Ano XIX 01
Artigo
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NEGRITUDE POÉTICA: MODERNISMO E MASCULINIDADE

“To be alone so long. to see you move
in this varicose country
like silhouettes passing in apprenticeship
from slavery to pimp
to hustler to murder to negro
to nigguhdom to militant to revolutionary
to blackness to faggot with the same
shadings of disrespect covering your voice.”
Sonia Sanchez, “To All Brothers: From All Sisters”, 1984

“Reaja à Violência Racial, Beije sua Preta”[1]

Em 1991, o jornal do Movimento Negro Unificado, histórica organização negra fundada em 1974 em São Paulo, publica na capa foto de Carlos Moura em que vemos um jovem casal (os modelos Nethio e Lucia) no ato de se beijarem. A foto tem como legenda versos do poema “Bandeira”, de Reinaldo Santana, que à época assinava como Ori, e hoje assina como Lande Onawale[2]. O poema tem forma algo inusual e os versos selecionados para a capa ocupam posição singular na estrutura do poema.

Reaja à Violência Racial (II)*
Isso, me bata
Me bata…
Quebre o cacete em minhas costas
Agora… percebe?
Reconhece o meu gemido?
É. Nosso avô gemia assim
No seu tempo era um perigo
Um SUSPEITO negro
Como eu
Hoje não é diferente. Você já se perguntou por que eu sou caça e você caçador
Mas se a esperança demora a morrer, eu só quero crer que um dia você sabendo o que nos une, pode (quem sabe?) hesitar
Não bater com tanta força ou parar pra pensar…
Poderá se libertar das migalhas do opressor
E travar junto comigo a luta de vovô
*beije sua preta em praça pública

A gravura/cartum de Nethio Benguela deixa mais evidente qual o contexto do poema: um policial negro agride um homem negro, suspeito como “eu”, o “eu” do poema apela à consciência do agressor, ele próprio um negro como “eu”, e também como vovô, um “perigo”. Trata-se de reagir à violência racial, slogan muitas vezes repetido e pixado nas ruas de Salvador nos anos 1980. Na gravura, Xangô, de Oxe na mão, intercepta o agressor, o poeta pede que o policial se lembre de tudo o que nos une. E conclui: lute a “luta de vovô” e “beije sua preta em praça pública”. O amor, o afeto, o carinho, o desejo entre iguais, como antídoto para a violência policial. Um apelo que, como muito explícito no poema e no cartum, segue de homem para homem, um homem como “eu”, um homem como Ori, um homem como o policial, um homem, finalmente, como “vovô”.

Figura 1: Capa do número 19 do Jornal do MNU – maio/junho/julho de 1991

O contexto poético, ou significativo, exige ou demanda o posicionamento, ou melhor, encenação de um sujeito, dito ou representado, a “mulher”. Que aparece na fabulação, e esse é argumento implícito desenvolvido aqui, como efeito da necessidade estrutural de subjetivação de uma consciência masculina, que na economia do discurso está fixada como uma posição estrutural, eixo de articulação de uma posicionalidade ontológica, definida de modo categórico em uma estrutura de antagonismos. A figura da mulher, entretanto, aparece como contingencialmente referida a uma experiência histórica, antes definida subjetivamente por uma relação negativa com a própria matéria de sua constituição, e como a matéria através da qual a consciência de si masculina pode esboçar autonomia, ainda que sob as determinações da antinegritude que obliteram, por definição, essa possibilidade. Diante da masculinidade negra estrutural, “espinho no coração do mundo” antinegro, a mulher negra aparece no discurso do homem negro como uma subjetivação plenamente fenomenológica, calcada na experiência, ou “escrevivência” (Fanon, 2008; Evaristo, 2020)[3].

Figura 2: Contracapa do número 19 do Jornal do MNU – maio/junho/julho de 1991

É nesse sentido que acredito que o poema, e mesmo a gravura, servem de introdução adequada ou chave de leitura para discussão proposta abaixo como uma leitura crítica da imaginação da modernidade negra, tal como fabulada sob a forma da masculinidade, ou de uma determinada sensibilidade, forma de subjetivação ou estrutura de sentimento masculina e negra. Interessa particularmente a invenção do sujeito negro moderno e as aporias da subjetividade em articulação conflituosa com as práticas de representação literárias antinegras, e mais que isso, é claro, como o poema deixa evidente, com as próprias formas de textualização de si, confrontadas pela materialidade histórica da antinegritude, determinante das formações sociais, das subjetividades e das formas expressivas ou estéticas.

A consciência de si do homem negro escorre em direção à mulher, como um “duplo vínculo”, double bind, de gênero e raça, como veremos a seguir (Bateson et al., 1956).

