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Jornalismo Colaborativo e Aberto | Pedro Paranaguá

Nunca na história da humanidade foi preciso haver incentivo por meio de concessão de monopólios jurídicos limitados no tempo – direitos de propriedade intelectual – para que houvesse expansão das artes, da ciência e da cultura. Os grandes filósofos da antiguidade não tinham suas idéias protegidas por direitos autorais e nem por isso deixou-se de haver grande evolução intelectual.

Mas quando e por que surgiram os direitos autorais? Com o surgimento da imprensa, de Gutenberg, no século XV, a forma de encarar os manuscritos sofreu a primeira metamorfose. No mundo ocidental, o clero começou a deixar de reproduzir livros escritos, passando essa função a ser feita de forma paulatina pelo método de impressão recém criado. Resultado: ao invés de poucos livros reproduzidos, teve início uma série de reproduções em maior escala.Com isso nasce a preocupação dos editores na Inglaterra e a monarquia passa a conceder privilégios eternos aos editores. Isso mesmo, eternos! Sem prazo de vencimento. E o que eram tais privilégios? Nada menos do que direitos de cópia. Daí o termo copyrights. Ou seja, não havia nenhuma relação com autores, era simplesmente um privilégio concedido pelos monarcas, ao seu bel prazer, para proteger o comércio dos editores.

Mas com os primeiros sinais do ideal Iluminista e com a decadência da monarquia houve grande pressão para que tais privilégios não fossem mais concedidos da maneira como vinham sendo. Por conseqüência em 1710 foi criado na Inglaterra o Estatuto de Ana, que limitou os copyrights. A partir de então passou a haver um limite temporal, um prazo de vigência – 14 anos. E findo o mesmo, a obra caía em domínio público, ou seja, poderia ser livremente explorada por qualquer pessoa. Começa a haver uma certa preocupação com a função social dos copyrights. Era outra metamorfose.

Mas direitos autorais mesmo nascem na Europa continental, com o ideal da Revolução Francesa, com a necessidade de se proteger contra o abuso de poder da monarquia, através do fortalecimento da personalidade, da individualidade, da pessoa humana. E na Constituinte de 1791 o ideal de liberdade, fraternidade e igualdade é desvirtuado; criando-se o direito de propriedade sob bens intelectuais. Era a burguesia dando voz a seus interesses. E o fortalecimento dos direitos autorais como garantia individual do homem e do cidadão, e mais do que isso, como propriedade privada!

E o que significa propriedade? Significa excluir outros, impedir que terceiros tenham acesso, ou ao menos controlar esse acesso. No caso de propriedade sob informação, sob conhecimento, isso pode ter efeitos nefastos: significa controlar como e o que a população pode acessar. E pode significar excluir as camadas mais pobres, que não podem comprar a informação, ou melhor, não podem pagar o preço cobrado pelo conhecimento. Um preço que muitas vezes não é baseado no custo de produção, mas sim no preço que a camada mais abonada da população pode pagar. Daí temos efeitos sócio-econômicos negativos. Exclusão social. Uma massa que não tem acesso a informação, que não desenvolve senso crítico. Um rebanho de ovelhas.

