Ano XVIII 01
dossiê
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NARRATIVAS CONFLAGRADAS E A POLARIZAÇÃO POLÍTICA CONTEMPORÂNEA

Tornou-se lugar comum, contemporaneamente, fazer referência à expressão “disputa pela narrativa” para caracterizar um “embate de versões” entre atores sociais e discursivos colocados em campos opostos. No entanto, como nunca, essa expressão tem sido empregada para fazer referência ao forte enfrentamento discursivo que circunscreve a política brasileira dos últimos tempos. Neste último caso, a “disputa pela narrativa” atrela-se à compreensão de um processo em que cada ator de um campo político e ideológico procuraria impor sua própria história sobre os fatos em questão, na busca de atingir o máximo de corações e mentes possível e, assim, sobrepor uma suposta “verdade” sobre uma outra – a de seus adversários.

No caso específico do campo político brasileiro, assistimos hoje a uma profunda polarização político-partidário-ideológica, a um acirramento de posições antagônicas que proporciona a emergência de embates calorosos, abrangendo questões variadas, que vão desde a área econômica até questões atreladas a valores morais, costumes e direitos dos grupos minoritários. Afloram discursos intolerantes, estigmas e estereótipos, especialmente nas redes sociais.

Esse cenário é marcado pelo recrudescimento de uma direita mais radical no Brasil (em substituição à centro-direita, antes ocupada pelo PSDB e seus partidos aliados), que tem no ex-presidente Jair Messias Bolsonaro seu mais fiel expoente. Seus representantes mais conhecidos advogam uma pauta liberal na economia e conservadora nos costumes, evocando, muitas vezes, a memória discursiva dos valores que nortearam a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, uma manifestação pública de grupos conservadores, antipopulistas e anticomunistas contrários às reformas de base propostas pelo então presidente da República, João Goulart (1961-1964), e que serviram de base para certa legitimação por parte de uma determinada camada da sociedade brasileira ao Golpe de 1964. A esse respeito, observamos a constante publicação, por grupos bolsonaristas, de insígnias com o número 22 (número do partido do então pré-candidato) e as inscrições “Deus”, “Pátria”, “Família”.

Figura 1: Insígnia colocada em circulação por grupos bolsonaristas
Figura 1: Insígnia colocada em circulação por grupos bolsonaristas

É nesse contexto que entendemos posições e discursos que defendem a volta do regime ditatorial. Também faz parte do referido processo uma atitude no mais das vezes negacionista perante as dificuldades enfrentadas pelas minorias e grupos excluídos socialmente no Brasil (negros, indígenas, mulheres, homossexuais, dentre muitos outros), alegando sua “criação” pelos governos de centro-esquerda que antecederam o último governo e atribuindo a culpa aos discursos que denunciam sua existência, algo muito comum nas políticas do não dito que imperavam no Estado Novo, e à própria promulgação da Constituição de 1988. Aqui, observa-se alguma rejeição aos sistemas de cotas e aos programas de transferência de renda, atrelados à opção prioritária pela erradicação da pobreza extrema.

Do outro lado desse espectro está a centro-esquerda, representada, nas eleições do ano passado, principalmente pela candidatura de Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, apoiada fortemente pelos movimentos sociais. De forma antagônica à posição de direita, a centro-esquerda advoga uma maior ingerência do Estado na economia, a fim de buscar corrigir as desigualdades sociais existentes; defende as garantias das liberdades individuais e, dentre muitos outros aspectos, as políticas públicas voltadas especificamente para as minorias e para a superação da pobreza e da extrema pobreza.

Figura 2: Insígnia colocada em circulação por coletivo feminista pró-Lula
Figura 2: Insígnia colocada em circulação por coletivo feminista pró-Lula

Na verdade, o que essas posições divergentes fazem é colocar em circulação aquilo que Gee (2005, p. 131) denomina “CapitalD Discursos”, fazendo referência aos grandes discursos que circulam na sociedade, uma vez que grande parte das imagens e representações de determinados valores morais e ideológicos emerge por meio dos discursos que se apresentam como associações socialmente aceitas “entre formas de uso da linguagem, outras expressões simbólicas e artefatos, de pensamento, sentimento, acreditar, valorizar e agir que pode ser usado para se identificar com um membro de um grupo significativo ou ‘rede social’”. Tais discursos, repetidos tanto por práticas institucionais quanto não institucionais, são amplamente colocados em divulgação por meio de uma variedade de modos semióticos, estabelecendo relações de poder e determinando a “ordem dos discursos” (Foucault, 1996).

Para Lynch (2019), pesquisador que trabalha no campo das ciências políticas, o conceito de cultura política está completamente atrelado à noção de discurso, o que respalda nossa opção por associar, às análises advindas dos estudos do discurso, especialmente a narrativa, pesquisas realizadas no âmbito das ciências políticas. De acordo com o autor, entende-se, por cultura política,

o conjunto de discursos ou práticas simbólicas por que tais demandas são efetuadas, conferindo identidades aos indivíduos e grupos, indicando-lhes os limites de suas comunidades e definindo as posições a partir das quais podem demandar. Uma cultura política é atravessada por discursos, práticas simbólicas ou ideologias orientadas por diferentes valores e/ou interpretações da realidade. Os fatos políticos precisam ser interpretados à luz dos valores, crenças, interesses e objetivos dos diversos segmentos de que a sociedade é composta (Lynch, 2019, p. 80-81).

Nesse sentido, segundo Freeden (2003, p. 32), as ideologias ou discursos políticos são, portanto, conjuntos de

ideias, crenças, opiniões e valores que exibem um padrão recorrente; que possuem grupos significativos como seus portadores; competem pelo fornecimento e controle das políticas públicas, com o objetivo de justificar, contestar ou alterar os processos e arranjos políticos e sociais de uma comunidade política.

Retornando à questão da “disputa pela narrativa” apontada no início deste trabalho, cumpre destacarmos que, embora essa expressão seja empregada amiúde, não encontramos, nem na literatura corrente derivada dos estudos acerca de narrativa em particular, nem no campo das análises do texto e do discurso em geral, estudos que versem sobre a narrativa em contextos de polarização, conforme proposto por esta pesquisa, o que justifica sua execução. Segundo Borges e Vidigal (2018, p. 54), coincidentemente, não se encontram trabalhos relacionados à polarização no âmbito das ciências políticas brasileiras. De acordo com os autores, “de fato, o tema da polarização não foi objeto de estudos mais sistemáticos na ciência política brasileira”.

Nesse contexto, este trabalho, enquanto um recorte de uma pesquisa maior, procurará analisar e descrever as formas e funcionalidades das narrativas em contextos de profundo embate de posições político-ideológicas, selecionando, para tal, quatro interações específicas: as entrevistas concedidas pelos candidatos Jair Messias Bolsonaro e Luís Inácio Lula da Silva ao Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, respectivamente transmitidas nos dias 22 e 25 de agosto de 2022, além dos debates promovidos pela emissora entre os candidatos à eleição presidencial, realizados respectivamente em 29 de setembro e 28 de outubro de 2022.

