CRÍTICA PÓS-COLONIAL E O(S) COLONIALISMO(S) EUROPEU(S)
Albert Memmi, Retrato do Colonizado Precedido pelo Retrato do Colonizador
“…en los suburbios del mundo el sistema revela su verdadero rostro.”
Eduardo Galeano, Defensa de la Palabra.
A chamada Crítica Pós-colonial, ou os Estudos Pós-Coloniais (“Post-Colonial Studies”), apresentam-se na academia internacional como um conjunto de estratégias interpretativas voltadas para a rica diversidade de práticas culturais que caracterizam as sociedades colonizadas ou egressas da colonização européia, desde o momento inicial da colonização, no alvorecer da modernidade, com a expansão marítima européia, até o presente. Esta crítica tem-se expandido em todos os continentes, mas trata basicamente do colonialismo enquanto fenômeno acionado pelo Ocidente: ao que eu saiba, em suas configurações acadêmicas deste lado do mundo, não se produziu ainda um corpus voltado para o colonialismo oriental, como o japonês. [2]
Historicamente localizada, a crítica pós-colonial problematiza o processo histórico da colonização empreendida pela Europa nos demais continentes e efetua a leitura desconstrutora de textos colonialistas de diversas ordens (literários, científicos, filosóficos, políticos, jurídicos, jornalísticos, de cunho religioso, etc.), neles destacando as representações européias a respeito dos nativos nas/das colônias e a conseqüente fabricação do “sujeito” colonial. A par disso, a crítica pós-colonial examina a produção de contra-discursos também de diversas ordens que expressam, ostensiva ou camufladamente, projetos de resistência do colonizado e suas estratégias de revide na árdua luta pela autonomia.
Os estudos dos mecanismos atuantes nos encontros e confrontos coloniais avaliam, enfim, o impacto da colonização européia nas antigas colônias e vêm a constituir, eles próprios, um contra-discurso crítico em relação a interpretações culturais etnocêntricas que tenham como parâmetro as excelências da civilização ocidental sem considerar o lado obscuro de tal hegemonia. Diga-se de passagem, as leituras conservadoras ainda hoje norteiam, em sua maior parte, a academia internacional.
Trata-se, portanto, de uma prática interpretativa afim aos estudos literários, mas não circunscrita a estes, que utiliza suportes interdisciplinares para a sua operacionalização. Implementados de início no amplo guarda-chuva dos modernos Estudos Culturais, os Estudos Pós-Coloniais distinguem-se por seu caráter necessariamente polêmico, dada a sua temática central – a oposição e o inevitável antagonismo colonizador/colonizado – em politização notável na obra de seus precursores mais conhecidos: Franz Fanon, Chinua Achebe, Albert Memmi, Wole Soyinka.
Esses grandes precursores, com suas análises demolidoras dos mecanismos coloniais e de sua lógica, forneceram os subsídios interpretativos e o saber histórico indispensáveis para a constituição da disciplina. Note-se que, para o desenvolvimento consistente dos modernos Estudos Pós-Coloniais, é indispensável um conhecimento abalizado sobre o colonialismo em seus diversos rostos, etapas, modos de funcionamento. Uma das críticas a fazer à disciplina dos Estudos Pós-Coloniais e pesquisas correlatas seria, justamente, a teorização de um “pós” fenômeno sem que se conhecesse satisfatoriamente o fenômeno em si, em seus desdobramentos através dos tempos.
Cabe, portanto, começar por um breve rastreamento do(s) colonialismo(s) explicitando que, ao se falar em colonialismo europeu, há que distinguir o seu grande momento inicial, correspondente às descobertas marítimas européias através do Atlântico e de todo o mundo (“se mais terra houvera, lá chegáramos”, no moto dos navegadores lusitanos) e cujo vigor esvaiu-se com a sucessiva independência das colônias americanas; e o chamado colonialismo moderno, ou tardio, que teve seu apogeu entre o último quartel do século XIX e o fim da segunda guerra mundial (a independência da Índia, em 1947, é emblemática de seu ocaso), e cujo feito internacional mais notável foi a partilha da África [3].
Observe-se (aqui, necessariamente de passagem) que significativos resíduos colonialistas perduraram nos desenvolvimentos históricos do imperialismo moderno – após a segunda guerra mundial, sob a supremacia não mais dos exauridos estados-nações da Europa, mas dos Estados Unidos – em processos que têm afetado todo o planeta.
Em relação ao Brasil (e ao continente americano em geral), interessa especialmente a primeira fase, ou seja, o colonialismo inicial, já que o país deixou nominalmente de ser colônia em 1815, quando ascendeu à categoria de “Reino Unido” ao de Portugal e Algarves. Tratava-se, é evidente, de uma categoria ambígua: nem nação independente, nem colônia (Manuel Bonfim, a par de outros historiadores, insistiu na persistência da ambigüidade mesmo após a independência de 1822, alegando que continuamos, durante décadas, ligados ao que ele chama, pejorativamente, de “bragantismo”) [4]. O certo é que, qualquer que seja a perspectiva histórica de que se parta, cumpre examinar as especificidades do colonialismo português (e, dentro deste, do luso-brasileiro) para os estudos da sociedade brasileira da época colonial ao fim da monarquia, assim como para o entendimento do sub-solo de nossa contemporaneidade.
Estudos comparativos têm exposto marcantes diferenças entre o colonialismo português e o dos países ricos – notadamente aquele que mais diz respeito aos portugueses (e a nós, por conseqüência), o britânico, tido em geral como o colonialismo hegemônico por excelência, em razão da duração e extensão de seu poderio. Análises recentes do colonialismo comparativo (dentro ou fora do “Pós-Colonialismo” institucionalizado) vêm sendo empreendidas em nosso país por um crescente número de pesquisadores[5]. Esta crítica clama pela elaboração de um pensamento pós-colonial que, a exemplo das ciências sociais desde a década de 1930, aprofunde a questão da formação social brasileira e de suas vinculações internacionais através da utilização inteligente da moderna crítica nacional e internacional, sem eurocentrismos fascinados. Isto seria ceder à armadilha de novo colonialismo cultural – desta vez, via academia.
