de habilidades sociais, como responsabilidade assumida (cumprimento daquilo que foi de escolha e decisão), comprometimento com as atividades, dedicação e empenho no aprender a fazer, rigor e disciplina no trabalho coletivo, a performance.

Com base nas atividades e orientações teatrais, nos sentimos autorizadas a dizer que os objetivos propostos (de início apenas uma ideia, já que as pessoas se conheceram pouco a pouco, ao longo da convivência nos encontros), foram alcançados e até mesmo superados, diante das cenas observadas e das orientações atendidas, como: “Bia conversou com as crianças a respeito de algumas noções consideradas importantes no teatro, como respeitar e fazer silêncio quando o colega está em cena, para não haver interferência na sua atuação” (DCVI A-7), ou “quando estivessem em cena, seria preciso estar atento ao movimento, à altura da voz e à expressividade corporal que acompanhariam as palavras, afim de dar vida e sentido real e visível ao que estava sendo dito e nunca estar de costas para o palco” (DCVII A-13).

Tais orientações promoveram aprendizados, pois no dia de uma apresentação, pareciam excitados e curiosos diante do público e com tanta novidade, até que Mi, uma das estudantes participantes, sinalizou aos colegas: “Hei, sabia que é feio ficar reparando os outros desse jeito?”. Deu-se início à apresentação, e tudo aconteceu da melhor forma possível. Foi uma alegria!  Estudantes e professoras riam, se cumprimentavam e se deixavam ser fotografadas. A palavra foi deixada aberta, de onde surgiu a seguinte pergunta: “Como vocês tiveram tanta facilidade para fazer tantas coisas tão bem?”. Dentre as estudantes, Nanda respondeu: “Foi muito fácil, a gente leu e aprendeu”. E Mi: “Primeiro, prazer em conhecer vocês né! Não foi tão fácil assim né, tivemos algumas dificuldades. Pra vocês que faz teatro né, nunca olhe pra trás porque pra trás vai te dar azar, só siga em frente, olhe pra frente, vai que você consegue!” (DCXVI A-8).

Aprendizados e ensinamentos…

Sobre o aprendizado de habilidades artísticas e musicais, esse se revelou nas atitudes, no fazer musical propriamente dito, cantando e tocando em baldes de plástico com baquetas de madeira (Figura 2), ou com as mãos percutindo nas mesas da sala de aula[3] (DCVII A-15). Nas atividades musicais, os/as estudantes realizavam percussão corporal, criando e produzindo sons a partir de toques em diferentes partes do corpo (palmas, pernas, tórax, boca), explorando e ficando supressos, no bom sentido, com os resultados obtidos. Alguns acompanhavam a sequência rítmica apresentada/sugerida, enquanto outros/as se movimentavam/percutiam aleatoriamente, sem se importar com o acerto” (DCVI A-14).

Figura 2: Estudantes participantes do projeto de pesquisa tocando em baldes de plástico / Fonte: acervo pessoal.
Figura 2: Estudantes participantes do projeto de pesquisa tocando em baldes de plástico / Fonte: acervo pessoal.

No que se refere às partes narradas do texto, orientações aconteciam, como: “colocação/impostação de voz de modo a evitar a infantilização/romantização da leitura, […] agilidade e dinamismo nas dramatizações” (DCVIII A-1). Como resultado de aprendizagem, “os/as estudantes cantaram com facilidade e pareciam já ter os ritmos e letra das canções ‘na ponta da língua’. Todos pareciam atentos às indicações e marcações da professora, com quase nenhuma dispersão (DCX A-3).  Entre os/as estudantes também havia orientação: “Lola, que encenava a Jata, uma personagem na história, disse à sua colega de cena Lica para falar mais alto, mais potente” (DCXI A-4). Ainda, “Os/as próprios estudantes davam dicas uns para os outros, como no momento em que um dos personagens lembrou outro de que deveria entrar em cena e quando uma das estudantes (na plateia) disse ao grupo de atores que não ficassem de costas para o público” (DCXIII A-3). E, em relação à satisfação dos/as estudantes participantes, solicitados a escrever/desenhar acerca das experiências realizadas, Uchiha disse: “Minha experiência no teatro foi uma coisa muito boa por que exige muito esforço” (DCXVIII A-3).