A opção teórica pela Análise da Narrativa

Antes de mais nada cumpre-nos, agora, deixar claro o que entendemos por “narrativa” e quais são, de fato, suas imbricações com fatores de natureza ideológica e identitária, justificando, assim, nossa escolha pela Análise da Narrativa para esta empreitada. Na verdade, não será o sentido corriqueiramente atribuído ao termo “narrativa” que embasará a presente pesquisa. O que faremos é ecoar a posição assumida contemporaneamente por muitos pesquisadores nas ciências humanas em geral e na Linguística Aplicada em particular que têm compreendido a narrativa como a forma de organização básica da experiência humana, a partir da qual se pode estudar a vida social. Para autores como Sarbin (1986), a narrativa pode ser considerada como um artifício organizador que ressitua a construção do “eu” como um fenômeno social (a maneira como nos construímos no mundo social), integrando cultura e discurso na interpretação da sociedade. De acordo com Biar, Orton e Bastos (2021), ao narrar, os narradores vão dando forma ao mundo social, à medida que o escrevem, o discutem e o contestam, e, dessa maneira, interessa aos analistas da narrativa o que os atores sociais fazem ao narrar em histórias. Nesse sentido, “narrar” seria “uma prática discursiva constitutiva da realidade”, ou, como disse Foucault, uma prática que “forma os objetos dos quais fala”.

As primeiras pesquisas sobre narrativa foram elaboradas por Labov e Waletsky (1968) e Labov (1972), assentadas em uma concepção de narrativa enquanto um método de se recapitular experiências passadas. Nas palavras de Labov (1972, p. 37), “a narrativa será considerada (…) uma técnica para construir unidades narrativas que correspondem à sequência temporal daquela experiência”.

Labov (1972) apresenta uma proposta de estruturação de narrativas bem formadas, composta basicamente pelos seguintes itens: 1) “sumário”: resumo inicial, com introdução do assunto e da razão por que a história é contada;  2) “orientação”: identificação de personagens, tempo, lugar e atividades narradas; 3) “ação complicadora”: sequenciação temporal de orações narrativas, em que o narrador efetivamente conta o que aconteceu (de acordo com Labov, se ao menos duas orações no passado estiverem sequencializadas, remetendo a um passado temporal, se está diante de uma narrativa);  4) “avaliação”: explicitação da postura do narrador em relação à narrativa, bem como da razão de ser da narrativa; 5) “resultado”: desfecho da narrativa, em que o narrador revela o que “finalmente aconteceu” (Labov, 1972, p. 370); 6) “coda”: encerramento do relato com uma síntese, avaliação dos efeitos da história ou retomada do tempo presente.

Embora esse modelo dito “canônico” continue a influenciar muitas pesquisas na área, as propostas atuais, ditas “não canônicas”, vêm apontando críticas e revisões ao modelo laboviano. Se as narrativas estudas por Labov constituíam-se de relatos longos, relativamente ininterruptos e conduzidos por eventos passados ou pela história de vida do entrevistado, estudos contemporâneos sobre narrativa vêm ampliando esse trabalho pioneiro, expandindo suas definições formais e passando a incluir a análise de segmentos não canônicos, compostos por “narrativas breves” (cf. Bamberg e Georgakopoulou, 2008).

As narrativas breves são “histórias curtas, com tópicos específicos, organizadas em torno de personagens, cenários e de um enredo” (Riessman, 2001, p. 697), as quais podem se aproximar ou se distanciar do modelo laboviano. Podem versar sobre histórias muito recentes ou ainda sobre desdobramento de eventos, encaminhando uma orientação narrativa sobre entendimentos locais e situados dos narradores.

Faz-se imprescindível destacar que, de acordo com Bamberg e Georgakoupoulou (2008), a narração de pequenas histórias cumpre, sobretudo, um trabalho retórico: elas apresentam argumentos, contestam e desafiam outros pontos de vista e geralmente estão sintonizadas a propósitos locais e interpessoais, configurando-se em aspectos do uso situado da linguagem. Ainda segundo os autores, as narrativas breves podem versar sobre pequenos incidentes que podem (ou não) ter realmente acontecido, mencionados para apoiar ou elaborar determinado ponto argumentativo.

Nesta mesma linha, Schiffrin (1996) sustenta que o ato de se contar uma história pode frequentemente ter o objetivo de argumentar em favor de determinada opinião, de forma objetiva ou subjetiva, uma vez que permite ao falante jogar com fatos que são enquadrados dentro de uma realidade reportada, de maneira a contextualizar sua própria posição.

Por fim, de acordo com o estudo socioconstrucionista empreendido por Shi-Xu (2000) (que também versa, dentre outros aspectos, sobre o ato de narrar enquanto recurso argumentativo), os fatos, descritos e/ou narrados, atuam na argumentação como um frame interpretativo para a opinião em questão, amparando a opinião na coletividade cultural, aqui empregada como base de realidade. Nesse sentido, os fatos da realidade social, muitas vezes organizados em formas constituídas por pequenas histórias, são usados para sustentar opiniões, fundindo os significados subjetivos e objetivos da argumentação.

Em um âmbito maior, coloca-se a pertinência da Análise da Narrativa para a abordagem de questões atinentes à construção identitária e à interação social, questões estas que têm sido entendidas, contemporaneamente, como centrais em estudos como os de Mishler (2002), Riessman (2008), Bastos (2005), Bastos e Biar (2015), dentre outros. Nesse sentido, conforme bem lembra Bastos (2005, p. 81), as escolhas que fazemos ao nos introduzirmos como personagens em certos cenários, em meio a outros personagens e ações, se dão em função do modo como nos posicionamos em relação a esses elementos e nos afiliamos a certas categorias sociais, mesmo que contingencialmente, sendo parte de um processo de apresentação e interpretação de pelo menos algumas dimensões de quem somos: “ao contar estórias, situamos os outros e a nós mesmos numa rede de relações sociais, crenças, valores, ou seja, ao contar estórias, estamos construindo identidades”. A partir dessas histórias, podem-se elaborar articulações com o contexto macro-contextual ou sócio-histórico, conforme proposto por esta pesquisa. Afinal, se, conforme afirma Lynch (2016, p. 81), “os fatos políticos precisam ser interpretados à luz dos valores, crenças, interesses e objetivos dos diversos segmentos de que a sociedade é composta”, a Análise da Narrativa pode oferecer uma valiosa chave de interpretação para o pensamento político brasileiro contemporâneo.

Argumentação, polêmica e dissenso

Apontamos, na seção anterior, em consonância com diversos autores de Análise da Narrativa, para um imbricamento entre “narrativas breves” e “argumentação”. Deixamos claro que entendemos, em sintonia com Bamberg e Geogakoupalou (2008), que narrativas são meios construtivos e funcionais para a criação de personagens no espaço e no tempo, os quais são instrumentais para a criação de posições na fala-em-interação. Agora, faz-se necessário apresentarmos o que entendemos por “argumentação” e quais são seus possíveis pontos de contato com o emprego de narrativas na fala-em-interação.