Medo e Desejo: Masculinidade e Negritude[4]

Importa considerar a relação entre sujeito e representação, e as necessárias mediações entre estruturas de subjetividade, constituídas no transcurso da experiência histórica, ou seja, em um vetor processual, e formas estéticas, materializadas sincronicamente como estruturas semióticas. O muitas vezes colocado problema da triangulação entre a objetividade das formas históricas, a volatilidade da constituição do sujeito e a objetivação estética como constituição de um si mesmo que de muitas formas e em muitas leituras, está sempre já alienado (Butler, 1997).

Lukács interroga essa determinação recíproca do “ser social” e de suas formas estéticas ao discutir, por exemplo, as oposições entre “narrar” e “descrever”’ como transcrições formais de condições sócio-históricas que definem o ser social em sua relação como a autorreprodução material da sociedade, que não dispensa recursos simbólicos, ou ideológicos. Com privilégio para a narração como forma expressiva de uma sociedade que reconhecia nas instâncias de sua autorrepresentação a historicidade, expressa como teleologia ética, desdobrada para efeitos do argumento estético, mas não apenas como práxis (Lukács, 2010).

Como Frederic Jameson comenta, o que parece ser característico do materialismo histórico é a negação da autonomia do “pensamento”, e a obra de Lukács e de outros autores marxistas busca dessa forma reconciliar formas de pensamento ou estruturas formais e a vida, ou a vida histórica do ser social (Jameson, 1985). O romance, na modernidade burguesa, busca como gênero cumprir essa reintegração, a rigor sempre interditada em nível ontológico, entre “espírito e matéria, entre vida e essência” (Jameson, 1985, p. 136). Uma vez que as amarras do idealismo são pegajosas, no esforço de desvencilhar-se delas, o crítico parece afundar cada vez mais em suas próprias determinações singulares. Elas próprias são também fundamentalmente alienadas. A alienação do trabalhador encontra dessa forma analogia com a alienação do autor. Ambos sujeitos assujeitados na própria alienação intrinsecamente constitutiva de uma generalidade: “No entanto é precisamente nessa terrível alienação que se encontra a força da posição do operário: seu primeiro movimento não é em direção a conhecimento do trabalho, mas rumo ao conhecimento de si como um objeto, em direção a consciência de si” (Jameson, 1985, p. 147).

No mundo antinegro, entretanto, as formas dessa alienação se revestem de atributos particulares. Como poderiam ser transcritas, nesse intervalo instável, definido por uma precariedade que não parece nada contingente, apesar de gratuita (Vargas, 2010)? Trata-se na verdade de situar o sujeito negro no âmbito da modernidade antinegra. Ora, “black subjectivity is a crossroads where vertigoes meet, the intersection of performative and structural violence” (Wilderson, 2011, p. 3). Wilderson define então primeiro o que chama de vertigem subjetiva, é a “vertigem do evento”, realizada como uma dimensão contingente, incidindo sobre a formação de si em um lapso ou transcurso temporal. A percepção de viver em um ambiente perpetuamente desequilibrado, fruto de uma relação estrutural, categórica e atemporal com a violência, uma relação que na perspectiva de Wilderson não possui analogia. A isso ele chama “vertigem objetiva”, “life constituted by disorientation rather than a life interrupted by disorientation” (idem, p. 3). Isto é, estrutural em oposição à violência performativa. A subjetividade negra é, nesse sentido, uma encruzilhada, uma interseção, entre a violência performativa (vertigem subjetiva) e a violência estrutural (vertigem objetiva).

Em seu Prólogo ao Homem invisível, Ralph Ellison esboça uma fenomenologia da masculinidade negra na “vertigem”, definida de modo relacional, como matéria determinante para um específico e insidioso esvaziamento ou invisibilização: “Quem se aproxima de mim vê apenas o que me cerca, a si mesmo, ou a inventos de sua própria imaginação – na verdade, tudo e qualquer coisa, menos eu” (Ellison, 1990, p. 7). Um “fantasma na cabeça dos outros” ou “criatura de pesadelo”, essa é a forma histórica, e estrutural, da identidade de um homem negro, invisível, diante da esmagadora objetividade de sua aparição, a um só tempo inapelavelmente material e fantasmática. A interdição de ser visto, reconhecido, como portador de uma coerência legível entre forma, imago[5], e sujeito é efeito dessa condição de relacionalidade esvaziada do homem negro. Ora, “não ter noção da própria forma é experimentar a morte” (idem, p. 10). O homem invisível em busca de si faz perguntas aos outros, a estes mesmos que não o enxergam e que quando o veem se defrontam apenas como a sombra distorcida de uma imaginação pervertida que todos parecem conhecer: “sou um homem invisível”. E sua própria forma é a forma “perdida” da morte social.

Com o poeta baiano Davi Nunes vemos que essa invisibilidade é muito material e faz equivaler a vida do homem negro a um mergulho “cosmogônico” na morte social.