O colonialismo português e o luso-brasileiro têm sido analisados com lucidez por cientistas sociais, a exemplo de Boaventura de Sousa Santos. Em seu “Entre Próspero e Caliban – Colonialismo, Pós-Colonialismo e Interidentidade”, o sociólogo português constata:
Os portugueses nunca puderam instalar-se comodamente no espaço-tempo originário do Próspero europeu. Ali viveram como que internamente deslocados em regiões simbólicas que não lhes pertenciam e onde não se sentiam à vontade. (…) Nem Próspero nem Caliban, restaram-lhes a liminalidade e a fronteira, a interidentidade como identidade originária [6].
A observação aponta para aquilo que é uma unanimidade, entre os historiadores de Portugal e de seu colonialismo: a noção da dependência da nação lusitana, passado o apogeu quinhentista e após os anos da anexação espanhola (1580-1640), em relação à Inglaterra. Oliveira Lima diz ter sido Portugal “conhecida feitoria do comércio britânico”, comportando-se na prática como uma colônia informal da Inglaterra; Manuel Bonfim escreve a respeito da “tutela da Inglaterra sobre Portugal dos Braganças”; Alberto Torres, por sua vez, na virada do século XX, assim resumira a situação da metrópole colonial do Brasil:
Conquistado pela Espanha, Portugal não se re-emancipou, senão para viver a mais crítica das existências, numa inútil reação contra a pressão das lutas continentais, colimadas com a fuga de D. João VI, (…) com a definitiva subordinação política à poderosa aliada do norte [7].
Portugal manteve, desde o século XVII (continuamos a seguir o pensamento de Boaventura de Sousa Santos), posição de intermediação entre o centro e a periferia da economia mundial. Nunca assumiu plenamente as características de Estado moderno dos países centrais, sobretudo as que se cristalizaram no Estado liberal a partir de meados do século XIX, e tal situação reproduziu-se em seu sistema colonial. Portugal teve uma conjunção menos direta com o capitalismo, conjunção essa exercida às vezes por delegação, ou seja, por pressão inglesa. Boaventura sintetiza:
Assim, enquanto o Império Britânico entrou num equilíbrio dinâmico entre colonialismo e capitalismo, o Português assentou num desequilíbrio, igualmente dinâmico, entre um excesso de colonialismo e um déficit de capitalismo [8].
O contraste procede, tendo havido, além de rixas e contendas, hierarquias marcantes entre os diversos colonialismos. Essas hierarquias fixaram-se com muita ênfase no domínio cultural. Em seu Orientalismo(1978), Edward Said – referindo-se basicamente ao caso colonial francês – nomeia os dois fundamentos invisíveis, e inseparáveis, da autoridade imperial hegemônica: o saber e o poder, intimamente ligados, em íntima e produtiva colaboração. Textos recentes de Estudos Pós-Coloniais, na academia anglófona, referem-se, por outro lado, à “immensely prestigious and powerful imperial culture” e ao “prodigious power” do saber imperial britânico. Tudo isto se comprova no exame da abundante literatura colonialista difundida na Europa em geral e em suas colônias ou ex-colônias, ao final do século XIX e na primeira metade do século XX [9]. No espaço da hegemonia britânica, a relação colonial, competentemente acionada pela ideologia colonialista, baseou-se na polarização extrema entre colonizador e colonizado, despontando sempre o colonizador como um sujeito soberano, como a “encarnação metafórica do império”. Já no colonialismo português, subalterno tanto no domínio das práticas quanto dos discursos coloniais, a relação colonizador/colonizado desenhou-se em polarização tão atenuada que gerou jogos de autoridade, formas de reciprocidade e de horizontalidade entre o colonizador e o colonizado “insuspeitáveis no espaço do Império Britânico”, escreve ainda Boaventura.
Não representando a ninguém a não ser a si próprio, o colonizador português viu-se, freqüentemente, na contingência de prestar vassalagem ao rei local, como qualquer nativo, e foi um “Próspero” caótico, absenteísta, “miscigenado” (ver nota 6, acima). O processo de colonização assim encetado gerou uma relação colonial de ambivalência, de hibridez, em que o estereótipo do colonizado, assim como o do colonizador, não teve o fechamento daqueles atribuídos ao inglês.
O estudo comparativo dos diversos colonialismos mostra que uma das distinções a trabalhar em relação à auto-representação dos sujeitos ali implicados e à representação do próprio “Império” diz justamente respeito à questão da ambivalência. O projeto de Homi Bhabha em Nation and Narration, por exemplo, explora a ambivalência da língua na construção do discurso da nação. Bhabha argumenta que “a imagem da autoridade cultural pode ser ambivalente porque ela é apanhada, instável, no ato de ‘compor’ a sua imagem de poder”. Ele prossegue: “Pois a nação, enquanto forma de elaboração cultural, é uma agência de narração ambivalente que mantém a cultura em seu grau máximo de posição produtiva.” [10].
O que dizer, por outro lado, da construção do saber e da autoridade por parte de uma potência colonizadora ambivalente e ambígua, não só em seus atos discursivos (enquanto formas de elaboração cultural da “nação”), mas em seu poder em si; não só na construção narrativa da autoridade colonial, mas na prática, no exercício, de seu próprio poderio, diante de si mesma e das demais? A constatação da ambivalência discursiva vai além de eficaz reivindicação de subversão da crítica, na verificação de que a ambivalência é, sobretudo, constituinte identitário, pois que preside a presença-ausência do poder colonial. Toda a questão da hibridez adquire fortes contornos diferenciais, a partir deste decisivo ângulo.