E a questão da apropriação de conhecimento, de idéias e de informação é muito sensível. Ter uma propriedade privada sob um bem material significa ter o direito exclusivo de utilização, disposição, venda etc. da forma como bem entende o proprietário – obedecidos o interesse público e a função social da propriedade. O proprietário de uma casa pode, por exemplo, ter visitas em seu imóvel, mas há sempre um limite de espaço físico, por maior que seja sua casa. Ou seja, mesmo podendo ter mais gente usufruindo de sua propriedade, sempre haverá uma limitação. O proprietário nunca poderá fazer uso integral de seu bem material enquanto outros estiverem se utilizando de tal bem. No caso de um telefone celular, por exemplo, ocorre a mesma coisa: é impossível duas pessoas se utilizarem do mesmo telefone, ao mesmo tempo. No momento que uma pessoa quiser utilizar o celular, o proprietário do mesmo, se assim o permitir, terá de abrir mão do seu celular durante o momento em que a outra pessoa estiver se utilizando do mesmo. Contudo, no caso do bem imaterial isso não ocorre. O conteúdo de um livro, por exemplo, pode ser lido por seu autor e, ao mesmo tempo, por qualquer outra pessoa, sem que, todavia, o autor tenha seu conhecimento diminuído. Não há limite de uso simultâneo e não há diminuição do bem, que continua idêntico a antes. Não estamos falando do livro físico, feito de papel ou em formato eletrônico, mas sim do bem imaterial, do conhecimento. Com a música ocorre o mesmo: pode ser escutada por uma infinidade de pessoas, ao mesmo tempo, em lugares diferentes, sem que a música se desgaste e sem que se exclua outros. Portanto, como podemos ver, há uma nítida diferença entre bens materiais e bens imateriais. Bens imateriais, por sua natureza, não excluem outras pessoas de seu usufruto simultâneo e completo. A exclusividade do bem imaterial é um artifício jurídico criado pelo homem.

No final das contas, o direito de exclusividade de exploração da criação intelectual, do bem imaterial, acaba significando não apenas uma exclusividade, mas sim, uma exclusão dos demais, que ficam à margem, sem acesso a conhecimento. Portanto, uma coisa é o direito exclusivo de ganhar dinheiro com o resultado da exploração da obra, do bem imaterial, e outra coisa completamente diferente é ter o direito de excluir os demais, impedindo o acesso ao conhecimento. No mundo capitalista não tem nada de errado em ganhar dinheiro com o fruto da exploração de uma obra, mas o direito de excluir outros, de impedir o acesso, este sim é altamente questionável.

Além desse aspecto negativo, perguntamos: tem o direito autoral incentivado a criatividade? No Brasil, os direitos autorais são protegidos durante toda a vida do autor, mais 70 anos após sua morte. Portanto, caso um autor crie uma obra aos 40 anos de idade e faleça aos 70, sua obra ficará protegida por 100 anos! Agora perguntamos: protegidos de quem? Parece que somos um bando de bárbaros que, sedentos por cultura e informação, quebramos tudo o que encontramos pela frente de modo que as criações do intelecto têm de ser protegidas e mantidas à distância de nós. Será que o autor, ao publicar sua criação, ao contrário, não gostaria que sua obra fosse difundida e passasse a ser conhecida por um maior número possível de pessoas? Mas voltemos à questão do incentivo: proteger a obra por 70 anos após a morte de quem a criou estará incentivando quem? O defunto é que não é. Talvez os herdeiros? Bem, os herdeiros não foram quem criaram a obra; nem sabemos se os mesmos têm algum talento… Será então que todos esses anos de proteção não teriam à ver com o titular da obra? Expliquemos: uma coisa é o autor da obra, quem a criou, obrigatoriamente pessoa física, ou seja, um ser humano. Outra coisa é o titular da obra, que detém os direitos de exploração comercial da mesma, e que na maioria das vezes é uma pessoa jurídica, ou seja, uma empresa. Será então que a vigência por 70 anos após a morte do autor não está protegendo interesses da indústria privada? Então como fica o incentivo à criatividade? Ao autor?

O que dizer, ainda, do fato de apenas 4% das obras com mais de 20 anos de criação estarem comercialmente disponíveis?1 Isso significa que 96% das criações do século XX estão bloqueadas e sem acesso.

Hoje, caso alguém escreva, desenhe ou cante algo, automaticamente terá a proteção dos direitos autorais – desde que o resultado seja original. Não há necessidade de registro. E os direitos são reservados na sua integralidade. Temos aquela famosa frase: “todos os direitos reservados”, normalmente junto de uma letrinha “c” com um círculo ao redor, o símbolo da apropriação sob o conhecimento. E diga-se de passagem que o sinal © não tem qualquer validade jurídica no Brasil. É resultado da retórica e do imperialismo norte-americanos.