A categoria B, Aprendizagem e socialização: dificuldades e enfrentamentos, refere-se à possibilidade de práticas artísticas e musicais revelarem dificuldades de aprendizagens e limitações das pessoas envolvidas nas atividades planejadas, seja negando (na contramão) potencialidades ou cerceando participação. De todo modo, em face da revelação, tais práticas se desvelam potentes na promoção do ultrapassamento das limitações e do encorajamento das potencialidades, contribuindo, assim, nas realizações pessoais, tanto no campo das artes (teatro/música) como em contextos sociais, como escola, família e círculo de amizade. Ou seja, essas práticas reforçam a ideia de que o aprendizado artístico e musical coletivo (visto que o ato de aprender é dinâmico e tem como base as interações sociais entre diversos indivíduos, que, por sua vez, possuem características distintas) pode atuar como elemento agregador e catalisador de relações interpessoais positivas em casos de crianças com diferentes tipos de dificuldades de aprendizagem e socialização.

Para Del Prette (2011), saber lidar com dificuldades e limitações, ter um relacionamento saudável com as pessoas, aceitar regras, são algumas das habilidades sociais que contribuem para a socialização humana. Por outro lado, déficits nas habilidades sociais podem estar relacionados a fatores como depressão, solidão, abandono, estresse. É importante dizer que dentre os/as estudantes, dois deles não se integraram às atividades, fosse tocando, cantando, encenando.

De acordo com algumas falas, extraídas de situações-diálogo, das professoras da escola sede dos/as estudantes participantes nessa pesquisa, os problemas comportamentais antissociais observados decorrem de uma infinidade de outros problemas, em geral associados à vida pessoal e familiar de cada um/a desses estudantes. Na tentativa de organizar e estabelecer as condições necessárias à promoção de novas aprendizagens na sala de aula, por vezes as pessoas se viam aos “gritos”, gesto sem eficácia na comunicação e respeito na sala de aula, situação que dá mostras das dificuldades e desafios a serem enfrentados nos dias de hoje; lugar onde até mesmo as Artes dão ares de impotência (DCI B-7).

Ainda, em meio às atividades lúdicas realizadas nos encontros, de modo a estimular competências e habilidades psicomotoras, sociais e cognitivas, foi possível observar dificuldades por parte dos/as estudantes, tanto psicomotoras como de socialização. Veja-se,

João permaneceu mais retraído e menos motivado nas brincadeiras, não se sabia se era timidez ou dificuldade de aprendizagem. No entanto, na atividade de dança livre, parecia tímida e envergonhada, mas na brincadeira Pif-Paf deu a compreender que tinha dificuldades de atenção e percepção. Na brincadeira Amarelinha, apresentou dificuldades psicomotoras, como coordenação do corpo, equilíbrio, noção de espaço e ordenação dos movimentos, o que pode apontar para algum comprometimento da motricidade (DCIII B-7).

A participante professora Carol, antes da entrada dos/a participantes no palco, perguntou-lhes da sensação de se apresentar, ao que disseram estar com vergonha e nervosismo, assim: “frio na barriga” e “agonia de começar logo”. Ao fim da apresentação disseram que sentiam alegria e felicidade (DCXVII B-5). Ainda, no camarim, Carol perguntou dos sentimentos suscitados por ocasião da primeira apresentação, ao que Ana disse: “Muito bem, porque eu amo fazer o teatro”. Em relação às outras duas apresentações, Carol assim observou: “Está muito mais melhor nas falas, os meninos falam mais alto”.