Na colonização do Brasil estivemos, como dizíamos acima, submetidos a um colonizador que, em longos períodos de sua história, foi dependente de um poder maior, o britânico. Se quisermos radicalizar, poderíamos dizer que o Brasil teve na verdade um colonizador direto, o português, e um indireto, o inglês. Fomos, portanto, duplamente colonizados: por Portugal e pelo poderio britânico, sempre atento às periferias de seus domínios [11].
Nem por isto o português foi “menos colonizador” ou teve atitudes menos predatórias do que os demais. “Vaca leiteira” de Portugal, na expressão de Oliveira Lima, o Brasil não só alimentou com seus recursos naturais a economia portuguesa (lembremos a descoberta de ouro em Minas Gerais, ao final do século XVII), mas também enriqueceu a inglesa – e além: segundo C.R. Boxer, em O Império Colonial Português, D. João V enviou quantidades de ouro brasileiro para a corte papal e para os cardeais, fazendo jus ao “título de rei Fidelíssimo em 1748, realizando-se assim o desejo há muito acalentado de igualar oCristianíssimo rei de França e o Mui Católico rei de Espanha.” [12].
O colonizador do Brasil, portanto, vivenciou uma decadência mal digerida, porque com freqüência mesclada à arrogância de “glória e estirpe” e à nostalgia de um passado renomado, definitivamente perdido [13]. Também a sonhos de grandeza tardia: Oliveira Lima defendeu a tese de que o príncipe regente [futuro D. João VI] partira para o Brasil “decidido não somente a se transformar em monarca transatlântico, como a dilatar as fronteiras da sua monarquia”; (pois) “o maior e o mais resplandecente Império do mundo, aí se dizia, poderia surgir dentre as ruínas e os incêndios” das invasões napoleônicas” [14].
O “outro” da Europa, sua população freqüentemente vista como sub-raça por visitantes e observadores estrangeiros, o português reduplicou contra os “seus” colonizados a discriminação e o desdém por ele sofrido, por parte da Europa “mais civilizada”. Não é de admirar que a questão da alteridade, entre nós, tenha se revestido de complexidades tão peculiares.
“Lá na altura da praça Principal surgiu uma fonte onde dezenas de negras lavavam roupa.”
Paulo Lins, Cidade de Deus.
Desenredar, através da leitura da produção textual brasileira, tramas básicas de nossa formação sócio-cultural e tornar, assim, perceptíveis certos contornos identitários que a marcam (que nos marcam) são interesses prioritários deste estudo. A este respeito, como em tantos outros, trata-se antes de escavar, descobrindo e desvelando o que se encontra coberto e oculto, do que de inaugurar impensadas elucubrações.
Explico melhor: o material discursivo que desde a época colonial logrou, apesar de todos os percalços, perpetuar-se no Brasil em forma escrita, compôs uma grande narrativa (uma formação discursiva, em termos foucaultianos) que, ainda hoje, só é passível de leitura ao se interpelar a letra do texto, no desafio a seus silêncios e no cruzamento de camadas superpostas de significação textual e intertextual. Refiro-me ao empreendimento interpretativo desconstrutor no sentido derridaiano do termo, quando o texto aparece como uma mensagem cifrada, como um enigma cujo sentido se “descobre” em significado já presente, embora oculto à primeira vista. A interpretação assim concebida, inter-textual por excelência, consiste em “tecer um tecido com os fios extraídos de outros tecidos-textos” e, à medida que penetra no corpo do texto em questão, ela o desconstrói, revelando aquilo antes recalcado [15].
A partir dessas breves considerações sobre a especificidade da leitura em pauta, e para encaminhar a questão dos estudos pós-coloniais no Brasil, este texto abre agora um parêntese voltado para a ficção, especificamente para um momento de grande intensidade no romance Cidade de Deus, de Paulo Lins (1997), quando todo um jogo de apropriação literária e de superposição de textos se dá, estimulando o tipo de interpretação acima proposto.
Alguns dados mínimos do enredo encaminham a leitura: em “Cidade de Deus” (“grande favela pós-moderna”, como tem sido chamada), os meninos Busca-Pé e Barbantinho conversam sobre assombrações e, desafiando o medo, combinam um encontro à meia-noite, em local ermo:
Quando deu onze e quarenta e cinco já haviam atravessado a Estrada do Gabinal e entrado no sítio. Subiam a pequenina ladeira de paralelepípedo do casarão mal-assombrado espreitando os interstícios da noite. Ficaram sentados debaixo duma lua cheia que se impunha no estrelado céu de meia-noite. O silêncio era cortado somente pelos grilos, mosquitos e pelos carros que muito raramente passavam (…). Busca-Pé, com voz trêmula e sumida, dizia que esse papo de assombração era coisa de otário.
Já iam embora quando a lua se transformou em sol de meio-dia, as casas e os apartamentos deram lugar a um imenso campo, os outros casarões tomaram a aparência de novos, o rio tornou-se mais largo, com água pura e jacarés nas margens. Os dois ficaram com um grito estrangulado na garganta que não se permitia explodir. Viam os negros trabalhando nos engenhos de açúcar, nas fazendas de café. O chicote repenicava no lombo. O bosque de Eucaliptos avolumou-se, tinha agora um ar imperial. Lá na altura da praça Principal surgiu uma fonte onde dezenas de negras lavavam roupa. No casarão da Fazenda do Engenho D`Água, observavam o entra-e-sai na cozinha de sinhá Dolores nos preparativos da festa de aniversário da esposa do barão da Taquara.
