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Rua México | de Raúl Antelo

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La vie ne peut plus être une répetition bénie des providences complices du sillon de chiourme assommée au squelette privé de revenant puisque de chaque sillon pareil Zapata fait lever la moisson a jamais mûre des chants deshéritiés.
Benjamin Péret – Air méxicain

Seria fácil demais, além de simplificador, qualificar o deslocamento mexicano de Silviano Santiago, como simples surrealismo etnográfico, à maneira de James Clifford. A título hipotético, e mesmo que paradoxal, diria, entretanto, que o México constitui, na obra de Silviano Santiago, um dispositivo, quase secreto, porém, muito eficiente, para abandonar os estudos literários e, simultaneamente, introduzir a máquina poética no estudo da cultura. É sob esse viés, de não repetição da vida abençoada de que fala Péret, que gostaria de abordar o problema.

Antes de mais nada, cabe esclarecer que, a partir da lição de Foucault, renovada, recentemente por Giorgio Agamben, entendo por dispositivo um conjunto certamente heterogêneo, onde encontramos não só discursos, mas também imagens e instituições, regras e práticas artísticas, normas administrativas, enunciados filosóficos ou preceitos morais, em outras palavras, um conjunto variado do dito, mas também o conjunto daquilo não-dito por uma cultura. O dispositivo constitui-se enquanto rede e ele é, portanto, descontínuo e lacunar. Emerge em situações estratégicas específicas, daí que detenha uma força indisfarçável no jogo do poder. Restaria observar, porém, que o dispositivo é muito mais geral do que um determinado saber por que, enquanto a episteme é um procedimento basicamente discursivo, o dispositivo de que quero falar é não só discursivo, mas também não-discursivo[1]. Em resumo, pretendo analisar uma instância heterogenética, que não obedece a uma teoria do desenvolvimento evolutivo ou linear, mas, por atender à lógica do significante, opera pelo contrário em rede, já que nela se inclui a distinção entre aquilo que é aceito por uma sociedade como enunciado de saber e aquilo que essa mesma comunidade desconsidera como conhecimento cabal.

El anillo de Zapata

Muito antes de Zapata aparecer, em Viagem ao México, aos olhos de Rosita, como uma figura de mural, “montado em seu garboso cavalo branco”, dizendo adeus a “uma mulher que fica sozinha na paisagem desolada de cactos e magüeys”[2], poderia isolar uma das manifestações mais fortes do dispositivo México em um texto fraco, debole, redigido por Silviano quando ele ainda morava em Buffalo. Trata-se do ensaio “Las botas y el anillo de Zapata”[3]. O objeto em foco pertence sem entraves à cultura pop. É um conjunto de canções escritas por Milton Nascimento e Fernando Brandt e, para analisá-las, Silviano Santiago enuncia a hipótese de que las botas y el anillo de Zapata são o traço distintivo, a senha do Clube da esquina. Extrapola Silviano, a partir desse encontro, de homens e roteiros, em caminhos que se bifurcam, uma constante cultural que, esquemáticamente, afirma que “tudo é estrada nas letras do clube da esquina”. Vago ou impreciso quanto às suas metas, o tal clube da esquina – o bando – dança na estrada e, nessa estrada, ainda, compreende que o sujeito, mesmo a contragosto, terá de se definir, um dia, para além das coordenadas gregárias, como a comunidade dos que não têm comunidade.

Você queria ser o grande herói das estradas.
Você tem medo, só pensa agora em voltar.
Não fala mais da bota e no anel de Zapata.
Você ainda pensa e é melhor do que nada.

É, portanto na raiz e no labirinto, na estrada – nos diz o ensaísta – “nesse grande redemoinho da vida que vão se afirmando os mineiros”, com a ressalva, porém, de que essa estrada já não é um lugar de realidade imediata. Ambivalente, ele é um lugar de fuga, mas é também um lugar de encontro, porque a vida do mineiro é basicamente bandeirante, isto é, pertence àqueles que, segundo Silviano, “de-limitaram pela sua força uma região que seus descendentes aceitam agora como limite”[4], daí a necessidade de se impor uma força, atravessia, a mesma que opera, no Grande sertão, para que uma nova cartografia, moderna e des-territorial, venha finalmente se impor.

Todo desespero do mineiro se acumula, se presentifica no seu encontro com a linguagem. Reconhece, num primeiro movimento, seus limites, reconhece, num segundo movimento, que depositou toda sua crença nesta realidade limitada, neste simulacro, nesta cópia reduzida da realidade sem limites, e num terceiro movimento, tende a reconhecer que sua crença (…) tem fronteiras perfeitamente limitadas, ao contrário dos seus olhos que vagam pelos ‘pastos que carecem de fechos’. Por conhecer e saber aquela fronteira artificial, mas básica para a sua sobrevivência de artista da linguagem, as frases no texto dos mineiros se voltam contra si mesmas, num jogo de descrença e ironia, ironia que muitas vezes existe apenas com relação ao dito pela linguagem.

Quer dizer, portanto, que, na constituição do simbólico, haveria uma segunda etapa a ser vencida, a da descrença com relação ao não-dito pela linguagem, que marcaria, de certo modo, a passagem dos estudos literários aos estudos da cultura. Esse passo já tinha sido dado, a rigor, de maneira concomitante, pelo autor, em um texto anterior, de 1971, que logo ficou célebre, “O entre-lugar do discurso latino-americano”. Repare-se, portanto, que, nesse caso pioneiro, odispositivo México já funcionava como uma autêntica senha de clube da esquina. Absolutamente lacunar, limita-se a um único significante: fiesta. Lemos, com efeito, na conclusão do ensaio: “O escritor latino-americano nos ensina que é preciso liberar a imagem de uma América Latina sorridente e feliz, o carnaval e a fiesta, colônia de férias para turismo cultural”. Mas é na frase final do ensaio que o sentido da fiesta se explicita como entre-lugar em que o escritor se depara com as astúcias da linguagem. É pois na fiesta como entre-lugar, nesse grande redemoinho ético, que vem vindo da pedra-obstáculo e do falso fascínio tecnológico dos poemas de Drummond[5], que o escritor latino-americano (o mineiro aí incluído) de-limita, pela sua força de enunciação, uma região que seus antecessores aceitaram até agora como limite, como non plus ultra, mas que ele de-limita como limiar, como pen-última. A fiesta da linguagem liberta instala-se, assim, “entre o sacrifício e o jogo, entre a prisão e a transgressão, entre a submissão ao código e a agressão, entre a obediência e a rebelião, entre a assimilação e a expressão”, aí, nesse lugar “aparentemente vazio, seu templo e seu lugar de clandestinidade”, ali mesmo, nos diz Silviano, se realiza “o ritual antropófago da literatura latino-americana”.

A antropofagia cultural latino-americana está, portanto, construída em torno a um vazio estrutural – o vazio originário – e, a partir dele, busca um movimento paradoxal. Para reivindicar a metafísica do autêntico, enquanto próprio, ela parte da constatação de que a tradição ocidental existe, que ela legisla e funciona, mas postula, a seguir, um desgarrado linde (Alfonso Reyes diria “el deslinde”), um entre-lugar que guarda a memória do dilaceramento fundacional. Buscam-se assim dois valores contraditórios: de um lado, areapropriação do melhor da cultura universal, para usá-la como arma contra o pior dela mesma, ativando essa força a partir de nossa situação cultural e política altamente ambivalente, em que o Ocidente se contempla a si próprio como o Outro de si mesmo. Vale dizer que “o ritual antropófago da literatura latino-americana” seria a constante construção de uma diferença, que é ainda uma busca, en si mesma, de um modo sul-americano e tropical de sermos universais.

Ora, esse entre-lugar, que nada mais é do que um dos nomes do dispositivo México, supõe uma certa positividade e, nesse sentido, é preciso lembrar o esclarecimento filológico de Agamben, quando estipula que Foucault desenvolveu o conceito de dispositivo precisamente a partir da noção depositivité apresentada por seu mestre, Jean Hyppolite, naIntroduction à la philosophie de l´histoire de Hegel. Segundo Hyppolite, a positividade, conceito-chave no pensamento hegeliano, serviu a Hegel para estabelecer uma diferença entre religião naturalreligião positiva. Enquanto a religião natural volta-se à relação que a razão humana mantém com o divino, a religião positiva, i.e. histórica, abrange o conjunto de crenças, regras e rituais que todo indivíduo recebe numa certa sociedade. Ela implica, portanto, sentimentos que são impressos nas almas através de coerção, gerando assim comportamentos que resultam de uma relação “de mando e obediência e que são acatados sem interesse direto implicado” pelos sujeitos em questão[6] .

Isto posto, relembremos que, em sua argumentação, Agamben destaca, precisamente, uma passagem em que Hyppolite assinala que a positividade é considerada por Hegel como um obstáculo para a liberdade humana e, portanto, deve ser condenada. Porém, ao investigar os elementos positivos de uma religião, Hegel reconsidera a positividade como uma força que precisa ser conciliada com a razão, perdendo assim seu caráter abstrato e vindo se adaptar à riqueza concreta da vida. Ou seja, positividade é o nome que Hegel dá ao elemento histórico (o conjunto de regras, rituais e instituições impostas por um poder externo, muito embora interiorizado nos sistemas de crenças e sentimentos de uma sociedade), donde poderíamos concluir, em resumo, que o conceito de dispositivo, construído a partir da positividade hegeliana, funciona, em Foucault, como osuniversais, aqueles elementos que nos permitem transcender a particularidade a partir de três características bem precisas: a) um sentido jurídico rígido, porque o dispositivo é aquele juízo que comporta uma decisão construída por oposição aos motivos; b) um sentido tecnológico, que alude não só ao maquinário, mas também à sua disposição, à série ou constelação em que os elementos associados se dispõem para seu uso e c) um sentido estratégico, que remete a um certo planejamento ou convergência de movimentos na prática. Todos esses sentidos, no uso foucaultiano, funcionam simultaneamente. Já no dispositivo México, mesmo funcionando como ouniversal da condição periférica, o terceiro deles, que ainda conserva a dimensão militar de uma ação de vanguarda, é bem menos decisivo, certamente, do que os dois primeiros. Tentarei mostrar o motivo disso.