Foi apenas em tempos recentes, com os trabalhos de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), que os estudos sobre argumentação ganharam novo impulso. Tentando aliar os principais elementos da pioneira Retórica de Aristóteles a uma visão atualizada do assunto, os autores elegeram a adesão do interlocutor como a mola-mestra do estudo da Teoria da Argumentação, de forma a definir a argumentação como “o conjunto das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que lhes são apresentadas ao seu assentimento” (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1996, p. 4).

No Tratado da argumentação, Perelman e Olbrechts-Tyteca (obra citada) elencam um inventário exaustivo dessas “técnicas argumentativas”, sob forma de esquemas de argumentos. Para os mestres do Tratado, as técnicas argumentativas se dividem em dois grandes grupos: os argumentos quase-lógicos e os argumentos baseados na estrutura do real.[1]

Paralelamente, faz-se importante retomar a noção aristotélica de provas “objetivas” e “subjetivas” da retórica, associadas aos conceitos de logos, de um lado, ethos e pathos, de outro. De acordo com Declerq (1992, p. 58), enquanto as provas objetivas definem a argumentação “pela capacidade persuasiva interna da linguagem”, as provas subjetivas, subdivididas em provas éthicas e pathéticas, relacionam-se “aos sujeitos da comunicação que se definem na situação de fala” (Declerq, obra citada, p. 45): a prova éthica “é relativa ao orador e à imagem moral que ele constrói dele mesmo ao falar”; a prova pathética concerne “ao auditório e às emoções que o orador desperta nele por seu discurso” (Declerq, obra citada, p. 45).

Ao lado desses estudos, caracterizados por entender a argumentação como um ato linguageiro marcado basicamente pela busca da adesão dos interlocutores às teses apresentadas ao assentimento, desdobramentos recentes, como aquele promovido pela Análise Argumentativa do Discurso (doravante AAD), proposta por Amossy (2017, 2018), têm alargado a noção de adesão do interlocutor para outras visadas, mais amplas e adequadas à proposta apresentada pela presente pesquisa.

Embora a concepção clássica de retórica e argumentação enquanto “arte da persuasão” continue a influenciar fortemente a construção teórica da AAD, Amossy (2017) aponta que, no entanto, para esses autores, a busca pelo acordo é privilegiada e “as dissensões persistentes são consideradas como perturbações à harmonia social e entraves ao processo de tomada de decisão” (Amossy, obra citada, p. 230). Segundo a autora, nem sempre o acordo entre teses antagônicas é possível, e, por isso, o desacordo não é sinônimo de fracasso, mas, na verdade, marca constituidora das sociedades democráticas, pautadas na diversidade de saberes e vivências, o que torna sua análise indispensável:

Se, de fato, o conflito é inevitável em nossas democracias pluralistas e se o cerne da democracia não é o consenso, mas a gestão do dissenso, então a polêmica como confronto verbal de opiniões contraditórias que não leva a um acordo utópico deve ser reconsiderada em sua profundidade. É, por conseguinte, uma retórica do dissenso que é necessário desenvolver, na qual a polêmica deve ter lugar de destaque (Amossy, obra citada, p. 38).

Nesse contexto, concebe-se que o discurso polêmico já nasce dicotomizado, uma vez que os participantes do confronto verbal público laçam suas teses no mais das vezes sem o propósito de negociar a busca por um consenso que ultrapasse as diferenças. Nesse contexto, o empreendimento da persuasão pode estar direcionado a um terceiro, um auditório sem direito a fala que, em princípio, pode aderir a uma das teses e, consequentemente, intensificar a polarização social, como no caso dos discursos políticos acionados em situações de debates eleitorais televisivos e de entrevistas a veículos de comunicação concedidas por candidatos analisados neste artigo.

Em sua obra intitulada Apologia da polêmica (2017), Amossy apresenta a polêmica como uma modalidade argumentativa fundamentada no dissenso, uma “manifestação discursiva sob forma de embate, afrontamento brutal, de opiniões contraditórias que circulam no espaço público” (Amossy, obra citada, p. 53) em que o “antagonismo das opiniões apresentadas no seio de um confronto verbal é sua condição sine qua non” (Amossy, obra citada, p. 49). Desse modo, o discurso polêmico é marcado por um contradiscurso que lhe constitui; não basta que um locutor mobilize argumentos para sustentar a sua tese: ele necessita, também, trazer argumentos que refutem/desqualifiquem a tese de seu adversário ou a própria pessoa que assume o papel de adversário. Ou seja, a natureza discursiva da polêmica impossibilita qualquer tipo de acordo, pois, “se há choque de opiniões contraditórias, é porque a oposição dos discursos, na polêmica, é o objeto de uma clara dicotomização na qual duas posições antitéticas se excluem mutuamente” (Amossy, obra citada, p. 53).

Entende-se, por dicotomização,

respostas antagônicas que sejam apresentadas como duas opções antitéticas que se excluem mutuamente […] é branco ou preto, e o polemista insiste na boa escolha a fazer em tal circunstância. É essa oposição radical que diferencia a polêmica do debate contraditório onde as opções divergentes são postas à prova da discussão (Amossy, obra citada, p. 232).

Além da dicotomização, a polêmica instaura uma polarização evidenciada pela divisão de dois grupos que se mantêm em campos opostos, com cada grupo apresentando uma determinada identidade diante da questão polêmica de interesse público. Mais especificamente, trata-se de um embate entre os sujeitos que, ao defenderem suas teses, se colocam em pontos opostos da argumentação e se organizam tendo em vista os valores coletivos a que se filiam. Temos, nesse caso, a “polarização”. Diferentemente da dicotomização, que é uma operação abstrata, a polarização é um fenômeno necessariamente social. Trata-se de um processo complexo através do qual um público extremamente diversificado se funde em dois ou vários grupos, fortemente contrastados entre eles e mutuamente excludentes, que partilham os valores que o argumentador considera fundamentais. De uma forma mais clara, de acordo com Amossy (obra citada, p. 232),

A polarização tem implicações identitárias. Trata-se de se aliar a um grupo constitutivo de uma identidade, ou suscetível de reforçá-la. Quanto mais a adesão a uma determinada tese é constitutiva de uma identidade compartilhada, mais o indivíduo tenderá a apegar-se a ela: a maneira pela qual percebe a si mesmo, a maneira pela qual os outros o veem e a medida em que participa fortemente de uma comunidade, é que estão em jogo. Encontramo-nos então numa lógica de divisão social, de defesa identitária e de combate pelo triunfo dos valores e opções de seu grupo.

Já que a polarização é marcada para além das divergências pontuais e se coloca no campo social mais profundo, o ideológico, os atores envolvidos assumem papéis diferentes, “de proponente e oponente”. Dessa forma, não se trata mais de uma interação entre dois participantes com pontos de vista divergentes, mas de representantes de grupos sociais que defendem posições argumentativas incompatíveis e antagônicas, gravitando em torno de bandeiras que clamam ao agrupamento, o que torna a solução para o embate difícil, fundamentando a polêmica em uma estrutura actancial. Assim sendo, tal estrutura não se caracteriza como flexível, com sinalizações de mudanças de posições argumentativas, mas de identificação de diversos outros participantes à posição defendida por cada um dos debatedores, num fenômeno identitário destes com o grupo que os representa.