Lá vinha o barão em seu alazão, comandando pessoalmente os negros no transporte de um piano de cauda que ele mesmo mandara buscar em Paris para presentear a aniversariante. Quarenta negros no transporte daquela formosura. Enquanto vinte suportavam o peso do instrumento, os outros quebravam os galhos das árvores mais baixas para não arranhá-lo. Correu gente de toda a várzea para ver o piano de cauda [16].
O texto de Paulo Lins, escrito na e sobre nossa contemporaneidade, atravessa aqui camadas de tempo e recria, especialmente no último parágrafo citado, um universo escravista quase idêntico àquele encenado meio século antes por José Lins do Rego em um dos clássicos da literatura brasileira, Fogo Morto. Leiamos José Lins:
O Capitão Tomás comprou piano no Recife. Fora uma festa quando passara pelas estradas o grande piano de cauda do capitão Tomás. Nunca o povo vira aquilo. Em cima da cabeça de dez negros, e com outros dez atrás para substituir os outros, lá vinha o instrumento enorme (…). Ele mesmo a cavalo, no passo vagaroso, vinha atrás dando ordem.
Nos dois textos brasileiros em questão reverberam, ainda, as tonalidades faulknerianas de Absalom, Absalom:
They saw him pass, on the roan horse beside his four wagons; (…) They just waited while reports and rumors came back to town of how he and his now somewhat tamed negroes had installed the windows and door (.) and the crystal chandeliers in the parlors and the furniture and the curtains and the rugs [17];
Ao assim desdobrar a dimensão espaço-temporal, a cena orquestrada nos três romances do século XX destaca, para seu leitor, o selo do passado escravista na paisagem, tão fortemente marcado que a transforma de forma indelével – permanecendo esta invisível a olho nu, porém passível de ser exposta pelas lentes aguçadas do ficcional. O que é feito, nos fragmentos citados, através do desfile sobranceiro do senhor de terras, servido ostensivamente por seus escravos e cercado pelos circundantes, pasmos diante de tanta grandeza (respectivamente, “o povo”, em Zé Lins; um vago “they” comunitário, em Faulkner; “gente de toda a várzea” e os dois meninos boquiabertos, em Paulo Lins).
Os três romances, para tanto, lançam mão dos mesmos ingredientes: determinados objetos de valor, como pianos e candelabros (a configurarem aquilo que Max Weber chamou “símbolos de status” [18] os quais, ao lado de certas convenções, sinalizam o estilo de vida daqueles que os ostentam); imagens significativas como o cavalo, de onde melhor exerce seu poder e vigilância, qual imponente centauro, o senhor de terras; e, sobretudo, os escravos, exibidos em seu trabalho braçal – resistentes figuras de ébano sem voz, opinião ou qualquer outra expressão humana e, por isto mesmo, com um quê de esfíngico em sua construção romanesca (“sphynx-like”, diria Faulkner em outro momento de Absalom, Absalom!). Quanto do sistema escravista e de suas engrenagens assim se desvenda para o leitor atento.
Em suma, o mundo ficcional elaborado pelos três autores expõe aquilo que o solo pisado por muitas gerações encobre – a escravidão, lastimável alicerce da civilização em antigas colônias como o Brasil (ou no Sul dos Estados Unidos, lembrando ainda Faulkner), escravidão essa que sobrevive, atualmente, transmudada na miséria das favelas.
Em estratégica inversão, Paulo Lins superpõe à favela urbana de hoje o universo agrário da escravidão colonial e monárquica onde, como acabamos de ler, “o chicote repenicava no lombo” dos “negros trabalhando nos engenhos de açúcar, nas fazendas de café”.
Na trama, o antigo quadro é exibido aos olhos dos dois jovens moradores de Cidade de Deus (o texto de Lins, excepcionalmente, ingressa então no universo do fantástico). Por outro lado, em nível de leitura, as duas épocas unem-se em uma só, sendo ambas escandalosamente expostas em seu funcionamento. Genial achado de Paulo Lins, boa pista para a compreensão do grande malogro social brasileiro: a ostentação do vínculo estreito, da dependência não resolvida, da situação emaranhada experimentada pela nossa situação “pós-colonial”, na perpetuação da exploração (da gente, do chão) gerada na renitente base escravista.
“Nesse sentido, o Brasil é a realização derradeira e penosa dessas gentes tupis, chegadas à costa atlântica um ou dois séculos antes dos portugueses, e que, desfeitas e transfiguradas, vieram dar no que somos: uns latinos tardios de além-mar, amorenados na fusão com brancos e com pretos, deculturados das tradições de suas matrizes ancestrais, mas carregando sobrevivências delas que ajudam a nos contrastar tanto com os lusitanos.”
Darcy Ribeiro. O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil
Hoje, tanto ou mais do que nunca, os estudos relativos à identidade brasileira e suas formas de representação, a questões de exclusão socioeconômica, de cidadania e nacionalidade, à problemática da etnicidade formadora do povo brasileiro e a sua produção cultural passam necessariamente pelo exame da colonização escravista luso-brasileira, no contexto do colonialismo/imperialismo internacional ao qual esteve (tem estado) estreitamente vinculada.
As pesquisas sociais, artísticas e literárias não podem ignorar os subsídios dessa colonização que tanto construiu quanto minou, em suas bases, a sociedade brasileira, e que seguramente foi responsável por muitos de nossos atuais dilemas e mazelas. Sua permanente investigação, na articulação com o presente, ilumina este presente, como o episódio citado acima de Cidade de Deus sugere: tal herança não é coisa do passado, mas está viva e atuante. Darcy Ribeiro especifica:
O Brasil (…) desenvolve-se como subproduto de um empreendimento exógeno de caráter agrário-mercantil que, reunindo e fundindo aqui as matrizes mais díspares, dá nascimento a uma configuração étnica de povo novo e o estrutura como uma dependência colonial-escravista da formação mercantil-salvacionista dos povos ibéricos.