John Kraniauskas detectou nas “ruínas mexicanas” sonhadas por Benjamin o embrião para uma leitura pós-colonial no pensador alemão. Mas qual é, no discurso crítico de Silviano Santiago, a estratégia que o dispositivo Méxicovem ativar? Ele obedece, a meu ver, a uma reconfiguração do papel de crenças e rituais no pensamento moderno que teve, na etnografia francesa de inícios do século XX, sua expressão mais acabada. Essa rede parte da circularidade do dom postulada por Marcel Mauss, mestre, entre outros, de Alfred Métraux quem, em 1928, já produzira uma tese sobre a antropofagia ritual tupinambá. Dois outros alunos de Métraux, Georges Bataille e Roger Caillois, dão abundantes exemplos, em sua produção teórica dos anos 30, dessa marca etnográfica de tempo recursivo e ambivalência funcional. Bataille desenvolverá essas idéias, colhidas em Torquemada, Sahagún ou Prescott, de modo mais acabado, em A noção de despesa e nos capítulos sobre cerimônia, jogo e transgressão de Teoria da religião ou O erotismo[7]. Caillois, por sua vez, vai elaborar, em plena guerra, uma teoria da festa que, em seu vaivém transatlântico, além de conquistar o apoio irrestrito de Oswald de Andrade, logo há de lhe fornecer subsídios para uma teoria da guerra[8]. O tópico, longe de produzir a identificação entre os dois amigos, Caillois e Bataille, selará duas tendências antagônicas no interior do acefalismo francês.

Com efeito, as idéias de uma sociologia sagrada, como se sabe, são decisivas, a longo prazo, no início do debate pós-estruturalista na França, quando, em plena Guerra Fria, constata-se a condição hiperbólica do jogo e da guerra. Octavio Paz manifesta-as na sua conferência sobre o surrealismo de 1954.

Frente a la ruina del mundo sagrado medieval y, simultáneamente, cara al desierto industrial y utilitario que ha erigido la civilización racionalista, la poesía moderna se concibe como un nuevo sagrado, fuera de toda la iglesia y fideísmo. Novalis había dicho: “La poesía es la religión natural del hombre.” Blake afirmó siempre que sus libros constituían las “sagradas escrituras” de la nueva Jerusalén. Fiel a esta tradición, el surrealismo busca un nuevo sagrado extrarreligioso, fundado en el triple eje de la libertad, el amor y la poesía. La tentativa surrealista se ha estrellado contra un muro. Colocar a la poesía en el centro de la sociedad, convertirla en el verdadero alimento de los hombres y en la vía para conocerse tanto como para transformarse, exige también una liberación total de la misma sociedad. Sólo en una sociedad libre la poesía será un bien común, una creación colectiva y una participación universal. El fracaso del surrealismo nos ilumina sobre otro, acaso de mayor envergadura: el de la tentativa revolucionaria. Allí donde las antiguas religiones y tiranías han muerto, renacen los cultos primitivos y las feroces idolatrías[9].

Mas essas idéias de uma sociologia sagrada não têm tão somente o sentido reativamente letrado de Paz. Encontram-se também, é claro, em A escrita e a diferença e, além do mais, pautam a realização dos colóquios de canonização dos precursores acefálicos, como Artaud ou mesmo Bataille[10]. Diríamos, em suma, que, enquanto parte fundamental dodispositivo México, o significante fiesta amarra-se à rede que, na falta de melhor rótulo, poderíamos chamar acefálica, rede essa que articula um conjunto de práticas e mecanismos jurídicos, técnicos e mesmo militares, tanto lingüísticos quanto não lingüísticos, com o objetivo de encarar uma urgência histórica e obter um efeito simbólico preciso: sair do modernismo, abandonar a transcendência.

Saber, sentir

Mas para melhor entendermos os alcances dessa urgência e desse efeito, caberia ainda considerar que, a essas alturas do debate pós-estrutural, por ocasião da morte de Breton, quando Foucault precisamente começa a cunhar seu conceito de dispositivo, o arqueólogo do saber avalia o autor dos vasos comunicantes como um nadador entre duas águas, alguém que, no redemoinho ético contemporâneo, soube construir um entre-lugar de sentir e pensar. Não à toa, Foucault julga reconhecer uma espécie de isomorfismo entre as experiências de Breton, as dele mesmo e as dos integrantes do grupo Tel Quel, admitindo, porém, que quando os pós-estruturalistas propunham o retorno ou a reminiscência, não se colocavam em um espaço, digamos assim, psicológico, como os surrealistas, que, de maneira coletiva ou individual, sempre privilegiaram o trabalho do inconsciente. Ao contrário, os telquelistas, segundo Foucault, preferiam situar essas experiências de escritura no espaço neutro do pensamento. Eles tendiam a explorar um certo número de experiências-limites, como as da razão, e tentavam mantê-las sempre num nível enigmático, porém, absolutamente não-psíquico, do pensamento. Tratava-se, segundo ele, de retomar o esforço, muitas vezes interrompido, de Bataille e de Blanchot[11], porque o denso espaço dessas experiências pioneiras tinha sido sempre o da linguagem. Talvez fosse hoje mais correto dizer que o esforço consistia em abandonar uma leitura fenomenológica da psicanálise, em favor da conjunção de Freud e Heidegger, que é, aliás, o mote de Lacan por esses mesmos anos.

É assim, lembremos, que, muito antes disso, em maio de 1939, pleno início da guerra, Breton dedica um dossiê ao México na revista Minotaure. Decidia publicá-lo numa revista que deixara de circular durante quase um ano e que, ao reatar a periodicidade, lançava seu autêntico manifesto, no número 12-13, o número mexicano, proclamando a eternidade da revista já que Minotaure, la révue à tête de bête se diferenciava de qualquer outra publicação “à tête de membre de l´Institut ou de conservateur de musée”. Esse manifesto, “Eternité de Minotaure“, mesmo não assinado, pertence, obviamente, a Breton e seu gesto diferencial, em nome de uma sociologia sagrada, consiste, basicamente, em um texto seu, “Lembranças do México”, que foi concebido sob a chancela de las botas y el anillo de Zapata, cuja imagem, aliás, de corpo inteiro, no traço de José Guadalupe Posada, fecha, por sinal, em forma de vinheta, o caderno mexicano. A linguagem e o espaço aí ativados por Breton inserem-se na rede que nos conduz ao vazio das gerais que Silviano passará a evocar no ensaio de 1973.

Terra roxa, terra virgem impregnada do mais generoso sangue, terra onde a vida do homem não tem preço, sempre disposta como piteira, até se perder de vista, a exprimi-la, para ser consumida como uma flor de desejo e de perigo. Resta, ao menos, um país onde o vento da libertação não decaiu. Esse vento em 1810, em 1910, uivou irresistivelmente com a voz de todos os órgãos verdes que lá aparecem sob o céu de tormenta: um dos primeiros fantasmas do México é o de um desses cactos gigantes, tipo castiçal, por trás do qual aparece, com os olhos em chamas, um homem com um fuzil. Não é preciso discutir essa imagem romântica: séculos de opressão e de louca miséria deram-lhe em duas oportunidades uma deslumbrante realidade, e essa realidade nada pôde fazer para permanecer latente, para continuar sendo gerada pelo sonho aparente das extensões desérticas. O homem armado continua estando ai, sob seus farrapos esplêndidos, como só pode se levantar, bruscamente da inconsciência  e da desgraça. Destacar-se-á, de novo, dos próximos obstáculos no caminho, conduzido por uma força desconhecida, irá em direção aos outros, pela primeira vez se reconhecerá neles. Não nos detenhamos  na rigidez que, ao cabo dessas aventuras, acarreta a formação de toda hierarquia militar: no México, pode se enfeitar com o título de General qualquer um que tenha sido ou que seja capaz ainda de movimentar, por sua exclusiva iniciativa, um certo número de homens recrutados individualmente nos campos. Os ‘Generais’ de que falo, formados em sua maioria na escola rude de Emiliano Zapata, e alguns dos quais mantêm o poder, continuam participando eles próprios, é preciso dizer, nesse admirável mutirão da terra que logo completará trinta anos e conduziu à vitória os peões ou trabalhadores rurais indígenas que constituem o elemento mais horrivelmente espoliado da população. Não conheço nada mais exultante que os documentos fotográficos que nos restituem a luz daquela época, como a vista de um desses acampamentos de insurgentes, de pé no chão, que apesar da disparidade de suas roupas e de suas atitudes, unem-se em uma mesma feroz resolução do olhar. Os grandes enlevos podem parecer caducos, as aldeias construídas sobre o reles intercâmbio de pimenta por cerâmica podem dar a impressão de terem fechado as pálpebras, mesmo se nelas, como em outros lugares, a corrupção deu cabo de uma boa parte do aparelho estatal, mesmo assim, o México arde com todas as esperanças que foram colocadas sucessivamente em outros países – a URSS, a Alemanha, a China, a Espanha -, que no último período histórico tornaram-se dramaticamente frustrantes mas das quais sabemos que acabarão por derrotar as forças que as quebraram, que são inseparáveis da ação humana naquilo que esta tem de mais misterioso, de mais vivo, que é de sua natureza tornar a despontar, até mesmo a partir das ruínas dessa civilização[12].