No Brasil, caso um livro esteja fora de catálogo, ou seja, não esteja à venda e, portanto, a editora não esteja recebendo qualquer remuneração, mesmo assim ninguém poderá fotocopiá-lo. E como fica a função social da propriedade, garantida por nossa Constituição? A propriedade existe, seu titular não aufere benefícios e tampouco os demais têm acesso, uma vez que o titular exclui o público. Na Alemanha não é assim, caso um livro esteja fora de catálogo por pelo menos 2 anos, pode-se fotocopiá-lo na íntegra. Ou seja, o Brasil não implementou todas as flexibilidades previstas em tratados internacionais, o que quer dizer que o Brasil poderia ter uma previsão semelhante ou igual à da Alemanha, mais eqüânime, mas não tem. Todos os direitos são reservados; mantenha distância de minha propriedade! Mesmo que seja um livro didático para uso na escola e mesmo sabendo que o livro não está disponível no mercado; não copie, não autorizo! Não importa que você queira estudar, não importa que é para fins não comerciais, não importa que é para adquirir conhecimento, para a educação do Brasil. Eu tenho a propriedade e te excluo, ponto final! Como podemos ver, há uma evidente falta de equilíbrio entre interesses privados e interesses públicos…

Mas é no mínimo curioso observarmos que essa forma maximalista de se tutelar as criações intelectuais que prevaleceu no século XX tem surtido efeitos extremamente pejorativos, não somente para o público em geral, que na prática e em sua maioria fica impedido de ter acesso a conhecimento, mas inclusive para os grande conglomerados corporativos. Nesse sentido o desenvolvimento da tecnologia tem tido um grande papel. Hoje em dia diversos tipos de criações intelectuais podem ser copiadas digitalmente, de forma rápida, com a mesma qualidade do original e com custo próximo de zero. O que por um lado é ótimo, já que se facilita o armazenamento, a cópia, a distribuição e, também, a disseminação do conhecimento. Mas por outro lado isso pode gerar transtornos para os titulares dos direitos autorais – que na maioria das vezes não são os autores – uma vez que tais titulares passam a ter suas obras copiadas e distribuídas sem, contudo, que haja pagamento pela exploração das mesmas.

De uma forma geral, a indústria não percebeu que pode ganhar dinheiro, e muito dinheiro, com a tecnologia a seu favor, bem como a favor do público. Por exemplo, ao invés de se impedir acesso por meio de travas tecnológicas como o TPM – utilizado para impedir cópias de CDs, impedir cópia de um parágrafo de um texto na Internet2 etc. – a indústria fonográfica poderia cobrar um preço fixo e autorizar o download de quantas músicas o internauta quisesse. Estudo feito pelo professor Daniel Gervais3 mostra que isso é possível e que a indústria continuaria a ganhar, no mínimo, o que já ganha hoje – com o acréscimo de um pequeno detalhe: um número muito maior de pessoas teria acesso aos conteúdos criativos. O mesmo poderia eventualmente ser feito para acesso a livros e notícias.

A crise da mídia tradicional, acrescida do mal uso da evolução da tecnologia, dentre outros fatores, têm contribuído para justificar, por exemplo, a brusca queda nas vendas do jornal Folha de São Paulo, o de maior circulação no Brasil. No ano de 2000 as vendas eram de 440 mil exemplares, e desde então vieram caindo, até atingir o número de 307 mil exemplares vendidos em 2005; uma queda de 30%. E isso tem ocorrido não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. E um dos fatores que justificam tal “crise” ou mudanças de hábito é justamente o desenvolvimento da tecnologia. As possibilidades trazidas pelo avanço da tecnologia. O dinamismo do mundo virtual.