Darcy, ao falar do “Povo Brasileiro” (título de seu último livro), refere-se às “células culturais neo-brasileiras” – verdadeiras “ilhas-Brasil” (diz ele) as quais, desde o século XVI, operaram como núcleos aglutinadores dos contingentes populacionais, “dando uniformidade e continuidade ao processo de gestação étnica, cujo fruto é a unidade sociocultural básica de todos os brasileiros.” Valorizando a população gerada nesse cadinho racial, ele denuncia, em contraste, a “perversidade intrínseca na nossa herança, na nossa classe dominante” [19].
Mas nem todas as visões do Brasil são positivas, a respeito do povo brasileiro. Houve mesmo quem questionasse, a partir de ângulos bem diversos, a sua própria “existência”: “O Brasil não tem povo”, escreveu o francês Louis Couty, não mero visitante ocasional, mas professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, residente no Rio na transição da monarquia para a república.
José Murilo de Carvalho ao referir-se, em Os Bestializados, a este mesmo comentário (“Aqui não há povo”), sugere que, em lugar de estranharmos a opinião do estrangeiro, ” nos perguntemos pelo sentido de suas palavras, pela realidade que lhes possa ter servido de referência” [20]. E essa realidade diz respeito ao país que tem vergonha de si; ao país que, qual a “Bruzunganga” de Lima Barreto, quer tanto ser européia que deixa de ser ela mesma e não se enxerga – não “mostra a sua cara”, para lembrarmos Cazuza. A frase aparentemente leviana do francês denuncia (talvez a despeito das intenções de seu autor) a exclusão social e política da população, por ele traduzida como inexistência, e experimentada como invisibilidade.
“Que país é este?” perguntou o poeta Affonso Romano. “O País é Este”, respondeu, em recente levantamento sobre as condições de vida da população do Brasil, o documentário do cineasta Zelito Viana [21].
Sendo a questão identitária o eixo temático desta pesquisa, tais depoimentos apontam direções a seguir, instigam o desvendamento de formações discursivas de tantas procedências e motivações étnicas, geográficas, socioculturais, que constituem o material indispensável a percorrer. Guimarães Rosa criou a sua literatura a partir dos espaços agrestes dos sertões e das veredas – “artérias do interior” (retomando a expressão do fotógrafo Orlando Azevedo), onde “a globalização ainda não banalizou e anulou a identidade de um país chamado Brasil” [22]; Gilberto Freyre, por outro lado, e alguns anos antes de Rosa, escrevera sobre um Brasil parcialmente domesticado, aquele que ele conheceu melhor – o das casas-grandes e senzalas, dos sobrados e mucambos. São cenários do Brasil que se encontram, mas que não se completam ou anulam, e cuja exploração intelectual, sempre parcial, não esgota o entendimento do país, sendo tantas as demais vertentes possíveis – as veredas que o atravessam. Poetas contemporâneos como Ricardo Aleixo, por exemplo, privilegiam a matriz africana e entoam loas a “Xangô, Oba Kossô,”
…que anda com porte de rei,
cavalo que manda e desmanda
como um rei, pantera preta,
senhor rei de Agasu – , aganju
que bloqueia o rio e queima
a chuva com o raio.
Márcio Barbosa, por sua vez, louva com o mesmo brilho de linguagem “Oxum rientidade vestida de ouro”. São estes poemas que ostentam a “negrura exposta” de que fala outro poeta, e “…tece[m] vida/ na resposta/ abrindo a porta enferrujada de silêncio” [23].
Entrar pela via, pelos caminhos e descaminhos, da escrita afro-brasileira é o que aqui se sugere. Só e apenas então – a par da atenção aos discursos das demais minoriais populacionais – os Estudos Pós-Coloniais terão a sua singularidade assegurada no Brasil. Não se pode enveredar pelas gentes e cenários brasileiros sem a elaboração, sempre atualizada, da escravidão, da etnicidade, dos entraves e percalços do povo afro-brasileiro cujo lavor construiu este país (já o reconhecera Joaquim Nabuco) e cuja indispensável voz hoje se ergue, se não com poucos obstáculos, sem dúvida com maiores espaços para a sua autonomia, práxis intelectual, criatividade.
“…abrindo a porta enferrujada de silêncio”
Cuti, “Cultura Negra”
Tendo em vista o interesse no desenvolvimento dos Estudos Pós-Coloniais brasileiros, e como seguimento de minha própria pesquisa, aponto sucintamente, “à guisa de conclusão”, algumas das possíveis – e prementes – questões a explorar, tendo sempre a questão identitária (brasileira) como eixo temático central:
1 – Representação e auto-representação.
Assim como constatamos que fomos duplamente colonizados, a nossa representação colonial e monárquica também foi de “segundo grau” (a história da nossa sujeição colonial foi contada em inglês, lembra Boaventura de Sousa Santos – ver nota 6, acima). O longuíssimo silêncio imposto pela censura governamental e eclesiástica em Portugal (em contraste com a atitude relativamente mais liberal dos reis de Castela, ensina Boxer – ver nota 12) abrandou-se apenas sob D. João V, instituindo-se depois, ainda, a “Mesa Censória”, por iniciativa do Marquês de Pombal.
Ao se considerar quão tardias, em conseqüência, foram a implantação da imprensa no Brasil e a instauração de um limitadíssimo ensino superior no país (apenas efetivadas com a vinda de D. João VI), constata-se o quanto se bloqueou na área cultural e quão problemática foi a conjugação representação/expressão identitária entre nós. Mas o silêncio também pode ser eloqüente, e o aparente vazio de representações encerra, na realidade, manobras de representações sub-codificadas a decifrar, como bem adverte Boaventura de Sousa Santos.