Uma áurea cosmogônica sobre a minha cabeça
O vazio do crânio em formato de esqueleto
Uma pistola com o fogo autoritário de deus
As minhas mãos que se levantam inúteis
Uma voz de cão esbravejando ódio no gueto
O olhar do algoz ao meu agônico
Uma bala que se entranha como um pequeno sol em meu cérebro
O fim que tinge os pensamentos com o sangue da morte

Assumindo o ponto de vista de quem é alvejado por uma bala, “fogo autoritário de deus”, o poeta formaliza o momento final da experiência agônica da morte, como um “sol” que finalmente ilumina a conexão do sujeito com sua verdade final, sua práxis vertiginosa, definida por essa negação, renúncia mais profunda, de ser aceito e reconhecido. A mesma modalidade de morte em vida, de intimidade com a violência, o medo, a desorientação, a angústia, a falta de si e da própria imagem. Apenas na morte podemos encontrar reconhecimento, ser para si no momento, estrutural e performático, do confronto com nosso “algoz”. Creio que vemos aqui, uma vez mais, elementos de estruturação, objetivação textualizada, de determinada estrutura de sentimento articulada como a incidência definida da violência e da ruptura categórica essencial com a própria imagem.

Em “Marxismo e Literatura”, Raymond Williams (1979) define estrutura de sentimento no âmbito da discussão sobre a definição do sentido para a “época”, como algo transitando entre o “residual” e o “emergente”. A percepção dessas variações se dá na relação com a articulação explícita de formas sociais como “produtos acabados”, desiderato da objetivação da experiência histórica. Ora, “o que estamos definindo é uma qualidade particular da experiência social” que deve ser tomada desde o início como “experiência social” que sinaliza modificações entre o residual e o emergente, e tais modificações podem ser definidas justamente como modificações nas “estruturas de sentimento” (Williams, 1979, p. 134). Dessa forma, estas podem ser descritas como formas estéticas na arte e na literatura, tomadas como indícios de uma nova estrutura. Mas ora, se essa nova estrutura estiver ela própria definida por uma interdição ou impossibilidade, por uma aporia ou contradição, antagonismo insuperável? O residual, a escravidão, não se dissolve. O emergente não pode se constituir objetivamente em novas formas, que pressupõem um sujeito histórico, por definição negado ou invisível. Não é assim que Fred Moten em Na Quebra parece sugerir ao dizer que:

Na transição do trabalho escravo para o trabalho livre, o local ou força ou ocasião do valor é transferido do trabalho para a força do trabalho (…) Essa transferência e transformação é também uma desmaterialização – novamente uma transição do corpo, mais plenamente da pessoa do trabalhador, para um potencial que opera no excesso do corpo, no desaparecimento de uma certa responsabilidade do corpo. Isso vai se cristalizar, mais tarde, na figura impossível da mercadoria que emerge como que do nada, a figura que é essencial àquela modalidade possessiva e despojada de subjetividade que Marx chama de alienação (Moten, 2023, p. 354).

Como comenta Spivak, a diferença entre o “residual” e o “emergente” pode ser também a diferença entre “uma forma radical e uma forma conservadora de resistência a dominante [cultural]” (Spivak, 2022, p. 365). Ou como transcreve poeticamente Davi Nunes:

Quando senti sob meus pés
pela primeira vez
o corpo gigantesco desta terra
afundei até o pescoço
era um solo movediço – a escravidão

Na introdução a Filho nativo, “Como nasceu Bigger”, Richard Wright descreve a gênese estética, para-sociológica, de Bigger Thomas, protagonista de seu romance, o jovem homem negro “desorientado”, que assassina uma jovem branca. Como ele diz então muito textualmente, o romance é “uma exteriorização imensamente íntima por parte de uma consciência expressa em termos dos eventos mais objetivos” (Wright, s.d., p. 9). E conclui: “as emoções são subjetivas, e ele somente consegue comunicá-las ao transvesti-las com um disfarce objetivo” (idem, p. 9).

Como então ele aponta, sempre existiram muitos Biggers, cravados na própria experiência do autor e em seu horizonte de referência. Ele se recorda da infância e juventude e dos Biggers que conheceu. Ora, como diz Wright, a natureza do meio ambiente que produziu esses homens os produziu como o “homem de confusão” de que nos fala Huey Newton em To Die for the People (2009), torturado e, na verdade, fabricado pelos próprios pecados. Representando para si mesmo, de modo “objetivo”, uma aproximação inferior de humanidade, malograda ou vivida malogradamente, no “solo movediço” de uma historicidade, ou “época” que prolonga a escravidão como sua vida póstuma (Hartman, 1997). Uma historicidade objetivamente subjetivada como medo e vulnerabilidade, em virtude de sua “singular posição” na vida, vivida como uma redução a uma coisa, um animal, uma nulidade (nonentity). As leis de autoconstituição da sociedade, da pólis, como uma negociação no âmbito da sociedade civil, estão fechadas para ele (Vargas, 2012). As leis do homem branco e sua moralidade – ou mesmo ética – autotransparente aparecem para ele como um duro código que age sobre ele, mas não para ele. Ora, pergunta Newton, com quem, com o que, pode ele, um homem, identificar-se? A sociedade não o reconhece como tal, ele, “um consumidor e não um produtor”. Quem afinal ele é? “Is he a very old adolescent or is he the slave he used to be? What did he do to be so black and blue?” (Newton, 2009, p. 79)[6].