Hoje em dia não precisamos mais sujar nossos dedos com tinta preta de jornal, olha que maravilha! Apesar de o hábito de virar as páginas do jornal, durante o trajeto para o trabalho, na mesa do café da manhã, na hora do almoço, enfim, ainda ser algo que atrai muita gente, não podemos perder de vista que a Internet está disponível em relativa larga escala nos grandes centros urbanos. E tem se expandido de forma rápida. Quem se lembra de em 1997 acessarmos a Internet via linha discada, com velocidade máxima de download de 14 kilobits por segundo (kbps)? E tínhamos de usar a linha de telefone, ou seja, ou falávamos ao telefone, ou tínhamos acesso à Internet; nunca os dois ao mesmo tempo. Depois passamos para 28 kbps, e mais tarde para 56 kbps. Hoje usamos conexão via cabo, a uma velocidade de 2 megabits (Mb) por segundo, podendo chegar a até 8 Mb. E já há conexão super rápida sem fio, como a tecnologia WiMAX4, que teoricamente atinge 50 Km de distância e chega a 800 Gb por segundo em ambiente fechado, e 1878 Gb por segundo em ambiente aberto, o que pode prover acesso a mais de mil lares com 1 Mb/s cada. O número de Internet cafés cresce rapidamente. Pontos de acesso a Internet, ou Hotspots, com conexão sem fio à Internet têm sido cada vez mais freqüentes ao redor do mundo. Aliás, podemos encontrar o mundo dentro da Internet. E mais do que o mundo. Podemos nos comunicar via voz e imagem em tempo real, com alta qualidade, com amigos, família etc. Que estão do outro lado do mundo, muito além de uma poça Atlântica. No que diz respeito a jornalismo, pudemos assistir, em 1991, em tempo real, transmissões da Guerra do Golfo. E o que isso significa? Pode significar acesso instantâneo ao que antes era impossível de sabermos que estava acontecendo, ou de imaginarmos como acontecia. É a opinião pública participando da história da humanidade.

Por falarmos em participação, além de a tecnologia propiciar acesso a informação, hoje cada um de nós pode não apenas acessar informação mas também sermos fonte de informação, sermos jornalistas auto-didata. Podemos exercer até o fim nossas garantias de liberdade de expressão, liberdade de informação, liberdade de culto religioso, enfim, todas nossas liberdades garantidas pela Constituição Federal, pelo regime Democrático, e por tratados internacionais. Hoje temos a Web 2.0, uma nova forma de participação. Ao invés de termos páginas web tradicionais e estáticas, temos uma rede que permite que pessoas colaborem e troquem informação online. Que modifiquem o conteúdo da página na Internet, e que tal modificação possa ser colaborativa. Algumas dessas formas são: os famososblogs e as wikis.

Quem nunca ouviu falar num blog? Um website que é mais do que um portal, ele permite que qualquer um de nós, do público em geral, nos tornemos um jornalista, uma fonte de notícias. Colocamos assuntos dos mais variados: desde esportes, política, viagens, amigos, a restaurantes prediletos e por aí vai. Uma infinidade de assuntos, de interesses, de pontos de vista. Somos nós com nossas vozes ativas. E mais do que isso, tornamos tudo público, tudo acessível para quem tenha conexão à Internet, esteja onde estiver no planeta. E não é só isso, ainda permitimos que pessoas que acessem nossas páginas possam dar suas opiniões, críticas, colaborações, complementações. Enfim, a interação, a colaboração e a liberdade exercem papeis fundamentais. Hoje temos blogs de tudo o que é assunto, de tudo o que é gente. Desde os famosos aos até então anônimos.

E quem nunca ouviu falar na Wikipédia? A enciclopédia eletrônica. A enciclopédia mais completa e acurada do mundo? Existente em dezenas de idiomas e onde é possível encontrarmos tudo e mais um pouco? E caso nos surpreendamos com a inexistência de algum verbete que faz parte de nossa especialidade, não há problema: é só clicarmos lá e acrescentarmos nosso novo verbete. Caso alguém ache que é possível melhorar ainda mais e complementar a nova “entrada” do verbete, basta clicar no mesmo e modificar. Essa forma colaborativa de produção, baseada nos modelos copyleft de software livre, chegam a impressionar quem não está acostumado com tal modelo colaborativo. Caso não acreditemos nessa forma colaborativa ou na acuidade das informações alí presentes na Wikipédia, basta clicarmos no assunto de nossa especialidade: vamos certamente nos surpreender com o que veremos.