Manifestações culturais populacionais, na luta pela inscrição no tecido social, deram-se com muita força e dramaticidade, inclusive através da oralidade. A este respeito, remeto aqui a meu texto “Visíveis e Invisíveis Grades´”: Vozes de Mulheres na Escrita Afro-Descendente Contemporânea”, onde se lê:
Se enveredássemos pelos labirintos ainda insuficientemente explorados do discurso oral, com freqüência clandestino, de mulheres negras, quer na militância abolicionista, quer através da espiritualidade, quer em entranhadas combinações de ambas, ou também por outras modalidades discursivas como o canto, a dança, a arte em geral, incluiríamos nesta discussão a expressão de mulheres como Luiza Mahim, mãe de Luiz Gama (…) entre tantas outras, as quais fizeram-se ouvir, sem deixarem o legado de uma produção escrita[24].”
2 – Caminhos culturais desviantes e alternativos. Deslindar, com os poetas afro-brasileiros, os “Cristóvãos Quilombos”, de que fala Jamu Minka e atingir, assim, realidades mais nossas e mais ricas. Partir das manifestações de cunho popular as quais, pois que desdenhadas e postas de lado pela cultura oficial, desenharam suas formas e cores às margens dessa cultura, apropriando-se sub-reptícia, ou escancaradamente, dos “restos” do saber erudito e cozinhando-os em novos pratos para o apetite aguçado da população. Assinalar como essa população, sim, existe. Observá-la, e ao que a circunda e adentra, com o olhar “de viés” – apanágio da latinidade americana, conforme lembra o escritor argentino Ricardo Piglia; ou “nas abas do Parnaso”, segundo a arguta formulação de Luiz Gama. Uma história cultural de marginalidade, de liminalidade dessa cultura híbrida, afro-brasileira, miscigenada, a explodir, já em pleno século XX, inicialmente carreada pela música, na capital civilizada à francesa por Pereira Passos; depois, pelos movimentos de conscientização das chamadas minorias, em diversas áreas e segmentos da sociedade (mulheres, negros, indígenas, homossexuais).
3 – A questão racial. A problemática da miscigenação e a etnicidade do povo brasileiro. A pesquisa insiste na exploração da expressão cultural afro-brasileira a partir de suas matrizes diaspóricas e dos (des)caminhos da inserção populacional do ponto de vista social, racial (?), étnico. Tal expressão por vezes é conciliadora, por vezes, não: segundo a poesia de Cuti, talvez “o passado aconteça/ amanhã/ ao contrário” [25].
Nesse sentido, mais do que explorar os desígnios do colonizador, interessa o que dali resultou: o mistério dos cultos, mesclando o sagrado e o profano, Iansã e Santa Bárbara, sexualidade e cosmogonia. Os caminhos do ativismo político quilombola, da conscientização racial, das frustrações e conquistas no terreno da cidadania por parte de grupos excluídos do processo civilizatório que hoje exigem autonomia cultural, conforme lembra Silviano Santiago.
4 – Reavaliação de conceitos e de mitos fundacionais que interpretam a formação da nação Brasil e descrevem a identidade brasileira enquanto povo. Revisitar, assim, estudos sobre a família patriarcal como unidade de poder, sobre a “cordialidade brasileira” e a “democracia racial”, conceitos estes que, ao pretenderem explicar os fundamentos da sociedade brasileira e seus desenvolvimentos, apontavam sintomaticamente para a hipertrofia da esfera privada em detrimento da esfera pública no Brasil [26].
Se Portugal foi o Outro da Europa, o Brasil foi parte do “Outro-do-Ocidente-dentro-do-Ocidente, que é a América Latina”, escreve Silviano Santiago em “A Ameaça do Lobisomem”. Assim, as modernas leituras latino-americanas das culturas colonialistas devem “voltar os olhos em lance vanguardista para o passado colonial” subjacente, reapresentando, em sua estranheza, o cotidiano, e transformando em material cultural o “lugar da desordem nos encontros”, na expressão de Silviano.
5 – A questão da nacionalidade, hoje. A desmistificação da condição utópica da nação – aliás, imaginada apenas por sua elite intelectual, política, empresarial (escreve ainda Silviano) – co-incide com a perda do privilégio da literatura canônica e dos universais que precedem o ato da escrita [27]. Coincide também com necessários re-posicionamentos, por parte da intelectualidade atuante.
Cumpre também examinar as transformações na academia e nos meios de produção cultural, em confronto com as transformações da comunicação e dos meios de comunicação a partir da segunda metade do século passado, dia a dia mais vertiginosas ante as possibilidades abertas pela comunicação eletrônica. Nesse sentido, há atualmente, na América Latina, toda uma bibliografia atualizada e instigante a percorrer (Jesus Barbero, Beatriz Sarlo, Nestor García Canclini, Roberto Fernández Retamar, Eduardo Galeano, entre tantos outros), oferecendo rico material de reflexão, e viabilizando fecundo e crescente intercâmbio interamericano.
Há, portanto, uma ampla gama de encaminhamentos a empreender – os quais interpenetram-se mutuamente – e, dentre eles, cinco foram aqui destacados: representação e auto-representação; caminhos culturais desviantes e alternativos; a questão racial; reavaliação de conceitos e de mitos fundacionais; revisão do conceito de nacionalidade e do papel do intelectual brasileiro, hoje, diante das transformações da pós-modernidade.
São estes esboços precários e recortes temporários do que, em termos individuais, pretendo desdobrar em futuro próximo. Sem dúvida o maior dos incentivos será a indispensável troca de idéias com colegas que, dentro de tal abundância, deparem-se com as mesmas questões, compartilhando indispensáveis dúvidas e perseguindo objetivos afins.