De certo ponto de vista, desse ponto de vista “singular”, definido pela centralidade da morte social e da violência gratuita como gramática operativa da singularidade negra no mundo antinegro, vemos que esse mundo, horizonte sem sentido de um sentido histórico para a violência estrutural, só pode ser definido distopicamente como uma devastação ininterrupta. O afropessimismo, como apresentado por Frank Wilderson, pretende estabelecer uma aproximação para uma ontologia política (a rigor impossível ou obliterada) e uma linguagem abstrata, filosófica, conceitual, para expressar a violência da escravização e de suas formas alongadas na duração e na correlação categórica, estrutural e performativa, que em sua dimensão “gratuita” materializa a obstrução ao reconhecimento ou integração para o negro e para o homem negro em particular. É nesse sentido que o afropessimismo entende o significado da negritude como uma posição estrutural de incomunicabilidade, na verdade definida por modalidades de acumulação e fungibilidade, e não de exploração e alienação (Wilderson, 2010). Como parece textualizar a obra de Fabio Mandingo, entre a oralidade de uma “gramática” antinegra das ruas e um repertório linguístico pré-formado, em meio ao qual poderíamos divisar certas transformações. Para Jober Pascal, Mandingo toma a “substância controvertida” da experiência – fenomenologia histórica e subjetiva – das ruas e de suas contradições e violências, estruturantes da própria paisagem urbana em Salvador da Bahia, lócus diegético em sua obra, como “escolhas estéticas”. Ou como “um fluxo de violências que explode pelo triunfo da comunicação” (Pascal, 2018, p. 336).

O caos urbano e distópico, que é o reverso de uma imagem paradisíaca para cidade de Salvador, presentifica uma geografia antinegra, uma topografia do horror racial (Alves, 2013), em que o homem negro vive intensamente a expulsão dilacerante da cena moderna de reconhecimento e interação comunicativa, o que seria esfera pública, mas transita de modo ladino, amefricano ou fugitivo, eu diria, no interstício tumultuoso de uma socialidade interrompida a bala. “Barulho ensurdecedor ferindo os ouvidos. Tensão. A multidão em polvorosa nas ruas noturnas. Helicópteros. Medo. Tropas de choque. Um homem negro caído imóvel no chão desagua um rio de sangue: é carnaval em Salvador!” (Mandingo, 2018, p. 48).

A obra de Mandingo, e sua dicção mandingueira, inapelavelmente masculina, inapelavelmente dependente da representação da mulher na consciência do homem negro, nos serve para definir esteticamente a passagem das aporias da antinegritude, na construção de “escolhas estéticas”, para o momento de transfiguração amefricana e moderna, entre a experiência de confusão vivida pelo homem negro e o alívio carnal no duplo vínculo de gênero. O repertório urbano, mapa cognitivo e estilístico de Mandingo, que percorre as praias da Ribeira, ou o degradado Centro Histórico de Salvador, se desenvolve em meio à reconfiguração urbana, moderna, da ladinidade presente na experiência histórica afro-brasileira, e não é de outra forma que a capoeira, a roda de capoeira e o amor proibido pela filha do mestre de capoeira servem de ponto de apoio, vínculo e transformação entre o dilaceramento agudo, desorientação objetiva, e o reencontro ancestral que o corpo da mulher permite.

– Vixe, irmão, você tá apaixonado mesmo hein?
– Completamente apaixonado, D´Ketu, essa mulher foi quem me fez entender o significado de plenitude.
– Que nada D´´Oyó, amor de capoeira é berimbau, mulher vem e vai…
– Nego, nego, nego, não existe berimbau sem a união da beriba com a cabaça. (Mandigo, 2018, p. 100)