E o que é copyleft? É um trocadilho com o termo copyright, mas mais do que isso, é uma forma de licenciar obras autorais de forma a flexibilizar os sistema de direitos autorais. O copyleft, ao contrário do que muitos pensam e falam, tem seus alicerces no sistema de copyright, ou seja, utiliza-se do sistema de copyright, do sistema de direitos autorais. E o copyleft nasceu com o movimento do software livre, ou seja, do software que tem seus códigos de programação abertos, livres para que qualquer pessoa possa estudá-los, usá-los, copiá-los, distribuí-los e eventualmente modificá-los. Software livre não significa software gratuito, mas apenas que seu código fonte (a parte inteligível por seres humanos) seja disponibilizado para todos, caso o software seja distribuído. O que é verdade é que não se pode cobrar pela licença de um software livre, mas se pode cobrar pelo custo de sua distribuição, ou por sua manutenção, ou por sua otimização ou customização. Enfim, a IBM por exemplo ganhou mais de US$ 1 bilhão em 2002 com vendas de produtos e serviços baseados em software livre5. Portanto, assim como no caso do software livre, licenças copyleft permitem 04 liberdades: que a obra seja 1) utilizada, 2) copiada, 3) distribuída, e 4) eventualmente modificada.

Assim, o autor da música, do artigo, da escultura, do software e assim por diante, pode autorizar o que pode ser feito com sua criação. A única coisa de que o autor não pode abrir mão, é de ter seu nome vinculado à obra. E isso é fielmente respeitado pelo copyleft. Como dissemos, o copyleft se utiliza dos direitos autorais. E os outros direitos do autor, os chamados direitos patrimoniais ou econômicos, podem ser livremente disponíveis. E é justamente aí que o copyleft entra; autoriza o que não é proibido por lei. Ao invés de termos automaticamente “todos os direitos reservados”, temos “alguns direitos reservados”.

Por exemplo, uma das tantas formas de se licenciar criações por meio de copyleft é o chamado Creative Commons, criado pelo professor Lawrence Lessig, da Universidade de Stanford, e que é representado no Brasil pelo Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV). O Creative Commons, assim como outras licenças copyleft, ajudam a promover a disseminação do conhecimento, através de um maior equilíbrio entre o interesse público e o interesse privado. Creative Commons é de difícil tradução para o português, mas significa algo como “criatividade com os bens comuns, com os bens públicos”.

Existem vários tipos de licenças Creative Commons. Uma das grandes vantagens é que o autor da criação não precisa do intermédio de um advogado para redigir sua licença. O próprio autor pode entrar no website do Creative Commons e clicar nos ícones que representam sua escolha: pronto; ao final de quatro cliques do mouse o website vai mostrar automaticamente o tipo de licença que cabe àquele autor.

É interessante porque é possível escolher a licença adequada às intenções do autor. Por exemplo: caso o autor queira que seu texto jornalístico seja tornado disponível para o maior número possível de pessoas, ele pode escolher autorizar a cópia, a exibição, a distribuição e o uso de sua obra, desde que ele, o autor, seja sempre citado como criador daquela matéria.

Mas aí alguns podem perguntar: e se alguém quiser utilizar a matéria para ganhar dinheiro em cima do que o autor fez? Pode? E a resposta é: o autor escolhe. É ele quem determina se usos comerciais de sua obra podem ser feitos. Caso não queira autorizar usos comerciais de sua matéria, basta escolher e clicar no item representado por um cifrão cortado, ou seja, é autorizado o uso apenas para fins não comerciais. Caso mais tarde o auto mude de idéia ou alguém apareça com uma proposta interessantíssima, não há problemas, é só fazer um acordo específico com quem apresentou a proposta de remuneração.