Epígrafes:
– Eduardo Galeano, “Defensa de la Palabra”. In: El Tigre Azul y Otros Artículos. La Habana, Instituto Cubano Del Libro/Editorial de Ciencias Sociales, 2002. p.4.
– Albert Memmi, Retrato do Colonizado Precedido pelo Retrato do Colonizador. R.J., Paz e Terra, 1977. p.125-126.
– Paulo Lins, Cidade de Deus. p.177.
– Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil. p.130.
– Cuti, “Cultura Negra”. In: Negro Brasileiro Negro: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nº 25, 1997. Org. Joel Rufino dos Santos. p.137.
*Heloisa Toller Gomes é Doutora em Letras pela PUC-RJ e Professora Adjunta da UERJ. No Estágio de Pós-Doutoramento em Estudos Culturais pelo Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) da UFRJ, desenvolveu o projeto de pesquisa “Pós-Colonialismo, Etnicidade, Formações Culturais Contemporâneas” (2004-05). É autora, entre outras publicações enfocando a questão afro-descendente, de As Marcas da Escravidão(EDUERJ/Ed.UFRJ), O Negro e o Romantismo Brasileiro (Atual Ed.) e da Edição Crítica e tradução para o português deAs Almas da Gente Negra, de W.E.B. DuBois (Lacerda/Nova Aguilar).
NOTAS
[1] Este texto teve a sua origem no Relatório referente à conclusão do Estágio de Pós-Doutoramento que empreendi no PACC/UFRJ, em 2004-2005. Aqui, discuto a pertinência dos Estudos Pós-Coloniais no Brasil, rastreando alguns dos encaminhamentos básicos desta área de estudos na academia internacional. Enfatizo que a rentabilidade dos Estudos Pós-Coloniais na Universidade brasileira está atrelada ao indispensável entendimento da singularidade da colonização luso-brasileira, responsável por nossa formação populacional e cultural e por muitas das formas que tem assumido o desenvolvimento sócio-econômico em nosso país, da colônia à contemporaneidade. Abordando comparativa e contrastivamente os sistemas de colonização européia, os Estudos Pós-Coloniais no Brasil poderão contribuir substancialmente para a pesquisa sobre questões identitárias (brasileiras), iluminando e sendo iluminados pelas formações culturais do passado e do presente, notadamente as de cunho afro-descendente.
[2] Ver “Preface”, p.xv, xvi. In: The Post-Colonial Studies Reader. Ashcroft, B., Griffiths, G. and Tiffin, H. (eds.). London & New York: Routledge, 1995. Também A Dictionary of Literary and Thematic Terms. Quinn, Edward. U.S., Checkmark Books, 2000.
[3] Recomendo, a respeito, de Henri Wesseling, Le Partage de l’ Afrique 1880-1912 (1991). Trad. francesa do holandês por P. Grilli. Dënoel, 1996.
[4] BONFIM, Manuel. O Brasil (1935). São Paulo: Biblioteca Pedagógica Brasileira/ Companhia Editora Nacional, s/d.
[5] Discordo, portanto, do pesquisador Thomas Bonnici, ao escrever ele que a crítica colonialista “não chegou ainda à literatura brasileira” e “não parece ter chegado nem à teoria literária praticada no Brasil”. Também, e principalmente, quando comenta:
Embora a reflexão teórica sobre estas últimas [obras literárias produzidas nas antigas colônias francesas e portuguesas] seja incipiente, com certeza acompanharia a sistematização introduzida por escritores pós-coloniais de fala inglesa.
BONNICI, Thomas. O Pós-Colonialismo e a Literatura: Estratégias de Leitura. Paraná: Editora da Universidade Estadual de Maringá, 2000. p.264.
[6] SANTOS, Boaventura de Sousa e. “Entre Próspero e Caliban – Colonialismo, Pós-Colonialismo e Interidentidade”. In: Cultura e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2004. Org. Heloisa Buarque de Hollanda. p.33.
[7] Oliveira Lima, ver nota 13, abaixo; Bonfim, Manuel, Op.cit., p.25; Torres, Alberto. O Problema Nacional Brasileiro. 3.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. p.100.
[8] SANTOS, Boaventura de Sousa e, Op.cit. p.20, 33 e passim.
[9] Ver, a respeito, “General Introduction”. In: The Post-Colonial Reader, p.1.
Como exemplos da difusão do saber/poder colonialista britânico, ver Royal School Illustrated Series, de ampla circulação no Ocidente e no Império Britânico em geral, com narrativas infanto-juvenis (habitualmente com um tom edificante) sobre a presença inglesa nas colônias, como “Stories of Tigers” (“Some years ago, a number of English officers in India went out to hunt.” – n.3, p.61); ou “The English Girl and her Ayah”, abordando de passagem as relações inter-raciais e as diferenças religiosas (” ‘We are lost! Cried the poor Hindoo, ‘lost in the dreadful jungle!` ‘Do not be so frightened, Motee, said the fair-haired English girl; ‘God can save us, and show us the way back.`” n.3, p.75).
London, T. Nelson and Sons, Paternoster Row. Edinburgh, New York, Toronto, and Paris. n.1, s/d; n.3, 1925 (elaboração a partir do programa governamental do Education Department da Inglaterra, de 1872).
[10] BHABHA, Homi K., “Introduction: Narrating the Nation”. In: Nation and Narration. London & New York: Routledge, 1990. p.3. Org. Homi K. Bhabha (traduzi as passagens citadas).