Análise dos dados

Para Charaudeau (2006, p. 39), embora o discurso não esgote, de forma alguma, todo o conceito político, “não há política sem discurso”. O discurso é constitutivo da política. Tomando a linguagem como o dispositivo que motiva a ação, a orienta e lhe dá sentido, o autor afirma que, por conseguinte, “a política depende da ação e se inscreve constitutivamente nas relações de influência social, e a linguagem, em virtude do fenômeno de circulação dos discursos, é o que permite que se constituam espaços de discussão, de persuasão e de sedução nos quais se elaboram o pensamento e ação políticos” (Charaudeau, obra citada, p. 39). Justifica-se, assim, o estudo do político pelo viés do discurso.

Ainda de acordo com o autor, o discurso político, como ato de comunicação, concerne aos atores que participam diretamente da cena de comunicação política, e seu desafio consiste em influenciar as opiniões a fim de obter adesões, rejeições, consensos ou dissensos. Ele resulta de aglomerações que estruturam parcialmente a ação política (como debates e declarações em entrevistas televisivas) e constroem imaginários de filiação comunitária, em termos de um comportamento comum, mais ou menos ritualizado. Nesse contexto, instituem-se comunidades múltiplas de pensamento e de ação, intercambiada entre os membros do grupo, como uma espécie de “cimento identitário” (Charaudeau, obra citada, p. 46).

Considerando a complexidade da estruturação do campo político, Charaudeau distingue três lugares de fabricação do discurso político: um lugar de governança, um lugar de opinião e um lugar de mediação. “No primeiro desses lugares se encontram a instância política e seu duplo antagonista, a instância adversária; no segundo, encontra-se a instância cidadã e, no terceiro, a instancia midiática” (Charaudeau, obra citada, p. 55). De acordo com o autor,

Pode-se dizer que a instância midiática se encontra em um duplo dispositivo: de exibição, que corresponde a sua busca por credibilidade, e de espetáculo, que corresponde a sua busca por cooptação. Esta última adquiriu uma posição dominante no circuito de informação a ponto de não se saber mais qual crédito conceder à instância midiática. Isso não impede que o discurso que a justifica avance em seu dever de informar e promover o debate democrático, de maneira a ser reconhecido seu direito de fazer revelações e de denunciar. O discurso da instância midiática encontra-se, portanto (…), entre um enfoque de cooptação, que leva a dramatizar a narrativa dos acontecimentos para ganhar a fidelidade de seu público, e um enfoque de credibilidade, que o leva a capturar o que está escondido sob as declarações dos políticos, a denunciar as malversações, a interpelar e mesmo acusar os poderes públicos para justificar seu lugar na construção da opinião pública (Charaudeau, 2006, p. 63; grifos nossos).

Na realidade, a instalação definitiva da sociedade do espetáculo – vigente nos últimos quarenta anos, acompanhando as características das sociedades pós-modernas, derivadas da radicalização dos traços da modernidade – reserva, ao discurso político trabalhado pelas mídias, facetas um tanto distintas da materialização observada nos períodos anteriores: agora, o tratamento dado a esse discurso é caracterizado pela “espetacularização”, devidamente adequada aos padrões midiáticos pós-modernos, o que as leva a atribuir os efeitos de sentido de mentira e segredo ao discurso político.

Nesse contexto, as mídias passam então a se apresentar pretensamente como instituições que cumprem uma “função social imprescindível, propriamente a de desvelar criticamente as mentiras e os segredos políticos” (Piovezani Filho, 2003, p. 54): “visualiza-se, pois, a atuação da mídia, em função de sua suposta ‘politização’, como ‘porta-voz’ daqueles que, alijados do poder (que, paradoxalmente, eles mesmos concederam), impossibilitados de agir efetivamente no espaço político, devem contentar-se com a mera assistência do desenrolar das ações ali empreendidas” (Piovezani Filho, obra citada, p. 58).

Dessa forma, assumem a função de organismos especializados em responder a uma demanda social por dever de democracia, atribuindo-se aos jornalistas o papel de agentes que buscam tornar público aquilo que seria ignorado, oculto ou secreto, “em benefício da cidadania”. Conforme bem aponta Charaudeau (obra citada, p. 17), “enquanto se admite no mundo político, de maneira geral, que o discurso aí manifestado está intimamente ligado ao poder e, por conseguinte, à manipulação, o mundo das mídias tem a pretensão de se definir contra o poder e contra a manipulação”.

É nesse sentido que podemos entender muitos dos aspectos da performance discursiva dos entrevistadores William Bonner e Renata Vasconcelos, da Rede Globo de Televisão, durante as entrevistas com os principais candidatos à presidência em 2022, no Jornal Nacional, conforme podemos observar em (1), (2):

(1) [William Bonner]: Candidato, (…) em 2018, o senhor candidato à Presidência, o senhor se apresentava como candidato da antipolítica e o candidato contra o centrão. Na convenção do seu partido, o general Heleno chegou a cantar “se pegar,… se gritar pega centrão, não fica um”, trocando a palavra “ladrão” por “centrão” etc., isso ficou muito famoso. Hoje, a verdade é que o centrão, ele é a base do seu governo. Na semana passada, quando o senhor estava saindo lá do Palácio do Alvorada, inclusive o senhor enfrentou lá um incidente com aquele youtuber, que foi cobrar do senhor essa aliança do seu governo com o centrão. Eu pergunto: por que eleitores como aquele, que se sentem traídos pelo senhor, acreditariam nas suas promessas de agora?

[Jair Bolsonaro]: Você está me estimulando a ser ditador.

[William Bonner]: Eu, candidato?

[Jair Bolsonaro]: Você. O centrão são mais ou menos 300 deputados. Se eu deixar de lado, eu vou governar com quem? Não vou governar com o parlamento. Então, você está me estimulando a ser um ditador. São 513 deputados. 300 são de partidos de centro, pejorativamente chamado de centrão. O lado de lá, os 200 que sobram, pessoal do PT, PC do B, PSOL, Rede, não dá para você conversar com eles, até não teriam número suficiente para aprovar sequer um projeto de lei comum. Então, os partidos de centro fazem parte, grande parte da base do governo, para que nós possamos avançar em reformas, como temos avançado em muita coisa. Como, por exemplo, através do centrão, nós conseguimos o Auxílio Brasil de R$ 600 para 20 milhões de famílias. Dá para imaginar isso? E olha só, os partidos de esquerda votaram contra o parcelamento dos precatórios, que era condição para a gente dar lá atrás R$ 400 de Auxílio Brasil para os mais necessitados. Então o PT votou contra o Auxílio Brasil (…).

[William Bonner]: Agora vamos lá, candidato…

[Jair Bolsonaro]: Como é que eu vou trabalhar com o parlamento sem os partidos do centrão?

[William Bonner]: A questão que o senhor disse que eu estou estimulando o senhor a ser ditador?