Foucault julgava existirem duas grandes famílias de fundadores da modernidade. Há os que edificam e colocam a pedra fundamental, e há os que escavam e esvaziam. Labirintos, raízes. Entendia estarmos mais próximos destes últimos, os escavadores de poeira, e por isso sermos mais vizinhos de Nietzsche que de Hegel, mais afins de Klee do que de Picasso. E, surpreendentemente, Foucault inscreve Breton nessa segunda linhagem, com o argumento de que a instituição surrealista mascarou os grandes gestos mudos que abriram o espaço para eles próprios. “Através de ritos que pareciam excluir, fazer crescer o deserto nele colocando limites aparentemente imperiosos”, Breton teria instalado o vazio da linguagem no cerne da escritura; por isso Foucault via a si próprio e à sua geração como um mero conjunto de dançarinos, girando, sem resposta, em torno do “espaço sagrado que envolvia o relicário de um Breton, estirado imóvel e revestido de ouro; isto não para dizer que ele estava longe de nós, mas que estávamos próximos dele, sob o domínio do seu espectro negro. A morte de Breton, hoje – diz Foucault -, é como a reduplicação do nosso próprio nascimento. Breton era, é um morto todo-poderoso e muito próximo”[13]. Não erra quem associe esta cena de Foucault perante o esquife de Breton com Glauber Rocha filmando o enterro de Di Cavalcanti no MAM.

Herdeira da Documents de Georges Bataille e Carl Einstein, como espaço de estudo do homo oeconomicus, a revista em que Breton publica seu dossiê mexicano, Minotaure, além de nos alertar para a reivindicação surrealista de uma mitologia urbana de vanguarda[14], nos instala na noção delabirinto[15], explorada pouco depois por Octavio Paz, quem, por sinal, tinha uma visão extremamente mimética com relação a Breton. O precursor encarnava, a seu ver, a potência ativa do sonho. A passio do saber.

Para él los poderes de la palabra no eran distintos a los de la pasión y ésta, en su forma más alta y tensa, no era sino lenguaje en estado de pureza salvaje: poesía. Breton: el lenguaje de la pasión – la pasión del lenguaje. Toda su búsqueda, tanto o más que exploración de territorios psíquicos desconocidos, fue la reconquista de un reino perdido: la palabra del principio, el hombre anterior a los hombres y las civilizaciones. El surrealismo fue su orden de caballería y su acción entera fue una Quête du Graal. La sorprendente evolución del vocablo querer expresa muy bien la índole de su búsqueda; querer viene dequaerere (buscar, inquirir) pero en español cambió pronto sentido para significar voluntad apasionada, deseo. Querer: búsqueda pasional, amorosa. Búsqueda no hacia el futuro ni el pasado sino hacia ese centro de convergencia que es, simultáneamente, el origen y el fin de los tiempos: el día antes del comienzo y después del fin[16].

Paz, à maneira metafísica de Borges ou Drummond, busca um meio do caminho, anterior ao começo e posterior ao fim[17]. Está nos dizendo que, quando a linguagem começa, o ser já está aí presente e, ao mesmo tempo, quando queremos começar a travessia pela metafísica do ser, sempre nos defrontamos, entretanto, com a ausência de suporte do sentido, a máquina do mundo, o buraco negro da ausência na linguagem. A leitura de Foucault é um pouco mais radical. Ele julga que Breton teria afirmado, à maneira de Gide, o escritor-guia do jovem Silviano, a deliciosa ignorância da literatura, através da inclusão do núcleo indestrutível da sombra colocado no coração mesmo da luz e, por essa via, Breton teria abolido a distância entre saber e escritura, como uma forma de impelir o homem em direção aos seus limites. A imaginação deixava assim de ser um efeito do fundo obscuro dos sentimentos para se tornar uma figura na densidade luminosa do discurso. Por isso diríamos que, a seu modo, Breton joga o primeiro lance do seu peculiar dispositivo México quando anota que

O México convida-nos imperiosamente a esta meditação sobre os fins da atividade humana, com suas pirâmides feitas de várias camadas de pedras correspondentes a culturas muito distantes que foram sendo recobertas e obscuramente penetradas pelas outras. As sondagens dão aos sábios arqueólogos a chance de vaticinar sobre as diferentes raças que foram se sucedendo neste solo e fizeram nele vingar suas armas e seus deuses. Porém, muitos desses monumentos estão ocultos ainda sob a grama e confundem-se, tanto de longe quanto de perto, com as montanhas. A grande mensagem dos túmulos, que por caminhos livres de suspeita difunde-se muito mais do que se decifra, carrega o ar de eletricidade. O México, mal despertando de seu passado mitológico, continua evoluindo sob a proteção de Xochipilli, deus das flores e da poesía lírica, e de Coatlicue, deusa da terra e da morte violenta, cujas efígies, dominando em patetismo e intensidade todas as outras, trocam palavras inspiradas e gritos roucos, de uma ponta a outra do museu nacional, por cima das cabeças dos camponeses índios que são seus visitantes mais numerosos e de maior recolhimento. Este poder de conciliação da vida e da morte é sem dúvida o principal atrativo de que dispõe o México. A esse respeito mantém aberto um registro inesgotável de sensações, desde as mais benignas até as mais insidiosas. Não há nada como as fotografias de Manuel Álvarez Bravo para descobrirmos esses pólos extremos.

É, portanto, na anestetização da experiência, ativada pela mediação tecnológica das fotografias de Álvarez Bravo, que Breton percebe a chave para captar o sentido do sem-sentido, daí ser a máquina do mundo o dispositivo que, apesar dos pesares, nos desvenda o inconsciente ótico – “na vida de minhas retinas tão fatigadas” – configurando assim uma rede significante que, no caso de Breton, é formada pela superposição, entre outros elementos, de uma cabeça e uma mão mumificadas. A pose da mão e o brilho nacarado, fruto da aproximação dos dentes e da unha, descrevem, a seu ver, um mundo suspenso, palpitando em direção a instâncias contraditórias e esse pensamento por constelações lhe permite então concluir que, de uma tal arte, profundamente alegórica, todo acaso parece ter sido excluído em absoluto.

A esse respeito, conta-nos, por exemplo, o escritor que, em seu périplo com César Moro pelas ruas da capital, provavelmente à cata de peças para a exposição surrealista organizada por ambos, descobriu umas fotografias em uma loja de antiguidades que decidiu incluir no dossiê. Encantou-se nelas pela figura de uma Nadja asteca que pousara nua para um desses cartões postais. Era a mulher do próprio antiquário que, por sinal, acabava de ser assassinada, aos noventa anos. Chamava-se madame Vaudeville. Não havia mais espaço, de fato, para o fortuito. Tudo, absolutamente tudo, daí em diante, se tornaria significante[18]. A tal ponto que não podemos atribuir inocência ou acaso ao fato de lermos, no limiar de As raízes e o labirinto da América Latina, uma esclarecedora passagem de Breton em L´amour fou.

Observarei, de passagem, que estes dois achados [um elmo e uma colher de pau semelhante ao sapatinho de Cinderela] que Giacometti e eu descobrimos juntos no Marché aux Puces não correspondem a qualquer desejo de um de nós dois, mas sim ao desejo de um de nós, ao qual o outro, por razões de caráter particular, se encontra associado. […] Aventuro-me a dizer que os dois indivíduos que andam um ao lado do outro constituem uma única máquina de influência engatilhada. […] O elo de simpatia que une dois ou vários seres parece que ajuda a encontrar soluções que cada um, de per si, procuraria em vão[19].

Veremos mais adiante de que modo essa estrada compartilhada por dois amigos opera na escritura de Silviano. Voltemos, porém, à evocação mexicana de Breton. Quando essa sua lembrança do México foi recolhida em La Clé des Champs, o poeta preferiu encerrar a evocação com a frase paradigmática é assim a beleza que, a rigor, soa como um imperativo, assim deve ser a beleza, se não fosse porque, algumas páginas à frente da reportagem de Minotaure, se reproduz uma gravura popular, a cena de um duelo, em meio a uma fiesta com o título “Esta es la vida”, que Breton traduz, duchampianamente, “c’ est la vie”. Coloca-se, assim, de maneira enigmática e cifrada, uma brecha dissolvente entre narrativa e ficção, a mesma, por sinal, que Silviano tentará pôr à narrativa Em liberdade. É sintomático, também, a esse respeito, lembrar que Foucault destacasse, por exemplo, a profunda incompatibilidade entre Sartre (nosso Graciliano) e Breton (nosso modernismo experimental). Argumentava que, enquanto para o primeiro a escrita faz parte do mundo, para o segundo, ela constitui a antimatéria do mundo, a compensar todo o universo perdido. Por isso, muito embora a maioria das descobertas bretonianas já se encontrasse anunciada por Nietzsche ou Mallarmé, coube, entretanto. ao surrealista francês a fixação de um entre-lugar experimental, que já não é o da filosofia, nem o da literatura, nem o da arte[20]. Segundo Foucault, o recorte do domínio da experiência permitiu a Breton descobrir o entre-lugar do escritor europeu, aquele a partir do qual contestar não apenas todas as obras literárias já existentes, mas a própria existência da literatura; aquele a partir do qual abrir à linguagem possíveis domínios, até então, silenciados ou marginais. E isto por um motivo muito simples: porque, como já nos disse Marta Traba, a apreensão da pintura muralista mexicana é fundamentalmente narrativa o que favorece, em contrapartida, a noção de que a cultura da imagem—fotografias, xilogravuras populares, ícones pop – só pode ser lida em chave discursiva ou até mesmo poética. São figuras, sim, mas figuras de linguagem. Qual seria, então, diante dessa dúplice remissão de estratégias de leitura, o entre-lugar do escritor latino-americano?