Modernidade Amefricana: A Identidade Negra como um conteúdo simbólico-cultural

Jorge Augusto interroga a produção textual de pessoas negras, levando em conta aspectos sociológicos de constituição do mercado ou campo literário negro, e também do ponto de vista formal. Nesse sentido, sugere tópicos para a revisão de todo um campo, e nisso a crítica ao biografismo parece muito pertinente. Como ele aponta, o “biografismo tal como efetuado por parte da crítica acaba adentrando os caminhos minados do fetiche, pela existência do pobre e do iletrado; e do mérito, pelo exemplo de superação” (Augusto, 2022, p. 155). Biografismo, dizendo de modo direto, subsistiu uma análise rigorosa pela exotização da autoria. O que implica ademais em certa condescendência pervertida “produzida pela intelectualidade negra” que “tende a ser elogiosa” e se demitir de seu papel na construção de um de campo e de um repertório analítico. Entre a exotização, quase etnográfica, e a condescendência fetichizada, a ênfase na autorrepresentação do sujeito se converte na mesma velha conhecida armadilha de confiar cegamente na representação e na ilusão do Sujeito Soberano (Spivak, 2022). Na verdade, a crítica da constituição ideológica dos sujeitos no interior das formações estatais e dos sistemas de economia política não pode ser apagada, e o mesmo vale para a prática teórica ativa da transformação da consciência. Ora, destes erros a presente análise pretende se ausentar. E nesse sentido é que a determinação de situar a masculinidade negra no âmbito da modernidade antinegra parece imperativa.

A configuração moderna da experiência da diáspora africana é a própria constituição, histórica e estrutural do fato da negritude. De modo intrinsecamente conectado à modernidade antinegra. O tráfico transatlântico, o mercado de escravos, a passagem do meio, mais do que tropos literários, ou clichês visuais na iconografia colonial da (anti)negritude, se conformam como elementos estruturantes das aporias que definem a identidade negra e a subjetividade de homens negros. A diáspora em sua dupla dimensão, dispersiva e conectiva, disjuntiva e sincrética, ou justamente disjuntiva porque sincrética, configurada tanto em leituras do Atlântico Negro como na proposta teórico-prática amefricana, é um horizonte inescapável, que define o ser social do negro nesse transe (vertigem) irrealizável (Gilroy, 2001; Gonzalez, 2028 [1988]).

É principalmente desse ponto de vista que poderíamos considerar algo como uma tradição cultural africana ou afro-americana como uma estrutura, objetivada nas instituições e discursos, de uma dispersão ou violência originária negra/africana. Como sugere Fanon em Racism and Culture (1970), a violência da escravidão, do colonialismo e do racismo não são fatos exteriores à chamada cultura negra, ou à tradição afro-diaspórica, a não ser que a tomemos como mistificação devotada ao opressor/captor. “Thus, the blues – ‘the black slave lament’ – was offered up for the admiration of the oppressors. This modicum of stylized oppression is the exploiter’s and racist’s rightful due. Without oppression and without racism you have no blues” (Fanon, 1970, p. 47).

Em Paul Gilroy, como sabemos, a máquina do terror colonial pode ser restabelecida como paradigma de teorização crítica e/ou poética, como uma “transvaloração híbrida” definidora de uma contracultura da modernidade. Transvaloração particularmente demonstrada nas tradições musicais modernas, como formas não figurativas de reflexão, objetivação, diríamos, e memória inventiva. Tradições inventadas da diáspora constituem as formas culturais como objetos semióticos autopensantes[7] que se apoiam na reprodução de sujeitos e subjetividades (Gilroy, 2001). Ainda que Gilroy pareça excessivamente preso a “cultura” e a metáforas culturais. Quando, como diz Spivak, “a cultura é a explicação cultural; quer dizer que tudo que é cultural significa fazer de tudo meramente cultural” (idem, p. 386). Assim, parece radical o gesto contracultural de Gilroy, que paradoxalmente reforça a centralidade de uma tradição, que embora apoiada nas formas não figurativas, também depende da instituição e reconhecimento de uma intelectualidade negra, que ainda assim é intensamente “cultural”: “a ideia de tradição é compreensivelmente invocada para sublinhar continuidades históricas, conversações subculturais, fertilizações cruzadas intertextuais e interculturais, que fazem parecer plausível a noção de uma cultura negra distinta e autoconsciente” (Gilroy, 2001, P. 353).

