editorial
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GÊNERO Z

O dossiê Gênero Z surge da urgência de se discutir políticas de gênero, questões LGBTQ+, feminismos cada vez mais inclusivos, teorias interseccionais e transdisciplinares nas práticas acadêmicas, artísticas, cênicas, políticas, literárias e filosóficas. Apostamos em perspectivas plurais de sexualidade e gênero e propostas para uma inclusão radical a partir do desenvolvimento da atenção para interseccionalidades.

Esta edição se constrói amplamente a partir de olhares que investigam o não normativo, muitas vezes capazes de questionar seu próprio lugar de fala acadêmica, trazendo contribuição não apenas quanto a temáticas em desvio, mas também em suas experimentações formais e teóricas, propondo discussões sobre performatividade e construção de gênero, de corpos, de pactos sociais e relações de poder – nos deslocando e surpreendendo. Anga Maion: uma performance entre a e ele, de Geruza Zelnys e Eduardo Guimarães, Reflexões de Alice: direitos humanos, carnaval e diversidade, de Leonardo Bora, e “O vestido de Claire”: arte, gênero e corpo em Grayson Perry, de Claudia de Oliveira, dedicam-se a pensar as performances de certos artistas e o potencial disruptivo que elas apresentam. Passeiam pela noite paulistana, pelo carnaval carioca, pelos lixões e por Londres, apontando para uma leitura ativa de quem decide embarcar nos seus vagares. Project Unbreakable: a cura por meio da visibilidade, de Bruna Rodrigues, toma, igualmente, a dimensão da esfera pública (mas no ambiente virtual) ao propor uma leitura das fotografias de vítimas com dizeres relacionados às suas experiências de abuso sexual e do testemunho como meio de cura. Reflexões de Alice, ainda, debruça-se sobre a esfera do Direito e, oportunamente, lembra a morte de Diego Vieira Machado, aluno da Faculdade de Letras/UFRJ, mesma universidade em que o autor pesquisa.

O Direito é, também, a principal esfera de atuação do Prefácio, que publicamos aqui, do livro da filósofa argentina Laura Klein sobre o aborto, tema caro não só ao Direito e à Política, mas à própria noção de construção de gênero e, assim, dos corpos. Masquerade as performance: the butch-femme gender roles, de Antonia Navarro-Tejero, discute, justamente a partir da ideia de construção, o gênero em duas produções de Bollywood, ampliando, ainda mais, o “escopo geográfico” deste dossiê.

Epidemia e extermínio em Seel e Arenas a partir de Ricoeur, de Guido Arosa e João Camillo Penna, e Literatura e HIV/AIDS: reflexões sobre a era pós-coquetel, de Danilo Melo e João Camillo Penna, dedicam-se à literatura e ao seu poder (ou sua supressão e resistência) de abarcar a condição homossexual dos escritores e, em alguns casos, sua soropositividade. A literatura é também o campo sobre o qual atua A fronteira que habito: o feminino n’O Livro das Comunidades, de Júlia Lopes, artigo que busca para si, através da obra da escritora portuguesa Maria Gabriela Llansol, um feminino divergente para “habitar”.

Autorretratos: I’m in training don’t kiss me, de Mariana Ruggieri, e Por uma poética da androginia em Virginia Woolf, de Davi Pinho, oferecem, ambos, leituras de obras que desfiguram fronteiras entre gêneros, sugerindo um espaço outro de onde se escreve, se lê e se fotografa. Esse outro espaço também conforma a ambição de Arquitetura para uma possível etopoeiese feminista, de Carolina Correia dos Santos, que aproxima textos estranhos entre si – da biologia, antropologia e arquitetura – para praticar um feminismo simbiótico.

Para arrematar este dossiê, no espaço para poemas, temos o Duplo cuierlombista da poeta brasiliense Tatiana Nascimento, com um poema reza, oriki #11, fortitude, e um poema manifesto, cuíer A. P. (ou “oriki de shiva”).

Os artigos que compõem este dossiê desfrutam do espaço multidisciplinar que constitui a Z Cultural, convidando o leitor a se indisciplinar e cruzar diferentes campos do conhecimento. Esperamos, assim, que antes de tudo, este dossiê corrobore campos menos normativos desde seu lugar de atuação. E que a leitura se faça performance.

Desejamos uma profunda experimentação a todos!

Carolina Correia e Juliana Pamplona