Cabe, para tanto, voltarmos, mais uma vez, à “Lembrança do México” para analisar um pormenor, o diálogo que Breton manteve com Diego Rivera, acerca de qual seria, por ventura, o romance capaz de dar conta dessa experiência extrema que ambos estavam atravessando no México. Breton não se fez de rogado. Ele logo admite alimentar um desdém, com relação ao romance, que longe de diminuir, fortaleceu-se ao ler o que de melhor se publicara sob esse rótulo, e fundamenta seu juízo crítico porque o romance tentaria tão somente captar “um certo estado da verdade em que ele foi empurrado a adquirir um valor inapreciável, único, e exige, por isso mesmo, um total despojamento”. Contra essa convicção, referencialista, da arte contemporânea, Breton propõe a aposta ficcional do próprio Rivera, cuja linguagem possuiria, na esteira de Maldoror, “esse sentido inato da poesia, da arte, que deveriam, que devem ser feitas por todos, para todos e das quais procuramos desesperadamente na Europa o segredo perdido”[21]. É bom lembrar, por exemplo, que, em 1937, Rivera pinta uma aquarela, Raízes (hoje conservada na coleção Mimi Indaco), que estabelece um vínculo indissociável com a leitura recente de Silviano e que, além disso, a capa do dossiê mexicano para Minotaure, originalmente em cores da terra, é substituída por um amarelo chocante que Rivera certamente deve ter julgado de maior impacto contra o labirinto preto da grafia e dos símbolos nacionais. Talvez seja por isso que Breton reconheça, em Rivera, malgré lui-même, o ato de “projetar uma luz bastante poderosa, não apenas em retrospecto, mas também prospectivamente, elevando-se, para além dos destinos do México, a uma consciência sempre mais alta da marcha do universo”. É o surrealismo a serviço da Revolução, que coincide, aliás, com a opinião de Luis Cardoza y Aragón, quando argumenta ser imperioso conceder importância à obra dos pintores que cada dia mais se afastam do muralismo.

La actitud de estos artistas es más honrada, más apasionada su aparente indiferencia por lo que, vulgarmente, se llama la realidad mexicana. Ningún nacionalismo necio, ningún prejuicio tonto de una supuesta cultura nacional, ningún compromiso con la iglesia creada por el Estado priva en ellos. Arte heroico dedicado al caso verdadero de México; el caso universal de la cultura. Y como el llamado afrancesamiento de las letras, esta actitud de la pintura obedece también a claro concepto de la evolución del arte y su función social. Trata de formar tradición, de ser moderno en el sentido que este vocablo tiene desde la antigüedad, sentido clásico y, por ende, revolucionario. Porque esos compromisos que transforman el arte en academia, esas tentativas de imposible equilibrio, ese juego con la demagogia del Estado, no son nunca arte de proletarios, ni para proletarios[22].

Por isso mesmo, Breton também desdenha as pinturas de Orozco, mesmo que elas obedeçam “ao paradoxo espanhol que julga que a crença deve se manifestar agora e sempre através da blasfêmia”. Não sendo pela via da transgressão linear (que, ao desacatar a norma, mesmo sem querer, renova-a) o dispositivo México apresenta, de uma maneira tão generosa quanto discutível, dois pólos referidos à historicidade que permitem a Breton explicar, no plano sensível, a particularidade e a amplitude desse movimento cultural e social que cresce sob a guerra numa província ultramarina: o anacronismo e a vontade de antecipação.

Fiesta

En vez de hacer arte con la política, se hace política con el arte – como diría Juan Ramón Jiménez. Qué campo es México para darnos cuenta de ello.
Luis Cardoza y Aragón – Pintura Mexicana Contemporánea

Não é possível, todavia, desconhecermos, no dispositivo México, o lastro que a dis-positio mantém com o conceito deGestell do último Heidegger, cuja etimologia, por sinal, é afim à de dis-positio. Agamben nos relembra que dispositivo conecta-se com o alemão stellen, que se corresponde ao verbo latino ponere e, nessa linha de raciocínio, observa que todos esses conceitos referem-se, a seu ver, a umaoikonomia, i.e., a um conjunto de práticas, de saberes, de instituições, cujo objetivo é administrar, controlar e orientar, em um sentido proveitoso, os comportamentos, os gestos e até mesmo os pensamentos dos homens.

Admitindo assim a existência, de um lado, da ontologia das criaturas e, de outro, da oikonomia dos dispositivos que tratam de governá-las, Agamben, na esteira de Foucault, mas não menos do homo oeconomicus dos pensadores acefálicos, redefine o dispositivo como tudo quanto, de algum modo, tenha a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e garantir os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos humanos[23]. Nessa atual reconfiguração do dispositivo teríamos, então, mediando entre os seres vivos e as substâncias, um entre-lugar, o dos dispositivos; e, entre eles, como uma terceira margem, os sujeitos, que resultariam da relação ou, para retomarmos a expressão do próprio Agamben, que seriam fruto do corpo a corpo entre os viventes e os aparelhos. Nesse sentido, a subjetividade não seria nada além de uma simples disseminação dos sentidos, o que acrescentaria ao dispositivo o aspecto de mascarada que, de resto, sempre acompanhou, na cultura européia, a elaboração ficcional da identidade pessoal[24]. É neste ponto que podemos retomar a leitura telqueliana da fiesta.

Se, a princípio, boa parte das elaborações pós-estruturalistas procede da experiência anterior a respeito da linguagem como vazio e se, a seguir, o estímulo para essas elaborações encontra-se na relativa indecidibilidade entre arte e cultura, nas práticas e cerimônias colhidas pelos etnógrafos franceses, em seu estudo da antropofagia ritual, devemos então reconhecer, mesmo que ignorada, a sombra tutelar de Oswald de Andrade na figura da profanação com que Agamben acaba redefinindo a noção foucaultiana dedispositivo. Em outras palavras, o dispositivo México mantém certo isomorfismo com a teoria da profanação desenvolvida por Agamben e esta, por sua vez, com uma antropofagia repotencializada pelo neoconcretismo dos anos 70. Nenhuma surpresa, portanto, na conjunção Silviano Santiago-Hélio Oiticica.

Com efeito, se examinamos a teoria da profanação de Agamben podemos observar que o filósofo italiano parte de uma distinção operativa no direito romano, a de que sagradas ou religiosas eram as coisas que pertenciam aos deuses, pois elas estavam subtraídas ao livre uso e à circulação entre os homens. Não podiam ser vendidas nem outorgadas como empréstimo, não podiam ser cedidas em usufruto ou taxadas pelo imposto. Sacrílego, no entanto, era todo ato que violentasse ou transgredisse essa indisponibilidade dos objetos, que ficavam reservados, exclusivamente, aos deuses celestiais (daí serem sagrados) ou infernais (religiosos). Nesse sentido, se consagrar (sacrare) era o termo que designava a saída das coisas da esfera do direito humano,profanar significava, pelo contrário, restituir um objeto ao livre uso dos homens. Pura, profana, livre dos nomes sagrados chamava-se, assim, a coisa restituída ao uso comum dos homens, algo ao qual não se tem acesso de forma natural, mas através de um conjunto de dispositivos, ou mais especificamente, de um deles, chamado profanação.

Assim definidos os termos do debate, a religião seria aquilo que afasta lugares, animais ou pessoas do uso comum e os transfere para uma esfera separada. Só há religião onde há separação, mas, por isso mesmo, toda separação conserva em si um núcleo autenticamente religioso. O dispositivo que regula a separação é o sacrifício. Através de uma série de rituais minuciosos, pacientemente inventariado por Mauss, Métraux e vários outros autores, o sacrifício sanciona a passagem de algo que pertence ao campo do profano para o campo do sagrado, saindo da esfera humana em direção à divina. Nesta passagem, destaca Agamben, a soleira ou limiar que deve ser ultrapassado pela vítima, a cesura que divide as duas esferas, é de importância crucial. Não há profanação, em outras palavras, sem entre-lugar de verdade e justiça, sem margem entre dizer e fazer. Portanto, uma das formas mais elementares de profanação consiste no contato entre o sagrado e o profano, durante o próprio sacrifício, contato esse que regula a passagem da esfera humana para a esfera divina. Uma parte da vítima, as vísceras, é reservada aos deuses, ao passo que o que dela resta pode ser consumido pelos homens. Basta com que aqueles que participam do ritual toquem nessas carnes puras para que elas sejam profanadas e possam, automaticamente, ser comidas. Há, portanto, um contágio profano, um toque que desencanta e restitui ao uso las botas y el anillo de Zapata,i.e. aqueles atributos que o ritual sagrado previamente separara e petrificara como atributo dos homines sacri.

Mas a passagem do sagrado ao profano pode, certamente, ativar-se através de um uso incongruente do sagrado. É a lógica do jogo e da fiesta estudada pela sociologia sagrada de Caillois e Bataille. Mesmo tomando distância deles, em nome de um uso que ele ainda reputa estético, Agamben não pode desconhecer que a esfera do sagrado e a esfera do jogo estão estreita e mutuamente vinculadas[25]. Essa conexão, a seu ver, encontrou uma formulação superior quando Benjamin observara, logo no início de sua carreira, que o capitalismo é a única religião que dispensa o dogma, em outras palavras, ele se reproduz por profanação e, por isso mesmo, desconhece de antemão a sacralidade de qualquer prática ou objeto. Assim, o capitalismo é, de um lado, uma religião cultual, sendo que esse seu culto é, aliás, permanente, e, em última análise, trata-se de um culto não-expiatório, mas abertamente culpabilizante[26]. Tal a festa tecnológica da sociedade espetacular, segundo o diagnóstico situacionista.