Para Nanda, que de início se autodeclarou nervosa, com medo e vergonha, acabou dizendo: “quero fazer mais, muito mais vezes, outros”, e ainda tentou estimular Ana, ao dizer: “Assim ó Ana, fala assim: eu consigo, eu consigo, eu consigo, eu posso, eu consigo, entendeu? Você vai dar conta, você já deu conta, você já deu conta nos ensaios”. Lola, que também se disse com vergonha, embora gostasse de se apresentar, ao ser perguntada como era se apresentar no palco, disse: “Aí eu consigo”, e Di acrescentou: “Penso positivamente!”. Dito isto, Carol perguntou a Di como era a sensação do momento após a apresentação, e ela respondeu: “Depois acabou, aí eu fico triste porque eu queria fazer mais”. Para Mi, “É meu sonho, porque eu nunca fiz teatro”. Lola (sensação de quando está no placo): “Linda, perfeita, diva”. Fani: “Eu me sinto vergonhosa eu morro de medo porque se esses meninos rir eu vou sair correndo atrás deles” (DC XVII B-8). De acordo com as falas, podemos dizer que mesmo sentindo vergonha, a satisfação em se apresentar foi uma constante. Ou seja, lidar e vivenciar situações de exposição e vulnerabilidade é enfrentar dificuldades e desafios, como modos, e não promessas, de tantas possibilidades de revelação e satisfação pessoal.

A categoria C, Envolvimento, participação e colaboração, diz respeito à forma como os/as participantes se envolveram e participaram das atividades propostas, cooperando uns com os outros e promovendo a integração das diferentes áreas que compunham o processo de construção-reconstrução de performance (música, teatro e literatura).

Conforme Kater (2004), a música é, essencialmente, um fenômeno social e, educar pressupõe a existência de formas de engajamento social, de relacionamento e de troca de ideias entre seres humanos. Com o desenvolvimento das atividades coletivas, foi dada a oportunidade de os/as estudantes compreenderem, por meio da prática, a importância de ser cooperativo, da parceria e respeito ao outro e a importância da cooperação e integração no convívio produtivo e criativo com o outro. A figura 3 ilustra tais observações, do trabalho em equipe e sua representação. Ainda, em um dos encontros, Di avisou que Milly (estudante que representa Liz na cena “Parabéns para você”) havia faltado, oferecendo-se para substituí-la (DCXIV C-3). O estudante Zé, em geral desinteressado das atividades, ao ser solicitado para segurar e carregar o teclado, atendeu prontamente. E sempre que se tratava de organizar e distribuir os instrumentos musicais, lá estava ele, curioso, atento, pronto para colaborar (DCXIV C-1).

Figura 3: Ilustração de uma das cenas de O Jardim de Liz, de autoria da estudante Mi / Fonte: Acervo pessoal.
Figura 3: Ilustração de uma das cenas de O Jardim de Liz, de autoria da estudante Mi / Fonte: Acervo pessoal.

Além do gosto pelas artes, tais atividades despertaram uma melhor convivência e socialização entre os/as participantes, os quais interagiram entre si, exercendo suas individualidades em meio à coletividade, o grupo que encenava uma performance envolvendo música, teatro e literatura. O espírito de colaboração e empenho entre os/as participantes na realização das atividades foi uma constante, desde o encontro com as pesquisadoras no portão da escola até arrumação das carteiras e refinamento com os mínimos detalhes de marcação de cenas, memorização de falas, fraseologias e instrumentação musicais (DCVI F-4). Ainda, perguntavam-se entre si se as atuações (teatrais e musicais) estavam boas ou não, aperfeiçoando e aprendendo sempre mais naquilo que se propuseram a realizar.

No portão de entrada da escola era uma verdadeira euforia: pesquisadoras chegando e as crianças, correndo, compartilhavam novos saberes e fazeres, assim: “Decorei minha fala!”, “Já tô tocando direitinho!”, “Que dia vai ser nossa apresentação?” (DCVII F-1). E Lola, muito empolgada, chegou a solicitar que não fosse colocada nenhuma pessoa em seu lugar, no papel de Liz, caso ela faltasse em algum dos encontros (DCVII F-4).

Considerações finais

Com base na análise dos dados coletados, bem como em nossas experiências e vivências como participantes pesquisadoras no projeto de pesquisa intitulado Práticas artísticas e musicais como força potente na revelação de dificuldades de aprendizagem e socialização, podemos dizer que o fazer artístico e musical apresentou-se como “[…] um fenômeno multidimensional, que envolve dimensões culturais, afetivas, sociais e estruturais” (Martins, 2015, p. 99).