No contexto da virada ontológica para o pensamento radical negro, a violência e a violência sobre o corpo deslocam as preocupações críticas de uma semiologia intertextual para uma ontologia corporificada, em relação tensa com a história. Como em Saidya Hartman, para quem o corpo supliciado da escravizada é o corpo da memória sobre o qual a imposição de um despedaçamento brutal e integral torna-se o imperativo para uma constituição de si, no umbral ambíguo entre escravidão e liberdade (Hartman, 1997). O corpo desmembrado do escravo é, nesse sentido, o lócus de um sujeito que não pode desdobrar-se como autorrepresentação consciente, de forma que as prerrogativas coletivas de uma enunciação cultural estão emudecidas, ou subsistem na “quebra”, como o ruído obscuro que resiste à decodificação, como um rastro de apagamento total de si, mergulho intrassubjetivo na carne em um nível efetivamente pré-semiótico e não, vamos insistir, meramente cultural (Moten, 2023; Gordon, 1999). Ainda assim, ou mesmo assim, o corpo é lugar de um exercício de agência, configurado como formas performáticas, e nesse sentido Hartman vê o lugar da performance negra, que não se confunde com cultura ou tradição, como expediente para aliviar o corpo dolorido, magoado pela “history that hurts”, uma agência coagida pela “non-autonomy of practice” por definição extensiva à condição escrava, que esvazia na escravidão e na vida póstuma o lócus próprio da política. Dessa forma, a performance se põe como forma de reparar (“redress”) o corpo desmembrado do escravo. Citando o antropólogo Victor Turner, Hartman ainda evoca a natureza liminar da reparação “betwixt and between[8]. Entre a dor excruciante e o prazer inebriante, a dissolução e a simulação de si, a transfiguração transcendental na fugitividade cosmológica das formas ancestrais, onde o corpo é ainda meio de comunicação, e uma ponte entre os vivos e os mortos (Hartman, 1997).

Na poética da masculinidade negra, a reparação (redress) que parece advir da tradição, aparece como uma modulação entre a sensualidade dos ritmos – maleabilidade paradigmática da música negra como uma metáfora para o prazer e o desejo figurado no corpo da mulher – e dos devaneios eróticos que parecem ser a tábua de sustentação de uma singular subjetividade masculina. Ou seja, a mulher-matéria no corpo da História. Dentre tantos autores, talvez Solano Trindade seja o campeão na encenação dessa expressão triangulada entre raça, desejo e tradição. Solano, nosso mais brilhante e solar Orfeu negro.

Velho atabaque
quantas coisas você falou para mim
quantos poemas você anunciou
Quantas poesias você me inspirou
às vezes cheio de banzo
às vezes com alegria
diamba rítmica
cachaça melódica
repetição telúrica
maracatu triste
mas gostoso como mulher…

Verdadeiro Orfeu, Solano epitomiza a invenção da masculinidade épica no afro-nacionalismo. Nessa figuração, a masculinidade negra aparece como “the reaffirmation of an autonomous and powerful black male sexuality”, convertida como estratégia da afirmação política de afirmação do povo negro (Alexander, 2000). Assim, a narrativa da epifania racial como afirmação do desejo negro heterossexualizado é inapelavelmente tema estruturante da diáspora africana e de suas políticas da subjetividade. Está em Ralph Ellison, em Richard Wright, em Marcus Garvey, em Solano Trindade, em Fabio Mandingo, e mesmo em Frank Wilderson (2020). De tal forma que o heteropatriarcado parece estar bem à vontade no coração das representações sobre a emancipação racial. O afronacionalismo, tal como Christen Smith o define, depende de uma articulação com estruturas de gênero e sexualidade para garantir sua própria coerência ou ficção verossímil, como uma genealogia possível diante do parentesco ferido pela escravidão e das próprias narrativas nacionais, formatadas como narrativas sexuais de miscigenação e hibridismo (Smith, 2016; Spillers, 2021). Na poética de Davi Nunes, a erótica em direção à mulher negra também é uma transcriação lírica da tradição amefricana, daí não só a “capoeira”, mas o “banzo”, o “atabaque” e o “dengo”, como tropos transicionais, formadores de um duplo vínculo de raça e gênero, no âmbito de uma negação da negação como um mergulho na tradição (Nunes, 2017).

Oh, cor da madrugada, diva Negra
denga flor de Iansã, doce mandinga.
tenho ao peito o belo seu como ginga
belo que nunca vi em deusa grega

Vou afetuoso, mas eu não bambo
na forma que te visto o quanto clássica;
vou no seu compasso, por isso sambo
No ofício que domino boa plástica.

O gênio que me inspira, é afronta
que n’alma regozija como bomba;
o novo como traço seu ribomba
Poema que no mundo se defronta;
verso tu negra, aqui não é remendo,
não amor, é bem melhor, é dengo.

A formação das subjetividades masculinas, designadas por essa relação especular e perversa com o Homem Branco, estabelece a centralidade política da sexualidade como marco de fronteira, liminar, betwixt e between, entre o discurso hegemônico da nação e o discurso nacionalista negro, nesta chave “cultural” ou “tradicional”, que, como no Orfeu Negro”, estabelece a primazia do simbólico, do mítico e do natural, como essencialmente africano, e essencialmente masculino (Sartre, 1978). Nesse sentido, a performatividade do eu poético negro é também masculina ou “espermática”, na medida em que, para Sartre (1978, p. 113), “o negro continua sendo o grande macho da terra, o esperma do mundo”. Vemos, então, nessa fabulação a conjugação a um só tempo da tradição, revisão de uma certa memória cultural amefricana materializada como “cultural”, e da heterossexualização de um sujeito, que encontra na imaginação da mulher negra o antídoto para a morte social. A tradição negra expressiva, ancestral, aparece como a produção de uma disjunção de gênero que elege a mulher como “vessel“, corpo significativo, para a afirmação da tradição, corpus significativo, e da própria subjetividade masculina. Como em Solano:

Outra linda negra
me levou à macumba
No Xangô da Baiana
da Praia do Pina

Era noite de lua
a negra era bela
Dançava no corpo
Que lindo o andar!
A negra era filha
da Deusa Oiá
tinha um cheiro no corpo
que me levou ao pecado
Faltei com respeito
Ao seu Orixá

Lá no terreiro
dançou pra mim
seus seios bonitos
pulavam no ritmo
do atabaque
e do agogô
Fui pra casa da negra
Recebi o santo
do corpo da negra
e fiquei o maior de todos os Ogans
e passei a cavalo
de Obatalá…

A performance do eu poético do homem negro se encontra e se perde em sua própria situação, diante e imerso no mundo antinegro. Consideraríamos, entretanto, como o mundo amefricano – suas estruturas e instituições – estabelece relações, transformações que são, ao menos no contexto latino-americano, coextensivas ao mundo antinegro. Morte social e ancestralidade, o mundo antinegro e o mundo africano, superpõem-se transversamente, como horizontes ontológicos de uma posicionalidade transformada ou generativa, liminar, estabelecida entre a morte social e a ancestralidade (Mandingo, 2018).

Capa de Banzo, de Davi Nunes (Organismo Editora, 2020)
Capa de Banzo, de Davi Nunes (Organismo Editora, 2020)

A Maldição do Avô

Em O Homem Invisível, Elisson principia a narrativa referindo-se à “maldição do avô”:

Mas meu avô é a chave. Meu avô era um cara estranho, e diziam que saí a ele. Foi ele quem causou o problema. Em seu leito de morte, chamou meu pai e disse: “Filho, depois de eu partir, quero que continue nesta luta. Nunca lhe contei, mas nossa vida é uma guerra, e tenho sido um traidor desde que nasci, um espião no território inimigo, desde que deixei minha arma, na época da Reconstrução. Quero que você viva com a cabeça dentro da boca do leão. (…) Quero que você os subjugue de tanto dizer sim, que os afogue com seus sorrisos subservientes, concorde com eles até a morte e a destruição, deixe-os engolirem você até vomitarem ou explodirem. (Ellison, 1990, p. 19)

Tal qual no poema de Ori/Lande, o avô é a chave. A admoestação do avô martela na cabeça do narrador, de que guerra ele está falando, de que traição? Que destruição ele profetiza em seu leito de morte? Tudo fez sentido depois quando o narrador, convocado para entreter os figurões da cidade em uma luta de vale-tudo, percebe a violência implicada, não apenas na luta ela mesma, contra outro assustado homem negro, mas no espetáculo ele próprio. Fez sentido então o risco, o medo, a dúvida e a confusão experimentadas na “boca do leão”. “O evento foi no salão de baile do principal hotel. Ao chegar, descobri que se tratava de uma reunião exclusivamente masculina e fui informado que, já que estava deveria participar, junto com outros colegas da escola, de um vale-tudo organizado como parte do entretenimento” (idem, p. 21). Então de repente, a figura feminina, virago antinegra, tropo essencial na conversão da fragmentação de si do negro em um Homem de verdade, uma “loira magnífica”, a mulher branca: “fez-se um silêncio absoluto. Senti uma lufada de ar fresco me congelar” (idem, p. 22). Diante da aparição o jovem narrador entra em pânico, desejando intensamente “afagá-la e destruí-la, amá-la e assassiná-la” (idem, p. 22). Na arena masculina, onde homens negros lutam como gladiadores para sujar de sangue o tapete e divertir homens brancos, a figura da mulher é o vórtice de uma vertigem que não pode distinguir entre ódio ou fascínio, desejo e violência. Neste momento o homem negro e seu corpo ganham coerência provisória como a autoimagem homicida, selvagem, Bigger ou muitos Biggers. “Com os olhos cheios de lágrimas e a boca cheia de sangue”, sou um homem de verdade? “Será que eles iam reconhecer o meu valor”? (idem, p. 12).