Mas e se o autor não quiser que ninguém altere sua matéria, seja lá qual for o motivo? Não tem problema: basta ele clicar no ícone representado por um sinal de “igual”, o que indica que a matéria não poderá ser alterada por ninguém sem prévio consentimento do autor. Mas e caso o autor queira que a matéria seja livremente modificada; pode? Sim, claro. Basta não colocar o sinal de “igual” e alterações passam a ser permitidas. Mas qual a utilidade disso? Ora, pensemos num jornalista que foi a Porto Alegre cobrir o “Primeiro Festival Criei Tive Como” de cultura digital, no 7º Fórum Internacional Software Livre (FISL), um evento para aproximar os movimentos de software livre e de cultura livre. E digamos que o tal jornalista foi ao show do Mídia Sana, bem como do Totonho e os Cabra, mas logo antes da hora “h”, quando a grande atração da noite, BNegão, ia entrar no palco o repórter recebe um telefonema da BBC de Londres, com uma proposta irrecusável para ir trabalhar em Londres no Projeto Creative Archive, de vídeos disponibilizados em Creative Commons, e o tal repórter logicamente tem de sair correndo do teatro do SESC, para conseguir escutar a proposta de trabalho, tamanho era o barulho e o sucesso que BNegão estava fazendo. Ou seja: nosso repórter ficou preso ao celular fora do teatro e perdeu praticamente a primeira metade inteira do show. O que fazer, então? Aí ele se lembrou de uma incrível palestra ocorrida no dia anterior no próprio FISL: “basta que eu permita alterações na minha obra, desde que a pessoa que a modifique disponibilize o resultado todo pela mesma licença que eu utilizei”! Ou seja, nosso amigo jornalista pode contar com a ajuda do público que esteve presente ao show. Apenas é preciso que alguém entre no seu blog e edite sua matéria ou, caso não seja em mídia virtual, que alguém a reescreva e a re-imprima, acrescentando a parte que ele perdeu enquanto estava ao telefone. E ele não precisará ficar preocupado se a pessoa que modificou vai se apropriar da matéria completa e impedir a livre circulação da mesma: a licença permite modificações desde que a distribuição seja feita por uma licença idêntica, o que no final das contas mantém a matéria livre para todos acessarem, copiarem, distribuírem e mesmo modificarem, desde que mencionem os autores e que não façam uso comercial da mesma.

Pensemos agora no caso de uma música, apenas para não nos restringirmos ao campo do jornalismo e da escrita. Se um sujeito cria um solo de guitarra, por exemplo, e quer que alguém complemente seu arranjo musical, pode então disponibilizar a música na Internet e autorizar a modificação, desde que se mantenha a mesma licença original. Aí chega outra pessoa e acrescenta a parte vocal. Outra vem e acrescenta tambores de percussão, e daí por diante. É a cultura do remix, do aproveitamento da criação anterior para re-criar, para criar algo novo. BNegão, por exemplo, nunca lançou um CD na europa, mas nem por isso deixou de ser famoso por lá, passando a fazer shows para milhares de pessoas na Espanha, em Portugal, na Inglaterra e na Alemanha. E como conseguiu tudo isso? Disponibilizando algumas de suas músicas de forma gratuita, na Internet.