Enrico Maria Santi, por sua vez, observa que, quando Octavio Paz analisa uma instituição como a fiesta, ele está realizando uma operação “etnográfico-surrealista”, que implica “una crítica de la cultura a base de la desfamiliarización y la reordenación de objetos culturales con el propósito de descubrir su contenido latente sagrado y así reinvertirlos de sentido y valor”. É por isso que, no Apêndice a O Labirinto da Solidão, Paz reivindicará a necessidade de resgatar o elemento sagrado da vida cotidiana. A fiesta é, assim, “algo más que una fecha o un aniversario”, já que “abre en dos el tiempo cronométrico para que, por espacio de unas breves horas inconmensurables, el presente eterno se reinstale”. E, da mesma forma em que “el amor y la poesía nos revelan, fugaz, este tiempo original”, “cada poema que leemos es una recreación, quiero decir: una ceremonia ritual, una Fiesta”. Segundo Santi:

Lo que subyace a toda esta operación analítica – lo que permite la lectura fresca que descubre nuevas e insólitas relaciones – es una nueva concepción de la cultura, no por cierto como entelequia (…) sino como laboratorio donde se disuelven, entre otras cosas, las jerarquías entre “alta”y “baja” culturas. Por eso en el libro la letra de un huapango aparece al lado de una cita de La Jeune Parque; reflexiones sobre los mitos aztecas comparten el mismo espacio con otros sobre la Universidad de Berkeley; y las obscenidades más groseras se juntan a los versos más refinados de Rubén Darío. Todo se vuelve fuente de sentido, todo nos revela, si sólo lo miramos con ojos frescos y en relación con lo demás[27].

A máquina do mito

Chegados a este ponto da análise, é bom não perdermos de vista que a fiesta é um dos nomes daquilo que Furio Jesi chamou de máquina mitológica e que se identifica com o próprio eu do artista moderno, até o ponto de coincidir perigosamente com sua possibilidade ou, melhor dizendo, sua impossibilidade de dizer eu. Como argumenta Bataille, o dissidente do após-guerra, o eu é a ausência de eu, a “naderia” da personalidade entendida como potencialização do falso. Nesse sentido, o eu é tão somente o motor de todo mito, um decalque ou máscara subjetivos, mera teatralização a duas vozes da indecibilidade que é todo e qualquer indivíduo. Não em vão lemos em Viagem ao México:

Artaud percebe o homem mexicano como que escondido sob um véu (e não uma máscara) de docilidade. O olhar do outro não se estanca diante do significado em si da máscara, é levado a devassar o que está por detrás do véu, escondido de maneira exibicionista. A docilidade não serve para disfarçar a desigualdade da condição social do antagonista naquela situação e no ambiente do restaurante; ela não tem adornos da teatralidade trágica; é antes o modo envergonhado, quase caricato, cômico, trasvestido, como o ser subalterno expõe ao privilegiado pela sorte e o dinheiro a força inabalável da sua personalidade machucada, amputada pelo trabalho. Se a fala do mexicano se reveste de uma casca suculenta de chocolate e serve para abrir o apetite, a personalidade dele é como a amêndoa escondida que só aparece se a mordida for dada no bombom. E é melhor se preparar para a decepção. Quase sempre a castanha está chocha[28].

A máquina mitológica implica, portanto, não só a possibilidade de conhecer a festa, como também a possibilidade do ego scriptor, tendo tido acesso à própria experiência, se conhecer, enfim, a si mesmo[29]. A festa de Silviano com Graciliano é precisamente essa. Relembremos, porém, que a partir da leitura da festa realizada por Jesi, Agamben conclui que o dispositivo maquínico, que parecia manter distância ótima com relação ao mito, funciona, na verdade, como um paradigma genuinamente poético, estabelecendo-se, a rigor, completa reversibilidade entre linguagem e sociedade. Tanto para Jesi quanto para Agamben, que compartilham, aliás, certo esoterismo rilkiano, o modelo gnoseológico-poético individual, ou no caso de Silviano, o dispositivo México, torna-se, em última instância, a definição mesma da condição ética, já que, como usuário privilegiado da linguagem, o escritor depara-se, afinal de contas, com a não-coincidência, com o vazio fundacional, a mediar entre o tempo do enigma e o tempo da história, aquilo, justamente, que define o cerne de Em liberdade[30]. Em função dessa falta, a máquina mitológica, longe de se opor à linguagem, determina, em última análise, o próprio ser falante do homem, sua estrutura ficcional irredutível.

Sobrancería

Essa solução teria encontrado uma realização superior no projeto que veio ocupando Silviano Santiago nos últimos tempos: As raízes e o labirinto da América Latina (2006). Nesse capolavoro Silviano potencializa o anacronismo e até mesmo a atribuição errônea ao ler, em paralelo, as Raízes do Brasil(1936), de Sérgio Buarque de Holanda, e O Labirinto da Solidão (1950), de Octavio Paz. Silviano vem acrescentar o livro de Sérgio Buarque à constelação dos quatro pilares do ensaísmo de construção identitária proposta por Enrico Mario Santi: Radiografía de la pampa (1933) de Ezequiel Martinez Estrada,Casa Grande e Senzala, do mesmo ano, de Gilberto Freyre e La expresión americana (1947) de Lezama Lima, arrematando a série o ensaio de Paz.

O ponto de vista de Silviano, com o qual, aliás, não custa concordar, é que os dois ensaios canônicos, o de Sérgio Buarque e o de Octavio Paz, marcam, nas respectivas culturas nacionais, o fim do saber literário como fundamento das grandes interpretações da América Latina[31]. Muitos, de fato, são os pontos de contato entre esses autores. Sérgio, a partir da idéia de que “o artista não limita o pensador”, vê, em Goethe ou Pascal, os modelos declarados do intelectual universal; Paz, por sua vez, sente-se integrante de uma cultura cuja história deve ser escrita pela geração a que ele pertence, e para tanto lança mão de Freud, Nietzsche, Borges, Simmel, Caillois ou Lévi-Strauss, entre tantos outros. Além do mais, Paz pertence a uma geração educada, por sinal, no contato direto com os surrealistas, em sua diáspora americana. Ambos, entretanto, buscam inserir seus respectivos países, como diz Silviano, “numa visada não-ocidental, pré-colonial, mas também na extensão ocidentalizada, colonial e pós-colonial”, a partir do impacto do fim da guerra que, segundo Silviano, “retirou a América Latina do protetorado cultural europeu”, para atrelá-la à nova órbita imperial. Se Sérgio, como parte da transculturação sul-atlântica, cresce mirando-se no espelho civilizatório europeu, Paz teve, a partir de 1943, uma profunda experiência norte-americana, como estudante em Berkeley, onde, por sinal, inicia a redação de seu ensaio consagratório, em que as marcas dos discípulos de Durkheim, como Mauss ou Caillois, é inegável[32].

Tanto Raízes do Brasil quanto O Labirinto da Solidão partem, sintomaticamente, do clássico conceito derepresentação, para logo temperá-lo pelo de desterritorialização, de tal sorte que representar passa a ter o sentido de reduplicar. Sérgio, ecoando, mesmo sem o saber, a prévia lamúria borgeana, que definia o tamanho de sua esperança nacionalista e de vanguarda como um processo agônico de desterritorialização, abre também suas Raízes do Brasil vendo seus patrícios como uns desterrados na própria terra. Mas como o enigma identitário já não se resolve por via histórica, nem mesmo sociológica, para ambos os escritores,

A originalidade comunitária está fincada contraditoriamente no individualismo moderno, nacultura da personalidade para usar a expressão do Sérgio, ou na afirmación de la personalidad, para nos valer de Paz. (…) Cultura e afirmação da personalidade determinam o fundamento poético e romanesco das duas interpretações em pauta. Segundo o brasileiro, a cultura da personalidade nos foi transmitida como herança da Espanha e de Portugal, os dois territórios-ponte aquém-Pireneus: “A Espanha e Portugal são […] teritórios-ponte pelos quais a Europa se comunica com outros mundos. Assim, eles constituem uma zona fronteiriça, de transição, menos carregada, em alguns casos, desse europeísmo que, não obstante, mantêm como um patrimônio necessário”. Acrescenta ele que espanhóis e portugueses devem muito da sua originalidade nacional “pela importância particular que atribuem ao valor próprio da pessoa humana, à autonomia de cada um dos homens em relação aos semelhantes no tempo e no espaço”[33].

Vale dizer que a resolução de Sérgio Buarque ou de Paz (ou melhor dizendo, a reconstrução a posteriorique delas nos propõe Silviano Santiago) é bastante próxima da máquina mitológica a que chegam, por outras vias, Jesi ou Agamben. É o dispositivo México que explica a posição “apesar de dependente, universal” da cultura latino-americana em seu conjunto. Mas essa opção pela personalidade como fundamento hermenêutico leva ambos os ensaístas analisados para um segundo sentido de representar, abertamente poético. A rigor, esse sentido poético já se insinuara, em Viagem ao México, quando, de maneira sutil e demoníaca, Ortiz de Orellano aproxima o pensamento de Artaud das atitudes do camponês e do chofer. “O camponês, revolucionário da primeira hora, é responsável pela herança da cultura tradicional, e o chofer, o moderno mexicano, é o que usa e domina a máquina, nossa contemporânea, como a um cavalo”. Vale dizer que “o europeu Artaud”, desde que corretamente lido e interpretado, funciona, como dispositivo México, como uma ponte, um entre-lugar, um confim, entre o camponês e o chofer. Dessa forma, nos diz o narrador, a unidade mexicana passa a ser irreversivelmente atingida[34]. Ora, uma década depois a questão retorna, porém, como problema teórico, em As raízes e o labirinto da América Latina.