[Jair Bolsonaro]: Está estimulando, sim.

[William Bonner]: Por favor, candidato, não, longe de mim.

[Jair Bolsonaro]: Se eu for governar sem o centrão?

[William Bonner]: Não, eu estimulei nada, é que a questão é a seguinte: em 2018, o senhor chegou a dizer, até com propriedade, que governos anteriores tinham feito alianças com o centrão, mas o senhor disse criticamente que esses governos anteriores tinham feito nomeações com interesse político-partidário e que isso tinha tudo para dar errado. O senhor chegou até a concluir assim: “Por isso eu não integro o centrão”. Mas, recentemente, há dias, o senhor, com muita naturalidade, disse assim: “Eu sempre fui do centrão. Eu vim do centrão”. Aí eu? eu tenho que perguntar ao candidato, em nome da clareza para os eleitores: em qual dessas duas afirmações o eleitor deve acreditar? O senhor sempre foi do centrão ou o senhor, como disse em 2018, diz: “Eu nunca fui do centrão por esse motivo”?

[Jair Bolsonaro]: No meu tempo não era centrão. Não existia centrão.

[William Bonner]: Como assim?

[Jair Bolsonaro]: No meu tempo, esses partidos que eu já integrei não eram tidos como partidos do centrão. Agora, o importante, Bonner, o importante: nós estamos num governo sem corrupção. Eu indiquei ministros pelo critério técnico. Eu não aceitei pressões de lugar nenhum para escalar ministros. (…) Estamos governando com competência e sem corrupção, porque não tem indicação política para esses ministérios.

Na pergunta inicial elaborada pelo entrevistador Willian Bonner, observamos uma sucessão de narrativas breves que serve à materialização de uma argumentação baseada na estruturação do real, a partir do relato de uma sucessão de fatos que encaminha, em termos de uma argumentação quase-lógica (Cf. Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1996), para o apontamento de uma contradição entre o candidato Jair Bolsonaro, que se dizia contra o “centrão”, e o agora presidente Jair Bolsonaro, aliado do “centrão”. Observe ainda que a narrativa breve na semana passada, quando o senhor estava saindo lá do Palácio do Alvorada, inclusive o senhor enfrentou lá um incidente com aquele youtuber, que foi cobrar do senhor essa aliança do seu governo com o centrão serve à fundamentação do real, mediante uma ilustração do ponto defendido pelo entrevistador.

A resposta dada pelo presidente Bolsonaro ao entrevistador (você está me estimulando a ser um ditador) instaura, de imediato, a polêmica, entendendo esta resposta, nos termos do que foi proposto por Amossy (2017), como uma resposta antagônica, uma antítese do que foi apresentado pelo entrevistador, a partir da seguinte lógica: “ou sou o Presidente de uma república democrática, que governa com seu grupo no parlamento, ou não governo com o parlamento e me torno um ditador”. Esse posicionamento vem materializado, na superfície discursiva, por meio de um argumento baseado na estruturação do real, de natureza pragmática, aplicando-se ligações de sucessão, que unem um fenômeno a suas consequências ou a suas causas (O centrão são mais ou menos 300 deputados. Se eu deixar de lado, eu vou governar com quem? Não vou governar com o parlamento. Então, você está me estimulando a ser um ditador).

Cumpre destacar ainda que a argumentação de Bolsonaro é baseada na premissa de ele mesmo se encontrar no “lugar da governança” (Charaudeau, 2006) (eu vou governar com quem? Não vou governar com o parlamento). Paralelamente, ao se negar a responder àquilo que foi central na pergunta de Bonner (“o que mudou entre o que pensava o candidato Bolsonaro e o agora presidente Bolsonaro em relação ao ‘centrão’”), o candidato passa a utilizar seu tempo para apresentar, na sequência, uma sucessão de números que, se confirmados, serviriam como uma argumentação baseada em fatos acerca de aspectos positivos de seu governo. Dessa maneira, o então presidente não só não responde à questão central quanto desvia o tópico discursivo para um campo mais favorável.

Consciente dessa estratégia, após mais um embate entre entrevistador e entrevistado ([William Bonner]: A questão que o senhor disse que eu estou estimulando o senhor a ser ditador? [Jair Bolsonaro]: Está estimulando, sim. [William Bonner]: Por favor, candidato, não, longe de mim. [Jair Bolsonaro]: Se eu for governar sem o centrão? [William Bonner]: Não, eu estimulei nada), William Bonner retoma o ponto central da pergunta elaborada no início da entrevista, novamente em forma de narrativa: após a orientação em 2018, observamos a apresentação de uma sequência de “ações complicadoras”: o senhor chegou a dizer, até com propriedade, que governos anteriores tinham feito alianças com o centrão, mas o senhor disse criticamente que esses governos anteriores tinham feito nomeações com interesse político-partidário e que isso tinha tudo para dar errado. O senhor chegou até a concluir assim: “Por isso eu não integro o centrão”. Mas, recentemente, há dias, o senhor, com muita naturalidade, disse assim: “Eu sempre fui do centrão. Eu vim do centrão”. Segue-se a resolução Aí eu? eu tenho que perguntar ao candidato, em qual dessas duas afirmações o eleitor deve acreditar?, intercalada à avaliação em nome da clareza para os eleitores, fazendo referência ao papel contemporaneamente assumido pelas mídias, das quais toma parte, de denunciar as malversações e trazer à luz o que está escondido nas declarações dos atores políticos.

No plano subjetivo da argumentação, o teor dessas perguntas e sua repetição servem para colocar em xeque a “credibilidade” do presidente da República e candidato à reeleição, a partir da observância sobre se aquilo que ele anuncia, diz e promete corresponde sempre ao que ele pensa e coloca em prática, “e que isso será seguido de um efeito” (Charaudeau, obra citada, 2006, p. 119).

Novamente, no entanto, a resposta elaborada pelo presidente Bolsonaro tergiversa o teor central da pergunta e se esvai para um outro campo, mais uma vez, a partir de uma argumentação baseada na estruturação do real, através da apresentação de supostos fatos positivos que colocam o seu governo no plano de uma avaliação mais favorável. Essa desconexão entre pergunta e resposta, e o consoante desalinhamento entre entrevistador e entrevistado, permeia toda a interação em questão e está presente também, na mesma medida, na entrevista concedida ao Jornal Nacional pelo principal oponente de Jair Bolsonaro, Luís Inácio Lula da Silva. Observe:

(2) [William Bonner]: Obrigado por ter vindo, candidato. E nós vamos começar então essa entrevista a partir de agora, contando o tempo, e vamos começar falando de corrupção. O Supremo Tribunal Federal lhe deu razão, considerou o então juiz Sérgio Moro parcial, anulou a condenação do caso do triplex e anulou também outras ações por ter considerado a Vara de Curitiba incompetente. Portanto, o senhor não deve nada à Justiça. Mas houve corrupção na Petrobras. E segundo a Justiça, com pagamentos a executivos da empresa, a políticos de partidos, como o PT, como o então PMDB e o PP. Candidato, como é que o senhor vai convencer os eleitores de que esses escândalos não vão se repetir?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Bonner, primeiro, eu acho importante você ter começado esse debate com essa pergunta. Porque, durante cinco anos, eu fui massacrado, e estou tendo hoje a primeira oportunidade de poder falar disso abertamente, ao vivo, com o povo brasileiro. Primeiro, a corrupção, ela só aparece quando você permite que ela seja investigada. Eu queria começar dizendo para você uma coisa muito séria, foi no meu governo que a gente criou o Portal da Transparência, que a gente colocou a CGU para fiscalizar, que a gente criou a Lei de Acesso à Informação, a gente criou a lei anticorrupção, a lei contra o crime organizado, a lei contra a lavagem de dinheiro. A AGU entrou no combate à corrupção. Criamos o Coaf para cuidar de movimentações financeiras atípicas, e colocamos o Cade para combater os cartéis. Ou seja, foram todas medidas tomadas no meu governo, além do que o Ministério Público era independente, além do que a Polícia Federal recebeu no meu governo mais liberdade do que em qualquer outro momento da história. (…)

[William Bonner]: Agora, candidato, o senhor elencou diversas medidas adotadas em governos do PT como instrumentos, mecanismos de controle da corrupção, mas é fato que a corrupção, a despeito disso, ocorreu, e ocorreu em grande escala, por isso eu retomo a pergunta original, que é: como o senhor pode assegurar que elas não se repetirão? Alguma medida nova foi estudada para evitar que aconteça?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Ô Bonner, primeiro, as medidas estão colocadas. Veja, eu poderia ter escolhido um procurador engavetador. Sabe aquele amigo que você escolhe que nenhum processo vai para frente? Eu poderia ter feito isso; não fiz, eu escolhi da lista tríplice. Eu poderia ter impedido que a Polícia Federal tivesse um delegado que eu pudesse controlá-lo; não fiz, e permiti que efetivamente as coisas acontecessem do jeito que precisavam acontecer.

Cumpre destacar que o jornalista já inicia a entrevista com uma pergunta que faz referência direta ao tema mais vulnerável para a candidatura de Lula em 2022: a “corrupção”. De forma análoga à entrevista anterior, essa abordagem está ancorada discursivamente em narrativas não canônicas: após a orientação houve corrupção na Petrobras, seguem algumas ações complicadoras e segundo a Justiça, com pagamentos a executivos da empresa, a políticos de partidos, como o PT, como o então PMDB e o PP, baseadas em fatos e em um argumento de autoridade (segundo a justiça) que colocam em cheque, no plano subjetivo da argumentação, o ethos de “virtude” do candidato e ex-presidente Lula.

Cumpre destacarmos que, de acordo com Charaudeau, o ethos de “virtude” está atrelado à demonstração, por parte dos atores políticos, das imagens fundadas em suas condições de sinceridade, fidelidade e honestidade pessoal, sendo esta última relacionada a uma atitude de se dizer o que pensa, de se ter uma vida transparente, não ter participado de negócios escusos. Nas palavras do autor, constitui “uma resposta a expectativas fantasiosas da instância cidadã, na medida em que esta, ao delegar um poder, procura fazer-se representar por um homem ou por uma mulher que seja modelo de retidão e honradez” (Charaudeau, obra citada, p.124).

Após a narrativa breve durante cinco anos (orientação), eu fui massacrado (ação complicadora), e estou tendo hoje a primeira oportunidade de poder falar disso abertamente, ao vivo, com o povo brasileiro (avaliação), que aqui ocupa a função de refutar, no plano subjetivo da argumentação, as acusações que pesaram sobre sua imagem pública enquanto um político “virtuoso” no que tange ao envolvimento com corrupção, o candidato passa a narrar ações empreendidas pelo seu governo para combater a corrupção, novamente através de narrativas não canônicas: as ações complicadoras foi no meu governo que a gente criou o Portal da Transparência, que a gente colocou a CGU para fiscalizar, dentre outras, subsequentes, ancoram uma nova argumentação estruturada no real, baseada em fatos que, atrelados à avaliação mais liberdade do que em qualquer outro momento da história, desempenham basicamente a mesma função daquelas observadas na entrevista com Jair Bolsonaro, ou seja, deslocar o tópico da interação em curso (no caso, a corrupção na Petrobrás) para um campo mais favorável ao candidato.

Essa estratégia é denunciada pelo entrevistador, que recoloca o tema a corrupção como o centro da interação em curso (Agora, candidato, o senhor elencou diversas medidas adotadas em governos do PT como instrumentos, mecanismos de controle da corrupção, mas é fato que a corrupção, a despeito disso, ocorreu, e ocorreu em grande escala, por isso eu retomo a pergunta original, que é: como o senhor pode assegurar que elas não se repetirão? Alguma medida nova foi estudada para evitar que aconteça?).

Mais uma vez, de forma análoga ao observado no exemplo (1), o candidato tergiversa o teor central da pergunta, mantendo exatamente a mesma estratégia de elencar supostas ações positivas empreendidas no passado para evitar tratar diretamente do tema.

Esse descompasso entre pergunta e resposta, esse desalinhamento entre os interlocutores, torna-se ainda mais pungente quando analisamos a performance dos candidatos em uma outra modalidade de interação: os debates eleitorais televisivos (especialmente nas seções de tema livre, em que, em tese, caberia a um perguntar e ao outro responder). Observe, a esse respeito, o excerto destacado em (4), que se apresenta como um desdobramento posterior da pergunta retratada em (3):

(3) [Jair Bolsonaro]: Luiz Inácio, assumindo em 2019 um Brasil com sérios problemas éticos, morais e econômicos, em grande parte herdado do Governo do PT, mas mesmo assim com pandemia, com falta d’água e outras crises, nós concedemos reajuste para os aposentados e majoramos o salário-mínimo. Tanto é verdade que nós reajustamos, acertamos a economia, que eu posso anunciar que, a partir do ano que vem, o novo salário-mínimo será de 1.400 reais. Mas ao longo dos últimos dias, Luiz Inácio, o seu partido foi com toda vontade, na televisão e nas inserções de rádio, dizer que não ia reajustar o mínimo, que eu não ia reajustar as aposentadorias, e, também, que eu ia acabar o 13º, com as férias e com as horas extras. Tu confirmas isso? Fim do 13º, fim das horas extras e também das férias?