O transe e a vertigem da masculinidade negra convocam uma crítica encarnada ao sujeito soberano e revelam de modo agudo a heterogeneidade das redes de poder-desejo-interesse (Spivak, 2022), e revelam ainda a dupla posicionalidade, nó cego, ou “double bind”, para a fundamentação do sujeito negro na modernidade (Bateson et al., 1956). Estes só encontram precária sustentação nas transformações que a morte social opõe entre a Escravidão e a Africanidade, o mundo amefricano e o mundo antinegro. Duplo vínculo, double bind, que está implicado na condição ontológica de existir (como uma não-entidade) dentro da sujeição, mas ainda não como um sujeito[9]. Como poderíamos dessa forma, depois de procedermos a esse ajuste, que situa o homem negro nessa ambígua posição liminar, caracterizar uma “consciência”, instância ou lócus onde o sujeito poder tornar-se objeto para si mesmo? A crítica ao sujeito soberano e as políticas de representação são elementos integrais da constituição da aporia de uma subjetividade “singular”. A forma literária, a objetivação estética, busca um suplemento na representação da tradição, mas esta já é a estória de uma violação replicada na história de modo performativo e estrutural. A performance da negritude e sua encenação da vida social, na literatura, não pode obliterar o fato de que é escravo o objeto que permite a existência do sujeito burguês (ser-para-si/ser-para-o-outro) e que a confluência entre negritude e escravidão interdita de modo estrutural a reivindicação de subjetividade plena, autoconsciência como uma prerrogativa ética moderna. Porque escravo personifica o poder e a dominação do senhor, e é o Senhor a personificação do Sujeito Soberano. Como ser objetivo para si, alienando-se como modo de subjetivação, se o fundamento estrutural desse torturado si mesmo é a vida póstuma da escravidão? Diante dessa opacidade, ser para si é ser um escravo, “et tout le reste est littérature[10].

* Osmundo Pinho é antropólogo, bolsista de Produtividade CNPq-2, doutor em Ciências Sociais (UNICAMP) e professor no Programação de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Recôncavo da Bahia em Cachoeira e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Universidade Federal da Bahia em Salvador. Foi pesquisador visitante no Africa and African Diaspora Department Studies da Universidade do Texas em Austin (2014) e Richard E.  Greenleaf Fellow na Latinoamerican Library da Universidade de Tulane em Nova Orleans (2020). É autor de Cativeiro: antinegritude e ancestralidade (2021), além de outros livros e artigos.
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Notas
[1] Este ensaio foi redigido a partir da apresentação “Pretitude e Poética: Modernismo e Masculinidade”, preparada para a mesa redonda “Gênero e Raça no Modernismo Brasileiro”, no seminário “O Modernismo Negro de Lima Barreto e os Cem Anos de 22: Tensões, rasuras e diálogos na modernidade brasileira!”, organizado pelos grupos Perifa/IF Baiano; Rasuras/UFBA; Etnicidades/UFBA; Esopo/UNEB; Yorubantu/UFBA e Poéticas Periféricas – UFRB em setembro de 2022. Agradeço a Jorge Augusto e a Florentina da Silva Souza o convite. E a Eumara Maciel a mediação da mesa.

[2] Sobre a obra de Landê, ver Freitas, s.d.

[3] Sobre “escrevivência”, ver Conceição Evaristo (2020).

[4] A reflexão desenvolvida aqui foi em grande medida também discutida na oficina “Negritude: A Masculinidade na Encruzilhada”, desenvolvida com o grupo teatral Os Crespos em abril de 2021, como estudo teórico de preparação para filme-espetáculo Dois Garotos Que Se Afastaram Demais do Sol (https://www.youtube.com/watch?v=MVUe2vZ7_w0). Agradeço a Lucélia Sergio o convite e aos demais integrantes do grupo a fecunda interlocução.

[5] David Marriott (2007) recupera a noção lacaniana de imago, como aparece em “O estádio do espelho” (Lacan, 1988), para qualificar criticamente a “aparição” do homem negro.

[6] Referência a canção gravada em 1955por Louis Armstrong “(What Did I Do to Be So) Black and Blue?”, originalmente composta por Thomas “Fats” Waller em 1929.

[7] Em mente aqui analogia com a discussão presente em Samain sobre imagens que pensam. Sendo estas percebidas como tendo “vida própria” e “poder de ideação”, uma capacidade de agência e reflexão do pensamento capaz de configurar uma rede de significação e de conexões materiais (Samain, 2012, p. 23).

[8] Em A floresta dos símbolos (2005), Turner caracteriza um estado particular na estrutura dos ritos de passagem definido por sua liminaridade constitutiva: “O sujeito submetido ao ritual de passagem fica, no decorrer do período liminar, estruturalmente, ou mesmo fisicamente, ‘invisível’” (Turner, 2005, p.137-139). Talvez convenha lembrar que a fórmula “floresta de símbolos” aparece pela primeira vez no famoso poema “Correspondances”, de Charles Baudelaire (1985).

[9] Em “Toward A Theory of Schizoprenia”, Gergory Bateson e colegas (1956, p. 6) dizem: “Then the double bind cannot work on the victim, because it isn’t he and besides he is in a different place. In other words, the statements which show that a patient is disoriented can be interpreted as ways of defending himself against the situation he is in”.

[10] Último verso do poemaArt poétique”, de Paul Verlaine. Em francês e português em O Anticrítico, de Augusto de Campos (1986).