[11] Não é à toa que o arguto Robert Southey, tendo em vista os interesses do Império Britânico, voltou a sua atenção para o Brasil e pesquisou longamente nos arquivos de Lisboa para a elaboração da obra de peso que é a sua History of Brazil (escrita entre 1810 e 1826). Percebendo que o Brasil encaminhava-se para um futuro mais grandioso do que o da sua metrópole (“os portugueses pareciam-lhe selvagens ou semi-bárbaros” – escreve Maria Odila da Silva Dias) Southey observa no prefácio a seu referido livro: “… e o progresso do Brasil desde os seus mesquinhos princípios até à importância que atualmente atinge, tudo isto são tópicos de não vulgar interesse.”
SOUTHEY, Robert. “Prefácio do Autor”. In: História do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. trad. L.J. Oliveira e Castro.
DIAS, Maria Odila da Silva. O Fardo do Homem Branco: Southey, Historiador do Brasil (Um Estudo dos Valores Ideológicos do Império do Comércio Livre). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974. p.176.
[12] BOXER, C.R.. O Império Colonial Português (1415-1825). Lisboa: Edições 70, 1969. p.137,330.
[13] Na obra citada acima (nota 11), Boxer transcreve o seguinte, e impressionante, depoimento do Padre jesuíta Manuel Godinho (Lisboa, 1663-1665) sobre a decadência do império colonial português: “O império ou Estado indiano lusitano, que anteriormente dominava a totalidade do Oriente e compreendia oito mil léguas de soberania, vinte e nove cidades capitais de província e muitas outras de menor importância, e que ditava leis a trinta e três reinos tributários, espantando todo o mundo com a sua enorme extensão, assombrosas vitórias, próspero comércio e imensas riquezas, está agora reduzido, por causa dos seus próprios pecados ou devido a inevitável decadência dos grandes impérios, a tão poucas terras e cidades (…). Se ainda não expirou completamente, é porque não encontrou um túmulo digno da sua anterior grandeza. Se era uma árvore, é agora um tronco; se era um edifício, é agora uma ruína; se era um homem, é agora um coto; se era um gigante, é agora um pigmeu; se era grande, não é nada agora; se era a vice-realeza da Índia, está agora reduzido a Goa, Macau, Chaul, Baçaim, Damão, Diu, Moçambique e Mombaça, com algumas outras fortalezas e locais de menor importância (…) que os nossos inimigos nos deixaram, ou como um memorial daquilo que dantes possuíramos na Ásia, ou como lembrança amarga do pouco que, agora, lá possuímos.”
[14] Oliveira Lima. D. João VI no Brasil, 1808-1821. Rio de Janeiro: José Olympio, s/d. p.34,548, 364 e passim.
[15] Glossário de Derrida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. Supervisão geral, Silviano Santiago. p.54-55.
[16] LINS, Paulo. Cidade de Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p.177.
[17] REGO, José Lins do. Fogo Morto (1943). Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. p.137. FAULKNER, William.Absalom, Absalom! (1936). New York: Vintage Books, 1972. p.44.
[18] WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. p.218-219.
[19] Ribeiro, Darcy. O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p.273.
Em entrevista ao Jornal do Brasil [“Darcy, um Brasileiro” 3/11/96, p.4], o antropólogo mostrou-se amargo, ao observar “…[E]sse apego [do proprietário pela terra] e a brutalidade, que é a maior herança cultural, a mais perversa do Brasil. A brutalidade para com o povo. A herança de termos sido o último país do mundo a acabar com a escravidão hedionda. É a herança da capacidade de gastar gente, de queimar gente como se queimasse carvão. De queimar negro, jogar no trabalho. (…) Essa capacidade de tratar pessoas como coisas, essa perversidade intrínseca, que é a capacidade de matar, de torturar. É uma perversidade intrínseca na nossa herança, na nossa classe dominante. Nossa classe dominante é enferma de desigualdade, de descaso…”.
[20] COUTY, Louis. L`Esclavage au Brésil. Paris: Librairie de Guillaumin, 1881. p.87. Informação biográfica de Eduardo Silva, em Dom Oba II D`África, O Príncipe do Povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p.102, 215.
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que Não Foi. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p.10.
[21] “O País é Este: Documentário baseado nos dados do Censo 2002 – IBGE”. Direção Zelito Viana. IBGE: Mapa Filmes Ltda, 2002.
[22] AZEVEDO, Orlando. “O Rito do Mito”. In: Expedição Coração do Brasil: Mito. Ministério da Cultura/ IRB-Brasil/ Francisco Alves, 2002.
[23] ALEIXO, Ricardo. “Oba Kossô”. In: Trívio Poemas. Belo Horizonte: Scriptum Livros, 2001. p.46; BARBOSA, Márcio. “Poema-ebó”. In: Cadernos Negros 15. São Paulo: QUILOMBHOJE/ Edição dos Autores, 1992. p.63-64.
[24] GOMES, Heloisa Toller. ” ‘Visíveis e Invisíveis Grades: Vozes de Mulheres na Escrita Afro-Descendente Contemporânea”. In: Caderno Espaço Feminino. Minas Gerais: Universidade Federal de Uberlândia. n.15, v.12, jul/dez.2004. Coord. Vera Lucia Puga de Sousa. p.17.
[25] Cuti, “Branco Negreiro”. In: Cadernos Negros 15. p.27.
[26] Chamo a atenção para a recente releitura de mitos benevolentes da formação brasileira, como o conceito de “homem cordial” (desenvolvido por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil): ver ROCHA, João Cézar de Castro, Literatura e Cordialidade: O Público e o Privado na Cultura Brasileira. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998. Do mesmo autor, O Exílio do Homem Cordial. Rio de Janeiro: Museu da República, 2004.
[27] SANTIAGO, Silviano. “A Ameaça do Lobisomem”, p.214, 217; “O Cosmopolitismo do Pobre”. p.59 In: O Cosmopolitismo do Pobre: Crítica Literária e Crítica Cultural. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.