(4) [Jair Bolsonaro]: Lula, na verdade, tu deixou uma dívida, só na Petrobras, o dobro do valor da empresa. Você deixou uma dívida de 900 bilhões de reais. 170 bilhões de dólares. Ainda roubou o fundo de pensão da Petrobras, roubou o fundo de pensão da Caixa Econômica. Roubou o fundo de pensão dos Correios. Você deixou algo no ar em torno de 400 bilhões do BNDES com essa política de também emprestar para outros países, para fazer obras sem qualquer retorno para nós. Lula, você deu um bilhão de dólares para Cuba para fazer um porto lá e estamos levando calote. Agora, está no contrato, eu vi, Lula, que falta de vergonha de você. Você sabe qual a garantia de Cuba para o Brasil, caso não pagasse a dívida? Charutos. Tá lá no contrato. Lula, você não tem vergonha na cara de indicar um presidente do BNDES para ele fazer esse tipo de acordo com outros países, como charuto em garantias com Cuba? Explica aqui, Lula.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Eu vou naquela câmera ali para pedir o seguinte. Pai, perdoai os ignorantes, eles não sabem o que fazem. Porque se ele tivesse o mínimo de noção do que é política externa, ele percebesse, tivesse lido o Valor essa semana, o jornal Valor, ele perceberia o significado de exportar engenharia. Ele deveria saber que o Brasil lucrou praticamente… o Brasil investiu 10 e o Brasil recebeu 12 bilhões. Ele poderia ler pelo menos o Valor. Alguém poderia pedir para ele ler, ou a assessoria ler para ele, para ele não falar tanta sandice aqui. Isso aqui é um debate que a gente está falando com milhões de pessoas. Pelo amor de Deus. Diga alguma coisa com coisa. Pelo amor de Deus, gente, é difícil. O cidadão está desequilibrado hoje. Porque ele veio com um único argumento.

Alguém dá um argumento para ele outra vez. Ensina ele a falar outra coisa, porque ele tem que explicar por que ele não aumentou o mínimo, ele tem que explicar por que não aumentou a merenda escolar, ele tem que explicar por que ele isolou o Brasil do mundo!

Observe que, em (3), o início da pergunta vem materializado em forma de uma narrativa breve, composta pela orientação assumindo em 2019 um Brasil, pelas avaliações com sérios problemas éticos, morais e econômicos, em grande parte herdado do Governo do PT e tanto é verdade que nós reajustamos, acertamos a economia, pelas ações complicadoras mas mesmo assim com pandemia, com falta d’água e outras crises e pelas resoluções nós concedemos reajuste para os aposentados e majoramos o salário-mínimo e que eu posso anunciar que, a partir do ano que vem, o novo salário-mínimo será de 1.400 reais. Neste caso, o presidente e candidato à reeleição aproveita o momento da pergunta para novamente, assim como observado nos excertos anteriores, trazer à memória dos telespectadores supostos fatos e dados positivos de sua administração, agora nas áreas de economia e bem-estar social, em forma de narrativa.

Em (4), no entanto, temos algo um tanto diferente: a narrativa elaborada no início da intervenção de Jair Bolsonaro, que se inicia em Lula, na verdade, tu deixou uma dívida só na Petrobras, o dobro do valor da empresa, serve para ancorar uma versão conflitante sobre os fatos em questão, desfavorável ao oponente, acionando, no plano subjetivo da argumentação, a um ataque tanto ao ethos de “virtude” quanto ao de “competência” de seu oponente. Lula, no entanto, se recusa a dar segmento na interação e a responder aos ataques desferidos por seu oponente, em mais um claro truncamento da dinâmica interacional em curso, ocupando seu tempo para atacar o ethos de “caráter”[2] (Cf. Charaudeau, 2006) de Bolsonaro.

Quanto à virulência da linguagem empregada (roubou, falta de vergonha, não tem vergonha na cara, ignorante, desequilibrado), segundo Amossy (2017), quando estamos diante de uma polarização extrema,

a polarização utiliza, de bom grado, manobras de difamação. Trata-se de uma estratégia retórica para desacreditar o adversário, definindo-o como um defensor de um ponto de vista caracterizado por sua má-fé (não autêntico) e suas más intenções (mal-intencionado) (Vanderford, 1989, p. 166). Não nos impressionamos, portanto, em ver que a exacerbação em grupos antagônicos, em que cada um afirma sua identidade social opondo-se e fazendo do outro o símbolo do erro e do mal (Amossy, 2017, p. 58).

Por fim, observamos casos em que a narrativa acena para os pontos extremos, ancorando avaliações e ações complicadoras constituídas pelos princípios ideológicos da polarização, em torno dos quais gravitam segmentos sociais em conflito. É o caso das palavras proferidas por Jair Bolsonaro ao término de um dos debates, nas “considerações finais” da sua participação:

(5) Boa noite. Deus, pátria, família e liberdade. Temos um governo que respeita a todos. Um governo que está rompendo quatro anos sem corrupção. Um governo que respeita a família brasileira. Um governo que diz não ao aborto, porque ele entende que a vida existe desde a sua concepção. Um governo que respeita as crianças em sala de aula, não a ideologia de gênero. Um governo que sabe a dor de uma mãe que tem os filhos no mundo das drogas, por isso é um governo que não quer legalizar as drogas. Um governo do livre mercado. Um governo que dá exemplo para o mundo na recuperação da economia mundial, que foi abalada. Um governo brasileiro onde pode mostrar para o mundo que temos uma das gasolinas mais baratas do mundo, que tem um dos programas sociais mais abrangentes do mundo: são 20 milhões de famílias que ganham 600 reais por mês, diferentemente do que acontecia no passado. Um governo que respeita a todos. Um governo que quer continuar, com o seu voto, para que a felicidade de verdade chegue aonde tem que chegar: a você, povo brasileiro. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!

Ao fazer referência ao lema “Deus, pátria, família e liberdade”, Bolsonaro retoma a memória discursiva do manifesto apresentado em 7 de outubro de 1932 pela Ação Integralista Brasileira (AIB), vertente nacional do fascismo.

Figura 3: slogan da Ação Integralista Brasileira
Figura 3: slogan da Ação Integralista Brasileira

Empregado amiúde pelos apoiadores do Golpe de 64, esse manifesto se constitui em um norte para a extrema-direita brasileira. O manifesto prega o caráter cristão da nossa sociedade como centro da orientação política da nação, iniciando-se já com a afirmação de acordo com a qual “Deus dirige os destinos dos povos”. Ao longo do texto do manifesto, a força sobrenatural cristã é enaltecida repetidas vezes como o dogma a ser seguido para se alcançar um modelo ideal de família, de sociedade, de uma pretensa indivisibilidade de classes e, logo, do próprio funcionamento econômico e social:

Deus dirige os destinos dos povos. […] O homem vale pelo trabalho, pelo sacrifício em favor da Família, da Pátria e da Sociedade. […]toda superioridade provém de uma só superioridade que existe acima dos homens: a sua comum e sobrenatural finalidade. Esse é um pensamento profundamente brasileiro, que vem das raízes cristãs da nossa História e está no íntimo de todos os corações (Manifesto de 7 de outubro de 1932, Ação Integralista Brasileira).

De acordo com Almeida (2022, p. 354)

como colocado pela AIB, este “pensamento profundamente brasileiro” é advindo “das raízes cristãs da nossa História”: eis o sentido do programa integralista para um modelo unívoco de pátria, que passou a ser sintetizado no slogan “Deus, pátria e família” (…). Ao analisar este dizer, relacionamo-lo às condições de produção da década de 1930 para, assim, perceber como (…) se comunica com as condições postas pela contemporaneidade, quando tal lema é reapropriado pela extrema direita brasileira que ora detém o poder político da nação.