As respectivas buscas de identidade do latino-americano se estendem ao catálogo informe e anárquico dos tipos humanos, que resultaram e se concretizaram pelo efeito de desterritorialização do europeu. Estendem-se à análise dos vários tipos que mantiveram estatuto de colono “vis-à-vis” do metropolitano europeu. Os dois intérpretes deveriam eleger no catálogo alguém que, sendo singular, fosse um tipo humano, alguém que, no contexto ocidental, viesse a ser o mais apropriado dos possíveis representantes da atualidade civilizacional latino-americana. (…) Escolhido o tipo humano, ele é dramatizado como singular, transformando-se nas mãos dos intérpretes em personagem literário (umapersonae, uma máscara). Ao se destacar por sua personalidade complexa e comportamento multifacetado, o personagem que está sendo caracterizado representa metafórica ou simbolicamente a coletividade. Sempre lhe faltará um nome próprio, mas éalguém. Alguém que representa a todos. No caso, deve representar a parte pelo todo. E na qualidade de metonímia, deve representar de maneira surpreendente e convincente a singularidade de cada nação latino-americana ou a singularidade continental, ou a ambas. Para chegar ao “round character” latino-americano, Sérgio se calça com a contribuição lingüística e filosófica oferecida pelos territórios-ponte aquém- Pirineus. Em recepção direta da Europa, escuta, acata e reduplica entre nós o vocábulo castelhano “sobrancería” (…), que servia para definir a singularidade do espanhol no contexto europeu. (…) Ao reduplicar o vocábulo sobrancería, Sérgio guarda o significado original, apenas desterritorializando-o. Ao recontextualizá-lo como ferramenta descritiva aclimatada à realidade brasileira colonial, terá de encontrar o equivalente lingüístico em português[35].

Para além da fonte declarada de Antonil, proposta por Silviano, relembremos que sobranceiro é um termo vinculado ao excesso e à transgressão. Aponta aquilo que supera um outro em alguma qualidade. Super,hybris. Vincula-se à metafísica do crioulo, já que sobrar, no Prata, quer dizer humilhar, zombar. Aliás, o estereótipo do neo-crioulo é justamente o de um sobrador, idéia vinculada à “dialética fecal”, como diria Borges, com que o sobrador se vangloria de ter sobrado (penetrado) um parceiro mais fraco.

Mas voltemos, por um instante, e finalmente, às palavras de Foucault em relação a Breton. Poderíamos dizer que, sob certo ponto de vista, os críticos modernistas, como Sérgio Buarque ou Octavio Paz, estavam longe dos pós-críticos como Silviano. Caberia pensar, porém, de outro lado, que Silviano passou a se sentir próximo deles, sob o domínio do espectro que eles deixaram nos pósteros, de tal sorte que a morte do modernismo (e a conseqüente exaustão da autonomia literária) passa a operar como a reduplicação do próprio nascimento da geração pós-modernista, uma vez que não só os indivíduos, mas até mesmo a literatura, é vista como um morto todo-poderoso e muito próximo, encarnada no Estado, como ameaça da autonomia intelectual. É a linhagem que vai de Murena a Monsivais. Reparemos, a título de exemplo, nas palavras de Luis Cardoza y Aragón e constatemos se, em atribuição errônea, elas não funcionam como um autêntico alegato anti-portinarista, o mesmo, por sinal, que lemos, com o semblante esvaziado de Graciliano, Em liberdade.

Diego Rivera es todo un personaje creado por su pintura, que organiza enormes mítines con las muchedumbres de sus frescos. Su obra es autorretrato. Hombre del Renacimiento, nacido tardíamente, habría sido entonces un pintor religioso, acaso completamente incrédulo como el Perusino. Su personalidad es tan grande que no deja ver el paisaje. Se adivina que en el fondo de ese constante autorretrato hay un paisaje delicado, misterioso y nítido, como en las visitaciones italianas. Diego Rivera lo tiene pintado en la espalda. ¿Será otro autorretrato? Rivera sabe muy bien lo que hace, y sabe hacerlo perfectamente. Y seguro de sus posiciones, se mantiene en ellas hasta engendrar una academia. Toda búsqueda de bellezas formales le parece arbitraria y sin razón. Sus mejores progresos han sido técnicos. Su íntima expresión no ha adquirido profundidad. Su pintura se ha tornado deliberadamente decorativa, alegórica y literaria. En el agrarismo artístico que practica el Estado repartiendo muros, alguien ha escrito, Diego Rivera ha sido un latifundista[36].

Por sua vez, em sintonia, aliás, com um tal diagnóstico, Octavio Paz confronta, em “André Breton o la búsqueda del comienzo”, duas concepções de arte, a do artista com a do anartista. Pergunta-se, então, se Duchamp é o princípio ou o fim da pintura, para responder, a partir de um começo anterior ao começo, que

Con su obra y aún más con su actitud negadora de la obra, Duchamp cierra un período del arte de Occidente (el de la pintura propiamente dicha) y abre otro que ya no es “artístico”: la disolución del arte en la vida, del lenguaje en el círculo sin salida del juego de palabras, de la razón en su antídoto filosófico – la risa. Duchamp disuelve la modernidad con el mismo gesto con que niega la tradición. En el caso de Breton, además, hay la visión del tiempo, no como sucesión sino como la presencia constante, aunque invisible de un presente inocente. El futuro le parecía fascinante por ser el territorio de lo inesperado: no lo que será según la razón, sino lo que podría ser según la imaginación. La destrucción del mundo actual permitiría la aparición del verdadero tiempo, no histórico sino natural, no regido por el progreso sino por el deseo. Tal fue, si no me equivoco, su idea de una sociedad comunista-libertaria[37].

Quando esse herdeiro do anartismo duchampiano que é César Aira compõe a pantomima cósmica de O Congresso de Literatura e bola a seqüência em que uma mosquita teleguiada deve clonar a inteligência suprema do escritor modernista, Carlos Fuentes, por sinal, editor de Os signos em rotação, o resultado final é nímio e irrelevante. O animal clona, na verdade, uma célula da gravata impecavelmente azul de Carlos Fuentes. Confunde o substantivo com o acidental, numa perversa irrisão do equívoco identitário que caracteriza a todo professor de literatura reunido em um congresso. Em todo caso, é uma forma de dizer que as raízes e o labirinto da América Latina encontram, na literatura exausta da contemporaneidade, uma forma de esvaziar os ícones do passado. Por isso, se bem se vê, aquilo que Santiago aponta nos intérpretes da cultura latino-americana, ele próprio, enquanto pós-crítico da margem, já o encontrara na cultura pop internacionalizada. São las botas y el anillo de Zapata. É a Rua México. Colada ao Império, mas dele separada por uma vala biopolítica insacrificável.

*Raúl Antelo leciona literatura na Universidade Federal de Santa Catarina e já foi professor nas Universidades Yale, Duke, Texas at Austin e Leiden. É autor, entre outros, de Literatura em RevistaNa ilha de Marapatá; Algaravia. Discursos de nação; Transgressão & Modernidade; Antonio Candido y los estudios latinoamericanos; Potências da imagem e Maria con Marcel. Duchamp en los trópicos.


[1] FOUCAULT, Michel. “Le jeu de Michel Foucault”. [entrevista concedida a um grupo de psicanalistas lacanianos, entre os quais J.-A. Miller e A. Grosrichard, para a revista Ornicar?, nov 1977]. In: Dits et ecrits. Paris, Gallimard, 1994, vol. 3, p.299-329.

[2] SANTIAGO, Silviano. Viagem ao México. Rio de Janeiro, Rocco, 1995, p.348.

[3] IDEM – “Las botas y el anillo de Zapata”. In: Suplemento literário Minas Gerais, Belo Horizonte, 7 abr. 1973. Agradeço ao Arquivo de Escritores Mineiros, através do prof. Wander Melo Miranda, a cessão de uma cópia do texto. Ver também SANTIAGO, Silviano. “Esquema para procura de um western puro ou involução cinematográfica”. Revista de cinema, Belo Horizonte, v. 3, nº 18, out. 1955, p.18-9.

[4] Cf. NANCY, Jean-Luc – “Espace: confins” in Le Sens du monde. Paris, Galilée, 2001, p.61-8 e CACCIARI, Massimo – “Nome di luogo: confini” in aut-aut, nº 299-300, Milano, set-dez 2000, p.73-4.

[5] Cf. SANTIAGO, Silviano. “Camões e Drummond: máquina do mundo”. In: Hispania, v. 49, nº 3 set. 1966, p.389-394; IDEM. Carlos Drummond de Andrade. Petrópolis, Vozes, 1976.

[6] Cf. HYPPOLITE, Jean – Introduction à la philosophie de l´histoire de Hegel. Paris, Seuil, 1983, p.43.

[7] A eles podem acrescentar-se “A América desaparecida” ou “A mutilação sacrificial e a orelha cortada de Van Gogh”, incluídos no primeiro volume de suas Ouevres Complètes (Paris, Gallimard, 1971). Sobre esse particular consultar ainda Écrits d´ailleurs:Bataille et les ethnologues. Paris, Ed. Maison des Sciences de l´Homme, 1987, em especial, o ensaio de Francis Marmande, “Georges Bataille: le motif aztèque”. Ainda de Marmande, “Puerta de la carne. Bestialité de Bataille” in: HOLLIER, Denis (ed.). Georges Bataille après tout. Paris, Belin, 1995. Métraux evoca a relação de Bataille com esse meio intelectual em “Rencontre avec les ethnologues” (Critique, nº 195-6, Paris, ago-set. 1963, p.677-684).