À medida que os encontros aconteciam, que os laços de convivência se estreitavam, que os/as participantes viam materializado em performance o que até então era apenas ideia, podia-se perceber o resultado positivo e o entusiasmo das pessoas envolvidas no processo de construção-reconstrução de performance. Considerando-se as individualidades em meio à coletividade, foi perceptível a melhoria do trato entre as pessoas, de maior respeito e aceitação mútua, mesmo em face dos diferentes papéis e funções exercidas no trabalho performático inspirado na obra O jardim de Liz, de Polyana Matumoto. Acreditamos que a percepção de si mesmo, do eu de cada um/a, foi ampliada e aprofundada no trabalho coletivo, como modo de se perceber como indivíduo, ou seja, quem verdadeiramente se é.

É importante ressaltar o fato de que a escola possui um papel essencial na formação de um indivíduo, cuja formação implica construção de valores éticos, de cooperação, inclusão, de aceitação e de transformação social e pessoal. Práticas artísticas e musicais promoveram o desenvolvimento de várias habilidades como: a oralidade, desinibição, movimentação corporal, concentração, memorização, dentre outras. Em relação a isso, a possibilidade de ser, ao mesmo tempo, participantes e pesquisadoras em uma escola pública, nos colocou imersos em uma situação a qual se revelou potente na apreensão de modos de ser, de conviver, de aprender, de se sentir capaz e orgulhoso de si nas práticas musicais e artísticas realizadas.

Assim, podemos dizer que as práticas desenvolvidas nesse projeto de pesquisa se revelaram um campo fértil para estudos aprofundados em Educação, Arte e Psicologia, o que nos leva a crer que é preciso dar continuidade aos trabalhos de pesquisa para melhor compreender em que medida práticas artísticas e musicais contribuem para o levantamento de dificuldades de aprendizagem e socialização, tema de nossos estudos.


 

* Priscilla Queiroz Messias é graduanda em Psicologia na UEMG/Ituiutaba, bolsista FAPEMIG. E-mail: priscila.queirozm@hotmail.com.

** Denise Andrade de Freitas Martins é doutora em Educação (UFSCar) com Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE), Maputo/Moçambique (bolsista CAPES); professora na UEMG/Ituiutaba; pesquisadora na linha de Práticas sociais e processos educativos. E-mail: denisefmatins@outlook.com.

 

Referências

BARBOSA, Ana Mae. A multiculturalidade na educação estética. In: Africanidades brasileiras e educação [livro eletrônico]: Salto para o futuro. TRINDADE, Azoilda L. (Org.). Rio de Janeiro: ACERP; Brasília: TV Escola, 2013. 1,58 Mb; PDF. p. 220-225. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/207338664/Livro-Africanidades-Brasileiras-Educacao. Acesso em: 15 de janeiro de 2017.

BEDRAN, Beatriz Martine. Flor de maracujá. Rob Digital, 2004, Faixa 10 (2min. 43s.).

BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto, 1994.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Brasília:

MEC, 2003.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008. Brasília:

MEC, 2008.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei n. 11.769, de 18 de agosto de 2008. Brasília:

MEC, 2008.

COPPETE, Maria C. Educação para a diversidade numa perspectiva intercultural. In: Revista Pedagógica – UNOCHAPECÓ – Ano-15 – n. 28 vol. 01 – jan./jun. 2012.

CASTIANO, José. P. Referenciais da filosofia africana: em busca da intersubjectivação. Maputo: Sociedade Editorial Ndjira. 2000.

DEL PRETTE, Zilda Aparecida Pereira; DEL PRETTE, Almir. Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. 5ª ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

FRANÇA, Cecília Cavalieri. Menina. Belo Horizonte: Gravadora CompactDisc, 2003, Faixa 2 (2min. 30s.).

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2005.

GARNICA, Antonio V. M. Algumas notas sobre pesquisa qualitativa e fenomenologia. Interfaces, Botucatu. n. 1, p. 109-122, agosto 1997.

GONÇALVES JUNIOR, Luiz. Lazer e trabalho: a perspectiva dos líderes das centrais sindicais do Brasil e de Portugal em tempos de globalização. In: Luiz Gonçalves Junior.

(Org.). Interfaces do lazer: educação, trabalho e urbanização. São Paulo: Casa do Novo Autor, 2008. p. 54-108.