Cumpre destacar ainda que, para Charaudeau (2016, p. 102-103),

O discurso de direita baseia-se numa visão de mundo em torno da qual se elabora um sistema de pensamento: a natureza se impõe ao homem. Dessa visão de submissão do ser humano à ordem da mãe natureza decorrem os valores defendidos, num movimento de conservação do estado das coisas. Valor da ordem, como na natureza e que é preciso deixar expandir-se sem a mão do homem. (…) O valor família, da sociedade familiar, pois é em seu seio que se fabrica o indivíduo. No pensamento de direita, não é o indivíduo que fabrica o grupo, mas o grupo que fabrica o indivíduo, daí a importância da filiação, do inato e do peso da tradição familiar que essencializa o grupo e o indivíduo num destino imutável. Isso justifica a ordem piramidal em cujo topo se encontra a figura do patriarca, potência tutelar, e ao mesmo tempo protetor dos membros da família (…) Aqui se confundem legitimidade e autoridade, uma fundando a outra num lugar de poder antirrepublicano. O valor do trabalho (…) que deve ser entendido como estabelecedor de uma ordem hierárquica entre os senhores, os donos, os chefes, os dirigentes e, por último, os executores – que de início foram os camponeses e depois os operários. Assim se justifica uma atividade produtiva a serviço de um corpo social – ao qual os trabalhadores devem tudo (…) O valor pátria, segundo o qual o corpo social é constituído pelos filhos da nação como essência fundadora da sua identidade.

Considerações Finais

Tomando em consideração o vasto emprego da expressão “disputa pela narrativa” na contemporaneidade, acionada principalmente para fazer referência aos embates de versões que circundam a política brasileira contemporânea, profundamente polarizada entre a centro-esquerda e a direita, este trabalho, enquanto um recorte de uma pesquisa maior, buscou analisar e descrever as formas e as funcionalidades de narrativas que emergiram em situações de interação com os dois principais líderes políticos e candidatos à Presidência da República, Jair Messias Bolsonaro e Luís Inácio Lula da Silva, particularmente em entrevistas e debates realizados pela Rede Globo de Televisão durante a campanha para as eleições de 2022.

Para atingir nossos objetivos, partimos do quadro teórico oferecido pela Análise da Narrativa, tanto do modelo dito “canônico” elaborado por Labov e Waletsky (1968) e Labov (1972) quanto das propostas de análise de narrativas “não canônicas” e “narrativas breves”, apresentadas por autores como Bamberg e Georgakopoulou (2008).

Após a análise dos dados, os resultados desta pesquisa ecoaram a posição sustentada pelos trabalhos de Bamberg e Georgakoupoulou (2008), Schiffrin (1996) e Shi-Xu (2000), já que as narrativas breves analisadas cumpriram sobretudo um trabalho retórico, elaborado para apoiar um determinado ponto argumentativo (especialmente para apresentar supostos “feitos” e fatos positivos relacionados ao período em que ocuparam a Presidência da República). Nesse sentido, o ato de se recontar a realização de algo apresentou-se com o propósito de argumentar em favor de uma determinada opinião, permitindo ao falante jogar com fatos que são enquadrados dentro de uma realidade reportada, aqui empregada como base de realidade, contextualizando sua própria posição e moldando um frame interpretativo para a opinião em questão, amparada muitas vezes na coletividade cultural dos polarizados segmentos que os apoiam. Nos termos da Nova Retórica de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), esses argumentos constituem-se daqueles baseados na “estrutura do real”.

De forma simultânea, quase na totalidade das vezes, as narrativas não canônicas empregadas pelos candidatos serviram, estrategicamente, especialmente no caso das entrevistas, para tergiversar o teor central do tópico em curso acionado pelo entrevistador (geralmente também a partir da narração de determinados fatos) durante a elaboração da pergunta, geralmente com temas bastantes sensíveis para as candidaturas em curso, e se esvair para um outro campo mais favorável, quase sempre a partir de uma argumentação baseada na estruturação do real, responsável por colocar em pauta os feitos e fatos descritos no parágrafo anterior.

Observamos ainda, especialmente no caso dos debates, outras funções da narrativa, como aquela destinada a ancorar uma versão conflitante sobre os fatos em questão, desfavorável ao oponente. Em todo caso, no plano das relações subjetivas da argumentação, as narrativas empregadas serviram para performar, por parte dos candidatos, imagens positivas de si, acionando imaginários sociais sociodiscursivos que remetem às diversas categorias de ethos descritas por Charaudeau (2006) para os atores políticos e, no caso dos enfrentamentos verbais, para difamar e desqualificar o adversário.

Por fim, sobretudo no momento das “considerações finais” das entrevistas e debates, o emprego de narrativas não canônicas por parte dos candidatos assumiu a funcionalidade de acenar, estrategicamente, para os segmentos ditos “ideológicos” de seus eleitores, colocados na ponta mais extrema do continuum da polarização centro-esquerda versus direita em curso. Essa funcionalidade da narrativa emerge em todas as performações discursivas do presidente Jair Bolsonaro, tanto na situação de encerramento da entrevista quanto dos debates, e se prestam a dar corpo ao “cimento social” que conecta o candidato aos setores mais conservadores da sociedade brasileira, atrelando novamente sua identidade e sua candidatura aos imaginários populares acionados aos universos morais que circunscrevem tal posicionamento.

Em todo caso, a desconexão entre pergunta e resposta, e o consoante completo desalinhamento entre os oponentes, funda e faz eco à situação de extrema polarização em que se encontram seus eleitores, numa dinâmica aparentemente sem fim, com a narrativa se prestando ao papel de servir, de fato, para pavimentar o curso dos duelos discursivos travados em cada interação apresentada neste artigo, atrelando-se sempre ao embate. Nesse sentido, depois de muitos anos em que foi armado o ringue, o Brasil segue prisioneiro das narrativas conflagradas. Duas forças opostas que se retroalimentam numa dinâmica de sinais trocados, que sequestra o debate e faz dos brasileiros reféns da colisão permanente.


* Fábio Fernando Lima é doutor (2009) e pós-doutor (2013) em Letras pela USP e membro do GRPESq Narrativa e Interação Social – NAVIS. Atualmente, é professor colaborador e bolsista de Pós-Doutorado da FAPERJ na PUC-Rio. Tem publicações nas áreas de Análise do Discurso, Linguística Textual e Linguística Aplicada.

 

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Notas

[1] Em razão dos limites estabelecidos para este trabalho, não nos deteremos, aqui, a apresentar um inventário exaustivo dessas “técnicas argumentativas”. Elas serão devidamente apresentadas na seção de análise, conforme for o caso.

[2] A elaboração da figura de um homem que “tem caráter” emerge no discurso, segundo Charaudeau (2006), a partir de diversas estratégias, tais como a crítica indignada, com suas variantes, a provocação e a polêmica; a força tranquila, serena mas combativa, por meio da qual o político demonstra a força de quem sabe conduzir e o controle de si, o qual denota um caráter equilibrado de quem não se deixa levar por pequenas coisas, além da moderação.