[8] Cf. CAILLOIS, Roger. “Teoría de la fiesta”, Sur, nº 64, jan. 1940, p.57-83; IDEM. Quatre essais de sociologie contemporaine. Paris, Olivier Perrin, 1951; IDEM. “A guerra cortês”. In: Anhembi, nº 31, jun.1953, p.4-13; IDEM.Bellone ou la Pente de la Guerre. Bruxelles, La Renaissance du Livre, 1963. Não nos esqueçamos que La communion des forts. Études de sociologie contemporaine foi estampado, em 1943, pelas edições Quetzal do México e que esses ensaios de Caillois, alguns deles lidos previamente na revista Sur, serão decisivos para a formação intelectual de Octavio Paz.

[9] PAZ, Octavio. Las peras del olmo. 2ª ed. Barcelona, Seix Barral, 1971, p.150-1.

[10] Relembremos que, no colóquio Artaud / Bataille, realizado no verão de 1972, em Cerissy-la-Salle, discutem-se textos hoje incontornáveis, como “As saídas do texto” de Roland Barthes, “Do para além de Hegel à ausência de Nietzsche” de Denis Hollier, “O Estado Artaud” de Ph. Sollers, “O sujeito em processo” de Júlia Kristeva, “A matéria pensa” de Marcelin Pleynet ou “Linguagem do corpo” de Pierre Guyotat.

[11] “Por que será que Bataille foi para a equipe de Tel quel tão importante, a não ser que Bataille fez emergir das dimensões psicológicas do surrealismo alguma coisa que ele chamou de limitetransgressãorisoloucura, para fazer delas experiências do pensamento?”. Cf. FOUCAULT, Michel. “Debate sobre o romance”. In: Estética: literatura e pintura, música e cinema. Ed. Manuel Barros da Motta. Trad. Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2001, p.95.

[12] BRETON, André. “Souvenirs du Méxique”.In: Minotaure. nº 12-3, Paris, 1939, p.29-50. A capa desse suplemento pertence a Diego Rivera.

[13] Cf. FOUCAULT, Michel. “Un nadador entre duas palavras”. In Estética: literatura e pintura, música e cinema,op. cit., p. 243.

[14] Cf. OTTINGER, Didier. Surréalisme et mythologie moderne. Les voies du labyrinthe d´Ariane à Fantomas.Paris Gallimard, 2002. Relembremos, por exemplo, que, enquanto Orozco pinta seu afresco Prometeu em um colégio de Claremont, perto de Los Angeles, recebe a visita de Philip Guston e Jackson Pollock; que pouco depois, instalado já em Hannover, no New Hampshire, Orozco dedica-se à sua obra mais ambiciosa em solo americano, um afresco sobre o mito vivo do Quetzalcoatl, e que pouco depois, ainda, em seu atelier de Union Square, o pintor mexicano passa muitas horas de trabalho comum com Jackson Pollock. Mark Rothko, por sua vez, leitor de Nietzsche nos anos 30, debruça-se sobre os ensaios de T.S. Eliot em favor, não já da história determinista do comunismo, mas dos mitos contemporâneos, de que Ulysses era o padrão máximo. E é, portanto, em 1938, véspera da guerra, que a leitura simultânea de O Ramo de Ouro, um estudo de Eliot sobre o livro de Frazer, estampado em Vanity Fair e a Orestíada de Ésquilo inspiram Rothko para compor uma Antígona. Qualquer semelhança com a biblioteca antropofágica brasileira não é simples acaso.

[15] Ver, a esse respeito, o catálogo Regards sur Minotaure. La revue à tête de bête. Genebra, Musée d´art et d´histoire, 1988. Em especial as contribuições de Michel Butor, Jean Starobinski e José Pierre.

[16] PAZ, Octavio. Los signos en rotación y otros ensayos. Prólogo y selección Carlos Fuentes. Madrid, Alianza, 1971, p.163.

[17] Em “Poética do começo”, Peter Sloterdijk toma o livro de areia de Borges como suporte para sua leitura em que o começo é anterior à decisão de começar (Cf. SLOTERDIJK, Peter. Venir al mundo, venir al lenguaje. Lecciones de Frankfurt. Trad. Germán Cano. Valencia, Pre-textos, 2006, p.33-58). Em sua leitura do modernismo, Silviano nos alerta, recorrentemente, para a diferença entre mito de origem (modernista, utópico) e mito de origem (pós-modernista, exausto).

[18] Breton admite ter se aproximado do México através da leitura infantil de uma obra que também impressionou Rimbaud nessa mesma idade: Costal, o índio, onde ficção e história se encostam à perfeição. Admite, além do mais, que o que ele chama a paisagem mental do surrealismo foi construída, em grande medida, a partir do México, dela retirando, por exemplo, elementos como o helodermo e o axolotl, este último, aliás, mais tarde celebrizado nessa alegoria do transformismo latino-americano que é o conto de Cortázar. Além dos pintores, Breton admite ter tido sintonia, no México, com Carlos Pellicer, Xavier Villaurrutia, Rodolfo Usigli, Adolfo Best-Maugard, Agustin Lazo, Roberto Montenegro, com a bela Lupe Marin, com os feirantes indígenas de Ixmiquilpan e até mesmo com o presidente Cárdenas. Narra, por exemplo, em sua lembrança mexicana, ter feito uma visita à cidade militar de Monterrey, guiado pelo general Almazán, antigo combatente de Zapata. Diante de sua admiração irrestrita perante o exército formado para saudá-lo, Trotski, muito mais cético quanto às virtudes do heroísmo da tropa, tempera seu arroubo de maneira desconcertante, perguntando-lhe o que fazer, em caso de necessidade, com um exército com tais características. Conste, por último, que boa parte dessas informações devem provir das conversas de Silviano com um íntimo amigo dele, o mexicano, nascido na Argentina, por sinal quase na fronteira do Brasil, Luis Mario Schneider (1931-1999), autor de La literatura mexicana (1967), El estridentismo o una literatura de la estrategia (1970), Dos poetas rusos en México: Balmont y Maiakowsky (1973),Ruptura y continuidad. La literatura mexicana en polémica (1975), Viaje al país de los tarahumaras de Antonin Artaud (1975), México y el surrealismo. 1925-1950 (1978), Inteligencia y guerra civil, 1937 (1978), México en la obra de Octavio Paz (1979), Diego Rivera y los escritores. Antología tributaria (1987), Jaime Torres Bodet: crítica cinematográfica (1987) e López Velarde en la nación (1988).

[19] SANTIAGO, Silviano. As raízes e o labirinto da América Latina. Rio de Janeiro, Rocco, 2006, p.7.

[20] “Estamos hoje em uma era em que a experiência – e o pensamento que é inseparável dela – se desenvolve com uma extraordinária riqueza, ao mesmo tempo em uma unidade e uma dispersão que apagam as fronteiras das províncias outrora estabelecidas. Toda a rede que percorre as obras de Breton, Bataille, Leiris e Blanchot, que percorre os domínios da etnologia, da história da arte, da história das religiões, da lingüística, da psicanálise, apaga infalivelmente as velhas rubricas nas quais nossa própria cultura se classificava e revela aos nosso olhos parentescos, vizinhanças, relações imprevistas. É muito provável que se devam essa dispersão e essa nova unidade de nossa cultura à pessoa e a obra de André Breton. Ele foi, simultaneamente, o dispersor e o aglutinador de toda essa agitação da experiência moderna”. Cfr. FOUCAULT, Michel. “Un nadador entre duas palavras”, op.cit. p.246.

[21] Na Exposição Surrealista do México onde, entre outros textos, recolhe-se a teoria do infraleve de Duchamp, o manifesto, assinado por Moro, reivindica o caráter ilegível dos textos aí reunidos, que poderiam escolher como bandeira a profecia de Lautréamont de que a poesia deveria ser feita por todos e não por um. Conste, aliás, que Lautréamont é um claro exemplo de escritura híbrida, não necessariamente transcultural.

[22] CARDOZA Y ARAGÓN, Luis. Pintura Mexicana Contemporánea. México, Imprenta Universitaria, 1953, p.7-8.

[23] Para Agamben, portanto, não se trata, tão somente, de estudar “as prisões, os manicômios, o panóptico, as escolas, a confissão, as fábricas, as disciplinas, as medidas jurídicas, etc., cuja conexão com o poder é em certo sentido evidente, mas também a caneta, a escritura, a literatura, a filosofia, a agricultura, o cigarro, a navegação, os computadores, os celulares e – por que não – a linguagem mesma, que é talvez o mais antigo dos dispositivos, em que há milhares e milhares de anos um primata – provavelmente sem dar-se conta das conseqüências que se seguiram – teve a inconsciência de se deixar capturar”. Cf. AGAMBEN, Giorgio “O que é um dispositivo?” Trad. Nilcéa Valdatti. In: Outra travessia, nº 5, Florianópolis, segundo semestre 2005, p. 9-16.