ILARI, Beatriz. Música, empatia e comportamentos pró-sociais em crianças. In: SIMPOM, 3., 2014, Rio de Janeiro. Anais…Rio de Janeiro: UNIRIO, 2014.p. 24-33. Disponível em: http://www.seer.unirio.br/index.php/simpom/issue/view/173.ilariAcesso em: março de 2017.

GUNCHO, M. R. A educação à distância e a biblioteca universitária. In: SEMINÁRIO DE BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS, 10., 1998, Fortaleza. Anais… Fortaleza: Tec Treina, 1998. 1 CD-ROM

KATER, Carlos. O que podemos esperar da educação musical em projetos de ação social. In: Revista ABEM. Porto Alegre: Associação Brasileira de Educação Musical, n.10, p. 43-51. março 2004.

KOELLREUTTER, Hans-Joachim. O espírito criador e o ensino pré-figurativo. In: KATER, Carlos (Ed.). Cadernos de Estudo: Educação Musical, São Paulo: Atravez, n. 6, p. 1-7, 1996.

LARROSA-BONDÍA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, n.19, p.20-28, 2002.

MACHADO, Ozeneide. V. M. Pesquisa qualitativa: modalidade fenômeno situado. In: BICUDO, Maria Aparecida V.; ESPOSITO, Vitória Helena C. (Orgs.). A pesquisa qualitativa em educação: um enfoque fenomenológico. Piracicaba: UNIMEP, 1994. p. 35-46.

MARTINS, Joel; BICUDO, Maria Aparecida V. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Moraes, 1989.

MARTINS, Denise Andrade de Freitas. Desvelando para ressignificar: processos educativos decorrentes de uma práxis musical dialógica intercultural (Tese Doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil. 2015.

MATUMOTO, Polyana A. O jardim de Liz. São Paulo: Chiado, 2015.

OLIVEIRA, Maria Waldenez et al. Processos educativos em práticas sociais: reflexões teóricas e metodológicas sobre pesquisa educacional em espaços sociais. In: OLIVEIRA, Maria Waldenez; SOUSA, Fabiana R. (Orgs.). Processos educativos em práticas sociais: pesquisas em educação. São Carlos: EdUFSCar, 2014. p. 29-46.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

NOGUEIRA, M. A. A música e o desenvolvimento da criança. Revista da UFG, v. 5, n. 2, 2003. Disponível em: https://teste.proec.ufg.br/revista_ufg/infancia/G_musica.html. Acesso em: dez. 2017.

SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8ª ed. Campinas: Autores Associados, 2003.

TATIT, Paulo; PERES, Sandra. Menina moleca. Palavra cantada, 2005. Faixa 7 (2min. 14 s.).

 

Notas

[1] Os nomes são fictícios, de modo a garantir ética e privacidade na pesquisa.

[2] Sinopse: Liz era uma garotinha que possuía uma beleza única, sorriso fácil e bom coração. Passava a maior parte dos seus dias no jardim de sua casa, que tanto amava! Aconteceu que chegou o dia de seu sétimo aniversário. Sua mãe, que adorava preparar festas e recepções, não perderia a oportunidade de dar uma bela festa à sua amada filha. Enfim, chegara a hora de cantar Parabéns. Seu coração estava extasiado e batia cada vez mais forte ao se aproximar o momento de seu pedido especial. Quando finalmente a música terminou e os gritos e palmas explodiram, Liz fechou os olhos, desejou profundo, sus- pirou com fé e soprou as velas de uma só vez. Por um milésimo de segundo tudo parou e algo mágico estava para acontecer. Mal sabia Liz que estava prestes a viver uma grande aventura! Seu desejo de aniversário de descobrir os segredos de seu jardim havia se realizado e ela poderia conhecer todos os Alam que moravam nele. Os Alam eram os seres mágicos da natureza responsáveis pelas transformações que ela assistia dia após dia; em cada renascer, em cada florescer, em cada reviver de seu jardim do coração. Com cada um deles, Liz aprendeu lições valiosas, que a guiariam por toda a sua vida.

[3] Os encontros aconteceram nas salas de aula da escola sede dos/as estudantes participantes, com exceção das apresentações (três ao todo), as quais foram fora da escola sede.