Mas isso não ocorre apenas na área da música. Vejamos alguns exemplos da web 2.0. O website Overmundo, de jornalismo cultural, é completamente fiel à web 2.0. Os próprios internautas é que mandam as notícias sobre eventos culturais Brasil à fora. Não só postam suas matérias, mas também comentas as de outros autores e ainda podem votar nas matérias mais bacanas. Tudo, claro, é licenciado sob uma das licenças do Creative Commons. É a metamorfose da mídia. O que dizer, então, da Agência Carta Maior? Uma iniciativa do Grupo Folha, isso mesmo, de um dos maiores canais de mídia do Brasil. O Carta Maior é um portal jornalístico inteiramente baseado no copyleft. Tudo lá pode ser livremente lido, copiado e distribuído. Outro portal adepto ao copyleft é o Repórter Brasil, criado há mais de 6 anos. É um jornalismo independente. Tudo lá é livre sob licença copyleft. Há ainda a NovaE, uma revista digital que existe há mais de 7 anos, toda ela baseada no jornalismo de acesso aberto. A NovaE é baseada na independência e na liberdade de expressão. Outro exemplo de jornalismo de acesso aberto e, neste caso, também baseado na web 2.0, ou seja, colaborativo, é o Rodape, ou RodaPernambuco. Alí, além de tudo ser copyleft, o internauta participa de tudo, indica temas para serem debatidos etc.. Outro portal de jornalismo adepto do acesso aberto é o CMI – Centro de Mídia Independente, que busca oferecer ao público informação alternativa e crítica de qualidade que contribua para a construção de uma sociedade livre, igualitária e que respeite o meio ambiente. Por um modelo descentralizado e democrático de acesso a informação, o CMI busca dar voz à quem não têm voz, constituindo uma alternativa consistente à mídia empresarial que, segundo o CMI, frequentemente distorce fatos e apresenta interpretações de acordo com os interesses das elites econômicas, sociais e culturais. E não é apenas no Brasil que tais movimentos têm aparecido e feito sucesso. Na Inglaterra a BBC criou o Creative Archive, que adotou o slogan “Find it, Rip it, Mix it, Share it. Come and get it”, ou seja, “Encontre, modifique, misture, compartilhe. Venha e pegue”. Vários vídeos estão licenciados sob uma licença Creative Commons específica para o Projeto e qualquer um que esteja no Reino Unido pode livremente se utilizar de qualquer vídeo alí disponibilizado pela BBC.

Portanto, jornalismo colaborativo e de acesso aberto é uma nova forma de compartilhar conhecimento, de informar, de tornar acessível informação e conhecimento. É a busca de um equilíbrio entre interesses privados e interesses públicos. A descentralização da indústria da mídia. É a democratização do acesso à informação.

* Pedro Paranaguá é Mestre em Direito da Propriedade Intelectual, Universidade de Londres. Professor da FGV DIREITO RIO, graduação e pós-graduação, e do Mestrado do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. Coordenador do Projeto A2K Brasil – Acesso a Conhecimento (www.a2kbrasil.org.br) e coordenador executivo-acadêmico dos cursos de Direito a distância da FGV Online. É representante da FGV DIREITO RIO na Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI, em Genebra. Professor convidado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), da Escola dos Magistrados Brasileiros – AMB. Parecerista e palestrante no brasil e no exterior, incluindo na UNCTAD, PNUD e OMPI.

NOTAS

1 Ver James Boyle, “Deconstructing stupidity”, 21.04.2005, em http://news.ft.com/cms/s/39b697dc-b25e-11d9-bcc6-00000e2511c8.html.

2 Veja o caso do website da Globo.com. Tente copiar e colar parte de uma frase: aparece um aviso impedindo que isso seja feito, com a justificativa que o conteúdo é protegido por direitos autorais. Ignora-se, todavia, que há liberdades permitidas pela Lei de Direitos Autorais, conforme art. 46 da Lei 9.610/98. Ou seja, liberdades civis estão sendo violadas. Há abuso de direito.

3 Veja “The Price of Social Norms: Towards a Licensing Regime for File-Sharing”, em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=525083%20.

4 Vide <http://pt.wikipedia.org/wiki/WiMAX>, acessado em 13.02.2007.

5 Veja Pedro de Paranaguá Moniz, “Software Livre como Alternativa de Desenvolvimento e de Negócio: em busca da soberania nacional”, no livro “Propriedade Intelectual: estudos em homenagem à Professora Maristela Basso”, sob coord. de Patrícia Carvalho, ed. Juruá, Curitiba, 2005.