[24] Para o filósofo italiano os dispositivos provocam o tédio, isto é, a capacidade de suspender a relação imediata com os desinibidores e produzem, além do mais, o Aberto, a possibilidade de conhecer o ente enquanto ente. Porém, com estas possibilidades, também temos a possibilidade dos dispositivos que enchem o Abierto com aparelhos e instrumentos, objetos e tecnologias de todo tipo. Através dos dispositivos, o homem tenta fazer cair no vácuo os comportamentos animais que dele se separaram para poder assim gozar do Aberto poder gozar do ente enquanto ente. Na base do dispositivo está, então, uma promessa de “felicidade”. Silviano Santiago já manifestou sua admiração pelo conceito agambeniano de Aberto, construído a partir de uma leitura minuciosa das Elegias a Duíno de Rilke. Em “Crítica/Poesia” (mais! Folha de S.Paulo, 3 out. 2004), comentando O Aberto, Silviano observa que, desde a leitura de Hölderlin por Heidegger, não se dispunha de um exemplo tão notável de exegese filosófica do saber poético. “A partir da oitava Elegia de Duíno, de Rainer Maria Rilke, citada no título do livro e apenas en passant no texto, Agamben investe contra a máquina antropológica de Charles Darwin, seus discípulos e seguidores, para retornar à questão das origens do homem. Para tal tarefa, vale-se da leitura que Alexandre Kojève fez de Hegel sobre o fim da história, dos primeiros e póstumos escritos de Martin Heidegger (em particular sobre o tédio) e dos esotéricos apocalípticos, apropriados desde 1930 por Georges Bataille”.

[25] “La mayor parte de los juegos que conocemos deriva de antiguas ceremonias sagradas, de rituales y de prácticas adivinatorias que pertenecían tiempo atrás a la esfera estrictamente religiosa. La ronda fue en su origen un rito matrimonial; jugar con la pelota reproduce la lucha de los dioses por la posesión del sol; los juegos de azar derivan de prácticas oraculares; el trompo y el tablero de ajedrez eran instrumentos de adivinación. Analizando esta relación entre juego y rito, Emile Benveniste ha mostrado que el juego no sólo proviene de la esfera de lo sagrado, sino que representa de algún modo su inversión. La potencia del acto sagrado -escribe Benveniste- reside en la conjunción del mito que cuenta la historia y del rito que la reproduce y la pone en escena. El juego rompe esta unidad: como ludus, o juego de acción, deja caer el mito y conserva el ritual; comojocus, o juego de palabras, elimina el rito y deja sobrevivir el mito. ‘Si lo sagrado se puede definir a través de la unidad consustancial del mito y el rito, podremos decir que se tiene juego cuando solamente una mitad de la operación sagrada es consumada, traduciendo solamente el mito en palabras y el rito en acciones’. Esto significa que el juego libera y aparta a la humanidad de la esfera de lo sagrado, pero sin abolirla simplemente. El uso al cual es restituido lo sagrado es un uso especial, que no coincide con el consumo utilitario. La profanación del juego no atañe, en efecto, sólo a la esfera religiosa. Los niños, que juegan con cualquier trasto viejo que encuentran, transforman en juguete aun aquello que pertenece a la esfera de la economía, de la guerra, del derecho y de las otras actividades que estamos acostumbrados a considerar como serias. Un automóvil, un arma de fuego, un contrato jurídico se transforman de golpe en juguetes. Lo que tienen en común estos casos con los casos de profanación de lo sagrado es el pasaje de una religio, que es sentida ya como falsa y opresiva, a la negligencia como verdadera religio. Y esto no significa descuido (…), sino una nueva dimensión del uso, que niños y filósofos entregan a la humanidad”. Cf. AGAMBEN, Giorgio. “Elogio de la profanación”. In Profanaciones. Trad. Flavia Costa e E. Castro. Buenos Aires, Adriana Hidalgo, 2005, p.100-1. Caillois antecipa algumas dessas considerações em “Estrutura e classificação dos jogos”, ensaio acolhido por Paulo Duarte na revista Anhembi (nº 72, São Paulo, nov. 1956, p.446-459).

[26] “Allí donde el sacrificio señalaba el paso de lo profano a lo sagrado y de lo sagrado a lo profano, ahora hay un único, multiforme, incesante proceso de separación, que inviste cada cosa, cada lugar, cada actividad humana para dividirla de sí misma y que es completamente indiferente a la cesura sacro/profano, divino/humano. En su forma extrema, la religión capitalista realiza la pura forma de la separación, sin que haya nada que separar. Una profanación absoluta y sin residuos coincide ahora con una consagración igualmente vacua e integral. Y como en la mercancía la separación es inherente a la forma misma del objeto, que se escinde en valor de uso y valor de cambio y se transforma en un fetiche inaprensible, así ahora todo lo que es actuado, producido y vivido -incluso el cuerpo humano, incluso la sexualidad, incluso el lenguaje- son divididos de sí mismos y desplazados en una esfera separada que ya no define alguna división sustancial y en la cual cada uso se vuelve duraderamente imposible. Esta esfera es el consumo. Si, como se ha sugerido, llamamos espectáculo a la fase extrema del capitalismo que estamos viviendo, en la cual cada cosa es exhibida en su separación de sí misma, entonces espectáculo y consumo son las dos caras de una única imposibilidad de usar. Lo que no puede ser usado es, como tal, consignado al consumo o a la exhibición espectacular. Pero eso significa que profanar se ha vuelto imposible (…). Si profanar significa devolver al uso común lo que fue separado en la esfera de lo sagrado, la religión capitalista en su fase extrema apunta a la creación de un absolutamente Improfanable”. Cf. AGAMBEN, Giorgio. “Elogio de la profanación”, op. cit., p.106-7.

[27] SANTI, Enrico Maria. “Introducción”. In: PAZ, Octavio – El laberinto de la soledad. 12ª ed. Madrid, Cátedra, 2004, p. 103-4.

[28] SANTIAGO, Silviano. Viagem ao México, op. cit., p.288.

[29] AGAMBEN, Giorgio. “Sull´impossibilità di dire Io. Paradigmi epistemologici e paradigmi poetici in Furio Jesi” in La potenza del pensiero. Saggi e conferenze. Vicenza, Neri Pozza, 2005, p.107-120. E ilustra a idéia com uma citação de La festa (1977) de Jesi onde se afirma que  “il ritmo gnoseologico, percepibile dallo studioso, è il ritmo stesso di funzionamento della macchina antropologica … Essa, la macchina, funziona, e funziona secondo il ritmo – a lei peculiare – del disvelarsi e dell’occultarsi del quotidiano in termini di esperienza gnoseologica (non di esperienza epifanica). Il quotidiano nell’instante in cui si disvela è il diverso – l’uomo, nell’istante in cui ci appare nello stavo festivo, è il diverso. Il quotidiano nella fase di occultamento e l’uomo nello stato non festivo sono il noto e l’uguale. Ciò vale anche per quanto riguarda l’io dell’osservatore, dell’etnologo. Ma l’etnologo moderno non dispone della facoltà di disvelarsi a se stesso, di apparirsi in stato festivo: gli è quindi vietato accedere al proprio io, nella misura in cui tale accesso presuppone una preliminare distanza, diversità, fra chi osserva e il suo io…”

[30] Diz Agamben que “la macchina-io contiene necessariamente un nucleo di non-conoscenza. E il modo in cui il soggetto conoscente e parlante si mantiene in relazione con la propria zona di non-conoscenza, la strategia attraverso cui vive ed elabora il proprio segreto -la cura di sé, nel senso di Foucault -determinano il rango e la sobrietà della sua conoscenza”. Cf.  “Sull´impossibilità di dire Io”, op.cit., p.116.

[31] Cf. SANTIAGO, Silviano. As raízes e o labirinto da América Latina. Rio de Janeiro, Rocco, 2006, p.15. Para uma leitura pormenorizada do ensaio de Paz, ver o prefácio de Enrico Maria Santí, op. cit, p.11-137.

[32] Cf. CAPETILLO-PONCE, Jorge. “Deciphering the Labyrinth. The Influence of G. Simmel on the Sociology of Octavio Paz”. In Theory, Culture & Society, vol. 22, nº 6, dez. 2005, p.95-124.

[33] Cf. SANTIAGO, Silviano. As raízes e o labirinto da América Latina, op. cit., p.21. É bom notar que, numa versão anterior desta passagem (“Eterna travessia” in Mais! Folha de S.Paulo São Paulo, 9 out. 2005), a ordem dos atributos da construção hermenêutica ainda não era poética e romanesca, como lemos no livro, porém, romanesca e poética. A alteração da ordem coincide, sugestivamente, com os argumentos de Jesi e Agamben a respeito da máquina mitológica.

[34] IDEM. Viagem ao México, op. cit., p.376-7.

[35] IDEM. As raízes e o labirinto da América Latina, op. cit.,p.24. Em “O silêncio, o segredo, Jacques Derrida”, intervenção no colóquio em homenagem a Derrida pouco antes de sua morte (Rio de Janeiro, 2005), Silviano relembra a lição de Greimas, na Semântica estrutural, no sentido de que “ao inventar vocábulos (…), seqüestrar um vocábulo do dicionário da língua francesa, inseminá-lo artificialmente e, posteriormente, re-introduzir o neologismo no seu habitat natural, disseminando-o, impede que se lhe atribua uma individuação cuja história ou cuja evolução semântica poderia ser narrada. O vocábulo castiço e casto é paradoxalmente mundano, e o violado, paradoxalmente privado – e a ser divulgado urbi et orbi, sob pena de desaparecer com o correr dos anos. Por isso, Derrida pode afirmar que o neografismo, na sua radicalidade, marca a morte de certa língua (tal como estava sendo descrita pelas recentes pesquisas em lingüística) e de certa filosofia (tal como estava sendo pensada desde o momento grego)”, produzindo, como em Mallarmé, o silêncio do “espaçamento” torna-se moeda congratulatória na desconstrução, isso porque tempo e espaço da escrita não se congratulam mais, antes se suplementam um ao outro. O espaçamento mallarmaico, por não ser signo lingüístico, no sentido preciso da expressão, torna-se moeda inaugural da gramatologia”.

[36] CARDOZA Y ARAGÓN, Luis. Pintura  Mexicana Contemporánea, op. cit., p.230.

[37] PAZ, Octavio – Los signos en rotación y otros ensayos, op. cit., p.172.